Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3322/22.6T8LRA-D.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: RESPONSABILIDADES PARENTAIS
OBRIGATORIEDADE DA AUDIÇÃO DO MENOR
Data do Acordão: 06/04/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE FAMÍLIA E MENORES DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGO 3º DA CONVENÇÃO EUROPEIA SOBRE O EXERCÍCIO DOS DIREITOS DAS CRIANÇAS, APROVADA POR RESOLUÇÃO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA N.º 7/2014, PUBLICADA NO DIÁRIO DA REPÚBLICA, 1.ª SÉRIE, N.º 18 DE 27 DE JANEIRO DE 2014
ARTIGO 24º Nº2 DA CARTA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DA UNIÃO EUROPEIA - APROVADA EM PROTOCOLO ANEXO AO TRATADO SOBRE O FUNCIONAMENTO DA UNIÃO EUROPEIA, TAL COMO RESULTOU DO TRATADO DE LISBOA
ARTIGO 12º Nº2 DA CONVENÇÃO DE NOVA IORQUE SOBRE OS DIREITOS DA CRIANÇA.
ARTIGOS 23º, AL. B), 41º, N.º 3, AL. C) E 42º, N.º 2, AL. A) DO REGULAMENTO (CE) Nº 2201/2003 DO CONSELHO, DE 27 DE NOVEMBRO, RELATIVO À COMPETÊNCIA, RECONHECIMENTO E EXECUÇÃO DE DECISÕES EM MATÉRIA MATRIMONIAL E DE RESPONSABILIDADE PARENTAL.
ARTIGO 1901.º, DO CÓDIGO CIVIL
ARTIGO 195.º, DO CPC
ARTIGOS 4.º; 5.º; 28.º E 35.º, 3, DO RGPTC
Sumário: Em sede de rrp, considerando a preferência de uma decisão consensualizada ou com os contributos dos pais e do menor, ela, mesmo se provisória, apenas pode ser prolatada, salvo caso de urgência, após o exercício do contraditório pelos pais e a audição do menor, se com capacidade intelectual e volitiva para apreender o facto – artºs 3º da Convenção Europeia Sobre o Exercício dos Direitos das Crianças, 24º nº2 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, 23º, al. b), 41º, n.º 3, al. c) e 42º, n.º 2, al. a) do Regulamento (CE) nº 2201/2003 do Conselho, de 27.11, 4º als. b) e c), 28º nº4 e 35º nº3 do RGPTC e 1901º do Código Civil.
Decisão Texto Integral: Relator: Carlos Moreira
Adjuntos: Vítor Amaral
                Fonte Ramos



ACORDAM  OS JUIZES NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

1.

No processo em epígrafe,  apenso de regulação das responsabilidades parentais em que são progenitores  AA e BB e menor CC, foi proferida a seguinte

 decisão:

«Na sequência da douta decisão do T.R.C. constante do apenso B, importa ampliar a matéria de facto considerada na decisão proferida em sede de conferência realizada em 28.02.2023, circunscrita ao regime provisório de convívios entre a criança e a progenitora.

Na falta de acordo e em obediência ao princípio do superior interesse da criança, impõe-se fixar, ao abrigo do disposto nos artigos 28º e 38º do R.G.P.T.C., um regime provisório quanto aos convívios da criança com a mãe.

Com relevo para tal decisão consideram-se indiciariamente demonstrados os seguintes factos:

1. CC nasceu em ../../2014, no ..., ... e encontra-se registado como sendo filho de AA e BB.

2. A criança residiu em Portugal com a progenitora desde que nasceu e até dezembro de 2019, altura em que ambas alteraram a sua residência para junto do progenitor, no Dubai.

3. Os progenitores separaram-se no Dubai, vivendo em casas diferentes pelo menos a partir de abril de 2021, continuando a criança a residir nos Emirados Árabes Unidos com a progenitora.

4. Após a separação, em 2021, a mãe e a criança deslocaram-se a Portugal, para passar as férias escolares, regressando em setembro aos Emirados Árabes Unidos.

5. Em 14.07.2022, a criança viajou para Portugal com a mãe e com autorização do pai, para passar as férias escolares.

6. A progenitora e a criança não regressaram ao Dubai no final das férias, permanecendo em Portugal, a residir em casa dos avós maternos, sem o consentimento do progenitor.

7. A progenitora decidiu não regressar ao Dubai em virtude de estar separada do progenitor e de aí não ter ocupação laboral nem familiares.

8. No mês de outubro de 2022, a criança regressou ao Dubai acompanhada pelo progenitor e sem o consentimento da progenitora, retomando a frequência do estabelecimento escolar.

9. Desde então, a criança mantém contacto diário por videochamada com a progenitora, com quem não mais conviveu presencialmente.

10. A família alargada da criança, designadamente os seus avós maternos e paternos residem em Portugal.

11. O progenitor é sócio de uma sociedade multinacional e aufere rendimentos de montante concretamente não apurado, suportando todas as despesas da criança, assim como suportava as despesas da progenitora até ao seu regresso ao território nacional.

12. O progenitor, devido à sua atividade profissional, ausenta-se para outros países durante vários dias, ficando a criança entregue aos cuidados da empregada doméstica.

13. A progenitora tem ocupação laboral na sociedade comercial pertencente aos avós maternos, auferindo quantia concretamente não apurada.

*

O Tribunal formou a sua convicção quanto aos factos indiciados com base no assento de nascimento da criança e nas declarações dos progenitores na primeira conferência, bem como nas declarações da progenitora na segunda conferência, que, além de se terem complementado, mostraram-se globalmente convergentes nos segmentos sobre os quais ambos depuseram, posições, de resto, expressas nas alegações e requerimentos apresentados nos autos.

*

Decorre da factualidade supra vertida que a criança regressou com o progenitor ao Dubai, país onde até então residia com a progenitora, tendo retomado a frequência do estabelecimento escolar onde já estudava, encontrando-se, por seu lado, a mãe a residir em Portugal, em casa dos avós maternos, mantendo ambos, desde outubro de 2022, apenas contactos por videochamada.

Mais se demonstrou que a família da criança reside em Portugal e que o progenitor, por razões profissionais, se ausenta para outros países durante vários dias, ficando a criança entregue aos cuidados da empregada doméstica.

Considerando que o superior interesse da criança exige que se assegure a manutenção de uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, em particular com o progenitor não residente, de molde a serem mantidos laços afetivos profundos e a permitir que a criança disponha, no caso, da referência parental feminina, já que constitui um fator de especial relevância para o seu crescimento psíquico-afetivo e emocional de forma equilibrada, impõe-se fixar um regime provisório de convívios presenciais entre a criança e a mãe com a maior amplitude possível de molde a compensar a sua ausência no período letivo, tanto mais que a criança sempre residiu com a mãe desde o seu nascimento.

Com efeito, uma vez que a esmagadora maioria do tempo desta criança é passada na residência do progenitor, no Dubai, e sendo de preservar o período letivo, urge equilibrar o tempo de convívios materno filiais, o que se alcançará com a passagem dos períodos de férias escolares com a mãe, em Portugal, atenta a residência desta e a presença neste território da família alargada da criança, quer materna quer paterna, o que, de resto, já sucedia nas férias de verão, conforme deflui da matéria de facto apurada.

Anote-se, ademais, que a invocada decisão proferida pelo Tribunal do Dubai - inexistindo nos autos qualquer certidão judicial e tradução devidamente certificada - não produz qualquer efeito na nossa ordem jurídica, não sendo aqui reconhecida, afigurando-se irrelevante para a decisão a proferir, exarando-se, ademais, que ainda que assim se não entendesse, do documento junto aos autos pelo progenitor sempre emergiria a possibilidade de a criança sair daquele território com o consentimento do pai, o que se imporia.

No que tange aos custos das deslocações serão suportadas por ambos os progenitores em partes iguais, considerando não se terem indiciariamente apurado os concretos rendimentos atuais sustentadores de uma divisão distinta da igualitária.

Em face do exposto, decide-se fixar o seguinte regime provisório de convívios:

- A criança conviverá com a progenitora nas férias escolares de Natal, Páscoa e verão, devendo o progenitor diligenciar pela sua deslocação a Portugal para o efeito (articulando com a progenitora as respetivas datas das viagens e a aquisição dos respetivos bilhetes de avião) e sendo os custos das viagens suportados por ambos os progenitores em partes iguais, sem prejuízo da possibilidade de os progenitores acordarem a deslocação da progenitora ao Dubai em algum destes períodos;

- A criança conviverá diariamente com a progenitora, por videochamada, devendo o contacto ser por esta estabelecido e sem prejuízo dos horários escolares e de descanso.»

2.

Inconformado recorreu o pai.

Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:

1. Antes de mais, refira-se que do presente exercício do direito de recurso pelo Recorrente não se poderá extrair qualquer aceitação da competência internacional dos tribunais portugueses, que o Recorrente continua a crer incompetentes para a decisão sub judice.

2. Considerando-se serem os tribunais do Emirado Árabe do Dubai, país onde o menino reside há mais de três anos, os únicos com competência para decidir das questões a ele relativas.

3. Sem prejuízo do exposto, crê-se que a decisão revidenda não cumpre a Decisão Sumária, de fls.__, confirmada em Acórdão, já transitado em julgado.

4. Decorrendo daquela a necessidade de o tribunal a quo proceder à repetição de atos com vista à ampliação da matéria de facto, a fim de instruir os autos dos elementos probatórios necessários à decisão a proferir.

5. Em vez disso, o tribunal a quo procede apenas a um “aditamento” livre da factualidade indiciariamente provada, em violação do princípio da imediação da prova, na parte em que este impõe um limite temporal entre a decisão e a audiência,

6. Sendo certo que, nos termos do art. 38.º do RGPTC, a decisão provisória deve ser proferida em sede de Conferência de Pais.

7. A isto acresce que não constam do processo os elementos necessários à boa decisão da causa, não se procurando apurar, nomeadamente, as condições económicas dos progenitores, ou a atual situação vivencial do CC, impondo-se a repetição de atos com vista à sua descoberta indiciária.

8. Tudo circunstâncias que impõe a anulação da decisão revidenda, para ampliação da matéria de facto, em cumprimento da Decisão Sumária já transitada em julgado.

9. Ignora-se, igualmente, por que motivo o tribunal a quo entendeu proferir apenas decisão quanto aos convívios da criança com a mãe, quando todos os demais aspetos do regime, incluindo a residência da criança e o modo de repartição entre os progenitores das suas despesas, estão igualmente carecidos de regulação.

10. Sendo, em consequência, o despacho revidendo nulo, por omissão de pronúncia, nos termos do disposto no art. 615.º, n.º 1, al. d) do CPC.

11. Ao não determinar a repetição da Conferência de Pais, o tribunal a quo violou igualmente os princípios orientadores dos processos tutelares cíveis da atualidade, da participação e audição obrigatórias e da consensualização, preterindo a possibilidade das partes chegarem a solução consensual.

12. Circunstância que se tem por tanto mais grave pela circunstância de, na última Conferência de Pais, não se ter logrado estabelecer a ligação Webex com o progenitor, circunstância que impediu a sua participação e audição.

13. A continuação da Conferência de Pais era também a solução que se imporia tendo em vista a notificação ao tribunal e às partes da Informação da Audição Técnica Especializada, nos termos do disposto no art. 39.º, n.º 1, do RGPTC.

14. Apesar da sua natureza processual, estes princípios são também corolário de direitos substantivos, como o direito de reserva à vida privada e familiar e ao direito da criança à proteção por parte do Estado, de onde decorre a obrigação do Estado tomar decisões de acordo com o seu superior interesse nas decisões que lhe dizem respeito.

15. O que implica desde logo a nulidade da decisão revidenda, por violação de direitos, liberdades e garantias.

16. Assim não se entendendo, sempre se deverá entender que a omissão de formalidades legalmente prescritas enferma a decisão de nulidade, nos termos do disposto no art. 615.º, n.º 1, al. d) do CPC, aplicável aos despachos ex vi do previsto no art. 613.º, n.º 3 do mesmo Código Adjetivo.

17. A decisão revidenda incorreu ainda na violação dos direitos da criança, ao não promover a sua audição nem se pronunciar, por despacho, quanto à sua maturidade e capacidade de compreensão dos assuntos em discussão.

18. Sendo certo que o CC é uma criança de 9 anos, com um grau de desenvolvimento normal para a idade, e que os assuntos em discussão são de simples compreensão.

19. Impor-se-ia por isso ouvir o menino, não sendo a circunstância de o mesmo viver em país estrangeiro impeditiva, pois que sempre poderá ser ouvido por teleconferência.

20. De acordo com o entendimento do Supremo Tribunal de Justiça, que também já mereceu acolhimento por parte deste Tribunal da Relação, a falta de audição da criança determina a nulidade da decisão provisória, por corresponder à preterição de princípio com relevância substantiva.

21. De onde resulta a nulidade da decisão revidenda, por violação do disposto no art. 12.º da Convenção sobre os Direitos da Criança, nos arts. 3.º e 6.º da Convenção Europeia sobre o exercício dos Direitos da Criança e, bem assim, nos arts. 4.º, 5.º e 35.º, n.º 3, RGPTC.

22. Além das nulidades que assacamos ao despacho revidendo, impugna-se ainda a decisão proferida quanto à matéria de facto, impondo-se a alteração dos pontos 2. e 3. da factualidade elencada como indiciariamente provada, e que deverão passar a adotar a seguinte redação:

“2 – A criança residia em Lisboa com os progenitores desde que nasceu, e até dezembro de 2019, altura em que todos alteraram a sua residência para o Dubai, em família;

3 – Os progenitores separaram-se no Dubai, vivendo em casas diferentes pelo menos a partir de 2021, tendo acordado que o menino viveria com ambos os pais, em residência alternada;”

23. Mais deverá o ponto 12. da matéria de facto ser eliminado daquele elenco, por apenas encontrar amparo em alegações da Recorrida, já devidamente impugnadas por articulado pelo Recorrente.

24. Por fim, e subsidiariamente, sempre se dirá que não se concorda com a oportunidade e conveniência da decisão proferida.

25. Quer porque o CC também deve passar momentos de lazer com o progenitor residente, devendo adotar-se solução que permita ao menino passar momentos prazerosos e festejar datas festivas com ambos os progenitores.

26. Quer por a Recorrida já ter demonstrado anteriormente não ter disponibilidade para proporcionar convívios regulares entre o menino e a família alargada paterna.

27. Quer ainda por a Recorrida ser de momento a única gestora de uma empresa, sendo desadequado deixar o menino durante a totalidade do seu período de férias em Leiria, na companhia da avó materna ou em Atelier de Tempos Livres, enquanto a mãe está a trabalhar.

28. Pelo contrário, seria mais profícuo para a criança que a progenitora reservasse os seus períodos de férias para passar tempo com o menino no Dubai (enquanto se mantiver a ordem de proibição de saída do menino daquele país) ou em qualquer outro país.

29. Já se tendo o Recorrente, inclusivamente, manifestado a sua disponibilidade para custear as viagens da Recorrida ao Dubai, para que esta pudesse conviver com o menino.

30. Sem prejuízo do exposto, fundamental é mesmo que o tribunal a quo proceda à repetição dos atos relevantes para a decisão da causa, incluindo a repetição da Conferência de Pais e a audição da criança, com vista à composição do seu superior interesse.

31. Em face do exposto, entende o Recorrente que a decisão revidenda viola os seguintes preceitos legais: Princípio 7.º da Declaração dos Direitos da Criança, arts. 3.º e 12.º da Convenção sobre os Direitos da Criança, art. 24.º da Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia, art. 8.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, arts. 3.º e 6.º da Convenção Europeia sobre o exercício dos Direitos da Criança, arts. 26.º, n.º 1 e 69.º da CRP, arts. 1906.º do CC, 662.º, n.º 2, al. c) do CPC, arts. 4.º, 5.º, 35.º, n.º 3, 38.º, 39.º, n.º 1 e 40.º do RGPTC.

Pelo que,

Nestes termos e nos mais de Direito, que doutamente se suprirão, deverá proceder o presente recurso, anular-se a decisão recorrida, ordenando-se a repetição da Conferência de Pais e a audição da criança, com vista à fixação de regime provisório quanto ao exercício das responsabilidades parentais.

A Digna Magistrada do Ministério Público e a mãe  responderam pugnando pela manutenção do decidido.

Conclusões do MºPº.

1. O despacho recorrido procedeu, em cumprimento do determinado na douta decisão do Tribunal da Relação de Coimbra, à ampliação da matéria de facto considerada na decisão proferida em sede de conferência realizada em 28.02.2023, circunscrita ao regime provisório de convívios entre a criança e a progenitora.

2. Estribou-se para tanto no manancial probatório coligido, que examinou criticamente, fundamentando assim e cabalmente, de facto e de direito, a decisão.

3. Resulta inútil a realização de qualquer diligência acrescida, seja a continuação (já realizada) da conferência (ante posições antagónicas e estremadas dos progenitores), seja a nova audição de criança de 9 anos, por não ser necessária (uma vez que já foi considerada a opinião da mesma e ante manancial probatório coligido e que permite alicerçar a decisão tomada).

4. O Tribunal a quo procedeu à apreciação global e crítica do manancial probatório que existia nos autos, e neste assentou a sua convicção.

5. O despacho recorrido, de forma assertiva, lógica e clara, e por reporte aos princípios orientadores em matéria de intervenção tutelar cível, alcançou solução provisória que vai ao encontro de superior interesse da criança, por salvaguardar o seu direito fundamental a conviver com a progenitora.

6. O despacho recorrido não merece, assim, qualquer censura, devendo manter-se nos seus precisos termos.

Conclusões da mãe.

1. Veio o Recorrente considerar, em sede de alegações, que o Meritíssimo Juiz a quo não deu cumprimento à douta Decisão Sumária no Apenso B, não tendo o Tribunal a quo andado bem uma vez que apenas regulou os convívios da criança com a mãe, considerando o Recorrente que a douta decisão viola os princípios da actualidade, da consensualização e da participação, que regem os processos tutelares cíveis, invocando ainda a incompetência absoluta do Tribunal português e a nulidade do despacho por omissão de pronúncia, impugnando matéria de facto.

2. A ora Recorrida discorda de tal alegação, uma vez que, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes, nos termos do disposto no art. 59.º do CPC, quando se verifique alguma das circunstâncias mencionadas nos art. 62.º e 63.º.

3. Em acção de regulação de responsabilidades parentais de menor que se encontrava com a progenitora neste país, residindo o progenitor no Dubai, todos com nacionalidade portuguesa, a competência dos tribunais deste Estado, teria de ser aferida de acordo com os critérios constantes do Regulamento (UE) 2019/1111 do Conselho de 25 de Junho de 2019.

4. Pese embora o Dubai não seja um Estado-Membro, para que o Regulamento (CE) n.º 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro de 2003, seja aplicado não é necessário que um dos cônjuges seja nacional de um Estado Membro (art. 3.º, n.º 1, al. a)), ou que a criança cuja responsabilidade parental é regulada tenha residência habitual num dos Estados Membros (art. 12.º, n.º 4).

5. Nos termos do Considerando n.º 12 do Regulamento, as regras de competência em matéria de responsabilidade parental são definidas em função do superior interesse da criança e, em particular, do critério da proximidade.

6. À data da propositura da acção, a criança encontrava-se a residir em Portugal há quase dois meses, tendo nascido em Portugal, de nacionalidade portuguesa e aqui viveu a maior parte da sua vida, regressando a Portugal, passados cerca de 2 anos e meio de vivência no Dubai.

7. Aplica-se ao caso concreto o artigo 9.º do RGPTC que prevê, no seu n.º 1, que para decretar as providências tutelares cíveis é competente o tribunal da residência da criança no momento em que o processo foi instaurado.

8. No momento em que o processo foi instaurando, o menor residia em Portugal, pelo que, há que concluir-se pela competência dos Tribunais Portugueses, de acordo com toda a factualidade supra exposta e provada.

9. O Tribunal baseou a sua convicção nos factos descritos no douto Despacho, os quais se extraíram das Conferências de Pais já realizadas.

10. Nos termos do disposto no artigo 28.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, o Tribunal pode, a todo o tempo, decidir provisoriamente questões que devam ser decididas, bem como pode alterar decisões já tomadas a título definitivo.

11. O Tribunal a quo entendeu que o superior interesse da criança exige que se assegure a manutenção de uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, e em particular com o progenitor com quem não reside.

12. Considerando o menor encontra-se a residir habitualmente com o progenitor no Dubai, é imperativo fixar um regime provisório de convívios presenciais entre a criança e a mãe de modo a compensar a sua ausência.

13. Quanto à audição das partes em Conferência, ambos os progenitores já foram ouvidos pelo Tribunal, pelo que, já houve um contacto entre o julgador e os progenitores.

14. Apesar do exposto, nos termos do n.º 4 do art. 28.º do RGPTC, o Tribunal pode prescindir de ouvir as partes no âmbito da tomada de uma decisão provisória.

15. Ainda quanto à audição da criança, do n.º 6, do artigo 5,º do RGPTC. não resulta a obrigatoriedade da audição do menor, apenas se dizendo que o Tribunal pode proceder à audição da criança a fim de que o seu depoimento seja considerado como meio probatório, quando o interesse do menor o justificar.

16. Não é necessário proceder à audição do menor para saber que é do interesse deste os convívios com a progenitora.

17. No momento impunha-se regular os convívios do menor com a progenitora presencialmente, pois só assim o menor consegue criar laços afectivos e emocionais, podendo demonstrar afecto e carinho.

18. É urgente a regulação dos convívios entre o menor e a sua progenitora, pelo que, o pagamento das deslocações da criança é uma questão menor, que pode até vir a ser alterada no decorrer do processo.

19. O artigo 40.º do RGPTC remete para a Sentença final, sendo que, no caso em apreço não estamos perante uma sentença, mas sim perante uma decisão provisória, prevista no artigo 28.º do RGPTC, pelo que, não deve a decisão ser declarada nula por falta de pronúncia, uma vez que numa decisão provisória o Tribunal decide o que entende por conveniente decidir, não estando sequer obrigado a proferir decisões desta natureza.

20. Mais, o juiz não é obrigado a decidir provisoriamente em relação a todas as matérias.

21. O processo em curso, e, particularmente a douta decisão recorrida, encontram-se no respeito pelos princípios orientadores estabelecidos tanto no RGPTC como na LPCJP.

22. Quanto à realização de Conferência de Pais, ao contrário do defendido pelo Recorrente, ambos os progenitores foram ouvidos em Conferência, tendo o Tribunal tido conhecimento de todas as alterações nas suas vidas.

23. Neste sentido, uma vez que a Recorrida, que é uma figura de extrema relevância na vida do menor, reside em Portugal, é da maior importância estabelecer os convívios com esta.

24. Uma vez que não se sabe quando será proferida a decisão definitiva e tendo em conta que o Recorrente tem utilizado meios processuais que atrasam a boa e definitiva decisão da causa, é de vital importância que se regule os convívios entre o menor e a progenitora, a fim de manter os laços já criados e estabelecidos, para que não lhe falte qualquer elemento importante no seu crescimento e desenvolvimento, para além de constituir elementar justiça e um direito inerente à condição de ser criança, conviver com ambos os progenitores.

25. Encontra-se respeitado o princípio da actualidade do artigo 4.º da LPCJP, uma vez que o menor encontra-se a residir no Dubai e a douta decisão recorrida foi tomada com base nesse facto.

26. Mais, segundo a alínea e), do artigo 4.º da LPCJP, a intervenção deve ser necessária e adequada, o que se verifica, uma vez que, é inequivocamente necessário regular os convívios com a progenitora, parecendo a decisão adequada em termos de bom senso e na medida do possível, uma vez que o menor apenas se deslocará a Portugal durante as férias escolares, não interferindo assim com o seu desenvolvimento escolar e cognitivo.

27. De referir ainda que, para que seja tomada uma decisão provisória, não é necessário que se promova a audição da criança, pelo que, tal não é fundamento para declarar nula a douta decisão recorrida.

28. A douda decisão proferida foi tomada de acordo com o superior interesse da criança, o qual deve ser entendido como o direito da criança ao desenvolvimento são e normal no plano físico, intelectual, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade.

29. É um bem e interesse da criança consagrado constitucionalmente de ser educada pelos pais e viver com eles, nos termos do artigo 35.º, n.º 5 da CRP.

30. Um dos princípios orientadores do Processo Tutelar Cível é o da prevalência familiar, nos termos do qual deve ser dada prevalência às medidas que integrem a criança na sua família.

31. A família do menor é o seu progenitor, com quem se encontra a residir no Dubai, mas também, e da mesma forma, a sua progenitora e os avós, tanto maternos como paternos, que se encontram em Portugal, sendo a convivência do menor com os mesmos de extrema importância.

32. O Tribunal a quo cumpriu e respeitou os princípios elencados no artigo 4.º da LPCJP, ao invés do alegado pelo Recorrente, uma vez que cumpriu todos os princípios, nomeadamente o da responsabilidade parental, o primado da continuidade das relações psicológicas profundas e ainda da prevalência da família.

33. Nestes termos, o despacho recorrido não está ferido de qualquer nulidade, propugnando-se pela respectiva manutenção, nos seus exactos termos.


3.
Sendo que, por via de regra: artºs  635º nº4 e 639º do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas  são  as seguintes:

1ª – Anulação da decisão e  sua nulidade por omissão de pronúncia.
2ª - Alteração da decisão sobre a matéria de facto.
3ª -  Ilegalidade e revogação da decisão por contrária aos interesses do menor.

4.

Apreciando.

4.1.

Primeira questão.

4.1.1.

Estatuem os artºs 4º e 5º  da Lei n.º 141/2015, de 08 de Setembro que aprovou o REGIME GERAL DO PROCESSO TUTELAR CÍVEL, doravante RGPTC.

Princípios orientadores

1 - Os processos tutelares cíveis regulados no RGPTC regem-se pelos princípios orientadores de intervenção estabelecidos na lei de proteção de crianças e jovens em perigo e ainda pelos seguintes:

a) Simplificação instrutória e oralidade - a instrução do processo recorre preferencialmente a formas e a atos processuais simplificados, nomeadamente, no que concerne à audição da criança que deve decorrer de forma compreensível, ao depoimento dos pais, familiares ou outras pessoas de especial referência afetiva para a criança, e às declarações da assessoria técnica, prestados oralmente e documentados em auto;

b) Consensualização - os conflitos familiares são preferencialmente dirimidos por via do consenso, com recurso a audição técnica especializada e ou à mediação, e, excecionalmente, relatados por escrito;

c) Audição e participação da criança - a criança, com capacidade de compreensão dos assuntos em discussão, tendo em atenção a sua idade e maturidade, é sempre ouvida sobre as decisões que lhe digam respeito, preferencialmente com o apoio da assessoria técnica ao tribunal, sendo garantido, salvo recusa fundamentada do juiz, o acompanhamento por adulto da sua escolha sempre que nisso manifeste interesse.

2 - Para efeitos do disposto na alínea c) do número anterior, o juiz afere, casuisticamente e por despacho, a capacidade de compreensão dos assuntos em discussão pela criança, podendo para o efeito recorrer ao apoio da assessoria técnica.

Audição da criança

1 - A criança tem direito a ser ouvida, sendo a sua opinião tida em consideração pelas autoridades judiciárias na determinação do seu superior interesse.

2 - Para efeitos do disposto no número anterior, o juiz promove a audição da criança, a qual pode ter lugar em diligência judicial especialmente agendada para o efeito.

3 - A audição da criança é precedida da prestação de informação clara sobre o significado e alcance da mesma.

Verifica-se pois que há dois princípios basilares e fundamentais no processo de rrp, quais sejam, o da consensualização das decisões e o da audição do menor nas decisões que lhe digam respeito, se a sua idade e maturidade o permitirem.

Estes princípios são, por via de regra e salvo circunstâncias excecionais, de efetivação obrigatória, e impõem-se.

A ratio desta obrigatoriedade é facilmente intuível: a matéria em causa está imbuída de aspetos pessoais, emocionais e afetivos que relevam de sobremaneira para a boa decisão da causa, sempre na perspetiva da defesa dos superiores do menor, sendo  que apenas a sua audição e a dos pais  melhor e com maior acuidade e profundidade permite conhecer e intuir.

A obrigatoriedade da audição do menor vem plasmada em diversos normativos, internos e internacionais.

Assim, consta no artigo 3º da Convenção Europeia Sobre o Exercício dos Direitos das Crianças, aprovada por Resolução da Assembleia da República n.º 7/2014, publicada no Diário da República, 1.ª série, N.º 18 de 27 de janeiro de 2014
 No artigo 24º nº2 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia  - aprovada em protocolo anexo ao Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, tal como resultou do Tratado de Lisboa - e pelo artigo 12º nº2 da Convenção de Nova Iorque sobre os Direitos da Criança.
E nos artigos 23º, al. b), 41º, n.º 3, al. c) e 42º, n.º 2, al. a) do Regulamento (CE) nº 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro, relativo à competência, reconhecimento e execução de decisões em matéria matrimonial e de responsabilidade parental.
No direito interno está prevista no artº 4º al. c) e 35º nº3   do RGPTC e no  artº 1901º do Código Civil.
De notar que este último preceito, na redação introduzida pela Lei 61/2008, de 21.10. impõe a audição das crianças e jovens na decisão das questões que lhes digam respeito, em caso de pais casados e que não cheguem a acordo sobre questões de particularidade importância relativas à vida dos filhos, suprimindo o anterior limite dos 14 anos como idade mínima para o fazer.
Nesta conformidade constitui jurisprudência pacífica que:
« O princípio da audição do menor constante em preceitos do direito interno e do direito internacional a que o Estado Português está vinculado, tem como pressuposto a consideração de que o menor deve ser ouvido nas decisões que lhe dizem respeito, pelo respeito pela sua personalidade.
A audição e participação da criança nos processos judiciais em que sejam intervenientes, de acordo com a sua idade e maturidade é, pois, relevante enquanto condição essencial para o reconhecimento e execução de decisões relativas ao direito de convívio da criança com os seus progenitores, ou relativas à deslocação ou retenção ilícita de crianças
 Este princípio é extensivo ao incidente de alteração do regime das responsabilidades parentais.
A audição prévia do menor, tendo em conta a sua idade e grau de maturidade reveste natureza obrigatória, pelo que a não realização dessa audição, determina a nulidade da decisão.» -  Ac. RL 12.07.2018, p. 390/08.7TMFUN-F.L1-1, in dgsi.pt.

« O tribunal deve respeitar a formalidade legal da audição do menor, tal como os Art.s 4.º al. i) e 5.º da RGPTC estabelecem, mas a lei não impõe que deva ser sempre observada a opinião da criança… A inobservância desta formalidade que tem reflexo na decisão da causa, determina a nulidade da decisão…
 …a regulamentação das responsabilidades parentais deve ser estabelecida, preferencialmente, pelos pais, de comum acordo… ». - Ac. RL de 22.10.2019, p. Proc. n.º 1779/15.0T8CSC-G.L1.

Em termos procedimentais quanto à audição urge atentar no seguinte:
«I- A intervenção para a promoção dos direitos e protecção da criança em perigo tem como princípio primeiro o interesse superior da criança, sendo corolário desse princípio, em termos processuais, a audição do menor (o mesmo deverá ser ouvido sempre que a sua maturidade e idade o permitam).
II- O art.º 5º do RGPTC, aplicável aos processos de promoção e protecção por força do art.º 84º, da LPCJP, estabelece a audição da criança em duas situações distintas: a primeira, para que a criança possa manifestar a sua opinião, a atender na decisão a tomar (cfr. n.ºs 1 e 4); a segunda, para que sejam tomadas declarações à criança, sempre que tal o justifique, para que o seu depoimento possa ser considerado como meio probatório (cfr. n.ºs 6 e 7);
III- Quando a audição da criança se assuma como uma diligência probatória, essa audição deverá efectuar-se na presença dos mandatários dos progenitores, sob pena de nulidade, nos termos do art.º 5º, nº 7, al. b) do RGPTC e art.º 3º, nº 3, do NCPC, ev xi do art.º 549º, nº 1, do NCPC.
IV- Já quando a audição da criança seja para esta possa livremente exprimir a sua opinião, a mesma não está sujeita às regras referidas nos citados nºs 6 e 7 do referido art.º 5º, não existindo qualquer nulidade quando a mesma não é realizada na presença de advogados, podendo o juiz ouvir a criança sem a presença de qualquer mandatário.» - AC. RL de 12.01.2023, p. 438/17.4T8VFX-E.L1-8.

A importância dada ao contraditório no regime jurídico da rrp é tanto mais de relevar quanto é certo que mesmo em sede de decisão provisória,  e ainda que ela seja acrescidamente imbuída de poderes de oportunidade e conveniência, o cumprimento de tal magno princípio é exigível.
Efetivamente, estatui o artº 28º do RGPTC.

 Artigo 28.º

Decisões provisórias e cautelares

1 - Em qualquer estado da causa e sempre que o entenda conveniente, a requerimento ou oficiosamente, o tribunal pode decidir provisoriamente questões que devam ser apreciadas a final, bem como ordenar as diligências que se tornem indispensáveis para assegurar a execução efetiva da decisão.

2 - Podem também ser provisoriamente alteradas as decisões já tomadas a título definitivo.

3 - Para efeitos do disposto no presente artigo, o tribunal procede às averiguações sumárias que tiver por convenientes.

4 - O tribunal ouve as partes, exceto quando a audiência puser em risco sério o fim ou a eficácia da providência.

5 - Quando as partes não tiverem sido ouvidas antes do decretamento da providência, é-lhes lícito, em alternativa, na sequência da notificação da decisão que a decretou:

a) Recorrer, nos termos gerais, quando entenda que, face aos elementos apurados, ela não devia ter sido deferida;

b) Deduzir oposição, quando pretenda alegar factos ou produzir meios de prova não tidos em conta pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da providência ou determinem a sua redução.
4.1.2.
No caso decidendo.
Nem o menor nem os pais foram ouvidos.
O facto de terem já existido conferências de pais irreleva.
É que a decisão pretende ser consentânea com as atuais circunstâncias fáctico circunstanciais e estas podem ter-se alterado, pelo que tal audição pode revelar-se útil.
Logo, a audição dos pais, senão via conferência, ao menos via requerimento escrito, impunha-se para, no exercício do contraditório, se colherem a esclarecimentos quanto a tais hodiernas circunstancias e factos e a sua posição quanto à decisão a proferir.
Note-se que o pai até parece estar disposto a suportar as despesas  de viagem da mãe para o Dubai na totalidade.
Depois a audição do menor outrossim se afigura necessária.
O menor vai a caminho dos dez anos e, consequentemente, tem já capacidades intelectuais, emocionais e volitivas em grau bastante que lhe permitem interiorizar, avaliar e opinar sobre as visitas e a sua amplitude, bem como sobre o modo e circunstancias da sua realização, através da deslocação a Portugal.
Depois existem elementos no processo que lançam dúvidas sobre a necessidade e oportunidade do ora decidido.
É que é a própria julgadora a expender que
«por decisão de 28.02.2023, foi fixado regime provisório de convívios materno-filiais nos seguintes termos (sendo o recurso interposto com efeito meramente devolutivo):
- A criança conviverá com a progenitora nas férias escolares e interrupções letivas, devendo o progenitor assegurar a deslocação da mesma a Portugal para o efeito.
- A criança conviverá ainda diariamente com a progenitora, por videochamada, nos termos em que vêm acontecendo.»
Esta decisão é muito similar relativamente à decisão ora recorrida, a qual, como se viu, tem o seguinte teor, divergindo apenas e essencialmente nas  partes sublinhadas:

- A criança conviverá com a progenitora nas férias escolares de Natal, Páscoa e verão, devendo o progenitor diligenciar pela sua deslocação a Portugal para o efeito (articulando com a progenitora as respetivas datas das viagens e a aquisição dos respetivos bilhetes de avião) e sendo os custos das viagens suportados por ambos os progenitores em partes iguais, sem prejuízo da possibilidade de os progenitores acordarem a deslocação da progenitora ao Dubai em algum destes períodos;

- A criança conviverá diariamente com a progenitora, por videochamada, devendo o contacto ser por esta estabelecido e sem prejuízo dos horários escolares e de descanso.»
A assim ser não se alcança a necessidade de, passados apenas alguns meses, se estar a proferir nova decisão de jaez essencialmente idêntico.
 Ademais sem que nesta decisão ora sob recurso se tenha aduzido fundamentação que alicerçasse a necessidade da sua prolação, vg. por alteração substancial das circunstâncias.
Antes pelo contrário, se indiciando que inexistiu tal alteração, pois que a factualidade essencialmente relevante para a sua prolação - qual seja, a residência dos pais em países diferentes distantes e o direito/interesse do menor, em conviver com ambos os progenitores e família nuclear mais próxima, como sejam os avós, o que, quanto à mãe apenas se pode proficuamente efetivar, nas férias escolares-, já se verificava em fevereiro de 2023, tanto que nesta data  foi proferida decisão para consecutir tal direito.
Finalmente a decisão presta-se a dúvidas sobre a amplitude dos contactos do menor com a mãe nas férias escolares; é todo o período das férias?
Tendencialmente não o deverá ser, pois que o pai também poderá ter necessidade e direito de conviver hedonisticamente com o filho em parte de tais períodos das suas  férias escolares.
Mas se for apenas parte, que parcela do período o menor passará com um e com o outro progenitor?
Tudo isto, e mais que poderá haver, demonstra a necessidade, ou pelo menos, o relevante interesse, de os pais e o menor serem ouvidos, para, em face das suas informações e das suas posições, se poderem definir com mais precisão e rigor, e, assim, com concreta vinculação, vg, temporal, dos pais, na decisão - homologatória de possível acordo, ou decisão imposta -, que venha a ser proferida.
Por conseguinte, se atingindo a final conclusão que a decisão foi prolatada com violação de princípios relevantes que podem ter tido influência na definição do seu teor, com eventual prejuízo, material e/ou subjetivo emocional, ou inconveniência, para o menor e/ou para os pais, o qual porventura poderá ser evitado ou minimizado com a audição de todos os interessados.
O que, em termos jurídicos processuais estritos, acarreta a sua nulidade, por preterição de atos legalmente exigíveis – artº 195º do CPC.
Devendo tais atos serem praticados e depois ser prolatada nova decisão.

Procedente esta questão, queda prejudicada a apreciação das questões subsequentes.

(…)

6.

Deliberação.

Termos em que se acorda julgar o recurso procedente, anular a decisão e ordenar a realização das diligências supra aludidas, sendo depois decidido em função dos contributos probatórios das mesmas.

Custas recursivas pelos pais em partes iguais.

Coimbra, 2024.06.04.