Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
968/20.0YIPRT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VITOR AMARAL
Descritores: JUSTO IMPEDIMENTO
ÓNUS DO REQUERENTE
INJUNÇÃO
OPOSIÇÃO FORA DE PRAZO
Data do Acordão: 10/26/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA – JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE COIMBRA – JUIZ 3
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 140º , Nº 2 DO NCPC; 2º E 16º DO DL Nº 269/98, DE 01/09.
Sumário: 1. - A parte que se apresenta tardiamente a praticar um acto processual, mas considera ter agido sob justo impedimento, tem de praticar o acto logo que deixa de estar sob impedimento e, simultaneamente, invocar a situação de justo impedimento, alegando o respetivo fundamento, assim deduzindo o correspondente incidente, âmbito em que logo apresenta as provas respetivas (ou pede prazo para o efeito, se lhe for impossível oferecer prova imediata).

2. - Apresentada oposição em procedimento de injunção depois de expirado o prazo legal de defesa, sem que a parte demandada invoque, simultaneamente, justo impedimento, tal defesa só pode ter-se por tardia, sendo extemporânea a posterior invocação de justo impedimento para o efeito.

3. - Em tal caso, remetido o processo à distribuição, por a parte demandada ter reclamado da não admissão da oposição, nada impede o Tribunal de, confirmada a recusa da oposição por extemporaneidade, conferir força executiva à petição, em vez de remeter de novo os autos ao BNI para simples para-judicial aposição da fórmula executória.

4. - Esta interpretação normativa em nada contende com os ditames constitucionais, nas vertentes da proibição da indefesa, da exigência de processo justo e equitativo e do princípio do contraditório.

Decisão Texto Integral:









Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

C..., Lda.”, com sede na Rua ...,

intentou ([1]) procedimento de injunção contra

L..., Lda.”, com sede na Rua ...,

pedindo o pagamento pela demandada à demandante da quantia global de € 124.867,78, correspondente a € 122.499,99 a título de capital, € 2.174,79 de juros de mora respetivos, € 40,00 de outras quantias (indemnização dos custos de cobrança da dívida) e € 153,00 de taxa de justiça paga.

Alegou que no exercício da sua atividade comercial prestou os serviços contratados com a R., com remuneração acordada, para cujo pagamento a A. emitiu as correspondentes faturas, encontrando-se, todavia, por pagar a importância peticionada a título de capital, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal, e demais acréscimos aludidos.

A R. deduziu oposição, com data de apresentação de 22/02/2020 (sábado), como resulta de fls. 03 e segs. do processo físico, defendendo-se por via de impugnação e de exceção e concluindo, na improcedência da ação, pela sua total absolvição do pedido.

Com data de 26/02/2020 foi proferido despacho no Balcão Nacional de Injunções (doravante BNI), considerando extemporânea e, como tal, «não apresentada», a oposição.

Deduziu, então, a R. reclamação, concluindo pela admissão da sua oposição, razão pela qual foi determinada a remessa do procedimento de injunção à distribuição.

Na sequência, foi proferida no Juízo Central Cível de Coimbra (Juiz 3) decisão, datada de 29/09/2020 (com Ref. ...), com as seguintes estatuições:

«Em face do exposto, indefiro o requerido, não reconheço a verificação de justo impedimento e confirmo a recusa da oposição pela secretaria do BNI.

(…)

Vistos os autos, e considerando o disposto no art.º 2.º do Anexo ao DL 269/98, de 1-9, com as alterações que lhe foram introduzidas pela declaração de retificação n.º 16-A/98, de 30-9, pelo DL 383/99, de 23-9, pelo DL 183/2000, de 10-8, pelo DL 32/2003, de 17-2 e pelo DL 107/2005, de 1-7, confiro força executiva à petição.» (fls. 50 e segs. do processo físico).

Inconformada, vem a R. interpor o presente recurso, apresentando alegação e as seguintes

Conclusões ([2])

«A. A Recorrida iniciou procedimento de injunção contra a Recorrente em 07.01.2020; a Recorrente foi notificada do requerimento de injunção em 03.02.2020; o prazo para praticar o acto de Oposição à injunção findou em 18.02.2020; fazendo uso da faculdade prevista no Artigo 139.º, n.º 5, CPC, o acto poderia ter sido praticado até 21.02.2020; a oposição à injunção foi oferecida em 22.02.2020.

B. Contudo, em 17.02.2020, véspera do termo do prazo, o mandatário da Recorrente viu-se obrigado a recorrer ao serviço de urgências do Hospital da ..., apresentando “sensação sistemática de movimento ilusório – vertigem; desequilíbrio; alterações da marcha; tonturas; apresentava alterações ao exame neurológico sumário; quadro compatível com síndrome vertiginoso.”, quadro clínico que o médico que o atendeu julgou ser “(…) totalmente incapacitante para as AVD [Actividades da Vida Diária], incluindo as funções laborais do doente.”

C. O certificado de incapacidade temporária passado pelo médico e junto aos autos prescrevia: “Repouso absoluto 8 dias/10 dias […].”

D. O mandatário da Recorrente recebeu do seu médico o referido certificado em 24.02.2020, e juntou-o aos autos em 28.02.2020.

E. O Tribunal a quo veio a proferir sentença em 29.09.2020, que se deve considerar notificada em 09.10.2020.

F. A sentença recorrida é nula, em virtude de conter uma insanável contradição entre os fundamentos e a decisão.

G. Na fundamentação da decisão, o Tribunal a quo disserta sobre o conceito de justo impedimento e sobre o correto modo da sua invocação.

H. Ao invés, sobre o caso concreto, o Tribunal a quo profere apenas uma frase: “Reclamou depois, invocando justo impedimento, já depois da recusa da sua peça processual pela secretaria[,] havendo que concluir que não o fez atempadamente.”

I. Contudo, no segmento decisório, adotando uma formulação atípica, o Tribunal a quo limitou-se a proferir que: “Em face do exposto, […], não reconheço a verificação de justo impedimento […]”.

J. Assim, cometeu uma evidente contradição entre a fundamentação e a decisão proferida: por um lado, considerou que a invocação do justo impedimento foi intempestiva, o que prejudicaria o conhecimento do mérito da sua invocação; por outro, decide perentoriamente que não reconhece ter-se verificado uma situação de justo impedimento, apreciando assim o mérito, sem (i) ter decidido se podia apreciar essa verificação e sem (ii) se ter pronunciado sobre o mérito da sua invocação e sobre a prova oferecida.

K. Ora, nos termos do disposto no Artigo 615.º, n.º 1, alínea c), CPC, é nula a sentença quando “Os fundamentos estejam em oposição com a decisão […].”

L. A sentença recorrida é nula, em virtude de cometer uma omissão de pronúncia.

M. Ao ser invocado justo impedimento como causa da omissão da prática de certo acto processual dentro do respetivo prazo, deve o Tribunal, “ouvida a parte contrária, admite[ir] o requerente a praticar o ato fora do prazo se julgar verificado o impedimento e reconhecer que a parte se apresentou a requerer logo que ele cessou.” (cfr. Artigo 140, n.º 2, CPC).

N. Em contrapartida, caso considere que a parte não se apresentou a requerer logo que o impedimento cessou, ou caso considere que a circunstância invocada não constitui um verdadeiro impedimento, ou caso considere que não foram oferecidas provas suficientes, deve o Tribunal proferir decisão fundamentada (cfr. Artigo 154.º CPC), na qual explique se considerou que a invocação do impedimento foi tempestiva ou intempestiva, ou se as provas oferecidas foram julgadas suficientes ou insuficientes, ou se as circunstâncias invocadas constituem ou não constituem justo impedimento, concluindo com a decisão sobre um ou mais destes pontos.

O. Ora, o Tribunal recorrido assim não procedeu: desde logo, a decisão contida na sentença recorrida não julga tempestiva ou intempestiva a invocação de justo impedimento.

P. Por outro lado, ao não concluir pela intempestividade, deveria o Tribunal a quo ter-se pronunciado sobre se as circunstâncias invocadas pela Recorrente se podem reconduzir ao conceito legal de justo impedimento e sobre se considera se as mesmas foram provadas, o que também não fez.

Q. Ora, nos termos do disposto no Artigo 615.º, n.º 1, alínea d), CPC, é nula a sentença quando “O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar […]”.

R. Por outro lado, o Tribunal a quo cometeu erro na seleção do Direito aplicável e na sua aplicação ao caso.

S. Nos termos do disposto no Artigo 16.º do regime Anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 01 de Setembro:

“1 - Deduzida oposição ou frustrada a notificação do requerido, no caso em que o requerente tenha indicado que pretende que o processo seja apresentado à distribuição, nos termos da alínea j) do n.º 2 do artigo 10.º, o secretário apresenta os autos à distribuição que imediatamente se seguir.

2 - Salvo o disposto no n.º 2 do artigo 11.º e no n.º 4 do artigo 14.º, os autos são também imediatamente apresentados à distribuição sempre que se suscite questão sujeita a decisão judicial.”

T. Nos termos do n.º 1, o procedimento de injunção é remetido à distribuição quando seja deduzida oposição.

U. Contudo, o que se discutiu nos presentes autos foi precisamente se a Recorrente deduziu ou não, validamente, oposição.

V. A questão não é, evidentemente, despicienda: se a parte tiver deduzido validamente oposição, seguir-se-ão os efeitos normais desse facto (cfr. Artigo 17.º, n.º 1, do regime Anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 01 de Setembro), que consistem na distribuição dos autos para prosseguirem como ação declarativa; se a parte não tiver deduzido validamente oposição, não se aplicarão os efeitos jurídicos desse facto.

W. Havendo dúvidas quanto à válida dedução de oposição, os autos devem ser apresentados à distribuição, na medida em que se suscita uma questão sujeita a decisão judicial, sendo o Tribunal chamado a decidir sobre essa questão (cfr. n.º 2 do preceito citado).

X. Assim, os autos foram apresentados à distribuição nos termos do disposto no Artigo 16.º, n.º 2, do regime Anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 01 de Setembro, como bem havia decidido o Tribunal recorrido por despacho de fls. ______ (Ref.ª: ...), de 13.07.2020.

Y. Assim, a distribuição realizada serviu apenas o propósito de que o tribunal se pronunciasse sobre a válida dedução de oposição após o termo do prazo, apreciando a alegação e prova de justo impedimento.

Z. Por isso, apreciada essa questão, esgotou-se o poder jurisdicional do Tribunal a quo. Aliás, não é por acaso que o Artigo 17.º do invocado regime apenas prevê os trâmites subsequentes à distribuição prevista no Artigo 16.º, n.º 1, nada dizendo de especial quanto aos trâmites a observar após a distribuição prevista no Artigo 16.º, n.º 2.

AA. Quando o Tribunal considere inexistir justo impedimento e, portanto, não ter sido deduzida oposição, devem os autos ser novamente remetidos ao Balcão Nacional de Injunções, para aposição de fórmula executiva (cfr. Artigo 14.º, do regime Anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 01 de Setembro).

BB. Quando o Tribunal considere existir justo impedimento e, portanto, admitir a dedução da oposição, devem os autos serem remetidos ao Balcão Nacional de Injunções, para que este promova a sua distribuição, agora para os fins previstos no Artigo 16.º, n.º 1.

CC. Ora, não foi isto que sucedeu. O Tribunal a quo, de modo perfeitamente ilegal, tomou uma decisão que não podia ter tomado, com fundamento numa norma que não poderia ter aplicado.

DD. Se a intervenção do Tribunal a quo deveria ter-se limitado a apreciar o litígio específico que motivou a distribuição do processo, nos termos e para os efeitos previstos no Artigo 16.º, n.º 2, a decisão será ilegal em tudo quanto exceda a apreciação do justo impedimento invocado pela Recorrente.

EE. Por outro lado, ainda que assim não se entendesse, o Tribunal a quo nunca poderia ter decidido nos termos em que o fez, conferindo força executiva à “petição”, nos termos previstos no Artigo 2.º do regime Anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 01 de Setembro.

FF. Com efeito, o Decreto-Lei n.º 269/98, de 01 de Setembro, estabelece dois procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, aprovando os seus regimes em anexo: o regime de uma ação declarativa simplificada e o regime da injunção.

GG. A ambos os regimes previstos no Anexo se aplicam as normas previstas no diploma preambular.

HH. Contudo, as normas de um apenas se aplicarão ao outro quando haja uma remissão, ou se justifique uma aplicação analógica.

II. Assim, não havendo qualquer remissão, o Artigo 2.º do regime Anexo nunca teria aplicação direta aos procedimentos de injunção, nem sequer quando os mesmos se convertem em ação declarativa (caso em que regulam as normas previstas no Artigo 17.º e aquelas para que este remete, nas quais não se conta a norma erroneamente aplicada).

JJ. Por outro lado, inexiste lacuna que justificasse a aplicação do Artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 269/98, de 01 de Setembro, aos procedimentos de injunção. De resto, nem o Tribunal recorrido alude a qualquer lacuna – porque não existe nenhuma lacuna.

KK. De facto, o regime aplicável à injunção (capítulo II do Anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 01 de setembro) prevê expressamente que providências adotar em caso de não dedução de oposição (vide Artigo 14.º).

LL. Mais ainda, a convocação da aplicação do Artigo 2.º do Anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 01 de setembro é absurda, em virtude de a letra do próprio preceito o tornar indissociável do regime de ação declarativa em que se insere, encontrando aliás o seu lugar paralelo no Artigo 14.º, por sua vez indissociável do regime do procedimento de injunção em que se insere.

MM. Ao pretender conferir força executiva ao requerimento de injunção, invocando o disposto no Artigo 2.º, do regime Anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98 de 01 de setembro, disposição que não tem aplicação nos procedimentos de injunção nem quando estes se convertem em ação declarativa, o Tribunal recorrido errou na seleção e na aplicação do direito aplicável.

NN. Antes deveria ter-se limitado a verificar o justo impedimento e a admissibilidade da oposição, e seguidamente ter devolvido os autos ao Balcão Nacional de Injunções, para que apusesse fórmula executiva ou os tonasse a apresentar à distribuição para que prosseguissem como ação declarativa.

OO. Tudo quanto se acaba de referir é confirmado no próprio processo, pelo despacho que o próprio Tribunal recorrido proferiu a fls. _________ (Ref.ª: ...), em 13.07.2020.

PP. Nesse despacho, o tribunal recorrido expressamente reconhece que: “não nos encontramos perante uma situação de remessa à distribuição de acordo com o disposto pelo art.º 16.º, n.º 1 do DL 269/98, de 1.09, mas antes para apreciação de uma reclamação, nos termos do n.º 2 do citado preceito legal, a qual, uma vez apreciada, será devolvida ao secretário judicial que continuará a sua tramitação como procedimento de injunção.”

QQ. Tal despacho não foi nunca impugnado, fazendo caso julgado formal (cfr. Artigo 620.º, n.º 1, CPC), ou seja, tem força obrigatória dentro do processo.

RR. A violação do caso julgado formal determina, neste caso, a nulidade da decisão recorrida, e não apenas a sua mera ineficácia, na medida em que afeta a própria decisão da causa (cfr. Artigo 195.º, n.º 1, in fine, CPC).

SS. A sentença recorrida é nula, em virtude de condenar em objeto diverso do pedido.

TT. Conforme se expôs, o Tribunal recorrido apenas poderia apreciar a verificação do justo impedimento e admitir ou não a dedução extemporânea da oposição com esse fundamento.

UU. Contudo, e como já sobejamente demonstrámos, não se justificando repetir nesta sede quanto acabámos de afirmar, o Tribunal condenou a Recorrente na aposição de fórmula executiva ao requerimento de injunção apresentado pela Recorrida.

VV. Ora, se a distribuição do processo se destinava apenas a que o Tribunal a quo conhecesse do mérito da invocação de justo impedimento, para os fins previstos no Artigo 16.º, n.º 2, do regime Anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 01 de Setembro, então não servia também para proferir sentença e pôr termo à causa.

WW. Ultrapassando largamente a verificação do justo impedimento ou a decisão quanto à admissibilidade da oposição, o Tribunal efetivamente condenou a Recorrente em objeto diverso do pedido, o que importa a nulidade da decisão, nos termos do disposto no Artigo 615.º, n.º 1, alínea e), CPC.

XX. O decurso do prazo perentório extingue o direito de praticar o ato, podendo este ser excecionalmente praticado fora do prazo em caso de justo impedimento (cfr. Artigo 139.º, n.º 3 e 4, CPC).

YY. Estabelece o Artigo 140.º, n.º 1, CPC, que: “Considera-se «justo impedimento» o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários que obste à prática atempada do ato.”

ZZ. Ora, no caso, o evento relevante é a sucumbência do mandatário da Recorrente, então Requerida, aos sintomas de síndrome vertiginoso, tendo-se visto obrigado a recorrer aos serviços de urgência hospitalar.

AAA. Não pode haver dúvidas de que esse evento não é imputável nem ao mandatário, nem à parte que ele representava, no sentido em que nenhum deles lhe deu causa, ou teve culpa na sua ocorrência, ou poderia ter feito algo para o evitar.

BBB. Não pode igualmente haver dúvidas de que tal evento foi absolutamente incapacitante.

CCC. Com efeito, foi o próprio médico que atendeu o mandatário da Recorrente quem atestou que o quadro clínico que apresentava o tornava totalmente incapaz de realizar as atividades da vida diária.

DDD. Compreende-se, aliás, até por maioria de razão, que o mandatário da Recorrente não se encontrasse capaz de concluir e submeter a oposição à injunção, nem tampouco de preparar e subscrever um substabelecimento, ou de contactar um Colega e exprimir-lhe que questões estavam em causa no processo e que posição a sua mandante desejava adotar perante o conteúdo do Requerimento de injunção, ou de fazer chegar a um qualquer Colega os documentos que haveriam de instruir a oposição à injunção.

EEE. Compreende-se também que o médico tenha considerado que o mandatário da Recorrente não se encontrava capaz de desempenhar as suas “funções laborais”.

FFF. Conforme bem refere a sentença recorrida, o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, afirma expressamente que se visa flexibilizar “a definição conceitual de «justo impedimento», em termos de permitir a uma jurisprudência criativa uma elaboração, densificação e concretização, centradas essencialmente na ideia de culpa, que se afastem da excessiva rigidificação que muitas decisões, proferidas com base na definição constante da lei em vigor, inquestionavelmente revelam.”

GGG. Esse movimento é igualmente atestado por autorizada doutrina.

HHH. Ora, a culpa é apreciada nos termos previstos no Artigo 487.º, n.º 2, CPC, ou seja, é aferida pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso. Contudo, nas circunstâncias do presente caso, pela absoluta imprevisibilidade e violência dos sintomas que afetaram o mandatário da Recorrente, atestadas por certificado passado por médico que observou o mandatário em contexto de urgência, não pode haver qualquer juízo de censura.

III. O mandatário da Recorrente não poderia ter adotado qualquer conduta que obviasse à ocorrência da situação de justo impedimento. Aliás, se o pudesse ter feito, tê-lo-ia, ao menos para se poupar aos dias de perturbação agonizante que padeceu.

JJJ. Mais: se é certo que as circunstâncias invocadas não são imputáveis à parte e seus representantes, nem ao seu mandatário, não é menos certo que as mesmas foram absolutamente impossibilitantes da prática tempestiva do acto.

KKK. Por outro lado, a Recorrente crê que se deve considerar que a invocação de justo impedimento foi realizada tempestivamente.

LLL. Com efeito, existe jurisprudência que depõe no sentido de se admitir a junção posterior da prova do justo impedimento, caso tenha, por sua vez, existido uma causa impeditiva da junção atempada dessa prova.

MMM. Contudo, que dizer dos casos em que a situação de justo impedimento consiste num problema de saúde do mandatário, se prolonga no tempo e tem períodos intermitentes de agudeza e de alívio?

Mais ainda: que dizer quanto aos casos em que o mandatário se encontrou numa situação de incapacidade prolongada durante vários dias, tendo, porém, conseguido completar e apresentar o ato processual ainda durante o seu período de incapacidade, mas só tendo conseguido apresentar-se a invocar e a praticar o ato extemporâneo logo que cessou definitivamente o impedimento? É essa a situação em apreciação nos autos.

NNN. Tal como atesta o certificado de incapacidade temporária, a incapacidade do mandatário da Recorrente poderia prolongar-se por um período de 8 a 10 dias, o que significa que a incapacidade do mandatário da Recorrente se estenderia até dia 25.02.2010, ou mesmo até dia 27.02.2020.

OOO. Muito infelizmente, aliás, prolongou-se durante todo o período de 10 dias. Durante esse período, o mandatário da Recorrente experimentou momentos de agravamento dos sintomas e momentos de relativo alívio.

PPP. O mandatário aproveitou todos os momentos de alívio, possíveis graças à medicação que se administrava por prescrição do médico, para procurar completar a Oposição à injunção e submetê-la via CITIUS, o que conseguiu fazer, mas apenas com grande espírito de sacrifício, em prol dos seus Clientes. O mandatário da Recorrente sujeitou-se ao risco da pioria dos seus sintomas, para zelar pelos interesses dos seus Clientes.

QQQ. Aliás, como efeito da sua conduta, os seus sintomas efetivamente agravaram-se, tornando-se mais frequentes, ao contrário do alívio inicialmente sentido com a toma da medicação prescrita.

RRR. A única coisa que moveu o mandatário da Recorrente foi o zelo dos interesses dos seus Clientes, que poderiam ser seriamente postos em causa: com efeito, a ausência de oposição no procedimento de injunção implica a rapidíssima aposição de fórmula executiva pelo que, atendendo a que o natural processo executivo subsequente seguiria a forma sumária (cfr. Artigo 550.º, n.º 2, alínea c), CPC), dispensando-se o despacho judicial e a citação prévia do executado (cfr. Artigo 855.º, n.º 1, CPC), a Recorrente corria o sério risco de se encontrarem já iniciadas diligências de penhora ainda antes de cessada a situação de justo impedimento.

SSS. Para obviar a esse risco, num grande esforço de defesa dos interesses que lhe haviam sido confiados, o mandatário da Recorrente, com sacrifício pessoal, completou o ato processual omitido e submeteu-o através do CITIUS.

TTT. Fê-lo, porém, em circunstâncias em que jamais estaria obrigado a fazer, porquanto se encontrava ainda gravemente incapacitado pelos sintomas do síndrome vertiginoso.

UUU. Contudo, não deixou de cumprir as normas estabelecidas no n.º 2 do artigo 140.º, do CPC.

VVV. Com efeito, tendo a situação de justo impedimento apenas deixado de se verificar no dia 28.02.2020, foi nesse dia que o mandatário da Recorrente se apresentou a requerer a prática do ato (entretanto já realizado) e a invocar e provar o seu justo impedimento.

WWW. Atendendo ao teor do certificado de incapacidade temporária junto aos autos, não pode senão concluir-se que a Recorrente se apresentou a requerer logo que o justo impedimento cessou, tendo oferecido imediatamente a correspondente prova que permitiria ao juiz verificar o impedimento e reconhecer que o mandatário se apresentou a requerer assim que este cessou, tudo como prevê o Artigo 140.º, n.º 2, CPC.

XXX. Não restam, assim, dúvidas de que a Oposição foi oferecida ainda durante a ocorrência de uma situação de justo impedimento, com o único propósito de poupar aos seus Clientes danos maiores, tais como uma penhora dos seus bens, envolvendo um elevadíssimo sacrifício pessoal para o mandatário.

YYY. Mais ainda, no caso, ocorreu efetivamente um evento que impediu o mandatário de invocar o justo impedimento, a saber: apenas recebeu prova documental do justo impedimento dias depois, enquanto o seu estado de saúde se mantinha seriamente afetado, tendo piorado após o esforço que envolveu praticar o ato omitido, a fim de evitar riscos para a posição dos seus mandantes.

ZZZ. A Lei, evidentemente, não prevê esta situação, reconhecidamente atípica.

AAAA. A aplicação do Direito, incluindo, obviamente, o Direito Processual Civil, está sujeita à Constituição, não podendo as normas que constam do CPC serem interpretadas sem o devido enquadramento constitucional.

BBBB. Da letra do Artigo 140.º, 2, do CPC, podem retirar-se os seguintes enunciados interpretativos:

a. Para que se verifique uma situação de justo impedimento, as circunstâncias que o fundamentam têm de ser alegadas;

b. Quando o justo impedimento é alegado, deve ser logo oferecida a respectiva prova.

c. Não resulta da norma, em qualquer momento, que o justo impedimento tem de ser alegado aquando da prática do acto.

d. O justo impedimento deve ser alegado logo que cesse.

e. A contrario, não se pode concluir da norma em apreço que o justo impedimento tem de ser alegado e ser feito o oferecimento dos meios de prova quando o acto processual é praticado.

CCCC. Uma interpretação que contrarie o enunciado contido em e., além de estar errada e de extravasar largamente a letra da lei, introduz uma questão de constitucionalidade (cf. Artigo 20.º, n.º 1 e 4, CRP) por ofensa ao conteúdo de um direito fundamental – o direito de acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva, obtendo a decisão da causa mediante processo equitativo –, o que se invoca e se formula nos seguintes termos: é inconstitucional a interpretação do artigo 140.º, n.º 2, do CPC, segundo a qual, o justo impedimento tem de ser alegado e ser feito o oferecimento dos meios de prova quando o acto processual é praticado.

DDDD. Resulta do artigo 20.º, n.º 4, da CRP, que as causas que uma parte processual integre devem ser decididas mediante um processo equitativo, isto é, um processo materialmente informado pelos princípios materiais da justiça e conformado de forma materialmente adequada a uma tutela judicial efetiva.

EEEE. O direito a um processo equitativo abrange o direito à igualdade de armas; o direito de defesa e ao contraditório, traduzidos fundamentalmente na possibilidade de cada uma das partes invocar as razões de facto e de direito e oferecer provas; e o direito a um processo orientado para a justiça material sem demasiadas peias formalísticas.

FFFF. O que se acaba de referir tem repercussões relevantes no plano da interpretação do direito ordinário.

GGGG. Por isso mesmo, não são admissíveis e violam o disposto no artigo 20.º, n.º 4, da CRP, in fine, as interpretações do direito ordinário que conflituem ou ultrapassem as fronteiras definidas pela vinculação dos Tribunais aos seguintes corolários:

i. O exercício do direito de defesa (contraditório) em sede judicial não se cumpre com a mera apresentação formal da peça processual. Impõe que a defesa seja uma defesa material, que tenha ínsita a ponderação da matéria de facto e da matéria de direito relevantes, para o que é determinante que o mandatário tenha saúde para praticar o acto em causa. A não ser assim, estar-se-á no plano da mera defesa formal, frágil e cujo mero propósito é o cumprimento de prazos processuais.

ii. Um mandatário que tenha como quadro clínico a “sensação sistemática de movimento ilusório – vertigem; desequilíbrio; alterações da marcha; tonturas; apresentava alterações ao exame neurológico sumário; quadro compatível com síndrome vertiginoso” e sobre quem se ateste que esse mesmo quadro clínico é “(…) totalmente incapacitante para as AVD [Actividades da Vida Diária], incluindo as funções laborais” não tem condições para exercer uma defesa material, daí a existência da figura do justo impedimento.

iii. Um mandatário não é obrigado a invocar, no momento da prática do acto processual, do justo impedimento e apresentar os meios de prova de que disponha.

iv. A ratio do artigo 140.º, n.º 2, é determinar se, no momento da prática de um acto processual, o mandatário estava ou não impedido de o fazer, daí que o incidente que nasce com a invocação do justo impedimento seja autónomo, com meios de prova autónomos.

v. O artigo 140.º, n.º 2, do CPC integra a conclusão de que o processo civil, que consiste num direito adjetivo, se destina a garantir que aquilo que é previsto e regulado no direito substantivo ganhe possibilidade ou efetividade prática; ou seja, não deve ser um obstáculo à descoberta da verdade e nenhuma interpretação é constitucionalmente aceitável quando da mesma se infira um resultado que retrata não aquilo que uma realidade de facto é, mas como deve ser alegada, sob pena de o processo civil deixar de ser um meio para o exercício de direitos e passar a ser um obstáculo adicional àquele.

vi. Em suma: de uma interpretação conforme à Constituição do artigo 140.º, n.º 2, do CPC, resulta que se pretende verificar:

a. Se, aquando do momento em que um acto processual é praticado, o mandatário se encontrava ou não impedido;

b. Se, quando seja pertinente, esse mesmo facto é dado a conhecer ao Tribunal que decide a causa em questão; e

c. Se, quando o justo impedimento é alegado, são imediatamente (“logo”) oferecidos os meios de prova.

HHHH. Não tendo respeitado os supramencionados ditames, o Tribunal a quo interpretou o artigo 140.º, n.º 2, do CPC, em termos constitucionalmente não suportados, por violação do disposto no artigo 20.º, n.º 4, do CPC.

Normas violadas: Artigo 2.º, Artigo 9.º, alínea b), Artigo 20.º, n.º 1, 2 e 4, Artigo 202.º, n.º 2, Artigo 208.º, e Artigo 18.º, n.º 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa; Artigo 2.º, Artigo 14.º, n.º 1, Artigo 16.º, n.º 1 e 2, e Artigo 17.º, n.º 1, do regime aprovado em Anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 01 de Setembro; Artigo 140.º, n.º 1 e 2, Artigo 154.º, Artigo 615.º, n.º 1, alíneas c), d) e e), e Artigo 620.º, n.º 1, Código de Processo Civil.».

Foi junta contra-alegação de recurso, pugnando a Recorrida pela total improcedência da apelação.

O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, tendo então sido ordenada a remessa do processo a este Tribunal ad quem ([3]), onde foram mantidos o regime e o efeito fixados.

Nada obstando, na legal tramitação, ao conhecimento do mérito do recurso, cumpre apreciar e decidir.

II – Âmbito do Recurso

Perante o teor das conclusões formuladas pela parte recorrente – as quais definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso ([4]), nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil em vigor e aqui aplicável (doravante NCPCiv.), o aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06 ([5]) –, importa saber ([6]):

a) Se ocorrem as invocadas nulidades da sentença, por oposição entre fundamentos e decisão, por omissão de pronúncia e por condenação em objeto diverso do pedido;

b) Se está consubstanciada violação do caso julgado formal, determinando nulidade processual, incluindo a decisão recorrida, no âmbito do disposto no art.º 195.º, n.º 1, in fine, do NCPCiv.;

c) Se deve considerar-se tempestiva a invocação de justo impedimento, por não ter essa invocação de ocorrer logo que a parte se apresenta a praticar o ato;

d) Se uma interpretação diversa é inconstitucional, por violação da exigência de processo equitativo e justo (atento o disposto no art.º 20.º, n.º 4, da CRPort.);

e) Caso seja tempestiva a invocação, se estão verificados os requisitos legais da figura do justo impedimento, obrigando à aceitação da oposição deduzida no procedimento de injunção.

III – Fundamentação

A) Das causas de nulidade da sentença

1. - Esgrime a Recorrente estar verificada nulidade da sentença, desde logo por vício de oposição/contradição entre fundamentos e decisão.

Será assim?

Pensamos que não, como se procurará evidenciar de seguida.

O art.º 615.º, n.º 1, do NCPCiv. comina, quanto às suas al.ªs b) e c),  com a nulidade da sentença as situações em que, respetivamente, (i) faltem os fundamentos da decisão ou (ii) estes, existindo, estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.

Trata-se de normação inovadora apenas quanto ao fundamento de nulidade da sentença traduzido na existência de ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível, pois que no anterior art.º 668.º, n.º 1, al.ª c), do CPCiv. revogado apenas se aludia ao vício de oposição entre os fundamentos e a decisão e na al.ª b) desse dispositivo do Cód. revogado apenas se previa, como agora, a não especificação dos fundamentos, de facto e de direito, justificativos da decisão.

Em qualquer caso, serão vícios internos da decisão, no plano dos respetivos fundamentos e decorrente dispositivo, constituindo anomalia a extrair da leitura da sentença – vista em si própria –, ante a forma como se mostra elaborada.

Como é consabido, por ser orientação dos Tribunais Superiores, a nulidade da decisão (sentença ou despacho), tal como prevista no dispositivo citado – a problemática a considerar é sempre, com efeito, a dos fundamentos da decisão, seja pela sua falta ou contradição ou ainda por falta de sintonia com o dispositivo –, segundo o qual “a sentença é nula quando os fundamentos estejam em manifesta oposição com a decisão, sanciona o vício de contradição formal entre os fundamentos de facto ou de direito e o segmento decisório da sentença. Como se sabe, a sentença deve conter os fundamentos, devendo o Juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes (art. 659º, nº2, do CPC). Ora, constituindo a sentença um silogismo lógico-jurídico, de tal forma que a decisão seja a conclusão lógica dos factos apurados, aquela nulidade – como tem sido unanimemente afirmado na doutrina e na jurisprudência – só se verifica quando das premissas de facto e de direito se extrair uma consequência oposta à que logicamente se deveria ter extraído” ([7]).

Ora, nos moldes em que invocada em sede de conclusões de recurso (cfr. conclusão J da Recorrente), a dita contradição respeitará a uma oposição entre fundamentação e dispositivo, por naquela se ter considerado a invocação de justo impedimento extemporânea, o que prejudicaria o conhecimento da substância, e neste último se ter conhecido – e reconhecido – inexistir justo impedimento, com inequívoca apreciação de meritis.

Porém, lida a decisão impugnada – fundamentos e dispositivo –, o que se retira, com meridiana clareza – salvo o devido respeito –, é que, em sede de fundamentação, se considerou ser inequívoco «que a oposição foi apresentada fora do prazo» e que a invocação de justo impedimento também não foi atempada.

Já, por sua vez, no respetivo dispositivo a 1.ª instância indeferiu o requerido, não reconhecendo a verificação de justo impedimento, assim confirmando «a recusa da oposição pela secretaria do BNI».

Assim, se é claro que o fundamento eleito foi a intempestividade (da oposição e do requerimento/invocação de justo impedimento), também é certo que o dispositivo tem de ser contextualizado à luz da respetiva fundamentação, sem o que não poderá proceder-se a uma adequada interpretação do texto decisório.

Termos em que, se é certo que a intempestividade determina o desatendimento da pretensão, sem conhecimento quanto ao fundo da mesma, também parece líquido que o dispositivo em crise não é no sentido da rejeição do invocado justo impedimento por razões de substância (não preenchimento dos legais requisitos).

A expressão «não reconheço a verificação de justo impedimento», no quadro do indeferimento do requerido, tem, pois, de ser conjugada com a antecedente fundamentação decisória, toda ela no sentido da intempestividade da invocação.

Por isso, seria, neste contexto e iter decisório, deslocado ver em tal dispositivo uma apreciação de meritis em matéria de justo impedimento, posto mais não se ter pretendido do que considerar não poder reconhecer-se a verificação de justo impedimento por via de extemporaneidade de invocação.

Termos em que os fundamentos não conflituam com a decisão/dispositivo, o qual não extravasou a rejeição por intempestividade (plano formal), sem apreciação, pois, quanto ao mérito (plano da substância).

Improcede, por isso, este fundamento de nulidade da decisão em crise.

2. - Esgrime depois a Recorrente estar verificada nulidade da sentença, por omissão de pronúncia (conclusões L e segs.), invocando que faltou pronunciamento sobre a (in)tempestividade da invocação da figura do justo impedimento, âmbito em que teria de se conhecer quanto ao preenchimento dos requisitos legais de tal figura.

Porém, não assiste razão à impugnante.

Desde logo, já se viu que o Tribunal a quo considerou, sem dúvida, intempestiva a invocação. Por isso, considerada a respetiva intempestividade, não tinha, obviamente, aquele Tribunal de se pronunciar – como não pronunciou – sobre a substância (os requisitos da figura e seu preenchimento no caso).

Donde que inexista a imputada omissão de pronúncia.

3. - Resta o vício traduzido em condenação em objeto diverso do pedido [cfr. art.º 615.º, n.º 1, al.ª e), do NCPCiv., em conjugação com o disposto no n.º 1 do art.º 609.º do mesmo Cód.], como invocado sob as conclusões SS e segs. da Recorrente.

Esgrime esta que apenas poderia o Tribunal conhecer e decidir sobre a matéria do justo impedimento e admissibilidade da oposição, não lhe sendo lícito condenar a agora Apelante na aposição da fórmula executória.

Ora, é certo que, para além de considerar intempestiva a invocação de justo impedimento e de confirmar a recusa da oposição (também por intempestividade), a 1.ª instância conferiu força executiva à petição.

Cabe, porém, dizer que a noção de pedido da ação vem reportada – como deve entender-se – aos pedidos formulados no processo, sendo perante os mesmos que haverá de verificar-se da condenação em objeto diverso ou em montante superior ao peticionado.

E não há dúvida quanto à pretensão da A.: a mesma intentou o procedimento para obtenção da fórmula executória, nisso se traduzindo, pois, a sua pretensão. E o respetivo pedido, assim, está sempre presente na economia dos autos, pois a isso se dirige o intentado procedimento de injunção.

Se, no decurso dos autos, vem a ser colocada questão de extemporaneidade da oposição, com invocação de justo impedimento, tal não tem a virtualidade de afastar/anular o pedido de quem intentou o procedimento de injunção.

Assim, conhecendo da extemporaneidade da invocação de justo impedimento e, por consequência, da oposição, como era imperativo que fizesse, cabia depois ao Tribunal, por os autos lhe terem sido remetidos, extrair daí as necessárias consequências, tendo em conta o pedido que define o procedimento, o de aposição da fórmula executória, ainda que implícito, caso não fosse paga a quantia indicada no requerimento de injunção.

Na verdade, à luz dos princípios da celeridade e economia processual, não se justificaria que, estando os autos em Tribunal, este os remetesse ao BNI para aposição, em atividade para-judicial, da fórmula executória, mera consequência da intempestividade – e decorrente não admissão – da oposição.

Cabia, logicamente, ao Tribunal, tendo em conta o pedido da demandante – e no claro âmbito deste, salvo sempre o devido respeito por diverso entendimento –, «conferir força executiva à petição», em vez de fazer circular os autos, em desnecessário retorno, até ao BNI, onde uma entidade para-judicial se limitaria a apor a fórmula executória.

Em suma, inexiste, nesta perspetiva, qualquer condenação em objeto diverso do pedido, termos em que improcedem todas as invocadas causas de nulidade da sentença.

B) Da nulidade processual

Pugna a Apelante pela existência de nulidade processual [cfr. conclusões OO a RR], no quadro do disposto no art.º 195.º, n.º 1, do NCPCiv., afetando a decisão recorrida.

Refere-se à promoção/tomada de posição do M.º P.º de 13/07/2020 (Ref. ..., como consta de fls. 49 do processo físico), afirmando, porém, tratar-se de um despacho judicial («despacho que o próprio Tribunal recorrido proferiu», nas palavras da recorrente), para concluir que «Tal despacho não foi nunca impugnado, fazendo caso julgado formal (cfr. Artigo 620.º, n.º 1, CPC), ou seja, tem força obrigatória dentro do processo» (conclusão QQ), âmbito em que a «violação do caso julgado formal determina, neste caso, a nulidade da decisão recorrida» (conclusão RR).

Bem se vê, com todo o respeito devido, o equívoco em que incorre a impugnante: tomou como despacho judicial uma posição do M.º P.º, que, obviamente, vinda de entidade que não detém o poder de julgar (judicial), não tem caráter decisório, não vinculando o Tribunal nem podendo fazer caso julgado (formal ou material).

Donde que inexista in casu qualquer violação do caso julgado formal, horizonte em que resulta completamente afastado o invocado vício de nulidade processual.

Improcedem, portanto, as conclusões da Apelante em contrário.

C) Da invocação de justo impedimento

1. - Se é tempestiva a invocação, por não ter de ocorrer logo que a parte se apresenta a praticar o ato

Entende a Apelante que deve considerar-se tempestiva a sua invocação de justo impedimento, por não ter a invocação respetiva de ocorrer logo que a parte se apresenta a praticar o ato.

Terá razão?

O Tribunal recorrido considerou que não, na senda do Ac. TRE de 02/12/2009, Proc. 360/08.5TBVVC-A.E1 (Rel. Bernardo Domingos), disponível em www.dgsi.pt, com o seguinte sumário:

«I - O efeito do justo impedimento, não é nem o de impedir o início do curso de prazo peremptório, nem o de interromper tal prazo, mas tão somente o de suspender o termo de um prazo peremptório, deferindo-o para o dia imediato aquele que tenha sido o último de duração do impedimento.

II - Assim a invocação do justo impedimento, para evitar o efeito extintivo do decurso do prazo, tem de ser feita logo que cesse a causa impeditiva com oferecimento imediato da respectiva prova e a prática, em simultâneo, do acto em falta» (itálico aditado).

Por sua vez, aquele aresto do TRE seguiu jurisprudência do STJ – para além de outra jurisprudência das Relações ([8]) –, o Ac. STJ de 04/05/2005, Proc. 04S4329 (Cons. Sousa Peixoto), em www.dgsi.pt, podendo ler-se no respetivo sumário:

«1. O justo impedimento tem de ser alegado no preciso momento em que a parte se apresenta a praticar o acto fora de prazo.

(…)

3. Se as alegações de recurso tiverem sido apresentadas fora de prazo, sem invocação imediata de justo impedimento, o tribunal superior tem de julgar deserto o recurso.

(…)

5. Por isso, a decisão do tribunal superior, não tomando conhecimento do justo impedimento por este não ter sido alegado aquando da apresentação das alegações e julgando deserto o recurso com o fundamento de que as alegações foram apresentadas fora de prazo, não viola o princípio da confiança ínsito no art. 2.º da CRP.».

A figura do justo impedimento vem regulada no art.º 140.º do NCPCiv., preceito que dispõe assim:

“1 - Considera-se «justo impedimento» o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários, que obste à prática atempada do ato.

2 - A parte que alegar o justo impedimento oferece logo a respetiva prova; o juiz, ouvida a parte contrária, admite o requerente a praticar o ato fora do prazo se julgar verificado o impedimento e reconhecer que a parte se apresentou a requerer logo que ele cessou.

(…)”.

É, pois, necessário que a parte se apresente a requerer logo que o justo impedimento cesse, oferecendo logo a respetiva prova.

E também é necessário que pratique o ato processual, cujo prazo já expirou, logo que o justo impedimento cesse.

Isto é, a parte, para beneficiar do regime do justo impedimento, tem de praticar o ato processual em falta (no caso, a dedução da oposição) logo que deixe de estar sob impedimento.

E nessa altura tem também de invocar o justo impedimento, oferecendo de imediato a respetiva prova.

Não se pode, pois, pretender que é ainda tempestiva a invocação se esta ocorrer posteriormente à apresentação da parte a praticar o ato tardio.

Se a parte não invoca logo o justo impedimento – isto é, aquando da prática o ato em falta –, a prática tardia do ato processual cai no regime da extemporaneidade, pelo decurso do respetivo prazo legal.

É para evitar o regime da extemporaneidade – sabido levar este à não admissão do ato tardio – que é suscitado o incidente do justo impedimento, o qual, por isso, tem de ser deduzido aquando da prática tardia do ato processual.

Com efeito, não seria aceitável a invocação do justo impedimento depois de decretada a extemporaneidade do ato, nem se compreenderia que não fosse logo justificada a prática tardia do ato com a invocação do impedimento ([9]).

Donde que não possa dar-se razão nesta parte à Recorrente.

E, se dúvidas ainda houvesse, também a doutrina atual – seguindo o ensinamento de Alberto dos Reis ([10]) – se pronuncia neste sentido ([11]).

Termos em que improcedem as conclusões da parte recorrente em contrário.

2. - Se uma interpretação diversa é inconstitucional, por violação da exigência de processo equitativo

Refere a Apelante (conclusão HHHH) que o Tribunal a quo interpretou o art.º 140.º, n.º 2, do NCPCiv. em termos constitucionalmente não suportados, por violação do disposto no art.º 20.º, n.º 4, da CRPort., que impõe que a decisão decorra de processo equitativo.

Parece que considera ser a interpretação aludida violadora do «exercício do direito de defesa (contraditório) em sede judicial», não sendo o mandatário «obrigado a invocar, no momento da prática do acto processual, [d]o justo impedimento e apresentar os meios de prova de que disponha», por se tratar de um «incidente» que é «autónomo, com meios de prova autónomos».

Ora, se é configurável a possibilidade de a prova só poder ser apresentada mais tarde (hipótese em que deve permitir-se a dilação necessária na obtenção e apresentação de provas), já não se configura uma situação em que não subsista impedimento para a prática do ato tardio, mas com a parte ainda a não poder invocar – de imediato, com aquela prática do ato – o seu «justo impedimento».

Se a parte impedida pode, finalmente, praticar o ato processualmente tardio, como não pode, em simultâneo, invocar o impedimento que a levou à prática tardia?

Tem, logicamente, de poder fazer as duas coisas ao mesmo tempo, justificando desde logo tal prática tardia. E, se não lhe for possível ainda apresentar as provas incidentais, terá de solicitar – de imediato – a concessão de um prazo para o efeito.

O que não é defensável é considerar que a parte já não está sob impedimento para praticar o ato processual tardio (visto que o pratica efetivamente), mas ainda o está para invocar o seu justo impedimento.

Termos em que, na interpretação adotada, inexiste qualquer violação de norma constitucional, mormente a da proibição da indefesa ou da exigência de processo justo e equitativo e do princípio do contraditório ([12]).

Donde, também nesta parte, a improcedência do recurso, sendo correta a decisão de indeferimento da invocação de justo impedimento – por extemporaneidade – e de recusa da oposição – ainda por intempestividade –, com a consequência de haver de ser conferida, como foi, força executiva à petição apresentada.

O que obriga à confirmação da decisão recorrida, deixando prejudicada, obviamente, a questão da indagação dos requisitos legais da figura do justo impedimento.

IV – Sumário (art.º 663.º, n.º 7, do NCPCiv.):

1. - A parte que se apresenta tardiamente a praticar um ato processual, mas considera ter agido sob justo impedimento, tem de praticar o ato logo que deixa de estar sob impedimento e, simultaneamente, invocar a situação de justo impedimento, alegando o respetivo fundamento, assim deduzindo o correspondente incidente, âmbito em que logo apresenta as provas respetivas (ou pede prazo para o efeito, se lhe for impossível oferecer prova imediata).

2. - Apresentada oposição em procedimento de injunção depois de expirado o prazo legal de defesa, sem que a parte demandada invoque, simultaneamente, justo impedimento, tal defesa só pode ter-se por tardia, sendo extemporânea a posterior invocação de justo impedimento para o efeito.

3. - Em tal caso, remetido o processo à distribuição, por a parte demandada ter reclamado da não admissão da oposição, nada impede o Tribunal de, confirmada a recusa da oposição por extemporaneidade, conferir força executiva à petição, em vez de remeter de novo os autos ao BNI para simples para-judicial aposição da fórmula executória.

4. - Esta interpretação normativa em nada contende com os ditames constitucionais, nas vertentes da proibição da indefesa, da exigência de processo justo e equitativo e do princípio do contraditório.

V – Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação e, em consequência, manter a decisão recorrida.

Custas da apelação a cargo da R./Apelante.

Escrito e revisto pelo Relator – texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (ressalvadas citações de textos redigidos segundo a grafia anterior).

Assinaturas eletrónicas e em teletrabalho.

Coimbra, 26/10/2021

Vítor Amaral (Relator)

         Luís Cravo

         Fernando Monteiro


([1]) Em 07/01/2020.
([2]) Que se deixam transcritas (destaques retirados).
([3]) Simultaneamente, tomou-se posição no sentido da inexistência das invocadas nulidades da sentença.
([4]) Excetuando questões de conhecimento oficioso, não obviado por ocorrido trânsito em julgado.
([5]) Processo instaurado após 01/09/2013 (cfr. art.º 8.º daquela Lei n.º 41/2013).
([6]) Caso o conhecimento de nenhuma das questões resulte prejudicado pela apreciação das precedentes e seguindo-se um critério de ordem lógica de apreciação de cada uma delas.
([7]) Cfr., por todos, o Ac. Rel. Lisboa, de 01/10/2013, Proc. 4638/08.0TCLRS.L1-7 (Rel. Maria do Rosário Morgado), em www.dgsi.pt. No mesmo sentido os Acs. do STJ, de 14/01/2010, Proc. 1885/04.7TBMTS.S1 (Cons. Alberto Sobrinho), da mesma data mas no Proc. 2299/05.7TBMGR.C1.S1 (Cons. Oliveira Vasconcelos) e de 25/03/2009, Proc. 09B0412 (Cons. Maria dos Prazeres Beleza), todos em www.dgsi.pt.
([8]) Cfr., inter alia, o Ac. TRC de 18/07/2006, Proc. 1887/06 (Rel. Garcia Calejo), em www.dgsi.pt, referindo que a «parte que invoque o justo impedimento para a prática de um acto processual em tempo deve arguir o incidente e praticar esse acto logo que cesse o justo impedimento».
([9]) Se a parte, apesar do impedimento sofrido, está finalmente em condições de praticar o ato, como entender que só mais tarde possa vir invocar o justo impedimento? Se está impedida ainda de invocar a figura do justo impedimento, como não está também em situação de impedimento para a prática do ato tardio?
([10]) Cfr. Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 2.º, Coimbra Editora, Coimbra, 1945, p. 79, onde o Autor refere que a leitura do § 2.º do art.º 146.º do CPC/39 – preceito semelhante ao do n.º 2 do art.º 146.º do CPCiv. na redação do DLei n.º 125/98, de 12-05, e, do mesmo modo, ao do n.º 2 do atual art.º 140.º – «mostra claramente que a parte não deve ser admitida a praticar o acto fora de prazo enquanto não alegar e provar o justo impedimento a praticá-lo dentro do prazo. No preciso momento em que o interessado se apresenta para praticar o acto intempestivo, é que tem de fazer a alegação e prova do justo impedimento.».
([11]) V. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, em Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, Coimbra, 2018, p. 166, referindo que o incidente deve ser suscitado logo que tenha cessado a situação invocada como impeditiva de prática atempada do ato, com alegação das circunstâncias que motivaram o impedimento e apresentação dos meios de prova. Também José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre referem que foi mantido pelo legislador «o ónus de requerer a admissão da prática extemporânea do ato mediante alegação e prova do justo impedimento, fora ou dentro do prazo, mas logo que cesse a causa impeditiva, o que pressupõe que o próprio ato seja simultaneamente praticado» (Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1.º, 4.ª ed., Almedina, Coimbra, 2018, p. 300).
([12]) A parte demandada bem sabe que tem prazo legal perentório para apresentação da sua defesa, sob legal cominação, bem como que a figura do justo impedimento não é de invocação livre e incondicionada, antes tendo de obedecer à disciplina legal, com requisitos próprios, que têm de ser observados/convocados, sob pena de o ato ser tido por extemporâneo. Se tal parte não observa os legais pressupostos da figura processual do justo impedimento, só de si mesma se poderá queixar, visto que nada a impedia de invocar tal figura, para dela aproveitar, aquando da prática do ato tardio (dedução da oposição).