Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | MOREIRA DO CARMO | ||
Descritores: | EMBARGO DE OBRA NOVA RATIFICAÇÃO JUDICIAL | ||
Data do Acordão: | 11/02/2010 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | ARGANIL | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTS.387, 392, 412, 419 CPC | ||
Sumário: | 1. No caso de ratificação judicial de embargo de obra nova, a ocorrência do requisito legal “obra nova não concluída” deve verificar-se na ocasião da notificação verbal referida no nº 2 do artigo 412º, do CPC, e não na data em que o respectivo requerimento judicial de ratificação entrou em juízo ou noutra data posterior. 2. A lei, no caso de embargo de obra nova (ou respectiva ratificação judicial), contenta-se com a verificação de um dano jurídico, bastando, pois, que o facto tenha a feição de ilícito porque contrário à ordem jurídica concretizada num direito de propriedade (numa posse ou fruição legal) para que haja de considerar-se prejudicial para os efeitos de tal embargo de obra nova. 3. Foi expressamente afastado pela lei o princípio da proporcionalidade, previsto para o procedimento cautelar comum, no que respeita ao decretamento (ou ratificação) de embargo de obra nova, conforme decorre do texto do art. 392º, nº 1, do CPC. | ||
Decisão Texto Integral: | I – Relatório
1.L (…), residente em Algés, instaurou contra J (…) e mulher C (…), ambos residentes em Genéve, na Suíça, procedimento cautelar de ratificação judicial de embargo de obra nova, pedindo que seja ratificado o embargo extrajudicial efectuado a 17 de Fevereiro de 2010. Alegou ser co-titular, juntamente com a mãe e irmã, todas na qualidade de herdeiras de F (…), de um prédio urbano sito em ...., ...., concelho de Góis, inscrito na matriz predial urbana sob o art. ....º. Por seu turno, os requeridos são donos do prédio que confina a sul/nascente com o dito prédio. No dia 17 de Fevereiro de 2010, pelas 10 horas, a requerente procedeu ao embargo extrajudicial da obra que se encontra a ser realizada no prédio dos requeridos, nas pessoas de (…) e de (…). A essa obra, consistente na abertura de vão de porta na parede do prédio dos requeridos confinante com o prédio da requerente, já tinha sido negada autorização por banda da requerente e restantes co-titulares. A requerente notificou os supra mencionados indivíduos de que deveriam parar imediatamente com a referida obra. Perante a recusa de assinatura por parte dos trabalhadores da obra, o auto de embargo extrajudicial de obra nova foi assinado por duas testemunhas: (…) e (…). A requerente pretende evitar o prejuízo que a referida obra causará à propriedade. Os Requeridos deduziram oposição, alegando a falta ou ininteligibilidade da causa de pedir. Por impugnação, alegaram ser beneficiários de uma servidão de vistas, relativamente a uma janela implantada no r/c do seu prédio que dá para o prédio da requerente, espaço esse que agora pretendem transformar na referida porta, bem como de uma servidão de passagem, ambas constituídas há mais de 20 anos, de forma pública e pacífica. Por isso, entendem que a abertura de uma porta para o prédio da requerente não ofende o direito de propriedade desta. Foi proferido despacho de aperfeiçoamento convidando-se a Requerente a esclarecer a exacta obra ou trabalho novo que está a ser levado a efeito e os seus exactos prejuízos. A mesma acolheu tal despacho e concretizou os referidos elementos. Foi depois julgada improcedente a invocada excepção de ineptidão da petição inicial. Após alguns incidentes processuais, foi proferida decisão que ratificou judicialmente o embargo de obra nova efectuado pela Requerente.
2. Os Requeridos interpuseram recurso, formulando as seguintes conclusões que se sintetizam: a) Sendo certo que os recorrentes não pediram autorização para construírem a janela referida no facto provado 13., decorre do teor da carta junta com a oposição, como Doc. nº 2 e não impugnado, que a recorrida e demais co-proprietárias consentiram tacitamente na construção da dita janela ou pelo menos que não deduziram oposição, pelo que tal facto provado tem de reflectir o que da aludida carta se depreende; b) O facto provado 14., no que respeita ao espaço temporal de 8 dias tem de ser corrigido para 3 dias depois do embargo extrajudicial, face ao depoimento das testemunhas (…); c) O facto provado 7., sua parte final está incorrectamente julgado, face ao depoimento da testemunha (…), devendo passar a constar que faltava apenas retirar a madeira e o reboco velho; d) Assim, face ao estado avançado da obra a continuação da mesma está legitimada pelo princípio da proporcionalidade, estatuído no art. 387º, nº 2, do CPC; e) Face ao depoimento das testemunhas (…), e carta atrás referida, o tribunal devia ter dado como provados, os factos referidos em 3º e 4º lugar como não provados no despacho de resposta à matéria de facto; f) Na verdade, o princípio da livre apreciação das provas não se confunde com uma apreciação discricionária, devendo o juiz apreciar a prova testemunhal segundo critérios de valoração racional e lógica, tendo em conta as regras da experiência, pelo que tendo o tribunal realçado o depoimento da testemunha Ilda Carvalho, a qual reside perto dos prédios há mais de 30 anos, também devia ter valorado os depoimentos das testemunhas arroladas pela recorrente, ora indicadas em e), por conhecerem bem esses factos dados como não provados; g) Estando reconhecida a seu favor a constituição do direito de servidão de vistas e de passagem dos recorrentes, por usucapião, a recorrida não pode praticar actos que impeçam o exercício de tais direitos; h) Por outro lado, segundo o depoimento da testemunha José Domingos a nova porta abre para o interior da habitação e tem portadas que impede o acesso directo à dita passagem, pelo que não afecta o direito de propriedade da recorrida sobre a pequena travessia; i) Como a obra terminou no máximo 3 dias depois do embargo extrajudicial, dia 20.2.2010, e a ratificação judicial entrou em juízo em 22.2.2010, é certo que nesta data já não existia perigo de consumação de prejuízos, porque a existir já se haviam consumado, pelo que a ratificação judicial do procedimento cautelar é injustificável; j) Desta feita, deve a sentença recorrida ser revogada, por violar os arts. 381º, 387º, 412º, 655º, do CPC, e 1543º, 1544º, 1360º, 1362º e 1287º, do CC, e em consequência ser o requerimento de ratificação extrajudicial indeferido.
3. A Requerente contra-alegou, concluindo que não obstante a data de conclusão dos trabalhos ser controversa é unanimemente aceite que o foi após o embargo extrajudicial, pelo que é irrelevante aquele quid levantado pelos recorrentes; a prova produzida em audiência e o Doc. nº 3 junto com o requerimento inicial (fotografia) não permitem a pretendida alteração do facto provado 7., nem consequentemente os recorrentes podiam continuar a obra, pois o estatuído no art. 387º, nº 2, é inaplicável in casu, atento o disposto no art. 392º, nº1, do CPC; existe prejuízo para a requerente, pois este prejuízo é a ofensa ao direito de propriedade, visando-se, como a requerente disse na p.i., que a ofensa não perdure, tendo a sentença recorrida fundamentado adequadamente esta questão; ficou cabalmente demonstrado em audiência, inclusivamente por testemunhas dos recorrentes, que nenhuma zona do seu prédio se encontra “encravada”, não necessitando de qualquer servidão, pelo que a matéria dada como não provada pela julgadora foi bem julgada; não colhe a tese dos recorrentes da servidão de vistas, pois a recorrida e demais proprietários negaram expressamente autorização para a realização da obra embargada. Deve, por isso, manter-se a decisão recorrida.
II - Factos Provados
1. A Requerente é co-proprietária e legítima possuidora do prédio urbano, sito em ...., freguesia do ...., concelho de Góis, inscrito na matriz predial urbana sob o art.º .... (cfr. Doc. nº 1, junto com o requerimento inicial, não impugnado). 2. A titularidade do prédio acima descrito é comum à Requerente, a sua mãe, (…), e a sua irmã, (…), todas na qualidade de herdeiras de F (…) (cfr. cópia da certidão de habilitação de herdeiros, junta a fls. 22 a 25, dos autos e não impugnado). 3. Os Requeridos são proprietários do prédio que confina a sul/nascente com o prédio de que a Requerente é comproprietária e acima descrito (cfr. Doc. nº. 2, junto com o requerimento inicial e não impugnado). 4. No dia 17 de Fevereiro de 2010, pelas 10:00 horas, no local de ...., ...., concelho de Góis, a Requerente procedeu ao embargo extrajudicial da obra que se encontrava a ser realizada no prédio dos Requeridos, nas pessoas aí presentes, a saber: (…) e (…), advertindo-os de que a obra deveria parar e que a sua continuação causaria maiores prejuízos à Requerente. 5. Tal obra encontrava-se a ser efectuada pelos dois indivíduos acima referenciados e, no dia e hora acima identificados em 4., achavam-se a abrir um vão na parede do prédio de que os Requeridos são proprietários, que confina com o prédio descrito em 1., e a pedido destes. 6. Essa construção consistia na transformação de uma janela numa porta até ao nível do chão, a concretizar na parede do prédio dos Requeridos que confronta directamente com o prédio da Requerente e descrito em 1. 7. No momento do embargo já se encontrava delineada no reboco da fachada, pelo lado exterior da parede da casa dos Requeridos, a mencionada porta, faltando ainda escavar a totalidade da parede de alvenaria de pedra. 8. (…) e (…) iniciaram a construção acima citada no dia 15 de Fevereiro de 2010. 9. Anteriormente a essa data (referida em 7.), a Requerente já havia negado autorização aos Requeridos para a obra acima descrita. 10. Após a comunicação do embargo, efectuado pela Requerente, (…) e (…) recusaram-se a assinar o documento de fls. 10, afirmando que iriam transmitir ao Requerido marido o que se havia passado e, em consonância com aquilo que lhes iria ser determinado por este, continuariam ou não com a construção. 11. Perante a recusa de assinatura por parte dos dois indivíduos acima citados, o documento de fls. 10 foi emitido na presença de duas testemunhas, a saber: (…) e (…), que o assinaram (cfr. Doc. junto a fls. 10). 12. A Requerente pretende evitar o prejuízo que a referida obra, não autorizada, causa à sua propriedade. 13. A janela referida em 6. também foi aberta pelos Requeridos, sem autorização da Requerente, há mais de sete anos. 14. Após o embargo acima mencionado, por ordem do Requerido, (…) e (…) terminaram a conclusão da construção dentro de um espaço de cerca de 8 (oito) dias. 15. O prédio dos Requeridos, acima aludido, corresponde a uma casa de habitação, constituído por rés-do-chão, 1 e 2 andares, melhor descrito na CR Predial de Góis sob o nº. 00472. 16. A obra acima referenciada (abertura de uma porta ao nível do r/c) confronta directamente com o prédio da Requerente, sendo que, no local em causa (à frente da porta para o lado exterior), existe um caminho e um jardim, pertencentes ao prédio mencionado e da aqui Requerente. * Exarou-se na decisão recorrida, ainda, o seguinte: «Com interesse para a boa decisão da causa, não resultaram indiciariamente provados os seguintes factos: - que faz parte do imóvel dos Requeridos uma janela ao nível do r/c, construída pelos Requeridos sem oposição da Requerente e demais co-proprietárias. - que essa janela foi construída há mais de 20 anos, sem oposição de ninguém, à vista de toda a gente, fazendo uso contínuo da mesma, e na convicção (os Requeridos) de que exerciam direito próprio e sem lesarem direitos de terceiro. - que há mais de 20 anos que os Requeridos se “socorrem”, de forma pública e sem qualquer objecção, do caminho que confronta com a parede da sua habitação, na qual foi agora construída a porta acima mencionada, de modo a poderem alcançar o seu celeiro, que se localiza nas traseiras do seu imóvel. - fazendo-o na convicção de exercerem direito próprio e com desconhecimento de qualquer lesão a bens ou direitos de terceiro.»
III - Do Direito
1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes, apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas (arts.º 685º-A, e 684º, nº 3, do CPC). Nesta conformidade, as questões a resolver são as seguintes. - Alteração da matéria de facto. - Verificação dos requisitos legais do procedimento cautelar.
2.1. (…) Por isso, o apontado facto provado 13. terá de reflectir o que da aludida carta inequivocamente se depreende (art. 712º, nº 1, b), do CPC). Desta maneira, tal facto provado passará a ter a seguinte redacção: 13. A janela referida em 6. também foi aberta pelos Requeridos, sem oposição da Requerente, há mais de sete anos. 2.3. (…) 3. A ratificação judicial de embargo de obra nova, à luz do art. 412º, nº 1, do CPC, exige a verificação cumulativa de três requisitos essenciais, a saber: - que o embargante seja titular de um direito; - que se considere ofendido nesse direito em consequência de obra, trabalho ou serviço novo; - e que tal obra, trabalho ou serviço lhe cause ou ameace causar prejuízo. Ora, sabemos que a titularidade do prédio acima descrito é comum à Requerente, a sua mãe, (…), e a sua irmã, (…), todas na qualidade de herdeiras de F (…). 3.1. Na sentença recorrida escreveu-se que: «A Requerente, por outro lado, demonstrou ter sido ofendida no seu direito de propriedade através da obra efectuada pelos Requeridos, já que ficou demonstrado que a obra em causa encontrava-se a ser efectuada pelos dois indivíduos acima referenciados e, no dia e hora acima identificados em 4., dos factos assentes, achavam-se a abrir um vão na parede do prédio de que os Requeridos são proprietários, que confina com o prédio descrito em 1., e a pedido destes; essa construção consistia na transformação de uma janela numa porta até ao nível do chão, a concretizar na parede do prédio dos Requeridos que confronta directamente com o prédio da Requerente e descrito em 1.; no momento do embargo já se encontrava delineada no reboco da fachada, pelo lado exterior da parede da casa dos Requeridos, a mencionada porta, faltando ainda escavar a totalidade da parede de alvenaria de pedra. O terceiro requisito também se mostra verificado, pois a Requerente pretende evitar o prejuízo que a referida obra, não autorizada, causa à sua propriedade; efectivamente, de acordo com a materialidade provada, os Requeridos apenas poderiam abrir uma porta directamente sobre o prédio confinante (da aqui Requerente), caso fosse respeitado o intervalo de metro e meio; uma vez que esse espaço ou intervalo não foi respeitado, o direito de propriedade da Requerente foi lesado, até porque, em tese geral, com a abertura dessa porta, os Requeridos poderão começar a fazer uso da mesma e a entrar por aí directamente no prédio da Requerente, o que causa prejuízos notórios para a Requerente. Assim, no caso presente, a Requerente, como lesada, procedeu ao embargo extrajudicial, sujeitando-o a posterior ratificação, através do presente procedimento cautelar, sob pena desse embargo ficar sem efeito (v. art. 412º, nº 3, do Código de Processo Civil). Juntamente com o direito de propriedade, em sentido estrito, cabem ainda no âmbito de protecção da presente providência cautelar as situações de contitularidade que se reconduzam às regras da compropriedade, como é o caso». – fim de transcrição. 3.2. A primeira objecção dos recorrentes ao decidido radica no facto de a obra ter terminado no máximo 3 dias depois do embargo extrajudicial, ou seja dia 20.2.2010, e a ratificação judicial ter entrado em juízo em 22.2.2010, pelo que nesta data já não existia perigo de consumação de prejuízos, porque a existir já se haviam consumado, sendo, assim, injustificável a ratificação judicial do procedimento cautelar. Relembre-se que o art. 412º, nº 2, do CPC, estatui que: O interessado pode também fazer directamente o embargo por via extrajudicial, notificando verbalmente, perante duas testemunhas, o dono da obra, ou na sua falta, o encarregado ou quem o substituir para a não continuar. Está comprovado que a obra se iniciou em 17.2.2010. O tribunal deu como provado que a obra terminou dentro de um espaço de 8 dias, enquanto que os recorrentes defendem que terá terminado no máximo 3 dias depois do embargo extrajudicial. Seja como for, é indesmentível que a obra terminou depois do embargo extrajudicial. Ora, a propósito desta matéria, é pacífica a doutrina e a jurisprudência que o momento que importa considerar para saber se ainda existe utilidade na providência cautelar é o momento em que é feito o referido embargo extrajudicial, embora sujeito, posteriormente, à respectiva ratificação judicial. Assim ensinam o Prof. A. Reis, CPC Anotado, Vol. II, 3ª Ed., 1981, págs. 63/64 e 83/85, L. Freitas, CPC Anotado, Vol. 2º, 2ª Ed., nota 5. ao referido artigo, pág. 144, e Moitinho de Almeida, Embargo ou Nunciação de Obra Nova, 3ª Ed., págs. 15/16 e 35/36). E assim se decidiu no Ac. do STJ de 30.01.97, BMJ 463, pág. 534, que concluiu que «a ocorrência do requisito “obra nova não concluída” do embargo de obra nova, deve verificar-se na ocasião da notificação verbal referida no nº 2 do artigo 412º, do CPC». No mesmo sentido vai o Ac. Rel. Lisboa, de 18.6.2004, Proc. 5482/2004-7, in www.dgsi.pt. Nem podia ser de outra maneira, sob pena de o acto extrajudicial, previsto e regulado pela lei processual ficar destituído de valor e finalidade, ficaria reduzido a zero, como bem assinala A. Reis, ou sob risco de facultar, em muitos casos, ao embargado a possibilidade de fugir aos efeitos do embargo, apressando a conclusão da obra para depois vir dizer que já estava tudo concluído…Uma conduta do estilo “facto consumado”. Ora, como vimos, no momento em que a referida notificação é feita, no momento em que o embargo extrajudicial é efectuado, a obra ainda não estava terminada. De modo que à data em que este foi realizado a obra dos recorrentes não estava terminada, sendo dotados de utilidade quer o mencionado embargo quer a posterior ratificação judicial. Daí que se tornasse desnecessário apurar em termos de alteração de matéria factual como acima dissemos (em 2.1.) se o termo da obra ocorreu no prazo de 8 dias após o seu inicio, como se julgou na sentença recorrida (facto provado 14.), ou no prazo de 3 dias após o indicado embargo extrajudicial, como propugnavam os recorrentes. 3.3. Por outro lado, ensaiam os recorrentes a ideia de que no caso dos autos não houve prejuízo. A sentença recorrida demonstrou que esse prejuízo existia. Convém, no entanto, acrescentar, para que não reste qualquer dúvida ou hesitação, que a lei, no caso de embargo de obra nova (ou respectiva ratificação judicial), se contenta com a verificação de um dano jurídico, bastando, pois, que o facto tenha a feição de ilícito porque contrário à ordem jurídica concretizada num direito de propriedade (numa posse ou fruição legal) para que haja de considerar-se prejudicial para os efeitos de embargo de obra nova (vide A. Reis, ob. cit., pág.63/65, L. Freitas, ob. cit., nota 7. ao referido artigo, pág.147/148, e M. Almeida, ob. cit., pág. 13 e 19, e Ac. Rel. Évora, de 29.11.2001, CJ, T. 5, pág. 253). 3.4. Outra objecção dos recorrentes prende-se com o facto de defenderem que no momento de efectivação do embargo faltava apenas retirar a madeira e o reboco velho, pelo que face ao estado avançado da obra a continuação da mesma estaria legitimada pelo princípio da proporcionalidade, estatuído no art. 387º, nº 2, do CPC. Enquanto, como se sabe, o tribunal deu como provado que no momento do embargo faltava, ainda, escavar a totalidade da parede de alvenaria de pedra (facto 7.). Este argumento é incorrectamente apresentado pelos recorrentes, por uma menor atenção ao estatuído legalmente. De facto, foi expressamente afastado pela lei tal princípio da proporcionalidade, previsto para o procedimento cautelar comum, no que respeita ao decretamento (ou ratificação) de embargo de obra nova, conforme decorre do texto do art. 392º, nº 1, do CPC. Só depois da obra embargada tal princípio é mitigadamente reconhecido, quando se peça autorização para continuar a obra, ao abrigo do art. 419º, do CPC. De modo que é indiferente o estado de avanço da obra. Desde que ela não esteja terminada, e no caso em apreço a obra não estava concluída como os próprios recorrentes reconhecem, o embargo é sempre passível de ser efectuado. Daí, também, que se tornasse desnecessário apurar em termos de alteração de matéria factual como acima dissemos (em 2.1.) se da porta já delineada na fachada faltava ainda escavar a totalidade da parede de alvenaria e pedra, como se julgou na sentença recorrida (facto provado 7.), ou se faltava apenas retirar a madeira e o reboco velho, como propugnavam os recorrentes. 3.5. Defendem os recorrentes que estando reconhecida a seu favor a constituição do direito de servidão de vistas e de passagem dos recorrentes, por usucapião, a recorrida não pode praticar actos que impeçam o exercício de tais direitos. E que, por outro lado, a nova porta abre para o interior da habitação e tem portadas que impede o acesso directo à dita passagem, pelo que não afecta o direito de propriedade da recorrida sobre a pequena travessia. Mas não é assim. Dado que não se alterou a matéria de facto, queda sem base factual a afirmação dos recorrentes de que está reconhecida a seu favor a constituição do direito de servidão de passagem dos recorrentes, por usucapião. Por sua vez, não é verdade que os recorrentes beneficiem de qualquer servidão de vistas (nos termos do art. 1362º, nº 1, do CC), constituída por usucapião. Para tanto, tornava-se necessário que tivessem decorrido os prazos constitutivos de usucapião, fosse com boa fé ou com má fé, ou seja de 15 e 20 anos respectivamente (art. 1296º, do CC). Ora, o que vem provado (facto 13.) é tão-só que a janela foi aberta há mais de 7 anos, facto provado com resposta restritiva, pois o que os recorrentes invocaram (na oposição) e foi sujeito a prova foi um período de tempo muito mais amplo, já que alegaram que a janela tinha sido construída há mais de 20 anos (fazendo uso contínuo dela e na convicção de que exerciam direito próprio e sem lesarem direitos de terceiro). Facto que, todavia, não provaram (conforme a julgadora de facto exarou na decisão recorrida, e acima transcrita na parte II deste acórdão.). Não foi, por isso, constituída, por usucapião, qualquer servidão de vistas a favor dos recorrentes. Finalmente dir-se-á que a afirmação dos recorrentes de que a nova porta abre para o interior da habitação e tem portadas que impede o acesso directo à dita passagem, pelo que não afecta o direito de propriedade da recorrida sobre a pequena travessia, é duplamente irrelevante. À primeira porque se provou haver ofensa do direito de propriedade, como acima dito. À segunda porque esse facto jamais foi alegado no articulado de oposição, sendo-o pela primeira vez em sede de recurso. Ora, como é sabido de todos, tratando-se de matéria nova que não foi alegada nos respectivos articulados, ela não pode ser considerada, pois os recursos ordinários visam a reponderação do decidido e não um reexame da causa. Assim, as questões novas (salvo as de conhecimento oficioso) estão fora do conhecimento do Tribunal de recurso (art. 676º,nº 1, do CPC). 3.6. Desta forma, estavam reunidos os pressupostos para fazer proceder o procedimento cautelar de embargo de obra nova, pelo que bem decidiu a decisão recorrida, assim não procedendo o presente recurso. 4. Sumariando (art. 713º, nº 7, do CPC): i) Um documento particular não impugnado e que se mostre assinado com o nome do declarante, importa, nos termos do art. 374º, nº 1, do CC, que se considere verdadeira a sua assinatura. E sendo assim fica plenamente provado que o mesmo produziu a declaração nele inserta, nos termos do art. 376º, nº 1, do mesmo diploma. Consequentemente, o facto referido na declaração fica provado na medida em que for contrário ao interesse do declarante, nos termos do nº 2, do mesmo artigo; ii) No caso de ratificação judicial de embargo de obra nova a ocorrência do requisito legal “obra nova não concluída”, deve verificar-se na ocasião da notificação verbal referida no nº 2 do artigo 412º, do CPC, e não na data em que o respectivo requerimento judicial de ratificação entrou em juízo ou noutra data posterior; iii) A lei, no caso de embargo de obra nova (ou respectiva ratificação judicial), contenta-se com a verificação de um dano jurídico, bastando, pois, que o facto tenha a feição de ilícito porque contrário à ordem jurídica concretizada num direito de propriedade (numa posse ou fruição legal) para que haja de considerar-se prejudicial para os efeitos de tal embargo de obra nova; iv) Foi expressamente afastado pela lei o princípio da proporcionalidade, previsto para o procedimento cautelar comum, no que respeita ao decretamento (ou ratificação) de embargo de obra nova, conforme decorre do texto do art. 392º, nº 1, do CPC.
IV – Decisão
Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso, confirmando-se a decisão recorrida. * Custas pelos recorrentes. *
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