Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | CARLOS MOREIRA | ||
Descritores: | MODIFICABILIDADE DA DECISÃO DE FACTO DIREITO DE PREFERÊNCIA CONHECIMENTO DO PREFERENTE RENÚNCIA EXPRESSA E TÁCITA ABUSO DE DIREITO | ||
Data do Acordão: | 06/28/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | JUÍZO CENTRAL CÍVEL DA GUARDA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA GUARDA | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA POR UNANIMIDADE | ||
Legislação Nacional: | ARTIGO 662.º DO CPC, ARTIGOS 416.º, 217.º, 1410.º E 334.º, TODOS DO CÓDIGO CIVIL | ||
Sumário: | I - A censura da convicção probatória do julgador só pode ser concedida quando os meios de prova invocados pelo recorrente não apenas sugeriram, mas antes imponham, decisão diversa, cautela esta que ganha maior acuidade quando tal convicção é alicerçada, apenas ou em larga medida, em prova pessoal.
II – O obrigado à preferência deve comunicar ao preferente todos os elementos da venda que se revelem necessários para uma correta formação da vontade para preferir, ou não preferir. III - Estes elementos incluem, no mínimo, por via de regra e salvo aspetos excecionais de um caso concreto que a infirmem: o preço, o prazo de pagamento, as condições de pagamento e, máxime nos casos em que o terceiro pode ficar com o preferente numa situação de comunhão de direitos, a identidade do terceiro comprador. IV - A renúncia ao direito de preferir apenas pode ocorrer se ao preferente for dado conhecimento de tais elementos, normalmente via expressa, e apenas relevando tacitamente se os factos por ele praticados com toda a probabilidade a revelem. V - O abuso de direito, na modalidade do venire contra factum proprium, apenas emerge se o devedor convencer o invocante que ele atuará, ou não atuará, no futuro, de um certo modo, e, depois, assuma uma conduta em sentido inverso ao que manifestou, de uma maneira contraditoriamente chocante, e, assim, ético-juridicamente censurável e inadmissível. VI – Destarte, inexiste renúncia, nem integra abuso de direito em tal modalidade, se, nuclearmente, apenas se prova que a preferente disse que não queria vender o seu quinhão hereditário, porque até entendia que os quinhões não podiam ser vendidos sem ela, cabeça de casal, dar autorização, e que não estava interessada na aquisição dos quinhões de outras herdeiras. | ||
Decisão Texto Integral: |
ACORDAM OS JUIZES NO TRIBNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA
1. AA e marido, BB e CC e marido, DD, instauraram contra EE, FF e marido, GG , e S..., Ld.ª, todos com os sinais dos autos, a presente ação declarativa, de condenação, com processo comum.
Pediram que o tribunal: a) declare que as únicas e universais herdeiras de HH e II, falecidos em .../.../2003 e .../.../2014, respetivamente, são a 1ª autora AA, a 2ª autora CC, a 1ª ré EE e a 2ª ré FF; b) reconheça e declare que assiste aos autores o direito de preferirem (na proporção dos seus quinhões) na venda que a 1ª e 2ºs réus efetuaram à 3ª ré e que teve por objeto os seus quinhões hereditários referentes às heranças ilíquidas e indivisas abertas por óbito daqueles HH e II e que foi formalizada através da escritura pública lavrada no dia 20.08.2019 no Cartório Notarial ..., exarada de fls. sessenta e sete a folhas sessenta e oito verso do Livro de Notas para Escrituras Diversas número Setenta – A daquele cartório, ali se substituindo os autores à 3ª ré compradora e condenando-se os réus a reconhecê-lo; c) ordene o cancelamento de todo e qualquer registo que, eventualmente, possa ter sido feito na Conservatória do Registo Predial ..., em nome da 3ª ré ou outros, com base na escritura referida na anterior alínea; d) determine que o preço a depositar deverá ser apenas a respetiva contraprestação, reconhecendo-se aos autores o direito de virem a ser reembolsados das importâncias relativas às despesas da escritura e impostos, que apenas se depositam por mera cautela.
Para tanto alegaram, em síntese: As autoras AA e CC e as rés EE e FF são filhas e as únicas e universais herdeiras de HH e de II, casados no regime de comunhão geral de bens, que faleceram, respetivamente, no dia 01/08/2003 e no dia 13/07/2014. As referidas autoras e rés aceitaram a herança deixada por seus pais, que permanece ilíquida e indivisa, da qual fazem parte os 7 prédios (rústicos e urbanos) identificados nos artigos 12 a 19 da petição inicial. Mediante escritura pública outorgada no dia 20 de agosto de 2019, no Cartório Notarial ..., a 1ª e os 2ºs réus venderam à 3ª ré, pelo preço global de cem mil euros (cinquenta mil euros por cada quinhão hereditário), os quinhões hereditários que lhes pertenciam nas referidas heranças de HH e de II, sem que a 1ª e os 2ºs réus tivessem comunicado ou informado os autores, isolada ou conjuntamente, do propósito de realização daquela alienação dos quinhões hereditários e das condições do negócio, designadamente as relativas ao preço, à forma de pagamento e à identidade do comprador.
Os réus contestaram. Pediram: A absolvição dos pedidos, bem como a condenação dos autores como litigantes de má fé. Para tanto disseram: Quer antes quer depois da outorga da escritura pública de compra e venda, as primeiras rés e co-herdeiras comunicaram aos autores o propósito de alienar os seus quinhões hereditários, bem como comunicaram a venda, as condições do negócio e concretamente o preço, a forma de pagamento e a identidade do comprador. Os autores, desde março de 2019, sabiam da existência da proposta da sociedade ré para compra da Quinta, inicialmente pelo preço global de 140.000,00 euros, posteriormente aumentada para 160.000,00 euros e finalmente para 200.000,00 euros, e sabiam, porque lhe foi comunicada, intenção da 1ª ré e dos 2ºs réus de venderem a sua parte na Quinta e as condições que a mesma se iria realizar. Sendo que, entre março e agosto de 2019, não obstante as diversas interpelações que para o efeito lhes foram feitas pelos réus vendedores, os autores não só se recusaram a vender os seus quinhões na herança, como por mais de uma vez manifestaram, de forma expressa e inequívoca, que não queriam adquirir os quinhões da 1ª ré e dos 2ºs réus, independentemente das condições. Ainda que tivesse existido alguma omissão da parte dos réus vendedores, os autores litigam numa clara situação de abuso de direito (comportamento contraditório, de venire contra factum proprium) e de má fé (alterando, forma indesculpável, a verdade dos factos e omitindo factos relevantes para a decisão da causa).
2. Prosseguiu o processo os seus termos, tendo, a final, sido proferida sentença na qual foi decidido: «…o tribunal julga a ação totalmente procedente e, em consequência: a) declara que as únicas e universais herdeiras de HH e II, falecidos em .../.../2003 e .../.../2014, respetivamente, são a 1ª autora AA, a 2ª autora CC, a 1ª ré EE e a 2ª ré FF; b) reconhece e declara que assiste aos autores o direito de preferirem (na proporção dos seus quinhões) na venda que a 1ª e 2ºs réus efetuaram à 3ª ré e que teve por objeto os seus quinhões hereditários referentes às heranças ilíquidas e indivisas abertas por óbito daqueles HH e II e que foi formalizada através da escritura pública lavrada no dia 20.08.2019 no Cartório Notarial ..., exarada de fls. sessenta e sete a folhas sessenta e oito verso do Livro de Notas para Escrituras Diversas número Setenta – A daquele cartório, ali se substituindo os autores à 3ª ré compradora e condenando-se os réus a reconhecê-lo; c) ordena o cancelamento de todo e qualquer registo que, eventualmente, possa ter sido feito na Conservatória do Registo Predial ..., em nome da 3ª ré ou outros, com base na escritura referida na anterior alínea; d) declara que o preço a depositar pelos autores nos presentes autos respeita apenas à respetiva contraprestação, reconhecendo-se aos autores o direito de serem reembolsados das importâncias relativas às despesas da escritura e impostos, que depositaram por mera cautela. Custas pelos réus, com aplicação da Tabela I-A anexa ao Regulamento das Custas Processuais - cfr. artigos 527º/1 e 2 e 607º/6 do Código de processo Civil e 6º/1 do Regulamento das Custas Processuais.»
3. Inconformados recorreram os réus. Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões: A) Os Recorrentes entendem que a douta Sentença recorrida faz uma incorrecta análise e apreciação da prova produzida, relativamente à matéria de facto que consta dos pontos 13, 14, 20 dos Factos Provados, e 3, 5, 10, 13 e 14 dos Factos Não Provados; B) Uma correta e equilibrada valoração da prova produzida deveria ter conduzido a que se tivesse dado como provado que os RR informaram os AA que a venda dos seus quinhões heriditários iria ser efetuada a uma empresa do ... chamada S... e pertencente ao Sr. JJ, bem como que desde março de 2019 que os AA sabiam da existência da proposta da sociedade R. para compra da Quinta, inicialmente pelo preço global de 140 mil euros, posteriormente aumentada para 160 mil euros e finalmente para 200 mil euros; C) Entendem os Recorrentes, que também resultou provado que na reunião do dia 21 de março de 2019 o KK comunicou aos AA da identidade de quem havia apresentado a proposta de compra da quinta valor de 140 mil euros; D) Tal decorre do depoimento prestado pela testemunha KK, na audiência de julgamento do dia 17-09-2021, designadamente nos minutos 00.10.40, 00.39.50, 00.54.50 e 01.08.30, do depoimento do autor DD, ao minuto 01.08.30 e das declarações do réu GG, prestadas na audiência de julgamento do dia 11-11-2021, aos minutos 00.11.15 e 00.14.45; E) Da conjugação dos depoimentos destes três participantes na referida reunião é possível concluir que logo no dia 21 de março o KK informou os cunhados, não só da existência de uma proposta de compra da quinta por 140 mil euros mas também que essa proposta fora apresentada por uma empresa dos lados do ... chamada S... pertencente ao Sr. JJ. F) Em consequência, entendem os Recorrentes que deve ser alterada a redação dos pontos 13, 14 e 20 dos Factos Provados, passando a mesma a ser a seguinte: 13. Antes da outorga da escritura acabada de referir, a 1ª e os 2ºs réus comunicaram ou informaram os autores, isolada ou conjuntamente, todas as condições do negócio (de alienação dos quinhões hereditários), designadamente as relativas à identidade do comprador; 14. Os autores tiveram conhecimento da alienação em 11.09.2019, altura em que tiveram conhecimento do preço declarado na escritura; 20. As rés vendedoras comunicaram aos autores, antes da celebração da escritura, a sua vontade de venda dos prédios, bem como o propósito de alienar os seus quinhões hereditários a terceira pessoa, pelo preço global de 100 mil euros; G) Assim como devem ser eliminados do elenco dos Factos Não Provados os pontos 3 e 10 , e ser aditados à factualidade dada como provada três novos pontos (43, 44 e 45), com a factualidade constante dos pontos 5, 13 e 14 dos factos não provados, a saber: 43. No dia 21 de março de 2019, em reunião efetuada em casa da cabeça de casal, foi comunicado aos AA que a proposta de 140 000,00 (cento e quarenta mil) euros tinha sido apresentada por uma sociedade; 44. Desde março de 2019 que os AA sabiam da existência da proposta da sociedade R. para compra da Quinta, inicialmente pelo preço global de 140.000,00 euros, posteriormente aumentada para 160.000,00 euros e finalmente para 200.000,00 euros; 45. Bem como sabiam, porque lhe foi comunicada, das condições da venda da parte das rés na quinta; H) Não foi só em Agosto de 2019 que as RR. comunicaram aos AA o propósito de alienar os seus quinhões hereditários e lhes deram a possibilidade de com eles ficar por 40 mil euros para cada um; I) De facto resulta da prova produzida que, perante a recusa dos AA em vender a quinta pelos 160 mil euros, no início do mês da Abril de 2019, as RR comunicaram aos AA a intenção de venderem à sociedade R. as suas partes na quinta/herança, bem como a possibilidade dos AA ficaram com as suas partes na herança por 40 mil euros para cada uma; J) Sendo que em Agosto de 2019, quando já havia decorrido o prazo que os AA dispunham para exercer o seu direito de preferência na compra dos quinhões das RR, estas antes de avançarem com a venda dos seus quinhões, quiseram certificar-se que os AA. continuavam a não querer vender as suas partes da Quinta e a não querer comprar quinhões das RR pelos anteriormente propostos 40 mil euros cada um; K) Não tendo os AA manifestado qualquer vontade em adquirir os quinhões hereditários das RR. estas acabaram por os vender à sociedade R. no dia 20 de agosto de 2019, L) Sendo certo que, durante mais de 4 meses, entre abril e agosto de 2019, os AA, tiveram a possibilidade de exercerem o direito de preferência na alienação dos quinhões hereditários das RR pelo valor de 40 mil euros cada um, todavia em momento algum declararam preferir na alienação desses quinhões; M) Assim, quando em 20 de agosto de 2019 foi outorgada a escritura pública de venda dos quinhões hereditários das RR, já haviam decorrido os 2 meses previstos no artigo 2130º nº2 do Código Civil para que os AA pudessem declarar se exerciam o seu direito de preferência ou não, razão pela qual, diferentemente do decidido na Sentença recorrida, se impõe concluir pela caducidade do exercício do direito de preferência por parte dos AA; Acresce que, N) No caso da autora AA resulta provado que, entre abril e agosto de 2019, a mesma repetidamente afirmou de forma peremptória não ter nenhum interesse na aquisição, pelo preço que fosse, das partes das RR na herança; O) Sendo certo que, desde o dia 21 de março, a A. AA sabia que a proposta de compra da quinta havia sido apresentada pela sociedade R., inicialmente pelo preço gobal de 140 mil euros, que subiu para 160 mil euros em 22 de março e para 200 mil euros em agosto de 2019; P) Pelo que ao declarar, de forma repetida e perenptória, que não queria comprar, fosse qual fosse o respectivo preço, A. AA renunciou ao direito de preferência que lhe assistia na venda dos quinhões hereditários das RR; Sem prescindir, Q) Não obstante os RR entenderem ter resultado provado que em março de 2019 foi comunicado aos AA a identidade do interessado na aquisição da quinta e dos quinhões hereditários das RR, sempre se dirá que, ainda que não tivesse sido fornecida a precisa identidade desse interessado, no caso em apreço tal não afetaria a eficácia dessa comunicação; R) E isto porque, relativamente aos concretos elementos que devam ser objecto de comunicação pelo obrigado à preferência a identidade do comprador pode, ou não - o que só em concreto pode ser aferido - ser elemento necessário da comunicação; S) Na verdade, no que diz respeito ao conteúdo da comunicação, a lei não faz referência às cláusulas que sejam relevantes, na perspectiva do preferente, para a sua decisão de exercer ou não o seu direito, nem menciona a necessidade da identificação do terceiro com quem o obrigado à preferência negociou a alienação, mas apenas faz referência ao projeto de venda e às cláusulas do projeto de contrato; T) É que, como referiu Antunes Varela (anotação ao Acórdão do STJ de 22-02-84, in Revista de Legislação e Jurisprudência, nº 3776, p. 348 e seg.) a indicação do terceiro interessado na aquisição pode justificar-se por “uma exigência do princípio geral da boa-fé, e não por se tratar de um elemento essencial (por natureza) da alienação”; U) Ora, no caso em apreço, para os AA o conhecimento da identidade do interessado na compra dos quinhões hereditários das RR nunca se revelou um factor essencial e nem sequer importante para o exercício do seu direito de preferência; V) Sendo certo que, em momento algum os AA invocaram o desconhecimento da identidade do interessado na compra como circunstância concreta que lhes terá faltado conhecer e que seria determinante para basear a sua decisão noutro sentido que não aquele que ocorreu, ou seja a não manifestação de vontade para preferir; W) Deste modo, impõe-se concluir que, ainda que se considere que os RR não forneceram aos AA a precisa identidade do interessado na compra da quinta/quinhões hereditários, tal, atenta as circuntâncias do caso concreto, em nada afeta a validade e eficácia da comunicação para preferir que foi efetuada aos AA. em abril de 2019, pelo que a mesma despoletou o início do prazo para que os AA manifestassem ou recusarem o exercício do direito de preferência; X) Pelo que ao considerar que a comunicação efetuada pelas RR não foi completa, e ao julgar procedente a pretensão das AA, a Sentença recorrida viola o disposto nos artºs 1409º, nº 2, e 416º, nº 1, do Código Civil; Y) Diferentemente do entendimento expresso na Sentença recorrida, os recorrentes entendem que, ao intentar a presente acção de preferência os AA AA e marido agem em manifesto abuso de direito, na modalidade de «venirem contra factum proprium»; Z) Ora não obstante os Recorrentes entenderem que da prova produzida resulta demonstrado que foi comunicado à A. AA a identidade do adquirente dos quinhões hereditários das RR, mesmo que tal não seja dado como provado, e mesmo que se considere que essa A. não renunciou validamente ao direito de preferência, ainda assim deverá funcionar o instituo do abuso do direito; AA) E isto porque, como refere Henrique Mesquita " ... apesar de a renúncia a um direito subjetivo de opção, segundo a regulamentação legal, só poder ter lugar depois de o preferente conhecer os termos essenciais da alienação projetada, sendo, por isso, uma renúncia antecipada contrária ao regime imperativamente fixado na lei e devendo, por isso, considerar-se nula, tal “não exclui, no entanto, que o comportamento do preferente que renuncia antecipadamente e de modo peremptório à prelação e que, mais tarde, efectivado o negócio de venda ou de dação em cumprimento, se apresenta a exercê-la, não possa qualificar-se, nos termos do artigo 334º, como um abuso do direito e, portanto, como uma actuação ilegítima" ; BB) Sendo defensável que o abuso do direito possa atuar “mesmo naqueles casos em que a renúncia não é válida em si mesma, mas criou fundadas expectativas e determinou comportamentos naqueles que confiaram nas declarações do renunciante"; CC) Ora, o comportamento da A. AA, ao repetida e peremptóriamente afirmar aos RR que não estava interessada na aquisição das suas partes na herança, constitui objectivamente uma situação vinculante no sentido de não exercer o direito de preferência que lhe assistia na venda das mesmas. DD) Comportamento que foi de molde a criar nos RR a convicção de que tal direito de preferência não seria exercitado fossem quais fossem as condições do negócio, sendo com base nessa confiança que as RR avançaram para a venda dos respetivos quinhões heriditários à sociedade R; EE) O comportamento contraditório da A. AA, conduz-nos a uma atuação que se enquadra na modalidade do venire contra factum próprio, pois traduz uma clamorosa ofensa dos princípios de lealdade e de correção que a ordem jurídica faz impender sobre os sujeitos nas suas relações negociais; FF) Pelo que, na hipótese se considerar que tenha existido alguma omissão por parte das RR que pudesse justificar o exercício do direito de preferência por parte da A. AA, o que não se concede, sempre aquele direito deverá ser paralisado pelo instituto do abuso de direito, que para aqui se convoca; GG) Ao decidir de forma diferente a sentença recorrida violou o disposto no art. 334º, do Código Civil. Contra alegaram os autores pugnando pela manutenção do decidido com os seguintes argumentos finais: I - A sentença recorrida não padece das enfermidades apontadas pelos réus/recorrentes. II - De acordo com a distribuição dos ónus de prova, a matéria de facto apurada nos autos, e constante da sentença recorrida e plasmada e sustentada essencialmente nos depoimentos e declarações que foram ouvidos em sede de julgamento (e cujos excertos se acham referidos na sentença recorrida) e na demais prova documental constante dos autos (tudo sem prejuízo da ampliação aqui peticionada pelos autores/recorridos), mostrase clara e suficiente para a decisão que foi proferida nos autos, tendo o tribunal a quo apreciado criticamente a globalidade da prova, não se verificando as críticas que lhe foram apontadas pelos réus/recorrentes, devendo improceder o seu libelo recursório. III - A reforçar o ora defendido, para além do que já resulta da sentença, atente-se: nas declarações de parte prestadas por DD, reproduzidas em sede de audiência de discussão e julgamento e que ficaram gravadas através do sistema integrado de gravação digital em uso no tribunal, com a referência ..., entre os 00:00:01 minutos e os 00:32:15 minutos, com início às 16h46m29ss e terminus às 17h18m44ss, por referência à ata de Audiência de Discussão e Julgamento de 15.09.2021, nas concretas passagens que se indicam: desde os minutos 00:01:10 e até aos minutos 00:02:05; desde os minutos 00:07:40 e até aos minutos 00:09:19; desde os minutos 00:09:50 e até aos minutos 00:11:22; desde os minutos 00:11:44 e até aos minutos 00:14:28; desde os minutos 00:14:29 e até aos minutos 00:15:05; desde os minutos 00:23:40 e até aos minutos 00:24:48; desde os minutos 00:27:52 e até aos minutos 00:29:20; nas declarações de parte prestadas por 23 BB, reproduzidas em sede de audiência de discussão e julgamento e que ficaram gravadas através do sistema integrado de gravação digital em uso no tribunal, com a referência ..., entre os 00:00:01 minutos e os 00:36:44 minutos, com início às 15h38m20ss e terminus às 16h15m05ss, por referência à ata de Audiência de Discussão e Julgamento de 15.09.2021, nas concretas passagens que se indicam: desde os minutos 00:02:25 e até aos minutos 00:04:29; declarações de parte prestadas por CC, reproduzidas em sede de audiência de discussão e julgamento e que ficaram gravadas através do sistema integrado de gravação digital em uso no tribunal, com a referência ..., entre os 00:00:01 minutos e os 00:31:20 minutos, com início às 16h15m06ss e terminus às 16h46m27ss, por referência à ata de Audiência de Discussão e Julgamento de 15.09.2021, nas concretas passagens que se indicam: desde os minutos 00:04:20 e até aos minutos 00:05:42; desde os minutos 00:06:31 e até aos minutos 00:08:25; desde os minutos 00:08:50 e até aos minutos 00:09:44; desde os minutos 00:28:25 e até aos minutos 00:29:30; declarações de parte prestadas por EE, reproduzidas em sede de audiência de discussão e julgamento e que ficaram gravadas através do sistema integrado de gravação digital em uso no tribunal, com a referência ..., entre os 00:00:01 minutos e os 00:26:22 minutos, com início às 14h46m13ss e terminus às 15h12m35ss, por referência à ata de Audiência de Discussão e Julgamento de 16.11.2021, nas concretas passagens que se indicam: desde os minutos 00:23:34 e até aos minutos 00:24:36; desde os minutos 00:25:28 e até aos minutos 00:25:48. IV - Não operou qualquer caducidade do exercício do direito de preferência por parte dos autores/recorridos, pois que os autores/recorridos só tiveram conhecimento da concreta alienação e dos seus elementos no dia 11 de Setembro de 2019. V - Da prova produzida em audiência de julgamento, resulta que o conhecimento da identidade do interessado na compra dos quinhões hereditários das rés/recorrentes era elemento essencial para o exercício do direito de preferência. Veja-se a propósito o que refere a autora/recorrida CC, em sede de declarações de parte reproduzidas em sede de audiência de discussão e julgamento e que 24 ficaram gravadas através do sistema integrado de gravação digital em uso no tribunal, com a referência ..., entre os 00:00:01 minutos e os 00:31:20 minutos, com início às 16h15m06ss e terminus às 16h46m27ss, por referência à ata de Audiência de Discussão e Julgamento de 15.09.2021, na concreta passagem ora indicada: desde os minutos 00:08:50 e até aos minutos 00:09:44. VI - Por último, em relação ao invocado abuso de direito, novamente aventado pelos réus/recorrentes em sede recursiva, valem aqui, mutatis mutandis, as considerações conclusivas explanadas na sentença recorrida e que se dão por reproduzidas por brevidade de exposição. VII - Deve, assim, manter-se o decidido pelo tribunal a quo. VIII - Contudo, caso assim não se entenda, o que não se admite e apenas se hipotiza, caso a pretensão recursória dos réus/recorrentes obtenha vencimento, aqui se requer, sem sede de contra-alegações, a ampliação do âmbito do recurso, ao abrigo do disposto no artigo 636.º do CPC, impugnando a matéria de facto que não foi impugnada pelos autores/recorrentes. IX - Os réus/recorridos não impugnaram o facto n.º 20, constante do rol dos factos provados da sentença recorrida, no seguinte trecho concreto: “As rés vendedoras comunicaram aos autores, antes da celebração da escritura, a sua vontade de venda dos prédios, bem como o propósito de alienar os seus quinhões hereditários a terceira pessoa (…), pelo preço global de 100 mil euros”. Ora, não deveria ter sido considerado como provado, nos termos em que o foi, aquele trecho em concreto do facto n.º 20 dos factos considerados como provados constantes da sentença recorrida. Este facto deveria ter sido considerado provado nos seguintes termos: “As rés vendedoras comunicaram aos autores, antes da celebração da escritura, a sua vontade de venda dos prédios, bem como o propósito de alienar os seus quinhões hereditários.”, impondo decisão no sentido apontado, os seguintes meios probatórios: declarações de parte prestadas por BB, reproduzidas em sede de audiência de discussão e julgamento e que 25 ficaram gravadas através do sistema integrado de gravação digital em uso no tribunal, com a referência ..., entre os 00:00:01 minutos e os 00:36:44 minutos, com início às 15h38m20ss e terminus às 16h15m05ss, por referência à ata de Audiência de Discussão e Julgamento de 15.09.2021, nas concretas passagens que se indicam: desde os minutos 00:26:25 e até aos minutos 00:27:06; declarações de parte prestadas por CC, reproduzidas em sede de audiência de discussão e julgamento e que ficaram gravadas através do sistema integrado de gravação digital em uso no tribunal, com a referência ..., entre os 00:00:01 minutos e os 00:31:20 minutos, com início às 16h15m06ss e terminus às 16h46m27ss, por referência à ata de Audiência de Discussão e Julgamento de 15.09.2021, nas concretas passagens que se indicam: desde os minutos 00:06:31 e até aos minutos 00:08:25; desde os minutos 00:08:50 e até aos minutos 00:09:44; declarações de parte prestadas por DD, reproduzidas em sede de audiência de discussão e julgamento e que ficaram gravadas através do sistema integrado de gravação digital em uso no tribunal, com a referência ..., entre os 00:00:01 minutos e os 00:32:15 minutos, com início às 16h46m29ss e terminus às 17h18m44ss, por referência à ata de Audiência de Discussão e Julgamento de 15.09.2021, nas concretas passagens que se indicam: (desde os minutos 00:07:40 e até aos minutos 00:09:19; desde os minutos 00:09:50 e até aos minutos 00:11:22; desde os minutos 00:11:44 e até aos minutos 00:14:28; declarações de parte prestadas por FF, reproduzidas em sede de audiência de discussão e julgamento e que ficaram gravadas através do sistema integrado de gravação digital em uso no tribunal, com a referência ..., entre os 00:00:01 minutos e os 00:13:23 minutos, com início às 15h12m36ss e terminus às 15h26m00ss, por referência à ata de Audiência de Discussão e Julgamento de 16.11.2021, nas concretas passagens que se indicam: desde os minutos 00:11:02 e até aos minutos 00:11:23; declarações de parte prestadas por GG, reproduzidas em sede de audiência de discussão e julgamento e que ficaram gravadas através do sistema integrado de gravação digital em uso no tribunal, com a referência ..., entre os 00:00:01 minutos e os 00:26:27 minutos, com início às 15h26m01ss e terminus às 15h52m29ss, por referência à ata de Audiência de Discussão e Julgamento de 16.11.2021, nas concretas passagens que se indicam: desde os minutos 00:05:13 e até aos minutos 00:06:20. X - Não deveria ter sido considerado como provado, nos termos em que o foi, o facto constante do ponto 34. dos factos considerados como provados constantes da sentença recorrida: “Em 06 de agosto de 2019, o referido KK deu conhecimento a todos os herdeiros que havia uma proposta de compra da quinta pelo valor de 200.000,00€, tendo dito aos autores que ou compravam ou a EE e a FF iam vender a sua parte pelo preço de 50.000,00€ para cada uma”. Este facto deveria ter sido considerado provado nos seguintes termos: “Em 06 de agosto de 2019, o referido KK deu conhecimento a todos os herdeiros que havia uma proposta de compra da quinta pelo valor de 200.000,00€, tendo perguntado aos autores se estavam interessados em vender por esse valor e mais tendo perguntado aos autores se estavam interessados em comprar a parte da EE e da FF por 40.000,00€”, impondo decisão no sentido apontado, os seguintes meios probatórios, em conjugação com todos os demais: exatamente as mesmas e concretas passagens das declarações prestadas em sede de audiência de julgamento e supra indicadas no ponto A e que aqui se dão por reproduzidas para os devidos efeitos, pelas mesmas ordens de razões; depoimento prestado por KK, reproduzido em sede de audiência de discussão e julgamento e que ficou gravado através do sistema integrado de gravação digital em uso no tribunal, com a referência ..., entre os 00:00:01 minutos e os 01:32:44 minutos, com início às 14h14m23ss e terminus às 15h47m09ss, por referência à ata de Audiência de Discussão e Julgamento de 17.09.2021, nas concretas passagens que se indicam: desde os minutos 00:27:05 e até aos minutos 00:34:19; desde os minutos 00:35:30 e até aos minutos 00:37:30. XI - Não deveria ter sido considerado como provado, nos termos em que o foi, o facto constante do ponto 37. dos factos considerados como provados constantes da sentença recorrida: “Já com uma testemunha, LL, o KK dirigiu-se a casa da cabeça de casal, no mesmo dia 07 de agosto, e novamente perguntou-lhe se estava interessada em comprar o quinhão da EE, tendo a cabeça de casal muito exaltada lhe dito que não e que a irmã não podia vender, pois nem sequer sabia o que era dela.”. Este facto deveria ter sido considerado provado nos seguintes termos: “Já com uma testemunha, LL, o KK dirigiu-se a casa da cabeça 27 de casal, no mesmo dia 07 de agosto, e novamente perguntou-lhe se estava interessada em comprar o quinhão da EE, tendo a cabeça de casal lhe dito que não.”, impondo decisão no sentido apontado, os seguintes meios probatórios, em conjugação com todos os demais: exatamente as mesmas e concretas passagens das declarações e depoimento prestados em sede de audiência de julgamento e supra indicadas nos pontos A e B e que aqui se dão por reproduzidas para os devidos efeitos, pelas mesmas ordens de razões. XII - Não deveria ter sido considerado como provado, nos termos em que o foi, o facto constante do ponto 40. dos factos considerados como provados constantes da sentença recorrida: “No dia 18 de agosto de 2019 a co-Ré EE, com o seu filho MM, foram a casa da cabeça de casal, onde lhe disse, em conversa, que o marido, em sua representação e da irmã FF e cunhado, estava em Portugal para fazer a escritura de compra e venda dos respetivos quinhões hereditários e que elas deixavam de ter a ver com a Quinta, pois iam vender os seus quinhões por 50.000,00€ para cada;”. Este facto deveria ter sido considerado provado nos seguintes termos: “No dia 18 de agosto de 2019 a co-Ré EE, com o seu filho MM, foram a casa da cabeça de casal, onde lhe disse, em conversa, que a “partir de terça-feira já não tenho nada a ver com a quinta.”, impondo decisão no sentido apontado, os seguintes meios probatórios, em conjugação com todos os demais: exatamente as mesmas e concretas passagens das declarações e depoimento prestados em sede de audiência de julgamento e supra indicadas nos pontos A e B e que aqui se dão por reproduzidas para os devidos efeitos, pelas mesmas ordens de razões; declarações de parte prestadas por EE, reproduzidas em sede de audiência de discussão e julgamento e que ficaram gravadas através do sistema integrado de gravação digital em uso no tribunal, com a referência ..., entre os 00:00:01 minutos e os 00:26:22 minutos, com início às 14h46m13ss e terminus às 15h12m35ss, por referência à ata de Audiência de Discussão e Julgamento de 16.11.2021, nas concretas passagens que se indicam: desde os minutos 00:11:01 e até aos minutos 00:12:07; desde os minutos 00:23:34 e até aos minutos 00:24:36; desde os minutos 00:25:28 e até aos minutos 00:25:48. XIII - Não deveria ter sido considerado como provado, nos termos em que o foi, o facto constante do ponto 41. dos factos considerados como provados constantes da sentença recorrida: “Entre março e agosto de 2019, por mais de uma vez, em função dos valores das propostas apresentadas, os autores manifestaram sempre, de forma expressa e inequívoca, a sua recusa em vender os seus quinhões na herança”. Este facto deveria ter sido considerado provado nos seguintes termos: “Entre março e agosto de 2019, por mais de uma vez, em função dos valores das propostas apresentadas, os autores manifestaram sempre, de forma expressa e inequívoca, a sua recusa em vender a “quinta””, impondo decisão no sentido apontado, os seguintes meios probatórios, em conjugação com todos os demais: declarações de parte prestadas por DD, reproduzidas em sede de audiência de discussão e julgamento e que ficaram gravadas através do sistema integrado de gravação digital em uso no tribunal, com a referência ..., entre os 00:00:01 minutos e os 00:32:15 minutos, com início às 16h46m29ss e terminus às 17h18m44ss, por referência à ata de Audiência de Discussão e Julgamento de 15.09.2021, nas concretas passagens que se indicam: desde os minutos 00:07:40 e até aos minutos 00:09:19; desde os minutos 00:13:33 e até aos minutos 00:14:11; declarações de parte prestadas por BB, reproduzidas em sede de audiência de discussão e julgamento e que ficaram gravadas através do sistema integrado de gravação digital em uso no tribunal, com a referência ..., entre os 00:00:01 minutos e os 00:36:44 minutos, com início às 15h38m20ss e terminus às 16h15m05ss, por referência à ata de Audiência de Discussão e Julgamento de 15.09.2021, nas concretas passagens que se indicam: desde os minutos 00:10:49 e até aos minutos 00:12:15; declarações de parte prestadas por EE, reproduzidas em sede de audiência de discussão e julgamento e que ficaram gravadas através do sistema integrado de gravação digital em uso no tribunal, com a referência ..., entre os 00:00:01 minutos e os 00:26:22 minutos, com início às 14h46m13ss e terminus às 15h12m35ss, por referência à ata de Audiência de Discussão e Julgamento de 16.11.2021, nas concretas passagens que se indicam: desde os minutos 00:05:14 e até aos minutos 00:06:41. XIV - Não deveria ter sido considerado como provado, nos termos em que o foi, o facto constante do ponto 42. dos factos considerados como provados constantes da sentença recorrida, pois que encerra em sim mesmo termos conclusivos, abstratos e desgarrados de um contexto, desprovidos de circunstâncias concretas: “A intenção de venda por parte da 1ª R. e dos 2ºs R foi perfeitamente entendida pelos Autores, tendo a autora AA afirmado sempre que nenhum interesse tinha na aquisição”. Este facto deve ser pura e simplesmente eliminado do rol de factos provados, o que se requer. XV - Assim, em jeito conclusivo, no que diz respeito a esta concreta ampliação peticionada do âmbito do recurso, diga-se que a alteração da matéria de facto nos termos supra apontados, justifica igualmente a procedência total da ação intentada pelos autores/recorridos. Termos em que, deve ser mantida a sentença proferida em 1ª instância e julgado improcedente o recurso apresentado pelos réus/recorrentes, ou caso assim não se entenda, deverá ser alterada, na sequência da ampliação do âmbito recurso peticionada pelos autores/recorridos, a matéria de facto supra impugnada pelos mesmos e sempre ser a ação julgada totalmente procedente, com as legais co
4. Sendo que, por via de regra: artºs 635º nº4 e 639º do CPC - de que o presente caso não constitui exceção -, o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas são as seguintes:
1ª – Alteração da decisão sobre a matéria de facto. 2ª – Procedência da ação.
5. Apreciando. 5.1. Primeira questão. 5.1.1. No nosso ordenamento vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização, e fixa a matéria de facto em sintonia com a sua prudente convicção firmada acerca de cada facto controvertido -artº607 nº5 do CPC. Perante o estatuído neste artigo, exige-se ao juiz que julgue conforme a convicção que a prova determinou e cujo carácter racional se deve exprimir na correspondente motivação – cfr. J. Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, 3º, 3ªed. 2001, p.175. O princípio da prova livre significa a prova apreciada em inteira liberdade pelo julgador, sem obediência a uma tabela ditada externamente; mas apreciada em conformidade racional com tal prova e com as regras da lógica e as máximas da experiência – cfr. Alberto dos Reis, Anotado, 3ª ed. III, p.245. Acresce que há que ter em conta que as decisões judiciais não pretendem constituir verdades ou certezas absolutas. Pois que às mesmas não subjazem dogmas e, por via de regra, provas de todo irrefutáveis, não se regendo a produção e análise da prova por critérios e meras operações lógico-matemáticas. Assim: «a verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assenta em prova, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico» - Cfr. Ac. do STJ de 11.12.2003, p.03B3893 dgsi.pt. Acresce que a convicção do juiz é uma convicção pessoal, sendo construída, dialeticamente, para além dos dados objetivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, nela desempenhando uma função de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais – AC. do STJ de 20.09.2004 dgsi.pt. Nesta conformidade - e como em qualquer atividade humana - existirá sempre na atuação jurisdicional uma margem de incerteza, aleatoriedade e erro. Mas tal é inelutável. O que importa é que se minimize o mais possível tal margem de erro. O que passa, como se viu, pela integração da decisão de facto dentro de parâmetros admissíveis em face da prova produzida, objetiva e sindicável, e pela interpretação e apreciação desta prova de acordo com as regras da lógica e da experiência comum. E tendo-se presente que a imediação e a oralidade dão um crédito de fiabilidade acrescido, já que por virtude delas entram, na formação da convicção do julgador, necessariamente, elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova, e fatores que não são racionalmente demonstráveis. Sendo que estes princípios permitem ainda uma apreciação ética dos depoimentos - saber se quem depõe tem a consciência de que está a dizer a verdade– a qual não está ao alcance do tribunal ad quem - Acs. do STJ de 19.05.2005 e de 23-04-2009 dgsi.pt., p.09P0114. Nesta conformidade constitui jurisprudência sedimentada, que: «Quando o pedido de reapreciação da prova se baseie em elementos de características subjectivas, a respectiva sindicação tem de ser exercida com o máximo cuidado e só deve o tribunal de 2.ª instância alterar os factos incorporados em registos fonográficos quando efectivamente se convença, com base em elementos lógicos ou objectivos e com uma margem de segurança muito elevada, que houve errada decisão na 1.ª instância, por ser ilógica a resposta dada em face dos depoimentos prestados ou por ser formal ou materialmente impossível, por não ter qualquer suporte para ela. – Ac. do STJ de.20.05.2010, dgsi.pt p. 73/2002.S1. 5.1.2. Por outro lado, e como outrossim constituem doutrina e jurisprudência pacíficas, o recorrente não pode limitar-se a invocar mais ou menos abstrata e genericamente, a prova que aduz em abono da alteração dos factos. A lei exige que os meios probatórios invocados imponham decisão (não basta que sugiram) diversa da recorrida. Ora tal imposição não pode advir, em termos mais ou menos apriorísticos, da sua, subjetiva, convicção sobre a prova. Porque, afinal, quem tem o poder/dever de apreciar/julgar é o juiz. Por conseguinte, para obter ganho de causa neste particular, deve o recorrente efetivar uma análise concreta, discriminada – por reporte de cada elemento probatório a cada facto probando - objetiva, crítica, logica e racional, do acervo probatório produzido, de sorte a convencer o tribunal ad quem da bondade da sua pretensão. Certo é que a alteração apenas é de conceder se se concluir que o julgador apreciou o acervo probatório com extrapolação manifesta dos cânones e das regras hermenêuticas, e para além da margem de álea em direito probatório permitida e que lhe é concedida. E só quando se concluir que a natureza e a força da prova produzida é de tal ordem e magnitude que inequivocamente contraria ou infirma tal convicção, se podem censurar as respostas dadas.– cfr. neste sentido, os Acs. da RC de 29-02-2012, p. nº1324/09.7TBMGR.C1, de 10-02-2015, p. 2466/11.4TBFIG.C1, de 03-03-2015, p. 1381/12.9TBGRD.C1 e de 17.05.2016, p. 339/13.1TBSRT.C1; e do STJ de 15.09.2011, p. 1079/07.0TVPRT.P1.S1., todos in dgsi.pt; 5.1.3. O caso vertente. 5.1.3.1. Pretendem as recorrentes a alteração dos factos provados 13, 14 e 20, nos seguintes termos: De: 13. Nem antes, nem depois da outorga da escritura acabada de referir, a 1ª e os 2ºs réus comunicaram ou informaram os autores, isolada ou conjuntamente, todas as condições do negócio (de alienação dos quinhões hereditários), designadamente as relativas à forma de pagamento e à identidade do comprador; 14. Os autores tiveram conhecimento da alienação em 11.09.2019, altura em que tiveram conhecimento do preço declarado na escritura, das condições de pagamento e pessoa da compradora 20. As rés vendedoras comunicaram aos autores, antes da celebração da escritura, a sua vontade de venda dos prédios, bem como o propósito de alienar os seus quinhões hereditários a terceira pessoa, que não identificaram, pelo preço global de 100 mil euros; Para: 13. Antes da outorga da escritura acabada de referir, a 1ª e os 2ºs réus comunicaram ou informaram os autores, isolada ou conjuntamente, todas as condições do negócio (de alienação dos quinhões hereditários), designadamente as relativas à identidade do comprador; 14. Os autores tiveram conhecimento da alienação em 11.09.2019, altura em que tiveram conhecimento do preço declarado na escritura; 20. As rés vendedoras comunicaram aos autores, antes da celebração da escritura, a sua vontade de venda dos prédios, bem como o propósito de alienar os seus quinhões hereditários a terceira pessoa, pelo preço global de 100 mil euros; E mais pretendem a prova dos seguintes factos não provados 3. Antes da escritura referida em 23º da petição inicial as primeiras RR. comunicaram aos AA. a necessidade da venda bem, bem como comunicaram as condições do negócio (de alienação dos seus quinhões hereditários), concretamente a forma de pagamento do preço e a identidade do comprador; 5. No dia 21 de março de 2019, em reunião efetuada em casa da cabeça de casal, foi-lhes comunicado que a proposta de 140 000,00 (cento e quarenta mil) euros tinha sido apresentada por uma sociedade; 10. (21.º) Em 06 de agosto de 2019 foi dado conhecimento a todos os herdeiros que a proposta de 200 mil euros apresentada tinha sido apresentada por uma empresa; e que se os autores não comprassem que a EE e a FF iam vender a sua parte àquela empresa; 13. Desde março de 2019 que os AA sabiam da existência da proposta “da sociedade R.” para compra da Quinta, inicialmente pelo preço global de 140.000,00 euros, posteriormente aumentada para 160.000,00 euros e finalmente para 200.000,00 euros; 14. Bem como sabiam, porque lhe foi comunicada, das condições da venda da parte das rés na quinta; os quais passariam a ter o seguinte teor, a aditar aos já provados: 43. No dia 21 de março de 2019, em reunião efetuada em casa da cabeça de casal, foi comunicado aos AA que a proposta de 140 000,00 (cento e quarenta mil) euros tinha sido apresentada por uma sociedade; 44. Desde março de 2019 que os AA sabiam da existência da proposta da sociedade R. para compra da Quinta, inicialmente pelo preço global de 140.000,00 euros, posteriormente aumentada para 160.000,00 euros e finalmente para 200.000,00 euros; 45. Bem como sabiam, porque lhe foi comunicada, das condições da venda da parte das rés na quinta; Foi apreciada a prova. Tudo essencialmente resumido, o quid factual relevante reside em saber se as rés irmãs comunicaram aos autores, rectius às autoras suas irmãs, todas os elementos e condições da venda do prédio, maxime dos seus quinhões hereditários que lhes cabiam da herança dos seus pais. O julgador convenceu-se que essas, todas, condições não foram comunicadas, considerando que o não foram a identidade da compradora e as condições/modo de pagamento do preço. Para tanto alicerçou-se na prova produzida, mas essencialmente nas declarações das partes e nos depoimentos das testemunhas. Tendo, vg. expressado: «Os …meios de prova devidamente conjugados permitem-nos concluir, ainda, seguramente pela ausência de elementos de prova convincentes, que o referido KK nunca identificou devidamente o apresentante das propostas, muito menos a empresa compradora, tendo reportado sempre a existência de uma proposta, que era apresentada por um senhor “JJ” – de onde, pelo menos pelas dúvidas existentes, se tenha concluído que os autores, até ao conhecimento do teor da escritura, não tinham conhecimento da identidade da pessoa que oferecia a proposta de 200 mil euros, nem da pessoa que ia figurar na escritura como compradora.» Ora, se, como supra se aludiu, já em tese geral urge ser cauteloso na censura da convicção do juiz quando ela se alcandora determinantemente em prova de cariz pessoal, este é um processo típico, em que tal cautela ganha foros acrescidos de relevância. Na verdade, estamos perante um caso em que quase todos os declarantes e depoentes estão ligados por laços familiares e em que todos eles têm, ou podem ter, interesses, diretos ou indiretos, imediatos ou mediatos, no desfecho da causa. As partes e as testemunhas de cada uma delas, por via de regra e tendencialmente, verbalizaram no sentido mais favorável para quem as apresentou. Estamos, pois, perante depoimentos antagónicos, vg. na parte factual que ora releva no recurso, nos termos essencialmente plasmados pelo julgador, os quais se corroboram, por confirmados. Ora nenhuma das testemunhas apesentou razão de ciência que fosse totalmente irrefutável. E nenhum meio probatório se vislumbra que, sem margem para dúvidas, tenha confirmado ou infirmado algun(s) depoimento(s). A testemunha que mais lidou com toda a situação e que foi o KK, marido da ré EE, não foi, ao menos, assertivo e completamente congruente quanto à comunicação às autoras dos pormenores do negócio atinentes ao modo de pagamento do preço e à clara e cabal identificação da compradora. É de notar que a compradora era a sociedade ré e não o seu eventual representante, o JJ, pelo que era tal sociedade que tinha de ser identificada, não bastando a referencia a um qualquer JJ. Vale isto por dizer que no caso vertente, a imediação e a oralidade podem ter-se revelado os instrumentos essenciais para aquilatar da eticidade do verbalizado e, assim, de que lado estava a verdade neste particular conspeto. Pois que os jeitos e trejeitos no verbalizado, a verificação direta do modus dizendi, das expressões faciais e do próprio olhar, fornecem ao julgador da 1ª instância um instrumento adicional que permite um plus apreciatório e valorativo para distinguir a verdade da inverdade, ou da mentira, que não é concedido ao tribunal ad quem pela simples audição da gravação. Ou seja, tudo visto e ponderado, a conclusão final é que a prova apresentada e a exegese dela efetivada pelos recorrentes não é suficiente para impor, como exige a lei - não bastando a mera indiciação ou sugestão nesse sentido -, a censura da convicção do julgador. Quando muito pode conceder-se existir aqui uma dúvida sobre o que efetivamente e neste preciso acervo factual se passou, ou não passou. Porém, e porque ele, nos termos em que os recorrentes colocam as coisas, a provar-se, beneficiaria os mesmos, tal acervo, perante tal dúvida insanável e sita para além da margem de álea em direito probatório permitida, não pode, ex vi lege, ser dado como provado – cfr. art- 414º do CPC. Aliás, vistas bem as coisas, a factualidade impugnada e querida por provada, mesmo que o fosse nos termos pretendidos, não seria a bastante para se concluir que foram cumpridas todas as condições ou requisitos que a lei impõe ao obrigado à preferência. A expressão «todas as condições», é obviamente, conclusiva, e, como tal, juridicamente inatendível. Para que tal conclusão pudesse ser retirada impunha-se que as rés alegassem e provassem os concretos factos que a alicerça e que, assim, permitissem a formulação da mesma. Rectius, impunha-se-lhe provar o modo ou as condições de pagamento – vg. se a pronto pagamento ou com facilidades – bem como a concreta identificação da compradora, sociedade, e não apenas o seu sócio e/ou representante. E, ademais, last but not the least, passe o anglicismo, e perante o prazo de dois meses que a lei – artº 2130º nº2 do CC – concede ao preferente para refletir sobre se exerce, ou não, o seu direito, incumbia-lhes ainda provar que este prazo foi cumprido, relativamente à alienação dos quinhões. Na verdade, uma coisa era a alienação de toda a herança, que não se verificou, e outra a dos quinhões das rés, que aconteceu. Quanto aquela pretensão de alienação, as rés alegam que as autoras foram informadas desde março de 2019 – ponto 44 pretendido. Mas quanto a esta efetiva alienação, não se enxerga qualquer data, pois que no ponto 45 nenhuma consta, e não se pode interpretar que este conhecimento outrossim adveio desde março de 2019, sendo que as recorrentes alegam uma data – mês – posterior: abril, – cfr. conclusões L) e W) - o qual, porém, não especificaram no teor pretendido como provado Assim sendo, atento o teor proposto para os factos impugnados a provar, de nenhum deles dimana(ria) que estas concretas condições da alienação dos quinhões, foram comunicadas com pelo menos dois meses de antecedência, atenta a data da escritura de alienação, qual seja, 20.08.2019. 5.1.4. Por conseguinte e no indeferimento desta pretensão, os factos a considerar são os apurados na 1ª instância, a saber: 1. No dia 01.08.2003 faleceu HH, no estado civil de casado sob o regime da comunhão geral de bens com II, natural da freguesia ..., concelho ..., com última residência na Quinta ..., freguesia ..., concelho ...; 2. No dia 13.07.2014 faleceu II, no estado de viúva daquele HH, natural da freguesia ..., concelho ..., com última residência em 114 ..., ..., Estado de ..., ...; 3. HH e II não deixaram testamento, nem qualquer outra disposição liberatória dos seus bens; 4. Tendo os mesmos deixado como únicas e universais herdeiras as quatro filhas: a 1ª e 2ª autoras e a 1ª e 2ª rés; 5. Que aceitaram as heranças dos seus falecidos pais; 6. Tendo entrado no domínio e posse dos bens que integram tais heranças; 7. A 1ª autora, no que diz respeito à administração de tais heranças, exerce, por ser a herdeira mais velha, as funções de cabeça de casal; 8. Fazem parte de tais heranças os seguintes prédios: o A) prédio rústico, composto de terra de pinhal, sito à ..., freguesia ..., concelho ..., com a área de 1,654ha, a confrontar de norte com NN, nascente com OO, sul com HH e poente com caminho, inscrito na matriz predial rústica da freguesia ... sob o artigo ...41; o B) prédio rústico, composto de terra de batata, centeio, pinhal, pastagem, vinha, lameiro, oliveiras e macieiras, sito à Quinta ..., freguesia ..., concelho ..., com a área de 7,187ha, a confrontar de norte com caminho, nascente com caminho, sul com caminho e poente com Herdeiros de PP, inscrito na matriz predial rústica da freguesia ... sob o artigo ...47; o C) prédio rústico, composto de terra de batata, centeio, vina, lameiro, oliveiras e macieiras, sito à Quinta ..., Vinha ..., ..., ..., freguesia ..., concelho ..., com a área de 6,546ha, a confrontar de norte com HH, nascente com Rua ..., sul com caminho e poente com HH, inscrito na matriz predial rústica da freguesia ... sob o artigo ...82; o D) prédio urbano, composto de casa com r/c com duas divisões, cozinha e sótão, sito na Vinha ..., freguesia ..., concelho ..., com a área de 45m2, inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... sob o artigo ...70; o E) prédio urbano, composto de casa de habitação, sito na Vinha ..., freguesia ..., concelho ..., com a área de 129,72m2, inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... sob o artigo ...99; o F) prédio urbano, composto de lagar com r/c, sito na Quinta ..., freguesia ..., concelho ..., com a área de 95m2, inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... sob o artigo ...50; o G) prédio urbano, composto de casa que serve de palheira, sito na Vinha ... ou ..., freguesia ..., concelho ..., com a área de 41,3m2, inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... sob o artigo ...47; 9. Estas heranças permanecem, até hoje, ilíquidas e indivisas, ou seja, por partilhar; 10. Os autores e 1ª e 2ºs réus estão emigrados nos ... há várias décadas; 11. Deslocando-se a Portugal no período de férias; 12. Por escritura pública celebrada no dia 20 de agosto de 2019, no Cartório Notarial ..., a 1ª e os 2ºs réus venderam à 3ª ré, pelo preço global de cem mil euros (cinquenta mil euros por cada quinhão hereditário), os quinhões hereditários que lhes pertenciam nas referidas heranças de HH e de II; 13. Nem antes, nem depois da outorga da escritura acabada de referir, a 1ª e os 2ºs réus comunicaram ou informaram os autores, isolada ou conjuntamente, todas as condições do negócio (de alienação dos quinhões hereditários), designadamente as relativas à forma de pagamento e à identidade do comprador; 14. Os autores tiveram conhecimento da alienação em 11.09.2019, altura em que tiveram conhecimento do preço declarado na escritura, das condições de pagamento e pessoa da compradora; 15. A 3ª ré pagou o preço global de €100.000,00 (cem mil euros); 16. Os autores documentaram o depósito de tal valor aquando da instauração da ação; 17. As despesas da escritura pública celebrada ascenderam a €212,48; 18. Os autores documentaram o depósito de tal valor aquando da instauração da ação; 19. Os autores documentaram o depósito da importância correspondente ao imposto sobre as transmissões e ao imposto de selo suportado pela 3ª ré, que foi de €2.546,94 e €799,98 respetivamente; 20. As rés vendedoras comunicaram aos autores, antes da celebração da escritura, a sua vontade de venda dos prédios, bem como o propósito de alienar os seus quinhões hereditários a terceira pessoa, que não identificaram, pelo preço global de 100 mil euros; 21. No dia 21 de março de 2019, em reunião efetuada em casa da cabeça de casal, com todos os interessados presentes e/ou representados, foi-lhes comunicado que havia uma proposta de 140.000,00€ para compra dos imóveis da herança (Quinta ...), sem incluir o recheio; 22. Nessa reunião familiar a cabeça de casal disse que, por esse valor, não queria vender; 23. Em 22 de março a sociedade ré, através do seu legal representante, Sr. JJ, comunicou ao marido da ré EE, KK, o aumento da sua proposta para aquisição da quinta, sem incluir o recheio, para 160.000,00€; 24. Da supra referida proposta, no que concerne ao seu valor, foi dado conhecimento, pelo KK, marido da Ré EE, a todos os herdeiros, tendo os autores afirmado que achavam pouco e que por aquele valor não vendiam - tendo aquele dado o contacto do senhor JJ ao autor DD; 25. No dia 28 de março de 2019 a Ré EE foi a casa da cabeça de casal e informou aquela que estava interessada em vender a sua parte, tendo perguntado à cabeça de casal se estava interessada em comprar o seu quinhão hereditário, a sua parte; 26. A cabeça de casal responde-lhe que não queria comprar a parte dela, já se tinha informado e que ninguém podia fazer nada sem a sua autorização, pois ela é que era a cabeça de casal; 27. Nos vários contactos familiares existentes entre a Cabeça de Casal e a ré EE e na presença dos genros, filhas e netos da cabeça de casal, ocorridos entre abril de 2019 e o início do mês de agosto de 2019, a ré EE perguntou à cabeça de casal a razão de não querer comprar a sua parte, ao que esta respondia não estar interessada; 28. Em 01 de abril de 2019 o marido da EE informou-se com um amigo se era possível efetuar a venda do quinhão de duas pessoas interessadas em vender, uma vez que as outras duas herdeiras não queriam vender nem comprar; 29. Em 11 de abril de 2019 a cabeça de casal disse ao marido da EE que ia arrendar a Quinta; 30. No dia 29 de julho de 2019 o marido da EE recebeu uma chamada do representante da Ré adquirente a saber o ponto da situação e se havia algo de novo; 31. Em 05 de agosto de 2019 foram à Quinta pessoas ligadas à venda de propriedades, a fim de darem opinião sobre o seu valor, tendo-os recebido a encarregada da Quinta ...; 32. Nesse mesmo dia 05 de agosto o representante da sociedade R. comunicou ao referido KK, marido da ré EE, a subida da sua proposta apresentada para compra da Quinta para 200.000,00€; 33. Ainda nesse dia ou no dia seguinte, e face a tal proposta, o marido da ré EE transmitiu à cabeça de casal se queria comprar a parte da EE, ao que esta respondeu que não queria comprar; 34. Em 06 de agosto de 2019, o referido KK deu conhecimento a todos os herdeiros que havia uma proposta de compra da quinta pelo valor de 200.000,00€, tendo dito aos autores que ou compravam ou a EE e a FF iam vender a sua parte pelo preço de 50.000,00€ para cada uma; 35. No dia 07 de agosto o KK voltou a telefonar para a cabeça de casal a perguntar se estava interessada em comprar o quinhão da EE(pelo valor de 40.000,00€) ou vender a Quinta por 200.000,00€, tendo aquela dito que não; 36. Nesse mesmo dia 07 de agosto o marido da vendedora e Ré EE avisou novamente os autores e até enviou uma mensagem ao autor DD a informar da existência de uma oferta de aquisição da quinta por 200.000,00€, sem incluir o recheio; 37. Já com uma testemunha, LL, o KK dirigiu-se a casa da cabeça de casal, no mesmo dia 07 de agosto, e novamente perguntou-lhe se estava interessada em comprar o quinhão da EE, tendo a cabeça de casal muito exaltada lhe dito que não e que a irmã não podia vender, pois nem sequer sabia o que era dela; 38. Mais lhe referiu para informar os outros herdeiros, mas por ela ia tudo para tribunal, que não ia fazer nada e que ela tinha de assinar como cabeça de casal; 39. Referiu, ainda, a cabeça de casal, para o KK, que, enquanto ela fosse viva, ninguém ia fazer um tostão com a Quinta; 40. No dia 18 de agosto de 2019 a co-Ré EE, com o seu filho MM, foram a casa da cabeça de casal, onde lhe disse, em conversa, que o marido, em sua representação e da irmã FF e cunhado, estava em Portugal para fazer a escritura de compra e venda dos respetivos quinhões hereditários e que elas deixavam de ter a ver com a Quinta, pois iam vender os seus quinhões por 50.000,00€ para cada; 41. Entre março e agosto de 2019, por mais de uma vez, em função dos valores das propostas apresentadas, os autores manifestaram sempre, de forma expressa e inequívoca, a sua recusa em vender os seus quinhões na herança; 42. A intenção de venda por parte da 1ª R. e dos 2ºs R foi perfeitamente entendida pelos Autores, tendo a autora AA afirmado sempre que nenhum interesse tinha na aquisição.
5.2. Segunda questão. 5.2.1. O direito, legal ou convencional, de preferência é um direito real de aquisição, conferindo ao respetivo titular o poder de adquirir sobre determinada coisa, quando ocorrem certos pressupostos, um direito real de gozo, o direito de propriedade. As normas que criam um direito de preferência e estabelecem o respetivo regime revestem natureza imperativa, pelo que não podem ser afastadas pela vontade das partes. Estabelece o artº o artigo 2130º do CC: «1. Quando seja vendido ou dado em cumprimento a estranhos um quinhão hereditário, os co-herdeiros gozam do direito de preferência nos termos em que este direito assiste aos comproprietários. 2. O prazo, porém, para o exercício do direito, havendo comunicação para a preferência, é de dois meses». Por seu turno prescreve o artº 1410º: «1. O comproprietário a quem se não dê conhecimento da venda ou da dação em cumprimento tem o direito de haver para si a quota alienada, contanto que o requeira dentro do prazo de seis meses, a contar da data em que teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação, e deposite o preço devido nos 15 dias seguintes à propositura da ação. Finalmente estatui o artigo 416º: 1.Querendo vender a coisa que é objeto do pacto, o obrigado deve comunicar ao titular do direito o projeto de venda e as cláusulas do respetivo contrato. 2. Recebida a comunicação, deve o titular exercer o seu direito dentro do prazo de oito dias, sob pena de caducidade, salvo se estiver vinculado a prazo mais curto ou o obrigado lhe assinar prazo mais longo». Tem sido discutido na doutrina e jurisprudência qual o conteúdo e abrangência dos conceitos legais de «elementos essenciais da alienação» ou «projeto de venda». Sendo que se tem verificado a sedimentação de uma tendência quasi uniforme de que devem integrar tais conceitos todos aqueles elementos que se revelem necessários para uma correta formação da vontade de exercer, ou não, a opção de preferir. Naturalmente que, em tese geral, é, desde logo, o preço da venda o elemento mais importante. Mas, também, por via de regra, são, ou poderão ser, o prazo e o modo de pagamento – vg. a pronto pagamento ou com facilidades - , e bem assim, a identidade do comprador. A exigência de, em tese geral, o obrigado à preferência dever dar conhecimento desta identidade ao beneficiário da mesma é perfeitamente compreensível em certo tipo de direitos, como seja a compropriedade, pois que as pessoas não serão indiferentes aos indivíduos que, com eles, estão ou irão estar numa relação de compropriedade - cfr. Pires de Lima e Antunes Varela in C. Civil Anotado, Vol. I, 4ª edição, pág. 392. Havendo até quem entenda que «…uma das funções históricas da preferência, é, justamente, o poder de exclusão de (certos) terceiros das relações negociais. Além disso, sem se indicar o terceiro interessado, não é possível configurar uma proposta concreta, nem muito menos, sindicá-la.” - Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, 2010, II, Direito dos Obrigações, Tomo II, pág. 498/499 , apud Ac. do STJ de 11.01.2011, p. 4363/07.9TVLSB.L1.S1, in dgsi.pt. Obviamente que cada caso concreto encerra o seu próprio circunstancialismo, pelo que os contornos deste devem sempre ser ponderados e avaliados. No caso vertente aquela exigência não pode nem deve ser postergada, antes ela se encontra presente e urge respeitá-la. Efetivamente, estamos perante quinhões hereditários atinentes ao acervo patrimonial deixado pelos progenitores das partes, pelo que a sua contitularidade com terceiro, quer por razões legais e economicistas, quer por motivos familiares com os inerentes aspetos de afetividade e eticidade, não é despicienda para o beneficiário da preferência, antes pelo contrário, para ele é relevante. Ora as rés não provaram, como lhes competia, que tenham dado cabal conhecimento às autoras da concreta identidade da aquirente, pois que apenas lhe ventilaram que seria um tal JJ, o que se patenteia como insuficiente, já que quem adquiriu foi uma empresa. E, outrossim, não provaram que tenham comunicado as condições de pagamento. Por conseguinte, a inelutável conclusão é que as rés não cumpriram para com as autoras, com a necessária substanciação, abrangência e rigor, o seu dever de comunicação dos «elementos essenciais da alienação» ou o «projeto de venda». Pelo que, de lege stricta, a alienação efetivada é ineficaz perante as autoras e, por decorrência, a estas assiste jus a exercerem a preferência, tanto por tanto, relativamente aos quinhões hereditários vendidos. 5.2.2. E nem se diga, como as recorrentes, que as autoras renunciaram ao seu direito à preferência. Em primeiro lugar, e como é intuitivo, porque esta renúncia apenas pode verificar-se quando o preferente conhecer com a concretização e exatidão exigíveis o conteúdo dos elementos da alienação a terceiro. Só se renuncia ou deixa de renunciar aquilo que na íntegra e cabalmente, se conhece; o que, como se viu, in casu não aconteceu. Em segundo lugar porque a renúncia tem de ser diretamente reportada ao direito renunciado e, por via de regra, tem ou deve ser manifestada expressa, clara e inequivocamente – cfr. Ac. RC de 15.12.2020, p. 281/13.0TBPCV.C2, in dgsi.pt., cit. na sentença. Efetivamente o silêncio apenas vale como declaração quando este valor lhe seja atribuído por lei, uso ou convenção – artº 218º do CC. E à declaração tácita apenas pode ser atribuído um concreto sentido ou significado quando estes possam, com toda a probabilidade retirar-se de factos praticados pelo declarante – artº 217º nº1 do CPC. Ora no caso vertente o facto de a autora AA dizer que não queria vender o seu quinhão, que as rés não podiam vender sem sua autorização e, inclusive, que não estava interessada na aquisição dos quinhões das rés, não assume força e dignidade bastantes para se poder concluir que ela renunciou ao seu direito de preferir. A situação é mais complexa. O que dimana de tal acervo provado é que a cabeça de casal não admitia a venda, e, inclusive, estava convencida que esta nem era possível. Pelo que ela nem sequer configurou e interiorizou o seu direito de preferência; do que, logicamente, decorre que a ele não podia ter renunciado. As autoras, rectius a AA, não disse que não queria preferir. Disse que não queria comprar, o que são coisas diversas. E tanto o são que não querendo as autoras comprar os quinhões, quando lhe foram oferecidos, já os pretendem adquirir pela preferência. E isto também demonstra, - sendo certo que o preço de então é o mesmo de agora - a importância que elas atribuem ao facto de ser um terceiro a integrar a comunhão hereditária. E, assim, revela a importância de deverem ter sido cabalmente informadas da identidade deste terceiro. 5.2.2. Resta saber se este direito decorrente das estritas normas legais lhe pode ser tolhido pelo abuso de direito. O abuso de direito constitui uma válvula de escape do sistema jurídico, no sentido de que ele deve ser chamado quando a solução encontrada, vg. por decorrência da aplicação estrita de concretas normas legais, atinja foros de uma tal iniquidade que repugne à normal e sã consciência jurídica. Tal instituto consta genericamente previsto no art.º 334.º do Código Civil, o qual estatui: É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito. Esta figura ou instituto é um reflexo do princípio da boa fé que deve nortear todos quantos intervenham em relações jurídicas. Mas porque a regra é a do livre exercício dos direitos, daqui dimana que para que este exercício possa ser taxado de abusivo, ele alcandore a um resultado que se apresente manifestamente, ie., clamorosamente, ofensivo da justiça ou do sentimento jurídico socialmente dominante. Já na modalidade do venire contra factum proprium o abuso de direito visa a proibição da chamada conduta contraditória pretendendo penalizar o «dar-se o dito por não dito». E exige a conjugação de vários pressupostos, pois pressupõe duas atitudes espaçadas no tempo, sendo a primeira (factum proprium) contraditada pela segunda atitude. Pressuposto do venire é, sempre, uma situação objetiva de confiança – uma conduta de alguém que possa ser entendida como posição vinculante em relação à situação futura – e o investimento na confiança pela contraparte e boa fé desta. Assim, o enquadramento objetivo da situação de confiança, em termos de relevância, afere-se pelo necessário para convencer uma pessoa normal e razoável, colocada na posição do confiante – arts. 236º-1 e 237º C. Civ. –, enquanto, como elemento subjetivo, releva a real adesão do confiante ao facto gerador da confiança – Ac. do STJ de de 28/02/2012, p. n.º 349/06, in dgsi.pt. A assim ser, tal atuação merece um juízo de reprovabilidade, pois que fere ou contende com os deveres de lealdade e de correção sempre exigíveis e constitui uma violação dos limites impostos pela boa fé. Certo é que a proibição de comportamentos contraditórios só é de aceitar quando o venire contra factum proprium atinja proporções juridicamente intoleráveis, traduzido em chocante contradição com o comportamento anteriormente adotado pelo titular do direito – Ac. do STJ de 21/01/2003, p. n.º 02A2970, in www.dgsi.pt. No caso sub judice. As recorrentes alicerçam a sua pretensão de ver declarado o abuso de direito na modalidade do venire, no facto de as autoras terem renunciado ao seu direito e, agora, quererem exercê-lo. Mas já se viu que, no mínimo, é intoleravelmente arriscado, e, assim, não pode ser relevado, concluir-se que as autoras renunciaram ao seu direito. Reitera-se: o que, verdadeira e realmente, as autoras não queriam, era que a herança não fosse vendida: ou porque simplesmente não queriam vender, ou porque não concordassem com o preço. Pelo que, numa exegese que temos por mais sensata e adequada, a certa, ou a mais plausível, conclusão a retirar, é que as autoras – rectius a AA - quando afirmavam que não estavam interessadas na compra dos quinhões das rés, mais do que quererem renunciar ao seu direito de preferência, pretendiam opor-se à venda. E, bem vistas as coisas, esta sua posição não é ilegal e nem, sequer, se perspetiva, a qualquer outro título, criticável. É que ao legítimo direito das rés em quererem vender opunha-se o legítimo direito das autoras em não quererem. As rés não alegaram e provaram que esta pretensão das autoras, fosse, por qualquer motivo, inadmissível ou intolerável. Pelo que, perante tal conflito de posições e, parece, que de interesses, o normal caminho e iter que, em princípio, e perante os elementos dos autos, devia ser trilhado pelas herdeiras, era a partilha da herança pelas mesmas, e, depois, cada uma delas, dispor da parte que lhe coubesse, livre e incondicionadamente. Seja como for, certo é que o factualismo apurado e a melhor interpretação que para o mesmo temos, não permite concluir pela verificação dos apertados e exigentes requisitos do venire nos termos supra explanados.
Improcede o recurso.
6. Sumariando – artº 663º nº7 do CPC. I - A censura da convicção probatória do julgador só pode ser concedida quando os meios de prova invocados pelo recorrente não apenas sugeriram, mas antes imponham, decisão diversa, cautela esta que ganha maior acuidade quando tal convicção é alicerçada, apenas ou em larga medida, em prova pessoal. II – O obrigado à preferência deve comunicar ao preferente todos os elementos da venda que se revelem necessários para uma correta formação da vontade para preferir, ou não preferir. III - Estes elementos incluem, no mínimo, por via de regra e salvo aspetos excecionais de um caso concreto que a infirmem: o preço, o prazo de pagamento, as condições de pagamento e, máxime nos casos em que o terceiro pode ficar com o preferente numa situação de comunhão de direitos, a identidade do terceiro comprador. IV - A renúncia ao direito de preferir apenas pode ocorrer se ao preferente for dado conhecimento de tais elementos, normalmente via expressa, e apenas relevando tacitamente se os factos por ele praticados com toda a probabilidade a revelem – artº 217º do CC. V - O abuso de direito, na modalidade do venire contra factum proprium, apenas emerge se o devedor convencer o invocante que ele atuará, ou não atuará, no futuro, de um certo modo, e, depois, assuma uma conduta em sentido inverso ao que manifestou, de uma maneira contraditoriamente chocante, e, assim, ético-juridicamente censurável e inadmissível. VI – Destarte, inexiste renúncia, nem integra abuso de direito em tal modalidade, se, nuclearmente, apenas se prova que a preferente disse que não queria vender o seu quinhão hereditário, porque até entendia que os quinhões não podiam ser vendidos sem ela, cabeça de casal, dar autorização, e que não estava interessada na aquisição dos quinhões de outras herdeiras.
7. Deliberação. Termos em que se acorda julgar o recurso improcedente, e, consequentemente, confirmar a sentença.
Custas pelas recorrentes.
Coimbra, 2022.06.28.
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