Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | ORLANDO GONÇALVES | ||
Descritores: | DESPACHO DE PRONÚNCIA INDÍCIOS SUFICIENTES DIFAMAÇÃO LIBERDADE DE EXPRESSÃO E INFORMAÇÃO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE | ||
Data do Acordão: | 06/28/2017 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | LEIRIA (J I CRIMINAL – J2) | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | RECURSO CRIMINAL | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTS. 283.º, 308.º DO CPP; ART. 180.º DO CP; ART. 334.º DO CC; ART. 1.º DA LEI N.º 2/99 DE 13-01; ART. 37.º DA CRP | ||
Sumário: | I – Os indícios são as provas recolhidas no processo até ser proferida a acusação ou a decisão instrutória. II – O juízo de probabilidade razoável de condenação enunciado no n.º 2 do art. 283.º do CPP, aplicável à pronúncia ou não pronúncia, não equivale ao juízo de certeza exigido ao Juiz na condenação. III – Quer a doutrina, quer a jurisprudência, vêm entendendo aquela «possibilidade razoável» de condenação como uma possibilidade mais positiva que negativa: o juiz só deve pronunciar o arguido quando, pelos elementos de prova recolhidos nos autos, forma a sua convicção no sentido de que é provável que o arguido tenha cometido o crime do que o não tenha cometido ou, os indícios são os suficientes quando haja uma alta probabilidade de futura condenação do arguido, ou, pelo menos, uma probabilidade mais forte de condenação do que de absolvição. IV - A decisão de pronúncia, tal como a de acusar, não pode ser proferida de forma apressada ou precipitada, pois sujeitar alguém a um julgamento, para além do natural incómodo, pode ser causa, se não para o próprio, para outras pessoas, de desonra e de vergonha. V - Difamar mais não é que imputar a outra pessoa um facto ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra e consideração, também se vem entendendo que nem todo o facto ou juízo que envergonha e perturba ou humilha, cabem na previsão do art.180.º do Código Penal. VI - Existem margens de tolerância conferidas pela liberdade de expressão, que compreende não só a liberdade de pensamento, como a liberdade de exteriorização de opiniões e juízos. VII - Há que conciliar o direito à honra e consideração com o direito à crítica, pois um e outro, pese embora sejam direitos fundamentais, não são direitos absolutos, ilimitados. VIII - Em matéria de direitos fundamentais deve atender-se ao princípio jurídico-constitucional da proporcionalidade, segundo o qual se deve procurar obter a harmonização ou concordância prática dos bens em colisão, a sua otimização, traduzida numa mútua compressão por forma a atribuir a cada um a máxima eficácia possível. IX - A liberdade de informar, no âmbito da imprensa, se justifica e se mede pelo direito do público a ser informado de todos os acontecimentos de relevância social. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam, em Conferência, na 4.ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.
Relatório
Nos presentes autos de instrução que correm pelo Tribunal Judicial da Comarca de Pinhel, em que figuram como assistentes C... e “ L... - Segurança Privada, Formação e Prestação de Serviços, S.A.”, após realização do debate instrutório, o Ex.mo Juiz de Instrução, por despacho de 4 de novembro de 2016, decidiu não pronunciar a arguida A... pela prática do crime de difamação agravada que lhe foi imputado na acusação particular, ou de qualquer outro crime, ordenando o arquivamento dos autos.
Inconformado com o douto despacho dela interpuseram recurso os assistentes C... e “ L... – Segurança Privada, Formação e Prestação de Serviços, S.A.”, concluindo a sua motivação do modo seguinte: 1. Quer em sede de inquérito, quer debate instrutório, foi produzida prova bastante que conduzisse a que fosse proferido despacho de pronúncia; 2. Aquando da prática do facto pela arguida, os assistentes não tinham sido condenados por qualquer crime; 3. C... NUNCA foi condenado pelos crimes de agressão, coacção ou extorsão, tal como resulta do certificado de registo criminal junto aos autos; 4. Quanto aos crimes de natureza fiscal a que a arguida se refere, o arguido foi objecto de uma decisão que ainda não transitou em julgado na presente data; 5. Foram violados deveres jornalísticos aquando da elaboração da notícia, nomeadamente o de pesquisa e investigação, o de informar com rigor, o de verificar a informação veiculada por qualquer fonte 6. Os factos publicados pela arguida A... não foram objecto de qualquer escrutínio por parte desta, descurando a realidade que era verdadeiramente quotidiana dos assistentes; 7. Do depoimento da testemunha B..., consegue constatar-se que a arguida A... não encetou quaisquer outras diligências probatórias em jeito de averiguar os contornos ou mesmo a veracidade dos factos que alegadamente lhe foram transmitidos pela Polícia Judiciária; 8. No que tange ao depoimento da testemunha E... , retiramos precisamente a mesma conclusão, bem como que a informação que é transmitida nem sempre é exacta, sendo aconselhável verificar outras fontes, ou encetar outro tipo de diligências, em jeito de não se cair na tentação de se publicar uma notícia que é ficção ou não corresponde à verdade; 9. Do debate instrutório resulta que existem elementos bastante para pronunciar a arguida, uma vez que ficou assente que existem indícios de facto e de direito suficientes para justificar a submissão de A... a julgamento. Assim sendo, a finalidade do debate foi cumprida, nos termos do artigo 298.º do CPP, não obstante o juiz de instrução ter retirado do mesmo uma conclusão díspar daquela que consideramos ser admissível. 10. Na notícia publicada, bem como no despacho de não pronúncia é violado o princípio da presunção a inocência, não podendo a notícia ser considerada como verdadeira, pois mesmo na data de hoje não há uma decisão transitada em julgado seja por que crime for, contra os assistentes; 11. Apelidar e difundir pelos meios de comunicação social que alguém é o “Al Capone de (...) ” é largamente ofensivo e passível de consubstanciar um crime de difamação agravada; 12. É mentira que o assistente C.... tivesse antecedentes criminais, designadamente sobre agressão, coacção ou extorsão, sendo a notícia redigida e enviada para publicação pela arguida FALSA; 13. A notícia não tem interesse público, não só pelo facto de não corresponder à verdade, mas também porque não se consegue vislumbrar qual o interesse público em saber que um cidadão foi detido por estar indiciado por crimes de natureza fiscal; 14. O negócio da L... não era uma fachada para outros de ordem ilícita, nem nunca tal foi discutido em sede judicativo-decisória; 15. A imagem, honra, consideração pelos dos assistentes encontra-se tingida, tendo C... e D... sido não raras vezes confrontados com situações embaraçosas devido ao título da notícia; 16. A... imputa a C... o cometimento de diversos crimes, não fazendo alusão expressa que tal lhe tenha sido transmitido pela Polícia; 17. Em momento algum foi a assistente L... considerada como uma empresa de fachada para negócios ilícitos; 18. A notícia tem como título “Al Capone de (...) detido por fuga ao fisco”, pelo que não pode ser alegado que a arguida não teve a intenção de denegrir a consideração do assistente C... , mormente pelo facto de o próprio título da notícia ser um atentado à honra daquele, com dignidade própria e distinta do corpo do texto; 19. A decisão instrutória continua ainda no sentido de colocar a tónica no facto de outros jornais terem publicado notícias com teor idêntico, desresponsabilizando novamente os arguidos pelos factos por si praticados, o que é uma barbaridade em sede jurídico-criminal; 20. O crime de difamação pode ser cometido com apenas dolo eventual, tal como tem vindo a ser defendido pela jurisprudência, o que se admite tenha acontecido; 21. A interpretação do Tribunal a quo no que diz respeito aos “antecedentes” referidos na notícia é um exercício exegético malogrado, pois não pode ser interpretado de uma forma que não seja técnico-jurídica, dado que qualquer cidadão fiel ao direito interpretaria a intenção da notícia como sendo a de “dar fé” de que C... era uma pessoa cujo registo criminal já não se encontrava imaculado; 22. Uma “sociedade evoluída, democrática e plural” não pode permitir que a vida de qualquer pessoa possa ser devassada por os jornalistas verem de forma constante e injustificada a sua conduta objecto de impunidade; 23. A liberdade de expressão, não obstante estar constitucionalmente consagrada no artigo 37.º da nossa Lei Fundamental, não é um direito absoluto, entrando em colisão com outros direitos, nomeadamente direito à reserva da vida privada, direito ao bom nome, entre outros; 24. No que concerne à liberdade de imprensa, a arguida A... não estava a exercer qualquer interesse legítimo, no exercício da sua liberdade de expressão, muito pelo contrário, uma vez que não confirmou o que lhe foi transmitido, tal como lhe é estatutariamente imposto; 25. O despacho de não pronúncia carece de fundamentação, , sendo violado o dever de fundamentação de qualquer decisão penal, mesmo que interlocutória, pois NÃO “resulta manifesto não ser punível a conduta da arguida” e NÃO existe “interesse legítimo de informar” e a arguida NÃO “tinha fundamento para, em boa fé, reputar as mesmas como verdadeiras”; 26. A decisão instrutória carece de fundamento, violando assim o princípio da livre apreciação da prova (indícios neste caso), previsto no artigo 127.º do CPP; 27. O artigo noticioso foi escrito pela arguida com o intuito de denegrir a imagem social dos assistentes, uma vez que o crime de difamação pode ser punido a título de qualquer grau de dolo, nomeadamente de dolo eventual; 28. Ao produzir tal notícia, a arguida quis, gratuitamente, vexar os assistentes perante todos aqueles que viessem a ter dela conhecimento; 29. A arguida agiu livre, voluntária e conscientemente, contra a veracidade dos factos, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei e que com ela ofendia a honra e consideração dos assistentes, não se inibindo de imputar tais factos e juízos ofensivos, mormente pelo facto de não ter desempenhado as suas funções de forma diligente, de acordo com as leges artis da sua profissão, precisamente pelo facto de não ter procurado saber se os factos eram verdadeiros, nem tentado obter a versão dos assistentes dos factos inverídicos que noticiou; 30. A invenção e divulgação de tais factos pela arguida, tinha como propósito ofender a honra e consideração dos assistentes, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal, não se absteve de a tomar uma vez que a arguida não podia ignorar que os factos não corroborados que noticiou ofendiam a honra dos assistentes, especialmente porque a falta de consciência da ilicitude nunca poderia ser mobilizada para o presente caso, dado as circunstâncias concretas do caso – atinentes, nomeadamente, à profissão desempenhada pela arguida; 31. A arguida actuou com intenção de denegrir as pessoas a quem se dirigia (os assistentes), descurando os efeitos nefastos que uma notícia da envergadura da que foi redigida e publicada por si, poderia ter na esfera jurídica dos assistentes; 32. A arguida A... deve ser pronunciada por um crime de difamação agravada nos termos conjugados do disposto nos artigos 180.º, n.ºs 1, 4 e 5 e 183.º, n.º 2 do Código Penal. Por todo o exposto, a decisão recorrida violou, entre outros, por erro de interpretação e aplicação, o disposto nos artigos 127.º e 298.º do Código de Processo Penal, e 180.º, n.ºs 1, 4 e 5 e 183.º, n.º 2 do Código Penal. Termos em que, e nos melhores de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, e a arguida ser pronunciada pelo crime de difamação agravada, previsto e punido pelos artigos 180.º, n.º 1, 4 e 5 e 183.º, n.º 2 do Código Penal.
O Ministério Público no Tribunal Judicial da Comarca de Leiria- Instância Central de Instrução Criminal, respondeu ao recurso interposto pelos assistentes, pugnando pela manifesta improcedência do recurso e manutenção do despacho recorrido.
A arguida A... pugna também pelo não provimento do recurso, e manutenção da decisão de não pronúncia.
O Ex.mo Procurador-geral adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido de que o recurso dos assistentes deverá improceder.
Notificado deste parecer, nos termos e para efeitos do n.º 2 do art.417.º do Código de Processo Penal, os recorrentes nada disseram.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
Fundamentação
O Despacho recorrido tem o seguinte teor: I. Iniciaram-se os presentes autos de instrução a requerimento da arguida A... , a fls. 518 a 532, inconformada com a acusação particular deduzida pelos assistentes C... e L... – Segurança Privada, Formação e Prestação de Serviços, S. A., a fls. 237 a 242, que lhe imputou a prática, em autoria, de um crime de difamação contra os assistentes, sob a forma continuada, p. e p. pelos artigos 180º, n.º 1, 183º, n.º 2 e 30º da Lei n.º 2/99. Para tanto alegou, em síntese, que: a) verificou-se caducidade do direito de queixa, uma vez que esta foi apresentada mais de seis meses depois dos factos; b) uma vez que não foi deduzida acusação particular também contra o director do jornal onde a notícia da autoria da arguida foi publicada, tal equivale a desistência de queixa contra esta, por estar em causa crime de comparticipação necessária entre o autor da notícia e o director da publicação; c) narrando a acusação apenas uma conduta da arguida, não tem cabimento a imputação da prática de crime continuado; d) a arguida elaborou a notícia com base na informação que lhe foi prestada pela Polícia Judiciária, como refere expressamente, convicta da sua veracidade, que em boa parte se veio a confirmar; e) a notícia é similar a diversas outras publicadas noutros órgãos de comunicação social, que identificam igualmente a Polícia Judiciária como fonte das informações publicadas; f) a sua conduta não integra pois o tipo legal do crime de difamação, nem existem indícios de conduta ilícita ou culposa da arguida, que em qualquer caso não seria punível por caber na previsão do n.º 2 do artigo 180º do C. P. Penal. Aberta a instrução, inquiriram-se duas testemunhas indicadas pela requerente e realizou-se debate instrutório. II. O Tribunal é o competente. A\ DA CADUCIDADE/EXTINÇÃO DO DIREITO DE QUEIXA Como acima se deixou dito, a arguida invoca como primeira questão prévia a caducidade ou extinção do direito de queixa decorrente da circunstância de os aqui assistentes apenas terem formulado tal queixa cerca de um ano após a publicação da notícia da autoria da arguida. Mais concretamente, a notícia alvo da queixa e acusação particular foi publicada no Diário (...) (e não Jornal (...) como, certamente por lapso, se refere na acusação particular – artigo 2º) de 28/06/2014, sendo a queixa formulada por escrito que deu entrada em Juízo em 16/07/2015 – cfr. fls. 1 a 5 e 10. Como é consabido, “o direito de queixa extingue-se no prazo de seis meses a contar da data em que o titular tiver tido conhecimento do facto e dos seus autores” – artigo 115º, n.º 1, do C. Penal. Estando em causa notícia publicada em jornal diário de alcance nacional e tiragem significativa, assume-se normalmente que os visados tenham conhecimento da mesma na data em que ocorre a publicação. No caso dos autos, como de resto decorre da notícia publicada, o assistente C... encontrava-se preso preventivamente aquando da publicação da notícia, não podendo assumir-se que nessa condição tenha acesso livre a publicações diárias. De resto, na queixa alega-se que apenas teve conhecimento da notícia aquando da libertação da companheira e também representante da sociedade assistente, D... , em 24/02/2015 – cfr. fls.5. O Ministério Público, ao menos tacitamente, aceitou tal explicação para a data de apresentação da queixa, nunca pondo em causa a validade da mesma, prosseguindo o inquérito, nada opondo à constituição como assistentes dos queixosos (fls. 44) e notificando os mesmos para deduzir acusação particular (fls. 191). Assim sendo, não pode agora, com base nos mesmos dados que sempre foram assumidos, concluir-se pela dedução de queixa depois de extinto o respectivo direito, quando nenhum elemento põe em crise a justificação apresentada na queixa relativamente à data em que os agora assistentes “tiveram conhecimento dos factos e dos seus autores”. Julga-se pois improcedente a invocada caducidade/extinção do direito de queixa. B\ DA EXTINÇÃO/RENÚNCIA E DESISTÊNCIA DE QUEIXA Sustenta a arguida que, estando em causa crime de difamação cometido através da imprensa, existe comparticipação necessária entre o autor da notícia e o director da publicação, nos termos do n.º 3 do artigo 31º da Lei de Imprensa (Lei n.º 2/99, de 13/01). E, assim sendo, optando os assistentes por não deduzir acusação particular contra o director do Diário (...) , tal equivale a desistência de queixa contra este comparticipante, que aproveita à arguida, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 115º, n.º 3, 116º, n.º 3 e 117º, todos do C. Penal. O artigo 31º da Lei de Imprensa intitula-se “Autoria e comparticipação”, estatuindo no seu n.º 1 que «sem prejuízo do disposto na lei penal, a autoria dos crimes cometidos através da imprensa cabe a quem tiver criado o texto ou a imagem cuja publicação constitua ofensa dos bens jurídicos protegidos pelas disposições incriminadoras». Acrescenta porém no seu n.º 3 que «o director, o director-adjunto, o subdirector ou quem concretamente os substitua, assim como o editor, no caso de publicações não periódicas, que não se oponha, através da acção adequada, à comissão de crime através da imprensa, podendo fazê-lo, é punido com as penas cominadas nos correspondentes tipos legais, reduzidas de um terço nos seus limites». Com o devido respeito pela opinião contrária, a previsão de responsabilidade penal do director da publicação não se enquadra na definição geral de comparticipação do artigo 26º do C. Penal. Nem faz sentido que assim se considere, pois desse modo seria injustificável que um verdadeiro co-autor fosse punido com pena inferior que a aplicável ao autor da notícia. Independentemente da epígrafe do artigo, o que o n.º 3 do artigo 31º da Lei de Imprensa prevê é uma responsabilidade por omissão de quem tem um dever de garante: o director tem o dever de impedir a publicação (...) difamatórias e, podendo fazê-lo, não impediu a publicação da notícia. Tal corresponde a uma responsabilidade própria do director do jornal, distinta da do autor da notícia, não estando em causa comparticipação enquadrável no estatuído nos artigos 115º, n.º 3 e 116º, n.º 3, do C. Penal. Nesse sentido, por todos, veja-se o recente Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 03/02/2016: «(…) nas publicações periódicas, o director, o director-adjunto, o subdirector ou quem concretamente os substitua, que não se oponha, através da acção adequada, à comissão de crime através da imprensa, podendo fazê-lo, não responde criminalmente, com o jornalista criador do escrito/imagem, no âmbito da comparticipação criminosa; a sua responsabilidade, por acto próprio, provém de omissão dolosa, por violação do dever de garante decorrente da obrigação de impedimento de publicação da notícia constitutiva de ilícito penal. (…) Inexistindo comparticipação criminosa, ao caso não é aplicável o disposto no artigo 115.º, n.º 3, do CP (…)».[1] Improcede pois a invocação de extinção/renúncia e desistência da queixa. Não existem nulidades ou outras questões prévias ou incidentais de que cumpra conhecer neste momento. III. Constituindo a fase da instrução uma fase facultativa do processo penal que visa a comprovação judicial de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito, em ordem a submeter ou não a causa a julgamento (artigo 286º, n.ºs. 1 e 2, do C. P. Penal, diploma para o qual se deverão considerar remetidas as normas legais sem outra indicação de proveniência), há que ter presente que o Juiz de Instrução Criminal está aqui limitado, à partida, pela factualidade relativamente à qual se pediu a instrução (artigo 287º, n.ºs 1 e 2 e 288º, n.º 4), sendo orientado no seu procedimento e decisão pelas razões de facto e de direito invocadas. Por outro lado, dispõe o artigo 283º, n.º 2, aplicável à fase da instrução ex vi do artigo 308º, n.º 2, que se consideram suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, uma pena ou uma medida de segurança. Em decorrência de tal disposição, preceitua o n.º 1 do último artigo citado que, se, até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respectivos; caso contrário, profere despacho de não pronúncia. Fundando-se o conceito de indícios suficientes na possibilidade razoável de condenação e de aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança, deve considerar-se existirem indícios suficientes para efeitos de prolação do despacho de pronúncia (tal qual como para a acusação), quando: - os elementos de prova, relacionados e conjugados entre si, fizerem pressentir a culpabilidade do agente e produzirem a convicção pessoal de condenação posterior; e - se conclua, com probabilidade razoável, que esses elementos se manterão em julgamento; ou - se pressinta que da ampla discussão da causa em plena audiência de julgamento, para além dos elementos disponíveis, outros advirão no sentido da condenação futura. IV. Feito este introito, analisemos então as questões substanciais colocadas nesta instrução. Duas primeiras notas impõem-se face ao modo como na acusação particular os assistentes sustentam dever a arguida ser sujeita a julgamento: pela prática, em autoria, de um crime de difamação contra C... e L... – Segurança Privada, Formação e Prestação de Serviços, S.A., sob a forma continuada, p. e p. pelos n.º 1 do artigo 180º e n.º 2 do artigo 183º, ambos do C. Penal e artigo 30º da Lei n.º 2/99. A primeira tem que ver com a já apontada falta de fundamento para a imputação de crime continuado. A acusação particular imputa à arguida a autoria de uma única notícia e pressuposto da existência de continuação criminosa é a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico – artigo 30º, n.º 2, do C. Penal. A segunda é que não tem fundamento legal a prática de crime de difamação em que seja ofendida a pessoa colectiva L... , S.A. « (…) O legislador autonomizou no artigo 187º do CP a protecção dos valores inerentes à pessoa colectiva - credibilidade, prestígio e confiança - e reservou para as pessoas singulares a previsão dos arts. 180º e 181º do mesmo diploma, onde se consagram e protegem os valores tradicionais da honra e da consideração social que lhe são devidas (…)».[2] A avaliação da possibilidade de requalificação jurídica dos factos narrados na acusação particular como integrando a prática de crime de ofensa a pessoa colectiva, p. e p. pelo artigo 187º do C. Penal, implica que se avalie se existe imputação à arguida de afirmação ou propalação de factos inverídicos. É que, neste tipo legal, ao contrário do que sucede nos tipos legais dos crimes de injúria e difamação, apenas é punível a imputação de factos inverídicos e não de meros juízos de valor[3]. Avaliação que se fará juntamente com a incidente sobre o teor da notícia publicada. O teor da acusação particular deduzida pelos assistentes é o seguinte: «(…) 1º A arguida escreveu e assinou a notícia que de seguida se transcreve em parte: «“Al Capone de (...) ” detido por fuga ao fisco C... formou império com a empresa de segurança L... , e a mulher, advogada, foi o seu braço direito. Casas, carros de luxo e barco serviram, de acordo com a polícia, para branquear fortunas. C... , o “Al Capone de (...) ” como é conhecido na PJ, sócio-gerente fundador da empresa de segurança L... , juntamente com a mulher, sócia-gerente da empresa e advogada sem exercer, criou um império e uma fachada respeitável com a sua empresa de segurança, a mais reputada da região centro. Esta semana, o império do “ BB...” (como é conhecido na cidade) ruiu e não por nenhum dos crimes pelo qual o empresário já tinha antecedentes, como agressão, coacção ou extorsão, mas por fuga ao fisco (IRC e IVA) e branqueamento de capitais. Foi a fuga ao fisco que tramou o gansgster Al Capone, nos Estados Unidos. O “ BB...” da L... e a mulher foram detidos por inspectores da Unidade Nacional contra Terrorismo (UNCT) da Policia Judiciária e ficaram em prisão preventiva, decretada pelo juiz K (...) , do Tribunal Central de Investigação Criminal em Lisboa.” (negrito e sublinhado nosso) 2º Tal notícia foi publicada no "Jornal (...) ", propriedade de G..., SA., com NIPC n.º (...) , com sede sita no Rua (...) Porto, no dia 28 de Junho de 2014, artigo noticioso escrito e assinado pela arguida. 3º Conforme se pode observar, o artigo noticioso foi escrito com o intuito de denegrir a imagem social, dos ofendidos. 4º Isto, porque, desde logo, o 1º ofendido/assistente é denominado de “Al Capone de (...) ”. 5º Ora, como a sociedade em geral sabe e conhece, até com base em diversas reproduções cinematográficas por alusão ao “Al Capone” que foi um gângster ítalo-americano que liderou um grupo criminoso dedicado ao contrabando e venda de bebidas entre outras atividades ilegais, durante a Lei Seca que vigorou nos Estados Unidos nas décadas de 20 e 30. Considerado por muitos como o maior gângster dos Estados Unidos. 6º Ou seja, é equiparado a uma pessoa reputada por gângster que liderou um grupo criminoso dedicado ao contrabando e venda de bebidas entre outras atividades ilegais. 7º Imputando, desde logo, um cariz criminoso ao ofendido, sem qualquer base de sustentação, somente com o único intuito de denegrir a imagem social do mesmo. 8º Deste modo, dúvidas não subsistem que tal artigo noticioso formulou um juízo, ofensivo da sua honra ou consideração com tal comparação. 9º Continua, o artigo noticioso supra descrito, por formular e imputar ao 1º ofendido/assistente a prática de crimes, concretamente, definidos como sejam o crime de agressão, coacção ou extorsão, não correspondendo tais factos à verdade. 10º Como se não bastasse, a arguida imputa ainda, a prática dos crimes (fraude e abuso de confiança fiscal) através da expressão fuga ao fisco, bem como o crime de branqueamento de capitais. 11º Assim, a 2ª ofendida/assistente a acaba (sic) por ser também associada a todas as imputações feitas na pessoa do 1º ofendido/assistente (sic), visto que se retrata a 2ª ofendida/assistente como uma “fachada” para a prática de toda a actividade criminosa supra descrita e imputada ao 1º ofendido, portanto verificar-se a imputação de diversas actividades criminosas, mesmo inexistindo quaisquer antecedentes criminais. 12º Ora, em consequência, efectivamente, as expressões e palavras utilizadas pela arguida no artigo noticioso supra reproduzido, através das quais emite juízos de valor sobre os ofendidos, são, objectivamente, ofensivos da honra e consideração dos ofendidos, portanto, estamos perante factos ilícitos. 13º Ou seja, toda a gente entende, é do senso comum, que quem se dirige a outrem chamando-lhe de “Al Capone” e imputando um carácter de fachada para a prática de crimes, imputando (sic) a “condenação por crimes de agressão, coacção e extorsão”, e a prática de “crimes de fuga ao fisco e branqueamento de capitais”, actua com dolo e com intenção de denegrir as pessoas a quem se dirige, porque essa intenção está consubstanciada nas próprias palavras utilizadas em tal artigo noticioso. 14º Portanto, estamos perante uma imputação de diversas actividades criminosas, mesmo, apesar de inexistirem quaisquer antecedentes criminais. 15º Ora, em consequência, efectivamente, das expressões e palavras utilizadas pela arguida no artigo noticioso, supra reproduzido, através das quais emite juízos de valor sobre os ofendidos, são, objectivamente, ofensivos da honra e consideração dos ofendidos, e, por isso, com a imputação de tais factos e juízos sobre o assistente, as arguidas (sic), quiserem ofender a sua honra, consideração e reputação, atacando a sua personalidade/reputação moral e social. 16º Sendo, objectivamente, difamatório, o que põe gravemente em crise a honra, consideração e dignidade profissional dos assistentes que, naturalmente, se sentem profundamente ofendidos. 17º Ao produzirem (sic) o teor difamatório, constante dos autos, a arguida quis, gratuitamente, vexar os assistentes perante todos aqueles, que viessem a ter conhecimento da aludida “notícia”. 18º A arguida agiu livre, voluntária e conscientemente, contra a veracidade dos factos, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei e que com ela ofendia a honra e consideração dos assistentes, não se inibindo de imputar aos assistentes tais factos e juízos ofensivos. 19º A invenção e divulgação de tais factos, pela arguida, tinha como propósito ofender a honra e consideração dos assistentes, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal, não se absteve de a tomar. 20º Pelo que, a arguida actuou com dolo e com intenção de denegrir as pessoas a quem se dirigia (os ofendidos), porque essa intenção está consubstanciada nas próprias palavras utilizadas em tal artigo noticioso. 21º A arguida bem sabia que tal constituía um tipo legal de crime, pois se não conhecia que estava a faltar à verdade dos factos, tinham (sic) a obrigação de o conhecer, quanto mais não seja pela sua actividade profissional, mas apesar disso, não se inibiu de imputar factos, que não correspondem à verdade, aos ofendidos, passíveis de ofender a sua honra e consideração (…)». A notícia da autoria da arguida dá conta que o assistente C... e sua mulher foram detidos pela Polícia Judiciária com fundamento na prática de crimes fiscais e branqueamento de capitais e que, sujeitos a interrogatório judicial, foi decretada a prisão preventiva de ambos. Este segmento da notícia é verdadeiro, não fazendo sentido nesta parte considerar-se ofensiva a descrição factual de algo que aconteceu. Note-se que a arguida não afirma que o assistente C... , para o que aqui interessa, praticou crimes de branqueamento ou de “fuga ao fisco”. O que diz é que esse foi o fundamento para a polícia Judiciária o deter, acabando por ser decretada a prisão preventiva. De resto, no âmbito do processo em que ocorreu tal detenção e prisão preventiva, ocorreu condenação de ambos os aqui assistentes pela prática de crimes de fraude de confiança fiscal, sendo o assistente C... condenado também pela prática de crimes de abuso de confiança fiscal e branqueamento de valores decorrentes de actividade da assistente sociedade subtraída a declaração à administração tributária (cfr. fls. 250 a 481). Nessa medida, retomando um ponto acima abordado, sendo tipicamente irrelevantes no quadro de crime de ofensa a pessoa colectiva, os juízos de valor que são feitos na notícia com respeito à L... , mesmo que se considere imputação de facto considerar-se que a empresa “serviu de fachada” a actividade criminosa do assistente C... relacionada com “fuga ao fisco”, não se indicia que tal facto seja inverídico. Pelo contrário, foi considerado provado em acórdão proferido na primeira instância depois de julgados os factos que estiveram na base da detenção noticiada pela arguida. No que respeita a ofensas à honra e consideração do assistente C... , não existe a apontada restrição, podendo as mesmas derivarem tanto da imputação de factos como da formulação de juízos de valor. A acusação particular sustenta que a arguida, com intenção de ofender a honra e consideração deste assistente, o apoda de “Al Capone”, o associa a tal gangster americano e atribui-lhe antecedentes criminais que não tinha nem tem. A verdade é que não é isso que consta da notícia da autoria da arguida. O que aí se diz é que o assistente era conhecido na Polícia Judiciária como o “Al Capone de (...) ”, do mesmo modo que sugere que tudo quanto afirma relativamente aos assistentes tem como única fonte tal polícia. Algo que é perfeitamente verosímil, estando em causa processo em segredo de justiça e em que ocorreram detenções, sendo procedimento comum que essa e outras polícias façam comunicados de imprensa. De resto, referências em tudo idênticas às da notícia da arguida foram feitas noutras notícias publicadas à data noutros jornais (cfr. fls. 533 a 539). Noticiar que a Polícia Judiciária conhece o assistente C... como o “Al Capone de (...) ” não é, de todo, o mesmo que a arguida dizer que o assistente é o “Al Capone de (...) ”. Sendo evidente que tal epíteto é ofensivo da honra e consideração do visado, o ponto é que na notícia se refere que a ofensa é praticada pela Polícia Judiciária, não é da lavra da jornalista arguida. Do ponto de vista jornalístico é relevante essa menção, que não pode ser confundida com intenção gratuita de ofender a honra do assistente. Tanto mais que não se vê que interesse nisso teria a arguida, que nenhuma relação tem com os visados. A referência noticiosa a suspeitos da autoria de crimes por alcunhas ou qualificativos tem tradição centenária, servindo evidentemente como chamariz das notícias publicadas. Porém, não está aqui em causa epíteto cunhado pela jornalista face a factos que noticia; o que se noticia nessa parte é que a Polícia Judiciária conhecia o arguido dessa forma. Se for noticiado que este Juiz de Instrução Criminal é conhecido pelo Ministério Público ou pelos advogados como “um palerma”, parece evidente que a eventual ofensa à honra do visado não será cometida pelo jornalista que noticia essa amável opinião de outros profissionais do foro, mas sim por estes. E também é evidente que sendo manifestada tal opinião, existe relevante interesse jornalístico na sua veiculação. Só não será assim se o jornalista atribui falsamente a terceiros esses epítetos, algo que não resulta minimamente indiciado dos autos. Do mesmo modo, sendo verdade que o assistente C... não tinha (e não se conhece que tenha) averbadas no registo criminal condenações anteriores pela prática de crimes de ofensa à integridade física, coacção ou extorsão, o ponto é que a notícia remete claramente para a Polícia Judiciária a fonte de informação de que C... tinha antecedentes por tais crimes. Por outro lado, a referência a “antecedentes” pode significar menos que condenações transitadas em julgado e averbadas no registo criminal, respeitando a suspeitas policiais, “referenciações”, existências de queixas anteriores. A indiciação de que, pelo menos isso, terá sido veiculado por fontes da Polícia Judiciária decorre da circunstância de em notícias publicadas noutros órgãos de comunicação social se referir que “os suspeitos”, sendo um deles o assistente C... , “estavam já referenciados pelas autoridades, sucedendo-se inquéritos por suspeitas de ameaça, coacção e agressão” – cfr. fls. 533; ou por ter este assistente “a reputação manchada por muitas e variadas suspeitas, nomeadamente por, segundo o Ministério Público (MP), uso de violência” – cfr. fls. 534; ou que “há vários anos que se sucediam inquéritos por suspeita de ameaça, coacção e agressão” – cfr. fls. 536. O que se indicia nos autos é que a arguida noticiou factos que lhe foram relatados por fonte da Polícia Judiciária, com evidente interesse público, no âmbito de direito/dever de informar, sendo parte substancial do que é noticiado verdadeiro e, no que não é exacto, ser evidente que perante a notícia da prisão preventiva de duas pessoas a arguida tinha fundamento para, em boa-fé, reputar como verdadeira a informação que lhe foi transmitida por pessoa ligada ao órgão de polícia criminal que procedia à investigação e executou as detenções. Note-se, mais uma vez, que o que está em causa na análise do comportamento da arguida não é ser verdade ou não que o assistente C... é “o Al Capone de (...) ” ou se tinha antecedentes pela prática de crimes envolvendo agressões, coacção ou extorsão. O que importa analisar é se é verdade que isso lhe foi transmitido pela Polícia Judiciária, tudo indiciando que sim. Assim sendo, resulta manifesto não ser punível a conduta da arguida, na medida em que a reprodução das imputações de factos e juízos feitas pela Polícia Judiciária realiza interesse legítimo de informar e a arguida tinha fundamento para, em boa-fé, reputar as mesmas de verdadeiras (artigo 180º, n.º 2, do C. P. Penal). Entender diferentemente constituiria, na prática, a cominação como crime de qualquer notícia relativa à prática de crimes que identificasse suspeitos da sua autoria antes de condenados os mesmos por tais factos por decisão transitada em julgado. Isto é, atentar grosseiramente contra o direito/dever de informar, impondo uma verdadeira censura inaceitável numa sociedade evoluída, democrática e plural. O que basta para concluir pela imperatividade de proferir despacho de não pronúncia (artigo 308º, n.º 1, do C. P. Penal). As custas da instrução são da responsabilidade dos assistentes, julgando-se razoável fixá-las em 4 UC (artigos 515º, n.º 1, al. a), do C. P. Penal e 8º, n.º 2, do Regulamento das Custas Processuais). V. Tendo em vista clarificar o âmbito do caso julgado passível de ser formado por esta decisão, considero: FACTOS SUFICIENTEMENTE INDICIADOS 1) A arguida escreveu e assinou a notícia, publicada na edição de 28 de Junho de 2014 do Diário (...) , da qual constava: «“Al Capone de (...) ” detido por fuga ao fisco C... formou império com a empresa de segurança L... , e a mulher, advogada, foi o seu braço direito. Casas, carros de luxo e barco serviram, de acordo com a polícia, para branquear fortunas. C... , o “Al Capone de (...) ” como é conhecido na PJ, sócio-gerente fundador da empresa de segurança L... , juntamente com a mulher, sócia-gerente da empresa e advogada sem exercer, criou um império e uma fachada respeitável com a sua empresa de segurança, a mais reputada da região centro. Esta semana, o império do “ BB...” (como é conhecido na cidade) ruiu e não por nenhum dos crimes pelo qual o empresário já tinha antecedentes, como agressão, coacção ou extorsão, mas por fuga ao fisco (IRC e IVA) e branqueamento de capitais. Foi a fuga ao fisco que tramou o gansgster Al Capone, nos Estados Unidos. O “ BB...” da L... e a mulher foram detidos por inspectores da Unidade Nacional contra Terrorismo (UNCT) da Policia Judiciária e ficaram em prisão preventiva, decretada pelo juiz K (...) , do Tribunal Central de Investigação Criminal em Lisboa.” (negrito e sublinhado nosso). FACTOS NÃO SUFICIENTEMENTE INDICIADOS 1) O artigo noticioso foi escrito pela arguida com o intuito de denegrir a imagem social dos assistentes. 2) Ao produzir tal notícia, a arguida quis, gratuitamente, vexar os assistentes perante todos aqueles que viessem a ter dela conhecimento. 3) A arguida agiu livre, voluntária e conscientemente, contra a veracidade dos factos, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei e que com ela ofendia a honra e consideração dos assistentes, não se inibindo de imputar aos assistentes tais factos e juízos ofensivos. 4) A invenção e divulgação de tais factos pela arguida, tinha como propósito ofender a honra e consideração dos assistentes, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal, não se absteve de a tomar. 5) Pelo que actuou com intenção de denegrir as pessoas a quem se dirigia (os ofendidos). VI. Assim, face a todo o exposto, decido não pronunciar a arguida A... pela prática do crime de difamação agravada que lhe foi imputada, ou de qualquer outro crime, ordenando o arquivamento dos autos. (…)». O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação. (Cf. entre outros, os acórdãos do STJ de 19-6-96 [4] e de 24-3-1999 [5] e Conselheiros Simas Santos e Leal Henriques , in Recursos em Processo Penal , 6.ª edição, 2007, pág. 103). São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respetivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar [6], sem prejuízo das de conhecimento oficioso . Como bem esclarecem os Cons. Simas Santos e Leal-Henriques, « Se o recorrente não retoma nas conclusões, as questões que suscitou na motivação, o tribunal superior, como vem entendendo o STJ, só conhece das questões resumidas nas conclusões, por aplicação do disposto no art. 684.º, n.º3 do CPC. [art.635.º, n.º 4 do Novo C.P.C.]» (in Código de Processo Penal anotado, 2.ª edição, Vol. II, pág. 801). No caso dos autos, face às conclusões da motivação dos recorrentes C... e “ L... – Segurança Privada, Formação e Prestação de Serviços, S.A.”, a questão a decidir é a seguinte: - se a decisão recorrida ao não pronunciar a arguida A... pela prática do crime de difamação agravada , sob a forma continuada, que lhe foi imputado na acusação particular, violou, entre outros, o disposto nos artigos 127.º e 298.º do Código de Processo Penal e artigos 180.º, n.ºs 1, 4 e 5 e 183.º, n.º 2 do Código Penal. - Passemos ao seu conhecimento. Os assistentes C... e “ L... – Segurança Privada, Formação e Prestação de Serviços, S.A.”, defendem que a decisão instrutória que não pronunciou a arguida pela prática de um crime de difamação agravada, nos termos conjugados dos artigos 180.º, n.º1, 4 e 5 e 183, n.º 2 , todos do Código Penal, deve ser revogada e substituída por outra, pronunciando a arguida A... nos termos que já constam da acusação por si deduzida, alegando para o efeito, e em síntese, o seguinte: A notícia redigida pela arguida A... , com o título «“Al Capone de (...) ” detido por fuga ao fisco», teve o intuito de denegrir a imagem social dos assistentes, pois é do conhecimento geral que “Al Capone” liderou um grupo criminoso dedicado ao contrabando e venda de bebidas entre outras atividades ilegais, e a notícia não é verdadeira pois aquando da sua publicação os assistentes não tinham sido condenados por qualquer crime, nomeadamente pelos crimes de agressão, coação ou extorsão, tal como resulta do certificado de registo criminal junto aos autos. A arguida não faz alusão expressa, no que diz respeito aos “ antecedentes” referidos na notícia, que tal lhe tenha sido transmitido pela Polícia. A arguida A... violou deveres jornalísticos, nomeadamente os estabelecidos nos artigos 1.º, n.º1 e 14.º, n.º 2 da Leio n.º 1/99, de 1 de janeiro, pois não confirmou o que foi relatado pela única fonte que consultou, isto é, uma chamada telefónica com alguém que “representava” o Ministério Público ou a Polícia Judiciária, como foi possível aquilatar dos depoimentos das testemunhas B... e E... . O arguido foi objeto de uma decisão condenatória relativamente aos crimes de natureza fiscal, mas a mesma ainda não transitou em julgado na presente data, pelo que a publicação violou o princípio da presunção da inocência, não podendo aquela ser considerada verdadeira. Por outro lado, a notícia não tem interesse público. O negócio da assistente L... não era uma fachada para outros negócios de ordem ilícita. A arguida ao apor o título “ Al Capone de (...) detido por fuga ao fisco” teve a intenção de denegrir a consideração do assistente C... . Uma “sociedade evoluída, democrática e plural” não pode permitir que a vida de qualquer pessoa possa ser devassada por os jornalistas verem de forma constante e injustificada a sua conduta objeto de impunidade. O despacho de não pronúncia carece de fundamentação, pois não “resulta ser manifesto não ser punível a conduta da arguida”, e não existe “interesse legítimo de informar” e a arguida não “tinha fundamento para, em boa fé, reputar as mesmas como verdadeiras”. A arguida A... ao produzir a notícia quis vexar gratuitamente os assistentes perante todos aqueles que viessem a ter dela conhecimento, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal. Vejamos se assim é. O art.308.º, n.º 1, do Código de Processo Penal estabelece que “Se, até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respetivos; caso contrário, profere despacho de não pronúncia”. Por expressa remissão do n.º2 do art.308.º - « É correspondentemente aplicável ao despacho referido no número anterior o disposto no artigo 283.º, n.ºs 2, 3 e 4, sem prejuízo do disposto na segunda parte do n.º1 do artigo anterior.». -, para o n.º 2 do art.283.º, este respeitante ao despacho de acusação, ambos do Código de Processo Penal, “Consideram‑se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança.”. Esta definição legal do que são indícios suficientes integra-se na orientação perfilhada pela doutrina e jurisprudência que era seguida no domínio de vigência do Código de Processo Penal de 1929, onde se realça, entre outras fórmulas, a de Luís Osório que referia: “devem considerar- se indícios suficientes aqueles que fazem nascer em quem os aprecia a convicção de que o réu poderá vir a ser condenado”.[7] Os indícios são as provas recolhidas no processo até ser proferida a acusação ou a decisão instrutória. Não parece haver aqui qualquer problema de interpretação. Já o qualificativo de suficientes, relacionados com uma possibilidade razoável de condenação exige um esclarecimento do grau de probabilidade da condenação. O Dr. Jorge Noronha e Silveira observa que na resposta à questão do que seja a possibilidade razoável de condenação podem distinguir-se, na doutrina e jurisprudência, três correntes fundamentais: uma primeira solução afirma que basta uma mera possibilidade, ainda que mínima, de futura condenação em julgamento; numa segunda resposta possível, é necessário uma maior probabilidade de condenação do que de absolvição; e uma terceira via defende ser necessária uma possibilidade particularmente forte de futura condenação. Depois de esclarecer que certos autores advogam esta terceira interpretação da suficiência de indícios como forte possibilidade de condenação sem verdadeiramente a autonomizar da segunda interpretação referida, adota a terceira posição, mas com o sentido de que para a acusação, como para a pronúncia, se exige a mesma exigência de prova e de convicção probatória requerida pelo julgamento final, atendendo, designadamente, ao facto de naquelas primeiras fases processuais já se encontrarem recolhidas todas as provas da acusação e de o princípio da presunção da inocência vigorar para todo o processo penal. [8] O Tribunal da Relação entende que a tese que afirma a suficiência de indícios nos casos em que a possibilidade de condenação é diminuta, ou dito de outro modo, que os indícios só não seriam suficientes se a acusação fosse manifestamente infundada, não pode ser proceder, porquanto a posição não tem o mínimo de consagração na letra da lei e seria desproporcionada e injusta, violando desde logo a presunção de inocência do arguido. Mas também a posição que exige nas fases da acusação e da pronúncia a mesma exigência de prova e de convicção probatória requerida pelo julgamento final, não respeita, no nosso entender, a letra e o espírito da lei. Mais concretamente e no que respeita à fase da instrução, nesta não se pretende alcançar a demonstração da realidade dos factos; pretende-se, tão só, recolher indícios, sinais, de que um crime foi, ou não, cometido pelo arguido. As provas recolhidas nas fases preliminares do processo penal não constituem pressuposto da decisão jurisdicional de mérito, mas, tão só, da decisão processual no que respeita à prossecução do processo até à fase de julgamento. No dizer do Prof. Germano Marques da Silva, nesta fase processual a lei « … não impõe a mesma exigência de verdade requerida pelo julgamento final.» Ou seja, « Na pronúncia o juiz não julga a causa; verifica se se justifica que com as provas recolhidas no inquérito e na instrução o arguido seja submetido a julgamento para ser julgado pelos factos da acusação.».[9] O juízo de probabilidade razoável de condenação enunciado no n.º2 do art.283.º do C.P.P., aplicável à pronúncia ou não pronúncia, não equivale ao juízo de certeza exigido ao Juiz na condenação. Seguindo a lição do Prof. Figueiredo Dias, proferida ainda na vigência do Código de Processo Penal de 1929, consideramos que continua a ser aceitável, na interpretação do conceito normativo indícios suficientes, considerar que «… os indícios só serão suficientes e a prova bastante quando, já em face deles, seja de considerar altamente provável a futura condenação do acusado, ou quando esta seja mais provável do que a absolvição.».[10] Por isso é que, quer a doutrina, quer a jurisprudência, vêm entendendo aquela «possibilidade razoável» de condenação como uma possibilidade mais positiva que negativa: o juiz só deve pronunciar o arguido quando, pelos elementos de prova recolhidos nos autos, forma a sua convicção no sentido de que é provável que o arguido tenha cometido o crime do que o não tenha cometido ou os indícios são os suficientes quando haja uma alta probabilidade de futura condenação do arguido, ou, pelo menos, uma probabilidade mais forte de condenação do que de absolvição. Para a pronúncia, não obstante não ser necessária a certeza da existência da infração, os factos indiciários deverão ser suficientes e bastantes, por forma que, logicamente relacionados e conjugados, consubstanciem um todo persuasivo da culpabilidade do arguido, impondo um juízo de razoável probabilidade de condenação no que respeita aos factos que lhe são imputados. A decisão de pronúncia, tal como a de acusar, não pode ser proferida de forma apressada ou precipitada, pois sujeitar alguém a um julgamento, para além do natural incómodo, pode ser causa, se não para o próprio, para outras pessoas, de desonra e de vergonha. Estando em causa decidir se a arguida A... deve ser pronunciada pelos factos constantes da acusação deduzida pelos assistentes, e consequente prática de um crime de difamação sob a forma continuada, p. e p. pelos n.º1 do art.180.º e n.º2 do art.183.º, do Código Penal e art.30.º da Lei n.º 2/99 de 13 de Janeiro (que aprovou a Lei de Imprensa), importa fazer uma breve referência a estas normas penais. O art.180.º, n.º 1 do Código Penal, estabelece que « Quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita , um facto , ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até uma tal imputação ou juízo, é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 240 dias.». A honra ou consideração, a que alude o ar.180.º do Código Penal, consiste num bem jurídico complexo que inclui quer o valor pessoal ou interior de cada indivíduo, radicado na sua dignidade, quer a própria reputação ou consideração exterior. Se a norma diz claramente que difamar mais não é que imputar a outra pessoa um facto ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra e consideração, também se vem entendendo que nem todo o facto ou juízo que envergonha e perturba ou humilha, cabem na previsão do art.180.º do Código Penal. A conduta pode ser reprovável em termos éticos, profissionais ou outros, mas não o ser em termos penais. Existem margens de tolerância conferidas pela liberdade de expressão, que compreende não só a liberdade de pensamento, como a liberdade de exteriorização de opiniões e juízos. A liberdade de expressão e informação, não se esgota na narração de factos, antes supõe o direito de exprimir e divulgar o pensamento, estendendo-se também ao “direito de opinião”, o qual se exerce mediante a exteriorização de juízos de valor.[11] É o que decorre do art.37.º, n.º1 da Constituição da República Portuguesa, quando preceitua que « todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra , pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem descriminações.». O direito à liberdade de expressão e crítica tem limites, como decorre do próprio n.º 3 do mesmo art.37.º da C.R.P, quando estabelece que « as infracções cometidas no exercício destes direitos ficam submetidas aos princípios gerais de direito criminal...». Há pois que conciliar o direito à honra e consideração com o direito à crítica, pois um e outro, pese embora sejam direitos fundamentais, não são direitos absolutos, ilimitados. Em matéria de direitos fundamentais deve atender-se ao princípio jurídico-constitucional da proporcionalidade, segundo o qual se deve procurar obter a harmonização ou concordância prática dos bens em colisão, a sua otimização, traduzida numa mútua compressão por forma a atribuir a cada um a máxima eficácia possível. Até onde vai o exercício do direito e quando passa ele a ser ilegítimo? O art.334.º do Código Civil ao estatui que «é ilegítimo o exercício de um direito quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.». Uma definição idêntica não se encontra no Código Penal. Acompanhando o acórdão da Relação de Coimbra, de 23 de Abril de 1998, diremos que « Há um sentir comum em que se reconhece que a vida em sociedade só é possível se cada um não ultrapassar certos limites na convivência com os outros . (...) . Do elenco desses limites ou normas de conduta fazem parte (regras) que estabelecem a “obrigação e o dever” de cada cidadão se comportar relativamente aos demais com um mínimo de respeito moral , cívico e social, mínimo esse de respeito que não se confunde , porém , com educação ou cortesia , pelo que os comportamentos indelicados , e mesmo boçais , não fazem parte daquele mínimo de respeito, consabido que o direito penal, neste particular , não deve nem pode proteger as pessoas face a meras impertinências.».[12] Tal interpretação está de acordo com o princípio do mínimo de intervenção do aparelho sancionatório do Estado, que subjaz ao direito penal. E deste princípio não podemos esquecer-nos na determinação dos elementos objetivos previstos no art.180.º, n.º1 do Código Penal. Para a correta determinação dos elementos objetivos do tipo importa atender ao contexto em que os factos ou juízos pretensamente atentatórios da “honra ou consideração” são produzidos. Como bem refere o Prof. José Faria Costa «o cerne da determinação dos elementos objetivos (…) tem sempre de [se] fazer pelo recurso a um horizonte de contextualização. Reside, pois, aqui, um dos elementos mais importantes para, repete-se, a correta determinação dos elementos objetivos do tipo.». [13] Nas sociedades democráticas e abertas, como aquela em que vivemos, o direito à crítica é um dos mais importantes desdobramentos da liberdade de expressão. Estabelecido que a conduta do arguido é típica cumpre averiguar seguidamente em sede de ilicitude se esta pode ser excluída, designadamente por se verificar a causa de justificação a que alude o n.º 2 do art.180.º do Código Penal. O art.180.º do Código Penal, estabelece, nomeadamente, com interesse para a decisão da presente questão: « 2 - A conduta não é punível quando: a) A imputação for feita para realizar interesses legítimos; e b) O agente provar a verdade da mesma imputação ou tiver fundamento sério para, em boa fé, a reputar verdadeira . 3. Sem prejuízo do disposto nas alíneas b), c) e d) do n.º 2 do art.31.º o disposto no número anterior não se aplica quando se tratar de imputação de facto relativo à intimidade da vida provada ou familiar. 4. A boa fé referida na alínea b) do n.º2 exclui-se quando o agente não tiver cumprido o dever de informação, que as circunstâncias do caso impunham, sobre a verdade da imputação.». Desta disposição resulta que a conduta não será punível quando a imputação for feita para realizar interesses legítimos e o agente provar a verdade da mesma imputação ou tiver fundamento sério para, em boa fé, a reputar verdadeira, sendo que a boa fé exige o cumprimento do dever de informação. A “exceptio veritatis”, como causa de exclusão da ilicitude prevista no art.180.º, n.ºs 2 e 3 do Código Penal, tem lugar através da prova dos factos imputados, não se aplicando à formulação de juízos ofensivos.[14] O «facto», para estes efeitos, é definido, de modo mais ou menos pacífico, como o acontecimento ou situação pertencente ao passado ou ao presente, suscetível de prova. Já o «juízo de valor» será toda a afirmação contendo uma apreciação sobre o carácter da vítima. Frequentemente, coexistem na mesma afirmação factos e juízos de valor; quando assim acontece, a maioria da doutrina, entendendo que os juízos de valor se ocultam por detrás de determinados factos, prevalece, para efeitos de qualificação jurídica, a componente fáctica da afirmação.[15] Nos termos do art.31.º, n.º 2 , al. b) do Código Penal , incluído na Parte Geral , não é ilícito o facto praticado no exercício de um direito. Esta causa de justificação é de suma relevância nos casos de recusa de aplicação do disposto no art.180.º, n.º2 do Código Penal por a conduta difamatória consubstanciar um juízo de valor ou quando o juízo de valor se oculta por detrás de determinados factos. Nestes casos de conflitualidade entre o direito à honra e o direito de expressão e opinião, como em todos os outros, não deve impedir-se a ponderação entre os valores em conflito, podendo a emissão do juízo considerar-se justificada nos termos gerais previstos no art.31.º, n.º 2, al. b) do Código Penal. É o que assertivamente se consigna no acórdão n.º 407/2007, do Tribunal Constitucional, quando se afirma, designadamente o seguinte, a propósito do art.31.º, n.º 2 , al. b) do Código Penal: «A consideração desta causa de justificação permitirá efetuar o necessário juízo de ponderação, com respeito pelo princípio da proporcionalidade, na resolução do conflito de direitos verificado, cumprindo-se assim as exigências constitucionais em matéria de resolução de conflitos entre a liberdade de imprensa e o direito à honra. E nessa ponderação, ao abrigo deste dispositivo, não é de excluir totalmente uma apreciação e valoração por parte do julgador, sobre a verdade dos factos que eventualmente se achem subjacentes à exteriorização daquele juízo de valor, especialmente nos casos em que a par de juízos valorativos se imputam factos que se achem em relação de causa e efeito com aqueles. Para o juiz poderá ser decisivo, no seu “julgamento” sobre a verificação da causa de justificação da alínea b), do n.º 2, do artigo 31.º, do C.P., a circunstância de os juízos valorativos ofensivos se basearem ou não em factos verídicos (vide, neste sentido, os acima citados acórdãos da Relação de Lisboa de 18-5-2005, e da Relação de Coimbra, de 22-6-2006). (…) A decisão recorrida, apesar de considerar inaplicável à formulação de juízos de valor o tipo justificador previsto no nº 2, do artº 180º, do C.P., não inviabilizou a necessidade de ponderar se esse juízo não se encontrava justificado pelo cumprimentas das finalidades da imprensa, no exercício da sua função pública, no âmbito da aplicação do artº 31º, nº 2, b), do C.P., tendo efetuado tal ponderação. (…) Daqui decorre que a interpretação normativa adotada pela decisão recorrida não viola a exigência constitucional de que os direitos à liberdade de imprensa e à honra sejam conciliados através duma operação de harmonização proporcional, uma vez que não considera que o art.180º, nº 2, do C.P., seja a única norma, no plano do direito infraconstitucional, convocável para julgar se os juízos de valor ofensivos da honra duma pessoa se possam traduzir no exercício do direito de liberdade de imprensa, tendo-se socorrido do disposto no art.31º, nº 2, b), do C.P., para efetuar essa ponderação.» O art.183.º, n.º2 do Código Penal, respeitando à «publicidade e calúnia», estabelece uma agravação das penas - com prisão até 2 anos ou multa não inferior a 120 dias - , se o crime for cometido através de meio de comunicação social. Por sua vez, o art.30.º, n.º2 da Lei n.º 2/99, de 13 de janeiro, que aprovou a Lei de Imprensa estabelece que «Sempre que a lei não cominar agravação diversa, em razão do meio de comissão, os crimes cometidos através da imprensa são punidos com as penas previstas na respetiva norma incriminatória, elevadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo.». Estando em causa um crime de abuso de liberdade de imprensa, os recorrentes chamam ainda à colação os artigos 1.º, n.º1 e 14.º, n.º2 da Lei n.º 1/99, de 1 de janeiro, que aprovou o Estatuto do Jornalista. O art.1.º, da Lei n.º 1/99, de 1 de janeiro, limita-se a definir o que é um jornalista, estabelecendo que «São considerados jornalistas aqueles que, como ocupação principal, permanente e remunerada, exercem com capacidade editorial funções de pesquisa, recolha, seleção e tratamento de factos, notícias ou opiniões, através de texto, imagem ou som, destinados a divulgação, com fins informativos, pela imprensa, por agência noticiosa, pela rádio, pela televisão ou por qualquer outro meio eletrónico de difusão.». O art.14.º, n.º 2, estabelece, por sua vez, que «São ainda deveres dos jornalistas: a) Proteger a confidencialidade das fontes de informação na medida do exigível em cada situação, tendo em conta o disposto no artigo 11.º, exceto se os tentarem usar para obter benefícios ilegítimos ou para veicular informações falsas; b) Proceder à retificação das incorreções ou imprecisões que lhes sejam imputáveis; c) Abster-se de formular acusações sem provas e respeitar a presunção de inocência; d) Abster-se de recolher declarações ou imagens que atinjam a dignidade das pessoas através da exploração da sua vulnerabilidade psicológica, emocional ou física; e) Não tratar discriminatoriamente as pessoas, designadamente em razão da ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual; f) Não recolher imagens e sons com o recurso a meios não autorizados a não ser que se verifique um estado de necessidade para a segurança das pessoas envolvidas e o interesse público o justifique; g) Não identificar, direta ou indiretamente, as vítimas de crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual, contra a honra ou contra a reserva da vida privada até à audiência de julgamento, e para além dela, se o ofendido for menor de 16 anos, bem como os menores que tiverem sido objeto de medidas tutelares sancionatórias; h) Preservar, salvo razões de incontestável interesse público, a reserva da intimidade, bem como respeitar a privacidade de acordo com a natureza do caso e a condição das pessoas; i) Identificar-se, salvo razões de manifesto interesse público, como jornalista e não encenar ou falsificar situações com o intuito de abusar da boa fé do público; j) Não utilizar ou apresentar como sua qualquer criação ou prestação alheia; l) Abster-se de participar no tratamento ou apresentação de materiais lúdicos, designadamente concursos ou passatempos, e de televotos.». Embora não invocada pelos recorrentes é da maior importância para a interpretação do tipo penal em causa a Lei n.º 2/99, de 13 de Janeiro, que aprovou a Lei de Imprensa. No seu art.1.º garante a liberdade de imprensa, abrangendo nela o direito de informar, de se informar e de ser informado, sem impedimentos nem discriminações. E no seu art.3.º estabelece que a mesma «… tem como únicos limites os que decorrem da Constituição e da lei, de forma a salvaguardar o rigor e a objetividade da informação, a garantir os direitos ao bom nome, à reserva da intimidade da vida privada, à imagem e à palavra dos cidadãos e a defender o interesse público e a ordem democrática.» Para além destas normas de direito interno, assume atualmente particular importância na interpretação dos elementos constitutivos do crime de abuso de liberdade de imprensa o art.10.º, n.º2 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH) e a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH). O art.10.º, n.º2 da CEDH estabelece, a propósito da liberdade de expressão, onde se compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber ou de transmitir informações ou ideias, que « o exercício destas liberdades, porquanto implica deveres e responsabilidades, pode ser submetido a certas formalidades, condições, restrições ou sanções, previstas na lei, que constituam providências necessárias, numa sociedade democrática, para a segurança nacional, a integridade territorial ou a segurança pública, a defesa da ordem e a prevenção do crime, a proteção da saúde ou da moral, a proteção da honra ou dos direitos de outrem, para impedir a divulgação de informações confidenciais, ou para garantir a autoridade e a imparcialidade do poder judicial.». Quanto à influência decisiva do TEDH na criação, construção e sedimentação de um acervo de valores, esclarece assertivamente o Cons. Henriques Gaspar que “Os juízes nacionais estão vinculados à CEDH e em diálogo e cooperação com o TEDH. Vinculados porque, sobretudo em sistema monista, como é o português (artigo 8º da Constituição), a CEDH, ratificada e publicada, constitui direito interno que deve, como tal, ser interpretada e aplicada, primando, nos termos constitucionais, sobre a lei interna. E vinculados também porque, ao interpretarem e aplicarem a CEDH como primeiros juízes convencionais, devem considerar as referências metodológicas e interpretativas e a jurisprudência do TEDH, enquanto instância própria de regulação convencional. (…) Os tribunais nacionais e, de entre estes, em último grau de intervenção mas no primeiro de responsabilidade, os Supremos Tribunais, são os órgãos de ajustamento do direito nacional à CEDH, tal como interpretada pelo TEDH; as decisões do TEDH têm, pois, e deve ser-lhes reconhecida, uma autoridade interpretativa”.[16] Os limites da praxis jornalística têm sido definidos de forma bastante generosa pelo TEDH. Desde que a peça não constitua um ataque pessoal gratuito, o tribunal maximiza a liberdade de expressão dos jornalistas. O direito de informar questões de interesse geral parece estar apenas condicionado pela obrigação de os jornalistas agirem de boa-fé, com base em factos exatos, de modo a fornecerem informações fiáveis e precisas no respeito pela ética jornalística. A liberdade de expressão, tem sido considerada na jurisprudência do TEDH, um dos fundamentos essenciais próprios das sociedades democráticas e uma das condições primordiais do seu progresso e do desenvolvimento de cada um, revestindo o n.º2 do art.10.º da CEDH particular importância para a imprensa. Como se menciona no acórdão do TEDH de 29 de novembro de 2005, no caso Urbino Rodrigues c. Portugal, a liberdade de expressão consagrada no n.º2 do art.10.º da CEDH “ …é válida não só para as «informações» ou «ideias» recebidas livremente ou consideradas como inofensivas ou indiferentes, mas também para as que contradizem, chocam ou ofendem. Assim, o querem o pluralismo, a tolerância e o espírito de abertura sem os quais não há sociedade democrática» (…) tendo o tribunal reconhecido que « a liberdade jornalística compreende também o possível recurso a uma determinada dose de exagero, mesmo de provocação».” [17]. Neste sentido se pronunciou o recente acórdão deste Tribunal da Relação, de 21-06-2017, assim sumariado: « I - Em consonância com a linha de rumo percorrida pela jurisprudência do TEDH, a prevalência do direito à honra e ao bom-nome, no confronto com o direito à liberdade de expressão e de informação, não se compadece com situações em que certas afirmações, embora potencialmente ofensivas, prosseguem o fim legítimo do direito à informação e não ultrapassam o que se mostra necessário ao cumprimento da função pública da imprensa. II - A verdade noticiosa não significa, porém, verdade absoluta: o critério de verdade deve ser mitigado com a obrigação que impende sobre qualquer jornalista de um esforço de objetividade e seguindo um critério de crença fundada na verdade, sendo inderrogável o interesse em dar a conhecer aos cidadãos uma matéria que, encontrando-se porventura sujeita ao segredo de justiça, releva do cometimento de irregularidades graves passíveis de configurar a prática de crimes. III - Aliás, a liberdade de expressão não pressupõe sequer um dever de verdade perante os factos, mas uma averiguação tanto séria quanto possível e, como é óbvio, salvaguardando sempre o direito de não dar a conhecer as fontes de informação, pois se a verdade de uma afirmação publicada não abonatória, relativa a uma qualquer pessoa singular ou coletiva, estivesse sujeita a uma averiguação posterior da sua veracidade como forma de aferir a sua eventual ilicitude, paralisar-se-ia a atividade jornalística, nomeadamente na área da investigação, em razão de queixas crime, acções cautelares, etc, e assim limitar-se-ia a liberdade de expressão e de informação.».[18] Em suma, conjugando todo o exposto com o direito de informação, entendemos que a liberdade de informar, no âmbito da imprensa, se justifica e se mede, pelo direito do público a ser informado de todos os acontecimentos de relevância social. A relevância social tem de ser integrada pela verdade do facto noticiado, no sentido de convicção da verdade. A notícia deve ser alicerçada em esforço de objetividade e com adequação na forma. Neste sentido, subscrevemos a perspetiva do Prof. José de Faria Costa quando defende que «… o dever de informação não tem de ser exaustivo, nem deve ser moldado ou apreciado por outras lógicas bem mais apertadas, nomeadamente a lógica e o sentido da comprovação judiciária ou sequer a metodologia da investigação histórica.».[19] Retomando o caso concreto. Tal como referem os recorrentes C... e “ L..., SA”, é do conhecimento geral que “Al Capone” foi um americano que liderou um grupo criminoso dedicado ao contrabando e venda de bebidas, entre outras atividades ilegais. Mas uma das curiosidades, que ainda hoje o tornam conhecido, é o facto de sendo do conhecimento público que ter esteve envolvido em vários crimes violentos, foi várias vezes absolvido desses crimes, acabando por ser preso e condenado em prisão por não declarar os impostos devidos. A notícia redigida pela arguida A... , com o título «“Al Capone de (...) ” detido por fuga ao fisco», publicada no Diário (...) , do dia 28 de junho de 2014 – e não no Jornal (...) , como consta da acusação particular –, refere, designadamente, que o assistente C... , foi detido, com a mulher, por inspetores da Unidade Nacional contra Terrorismo (UNCT) da Policia Judiciária, por fuga ao fisco e branqueamento de capitais e ficaram em prisão preventiva, decretada pelo juiz K (...) , do Tribunal Central de Investigação Criminal em Lisboa. A detenção e prisão preventiva do ora assistente C... , por este haver sido indiciado da prática de crimes tributário e de branqueamento de capitais, por muito que possa desagradar aos assistentes, são factos que não se mostram infirmados em lado algum, na prova produzida em inquérito ou na instrução. Como não se vislumbra da mesma prova que o assistente C... não seja conhecido na Polícia Judiciária como o “Al Capone de (...) ”. Os recorrentes referem que a arguida A... lhes imputa na notícia a “condenação por crimes de agressão, coação e extorsão”, quando não tinham sido condenados “por qualquer crime”, como resulta do certificado de registo criminal junto aos autos. A este respeito, a arguida A... , ouvida em interrogatório, a 11 de dezembro de 2015, declarou ser “…falso que tenha imputado condenações ao queixoso, uma vez que o que vem referido no artigo é que o mesmo tinha antecedentes por crimes como agressão, coação ou extorsão” e que apurou estes factos “junto de fonte da Polícia Judiciária” e que “quanto aos restantes factos, declara que mantém a confiança nas fontes que os transmitiram.”. Efetivamente, tal como refere a arguida, não consta da notícia que o arguido C... foi condenado por aqueles, ou outros crimes, mas sim que “ … o império do “ BB...”(como é conhecido na cidade) ruiu e não por nenhum dos crimes pelo qual o empresário já tinha antecedentes, como agressão, coação ou extorsão, mas por fuga ao fisco (IRC e IVA) e branqueamento de capitais. Foi a fuga ao fisco que tramou o gansgster Al Capone, nos Estados Unidos.”. Como bem se anota no douto despacho recorrido, e aqui subscrevemos, “… a referência a “antecedentes” pode significar menos que condenações transitadas em julgado e averbadas no registo criminal, respeitando a suspeitas policiais, “referenciações”, existências de queixas anteriores. A indiciação de que, pelo menos isso, terá sido veiculado por fontes da Polícia Judiciária decorre da circunstância de em notícias publicadas noutros órgãos de comunicação social se referir que “os suspeitos”, sendo um deles o assistente C... , “estavam já referenciados pelas autoridades, sucedendo-se inquéritos por suspeitas de ameaça, coação e agressão” – cfr. fls. 533; ou por ter este assistente “a reputação manchada por muitas e variadas suspeitas, nomeadamente por, segundo o Ministério Público (MP), uso de violência” – cfr. fls. 534; ou que “há vários anos que se sucediam inquéritos por suspeita de ameaça, coação e agressão” – cfr. fls. 536.”. Do exposto percebe-se que para a Polícia Judiciária - que a arguida refere ser a fonte da informação - o epiteto de “Al Capone de (...) ”, que atribuíram ao ora assistente C... , assentaria no facto deste, tal como o celebre “Al Capone”, ter sido detido por crimes de fuga ao fisco e não por outros crimes de que seria suspeito, nomeadamente em inquéritos que chegaram a correr contra ele. Os recorrentes não referem, no recurso, que anteriormente à data da detenção do ora assistente C... nunca correu contra ele qualquer inquérito por suspeitas de crimes, nem tenha sido visado em processo criminal, e consta mesmo do acórdão proferido em julho de 2016, no proc. comum coletivo n.º 231/12.2TELSB, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Instância Central Criminal, 1.ª Secção, que o ora assistente C... foi já condenado em 9 de julho de 2010, nos autos de processo comum singular n.º 91/98.6JACBR, que correu termos pelo 1.º Juízo do TJ de Leiria, pela prática em 29/09/2009 , de um crime de detenção de arma proibida, p. e p., pelo art.86.º, n.º1 alíneas c) e d) da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, na pena de 130 dias de multa à taxa diária de € 7,00. Interpretada a notícia nestes termos, mesmo na parte dos antecedentes criminais imputados ao arguido C... , a notícia não se mostra sequer incorreta. Referem os recorrentes que a arguida A... violou deveres jornalísticos, nomeadamente os estabelecidos nos artigos 1.º, n.º1 e 14.º, n.º 2 da Leio n.º 1/99, de 1 de janeiro, resultando deste último preceito “ que o jornalista não deve cingir-se a uma única fonte de informação”, e deve ainda procurar ouvir aqueles que têm interesses atendíveis nos casos relatados, o que não terá acontecido, pois foi possível aquilatar dos depoimentos das testemunhas B... e E... , que a arguida consultou uma única fonte, realizando uma chamada telefónica com alguém que “representava” o Ministério Público ou a Polícia Judiciária. Salvo o devido respeito, não consta dos artigos 1.º, n.º1 e 14.º, n.º 2 da Leio n.º 1/99, de 1 de janeiro, que o jornalista viola os deveres se publicar uma notícia na imprensa atendendo a uma única fonte de informação. Uma fonte de informação considerada credível pode perfeitamente fundamentar uma notícia. No caso, a arguida A... refere, no Requerimento de abertura da instrução, que teve um primeiro contato com a matéria narrada após a PJ ter feito circular um comunicado para os diversos órgãos de informação do País, onde descrevia genericamente a operação em curso, que haviam sido detidas as pessoas em causa e o crimes em investigação. Após ler o comunicado entrou em contacto telefónico com fonte interna para obter mais pormenores. Estas afirmações da arguida estão em conformidade com os depoimentos das testemunhas B... e E... . Assim a testemunha B... declarou, nomeadamente, que provavelmente houve primeiro um comunicado da Polícia Judiciária e que estava presente quando a arguida telefonou para a PJ. Lembra-se da notícia em causa por a Polícia Judiciária ter falado em Al Capone. A arguida falou com a Polícia Judiciária dos antecedentes criminais da pessoa que estava em causa, mas não consegue precisar a resposta que foi dada à arguida. A testemunha E... referiu, por sua vez, designadamente, que daquilo que se recorda, a arguida A... , depois de ter conhecimento publicamente do caso, falou com pessoas da polícia e não sabe se do Ministério Público. E normalmente é assim. Fala-se com quem domina a parte da investigação para tentar obter alguma informação sobre o que é que se está a passar. Foi o que ela fez. É o que é feito sempre. Até porque na altura, o ora assistente C... tinha sido detido e era praticamente ou completamente impossível falar com ele. Do exposto, resulta estar fortemente indiciado dos autos que a notícia publicada pela arguida A... teve como fonte a Polícia Judiciária, a qual previamente deu conhecimento aos órgãos de informação a nível nacional da detenção do ora assistente C... e mulher. Estando este detido no âmbito da operação que decorria, bem como a sua mulher, e assim impossibilitados de dar entrevistas à jornalista A... , não se vislumbra perante quem, além da PJ, poderia a arguida confirmar a notícia que publicou, pelo que não se nos afigura terem sido violados por aquela os deveres profissionais aludidos nos artigos 1.º, n.º1 e 14.º, n.º 2 da Leio n.º 1/99, de 1 de janeiro. A condenação dos ora assistentes no proc. comum coletivo n.º 231/12.2TELSB, relativamente aos crimes de natureza fiscal, pese embora não tenha transitado em julgado à data da recurso, continuando deste modo a beneficiar princípio da presunção da inocência, está longe de favorecer as pretensões dos assistentes, pois tal condenação reforça a existência de fundamento sério para, em boa fé, reputar como verdadeiros os factos imputados aos mesmos. A informação da fonte da arguida tinha efetivamente base fática suficiente, pois posteriormente à publicação da notícia o arguido e ora assistente C... foi condenado por sete crimes de fraude fiscal, quatro deles qualificados, um crime de branqueamento, um crime de abuso de confiança e três crimes de falsificação de documento, para além de contraordenações, e a ora assistente L... , SA, foi condenada por cinco crimes de fraude fiscal, além de inúmeras contraordenações. Ao contrário do defendido pelos recorrentes, entendemos, tal como o Ex.mo JIC que a notícia publicada visou realizar interesses legítimos e públicos. A existência e o funcionamento do Estado constitui assunto de todos os membros da sociedade. Estando em causa, aquando da detenção do arguido C... , uma operação de combate ao crime fiscal, por fuga ao pagamento de elevado montante de impostos e branqueamento de capitais, a notícia desta factualidade, tem manifesta relevância social, especialmente quando é referido que a L... , SA, - de que é “sócio-gerente fundador” o ora assistente C... -, tem negócios com o Estado, designadamente no Hospital de Leiria. O público tem direito a ser informado de que a L... , SA, e o seu “sócio-gerente fundador” o ora assistente C... está a ser investigado e foi detido e preso preventivamente por haver fortes indícios de que foge ao pagamento de elevados montantes de impostos, que são branqueados na compra de casas, carros de luxo e barcos. Nas circunstâncias em são imputados os factos aos ora assistentes pela Polícia Judiciária, a que acresce a situação de prisão preventiva em que fica o ora assistente C... , entendemos ser atípica a referência na notícia de que este “criou um império e uma fachada respeitável com a sua empresa de segurança, a mais reputada da região centro.”. Os recorrentes referem que a arguida A... ao apor o título “ Al Capone de (...) detido por fuga ao fisco” teve a intenção de denegrir a consideração do assistente C... e de vexar gratuitamente os assistentes, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal. Tal como se menciona na decisão recorrida, não se vê que interesse teria a arguida em ofender a honra dos ora assistentes quando nenhuma relação tem com os mesmos e a colocação deste título tem uma razão objetiva, assente em factos referidos pela Polícia Judiciária. Perante o exposto o Tribunal da Relação entende, tal como o decidiu o Ex.mo JIC na decisão recorrida, que existia uma base factual suficiente para as afirmações constantes da notícia elaborada pela arguida , existindo interesse legítimo de informar e fundamento desta para, em boa fé, reputar as mesmas como verdadeiras. Uma decisão diversa, que pronunciasse a arguida por um crime de difamação agravada –continuado ou não -, nos termos conjugados dos artigos 180.º, n.ºs 1, 4 e 5 e 183.º, n.º 2 do Código Penal, violaria claramente a interpretação do art.10º da CEDH que vem sendo levada a cabo pelo TEDH, correspondendo a uma conceção inaceitável sobre a liberdade de imprensa. Por tudo o exposto, em função das provas trazidas aos autos e da insuficiência de indícios, bem demonstrada na decisão recorrida, não é de considerar como razoavelmente provável a futura condenação da arguida/recorrida em sede de julgamento penal pelos factos que lhe eram imputados na acusação particular, que o Ministério Público não acompanhou. Pelo contrário, sendo de admitir como muito mais provável a absolvição penal do que a condenação da arguida/recorrida A... pela prática de um crime de difamação, impunha-se o não recebimento da acusação dos assistentes e a prolação de despacho de não pronúncia relativamente à arguida. Deste modo, não se reconhecendo a violação pelo Ex.mo Juiz de Instrução das normas mencionadas pelos assistentes nas conclusões da motivação do seu recurso, mais não resta que confirmar o douto despacho recorrido e negar provimento ao recurso.
Decisão Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os juízes deste Tribunal da Relação em negar provimento ao recurso interposto pelos assistentes C... e “ L... -Segurança Privada, Formação e Prestação de Serviços, S.A.” e, em consequência, manter o douto despacho de não pronúncia da arguida. Custas pelos recorrentes, fixando em 4 UCs a taxa de justiça, a cargo de cada um deles. * (Certifica-se que o acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários, nos termos do art.94.º, n.º 2 do C.P.P.). * Coimbra, 28-06-2017
(Orlando Gonçalves – relator)
(Inácio Monteiro – adjunto)
[1] Processo n.º 2278/11.5TACBR-A.C1, Relator Desembargador Alberto Mira, disponível na internet, tal como todos os demais citados sem indicação de diversa proveniência, em www.dgsi.pt. No mesmo sentido, além dos mencionados na fundamentação dos Acórdãos aqui escolhidos, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 28/05/2013, Processo n.º 974/11.6TASTR.E1, Relator Desembargador Fernando Pina. [2] Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 12/05/2010 e 19/10/2010, Processos n.º 88/08.6TATBU.C1 e 442/07.0TAOBR.C1, respectivamente, ambos relatados pelo Desembargador Jorge Dias. [3] Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 05/04/2016, Processo n.º 7106/14.7TDLSB.L1-5, Relator Desembargador Jorge Gonçalves e do Tribunal da Relação de Évora de 24/09/2013, Processo n.º 6/11.4TAOLH.E1, Relator Desembargador João Amaro. [7] Cfr. “Comentário ao Código de Processo Penal Português,” vol. IV, pág. 441. [9] Cfr. “Curso de Processo Penal” , Editorial Verbo, 1994, vol. III , páginas 179 a 182 . [11] Neste sentido, os Profs. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in “Constituição da República Portuguesa anotada”, vol. I, pág. 572, da 4ª ed., da Coimbra Editora, o Prof. Costa Andrade, in “A liberdade de imprensa e a inviolabilidade pessoal. Uma perspectiva jurídico-criminal”, pág. 270, ed. 1996, da Almedina”, e o hoje Cons. Oliveira Mendes, in “ O direito à honra e a sua tutela penal”, pág. 63, nota 94). [13] "Comentário Conimbricense ao Código Penal" , Tomo I , pág. 612. No mesmo sentido, ainda , cfr. , entre outros , o Ac. Rel. de Coimbra , de 5-6-2002 , proc. n.º 1480/02 , in WWW.dgsi.pt.. [14] – Cfr. Desembargador António Oliveira Mendes , “ O direito à honra e a sua tutela Penal”, Almedina , 1996, páginas 62 a 64 , e Cons. Leal-Henriques e Simas Santos, “ Código Penal” , 2º Vol., 2ª edição, Rei dos Livros, pág.319 , e acórdão da Relação de Coimbra, de 23 de Abril de 1998, CJ, ano XXIII, 2º, pág. 64. [18] Proc. n.º 2278/11.5TACBR.C1, 5.ª Secção, in www.dgsi.pt |