Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | JORGE JACOB | ||
Descritores: | PENA DE MULTA PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES PRAZO | ||
Data do Acordão: | 11/27/2019 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | LEIRIA (JUÍZO LOCAL CRIMINAL DE ALCOBAÇA) | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | RECURSO CRIMINAL | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ART. 47.º, N.º 3, DO CP; ART. 489.º, N.º 2, DO CPP | ||
Sumário: | Exceptuado o caso de justo impedimento, o pagamento da multa em prestações tem de ser requerido, pelo condenado, no prazo (peremptório) de 15 dias, fixado no artigo 489.º, n.º 2, do CPP. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Coimbra:
I – RELATÓRIO:
Nos autos de processo comum supra referenciados, que correram termos pelo Juízo Local Criminal de Alcobaça e originaram o presente recurso em separado, após julgamento com documentação da prova produzida em audiência foi proferida sentença, em 20 de Dezembro de 2018, decidindo nos seguintes termos: (…) Pelo exposto e nos termos das disposições legais citadas, decido:
Por requerimento de 18 de Março de 2019 veio o arguido requerer o pagamento da multa em 10 prestações mensais e sucessivas de € 65,00 cada uma, tendo o M.P. promovido o indeferimento do requerido por extemporâneo, promovendo ainda a conversão da multa em prisão subsidiária, nos termos do art. 49º, nº 1, do Código Penal, por falta de bens suficientes e desembaraçados para a cobrança coerciva da pena de multa.
Foi então proferido o despacho agora em recurso, que tem o seguinte teor: Veio o arguido requerer o pagamento da multa em prestações. O Digno Magistrado do Ministério Público pugnou pelo indeferimento do requerido, por extemporâneo. Cumpre apreciar. Dispõe o artigo 49.º, n.º1 do Código Penal que “se a multa, que não tenha sido substituída por trabalho, não for paga voluntária ou coercivamente, é cumprida prisão subsidiária pelo tempo correspondente reduzido a dois terços, ainda que o crime não fosse punível com prisão”. Atento o disposto no artigo 489.º, n.º1 do Código de Processo Penal, conclui-se que no caso em apreço, o arguido não está já em tempo de o pagamento da multa em prestações, uma vez que, por aplicação conjugada ainda do disposto nos artigos 47.º, n.º3, 48.º, n.º2 e no n.º1 do artigo 49.º do Código Penal e artigo 489.º, n.º1 do Código de Processo Penal, decorrido o prazo para pagamento voluntário, e não sendo possível a cobrança coerciva, nos termos do artigo 491.º, n.º1 deste diploma legal, pode ser determinado o cumprimento da prisão subsidiária. Tem vindo a ser questão debatida na jurisprudência a natureza do prazo em causa. Defende o Digno Magistrado do Ministério público a natureza perentória de tal prazo, citando em abono da sua posição diversos acórdãos de tribunais superiores. Como temos vindo a fazer consignar em diversos processos, discordamos de tal entendimento, afigurando-se-nos, sem quebra de vénia por distinta opinião, que não estamos perante um prazo perentório. Como se escreveu no acórdão do Tribunal da relação do Porto (de 27/06/2018, proferido no processo n.º 273/14.1TAPRD-A.P1) que tomamos a liberdade de reproduzir por aderirmos integralmente aos fundamentos do mesmo “Afigura-se-nos que este entendimento não é consentâneo com o espírito da lei, sendo que também não é imposto pela sua letra. É manifesta a preferência do Código Penal por penas não privativas da liberdade com recurso à pena de prisão apenas como ultima ratio, preferência que as sucessivas reformas nunca deixaram de reforçar (veja-se, desde logo, o seu artigo 70.º). Essa preferência será ainda mais justificada quando está em causa a reação perante a falta de pagamento de uma pena de multa, normalmente relativa à prática de um crime de menor gravidade e onde serão menores as exigências de prevenção geral, e sendo essa falta de pagamento normalmente motivada por carências económicas e financeiras. Reflexo dessa preferência nestes casos são as várias possibilidades de evitar o cumprimento da pena de prisão subsidiária correspondente à pena de multa: pagamento diferido ou em prestações (artigo 47.º, n.º 3), pagamento a todo o tempo (artigo 49.º, n.º 2), substituição da multa por prestação de trabalho a favor da comunidade (artigo 48.º), suspensão da execução da prisão subsidiária (artigo 49.º, n.º 3). Assim sendo, contrasta claramente com esse espírito a tese que atribui natureza perentória ao prazo a que se reportam os artigos 489.º.n.º 2, e 490.º, n.º 1, do Código de Processo Penal. Essa tese faz prevalecer razões de ordem formal sobre um princípio que pode considerar-se trave mestra de todo o edifício do Código Penal. E não pode dizer-se que se trate de uma tese imposta pela letra da lei. Desta não deriva necessariamente que estejamos perante um prazo perentório. Há que salientar que o prazo de pagamento da multa referido no artigo 489.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, e para que remete o artigo 490.º, n.º 1, do mesmo Código (este relativo ao prazo de apresentação do requerimento de substituição da multa por prestação de trabalho a favor da comunidade) também não é perentório. Na verdade, o condenado pode pagar a multa a todo o tempo para evitar o cumprimento da prisão subsidiária (artigo 49.º, n.º 2, do Código Penal). Não seria coerente com este regime considerar que é perentório o prazo para requerer a substituição da multa por prestação de trabalho a favor da comunidade. No sentido de que o prazo a que se reportam os artigos 489.º.n.º 2, e 490.º, n.º 1, do Código de Processo Penal não tem natureza perentória e que o seu decurso não preclude a possibilidade de vir a ser requerida mais tarde a substituição da multa por prestação de trabalho a favor da comunidade, pronunciam-se, entre outros, os acórdãos desta Relação de 5 de julho de 2006, proc. n.º 0612771, relatado por Borges Martins; de 30 de setembro de 2009, proc. n.º 344/06.8GAVLC.P1, relatado por Olga Maurício; de 15 de junho de 2011, proc. n.º 422/08.9PIVNG-A.P1, relatado por Olga Maurício; e de 7 de julho de 2016, proc. n.º 480/13.4GPRT-A.P1, relatado por Luísa Arantes; e os acórdãos da Relação de Évora de 25 de maio de 2011, proc. n.º 2239/09.4PAPTM.E1, relatado por João Gomes de Sousa; de 12 de julho de 2012, proc. n.º 751/09.4PPTR.E1, relatado por Clemente Lima; e de 8 de janeiro de 2013, proc. n.º 179/07.0GBPSR-A.P1, relatado por João Amaro; todos acessíveis em www.dgsi.pt. (…)”. Neste mesmo sentido o acórdão do tribunal da relação de Évora, de proferido no processo n.º 99/02.5PACTX-A.E1, disponível em dgsi.pt, salienta “no caso destes autos, o arguido apresentou requerimento para pagar a multa em prestações quando já tinha passado o referido prazo de 15 dias (mas, ao que consta destes autos de recurso independente em separado, antes de ser instaurada execução, ou de tomada qualquer outra medida com vista ao cumprimento coercivo da pena). Ora, a nosso ver, e se é certo que o pedido para pagamento da multa em prestações deve ser feito, em princípio, até 15 dias depois da notificação da conta (com a liquidação da multa e das custas), não é menos certo, por outro lado, ponderando os interesses em jogo e visto o espírito da lei, que deve ser admitido requerimento nesse sentido, pelo menos antes da fase de cobrança coerciva (como acontece no caso em apreço, onde o requerimento para pagamento em prestações foi apresentado antes da instauração da execução). Ou seja, o decurso do prazo de 15 dias após a notificação para proceder ao pagamento da multa não preclude, só por si e sem mais, a possibilidade de requerer o pagamento dessa mesma multa em prestações. Em primeiro lugar, atendendo ao espírito que deve iluminar toda a execução da pena de multa (e a nossa lei opta, por princípio, e em todas as possíveis situações, por aplicação de medidas não detentivas), deve dar-se primazia à vontade manifestada pelo arguido de cumprir (ainda que fora do aludido prazo de 15 dias) a pena de multa em que foi condenado. Em segundo lugar, não é rigoroso afirmar-se, por forma literal, que a pena de multa tem que ser, necessariamente, cumprida ou em 15 dias, após a notificação para o efeito, quando o pagamento for integral, ou no prazo inerente às prestações fixadas. Aliás, e bem vistas as coisas, o prazo de cumprimento da pena de multa não é, afinal, nem de 15 dias, nem é, sequer, o equivalente ao tempo que abrange o vencimento das prestações fixadas. É o que resulta, claramente, do disposto no artigo 49º do Código Penal, onde, sob a epígrafe “conversão da multa não paga em prisão subsidiária”, se estatui:“1. Se a multa, que não tenha sido substituída por trabalho, não for paga voluntária ou coercivamente, é cumprida prisão subsidiária pelo tempo correspondente reduzido a dois terços, ainda que o crime não fosse punível com prisão (…)”.2. O condenado pode a todo o tempo evitar, total ou parcialmente, a execução da prisão subsidiária, pagando, no todo ou em parte, a multa a que foi condenado.3. (…).4. O disposto nos nºs 1 e 2 é correspondentemente aplicável ao caso em que o condenado culposamente não cumpra os dias de trabalho pelos quais, a seu pedido, a multa foi substituída (…)”. Lido e analisado este preceito legal, constata-se que o arguido está sempre em tempo de pagar a multa em que foi condenado, ainda que já tenha entrado em incumprimento e mesmo quando esse incumprimento tenha sido declarado. Por último, e em caso de incumprimento da pena de multa, segue-se, diz a lei, a sua “execução patrimonial” - artigo 491º do C. P. Penal, o qual, sob a epígrafe “não pagamento da multa”, preceitua:“1. Findo o prazo de pagamento da multa ou de alguma das suas prestações sem que o pagamento esteja efetuado, procede-se à execução patrimonial.2. Tendo o condenado bens suficientes e desembaraçados de que o tribunal tenha conhecimento ou que ele indique no prazo de pagamento, o Ministério Público promove logo a execução, que segue os termos da execução por custas.3. A decisão sobre a suspensão da execução da prisão subsidiária é precedida de parecer do Ministério Público, quando este não tenha sido o requerente”. Por conseguinte, quando a lei fala em “execução patrimonial” refere-se a processo executivo, que se inicia se forem conhecidos bens ao condenado, suficientes e desembaraçados. Ora, e ao que consta destes autos de recurso independente em separado, não foi ainda instaurada execução, pelo que, a nosso ver, o pedido efetuado pelo arguido, de pagamento da multa em prestações, é tempestivo (a execução patrimonial ainda não se iniciou). (…)” Adotamos este entendimento de que o prazo em causa não é perentório. Na verdade, num domínio tão sensível, considerando a importância do valor em causa - a liberdade pessoal - e atenta a exiguidade do prazo estabelecido, sempre que tal se justifique, deve haver, em nosso entendimento e sem quebra de vénia por distinta opinião, alguma maleabilidade nesta matéria, desde que respeitados 2 (dois) limites inultrapassáveis: por um lado, os prazos máximos para pagamento previstos no artigo 47.º, n.º 3 do Código Penal, por outro a conversão da multa em prisão subsidiária, nos termos do citado artigo 49.º, n.º 1 do mesmo diploma. Nenhum dos dois se mostra, por ora, ultrapassado. Na verdade, o arguido requereu o pagamento faseado apenas 17 dias depois de findo o prazo para pagamento voluntário da pena de multa, sem que tenha sido instaurada execução para cobrança coerciva da pena. Assim e uma vez que, in casu, dos autos resulta ser excessivamente oneroso o pagamento integral imediato da pena em que foi condenado o arguido entende-se ser de deferir o pagamento faseado da pena de multa. Não obstante, como salienta o Professor Figueiredo Dias, “é indispensável (…), que a aplicação concreta da pena de multa não represente uma forma disfarçada de absolvição ou o Ersatz de uma dispensa ou isenção de pena que não se tem coragem de proferir. (…) Impõe-se, pelo contrário, que a aplicação da pena de multa represente em cada caso, uma censura suficiente do facto e, simultaneamente, uma garantia para a comunidade da validade e vigência da norma violada” (in Direito Penal Português – As Consequências · Jurídicas do Crime, Lisboa, 1993, p. 119). Assim, entendemos justo e adequado o deferimento parcial do requerido, autorizando-se o pagamento da pena de multa em que foi condenado o arguido em 7 prestações, iguais, mensais e sucessivas, vencendo-se a primeira até ao dia 8 de maio de 2019 e as restantes no mesmo dia dos meses subsequentes. Notifique, com expressa advertência de que o não pagamento de uma das prestações implica o vencimento das restantes.
Recorre o Ministério Público, inconformado com o decidido, retirando da motivação do recurso as seguintes conclusões: 1. O arguido foi notificado para proceder ao pagamento da pena de multa via postal simples com prova de depósito (cf. fls. 347), tendo o depósito postal ocorrido em 12.02.2019 (cf. fls. 351); tendo a notificação ocorrido em 17.02.2019, o prazo de 15 dias previsto no artigo 489.º/2 do Código de Processo Penal para requerer o pagamento da pena em prestações terminou em 04.03.2019. 2. Somente em 18.03.2019 o condenado requereu o pagamento da pena de multa em prestações, sem invocação de justo impedimento (cf. fls. 370-372), já depois de instaurada execução para cobrança coerciva da respectiva pena. 3. O despacho recorrido interpretou o normativo previsto no n.º 2 do artigo 489.º do Código de Processo Penal como estabelecendo um prazo meramente ordenador para o arguido requerer o pagamento da pena de multa em prestações. 4. Na perspectiva do Ministério Público, o referido normativo deverá ser interpretado como estabelecendo um prazo peremptório para a prática do acto (requerimento para pagamento da pena de multa em prestações),em conformidade com a classificação de prazos previstos no artigo 139.º do Código do Processo Civil e em coerência com o regime processual penal aplicável à execução da pena de multa. 5. Tem sido essa, aliás, a jurisprudência do Tribunal da Relação de Coimbra nos últimos anos, sendo o acórdão mais recente o proferido em 30.01.2019 (VASQUES OSÓRIO), proferido no processo n.º 239/17.0GCACB-A.C1 [«I – É peremptório o prazo de quinze dias previsto no art. 489.º, n.º 2, do CPP, para o pagamento da pena de multa. II – O pedido do condenado do pagamento da multa em prestações deve ser formulado no mesmo prazo; III – Devendo a multa ser paga no prazo de quinze dias a contar da notificação prevista no n.º 2 do art. 489.º do CPP, sendo o pagamento em prestações uma modalidade do pagamento – que, sendo deferida, alonga, lógica e necessariamente, aquele prazo – temos por certo que, de acordo com o desenho legal, o pagamento em prestações terá de ser requerido no prazo do pagamento voluntário da multa.»], que correu termos neste mesmo Juízo Local Criminal de Alcobaça. 6. Consequentemente, ao deferir o pagamento da pena de multa em prestações, o despacho recorrido afigura-se ferido de ilegalidade e, nessa medida, pugna-se pela respectiva revogação e substituição por outro que indefira a pretensão formulada pelo condenado.
Não houve resposta.
Nesta instância, a Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido do provimento do recurso, pronunciando-se no entanto pela suspensão da execução da pena de prisão subsidiária, subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro.
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre conhecer do recurso, cujo âmbito, segundo jurisprudência constante, se afere e delimita pelas conclusões formuladas na respectiva motivação, sem prejuízo do que deva ser oficiosamente conhecido. No caso vertente, atentas as conclusões formuladas pelo recorrente, há que conhecer do seguinte: - O pagamento em prestações da multa criminal deve ser requerido no prazo de 15 dias previsto no art. 498º, nº 2, do CPP? - Tendo esse prazo natureza peremptória?
II – FUNDAMENTAÇÃO: Consideram-se provados os seguintes factos, relevantes para o thema decidendum:
Apreciando e decidindo: A questão que fundamentalmente se discute prende-se com a natureza do prazo previsto no art. 498º, nº 2, do Código de Processo Penal, nomeadamente, no que concerne ao requerimento para pagamento da multa em prestações. O tema conta já com diversas decisões desta Relação de Coimbra, estratificadas em torno da posição que considera que o requerimento para pagamento em prestações da multa criminal deve ser formulado no prazo de 15 dias previsto no art. 498º, nº 2, do CPP, atribuindo natureza peremptória àquele prazo. Neste sentido pronunciaram-se, entre outros, os Acórdãos de 18/09/2013 (Recursos n.ºs 368/11.3GBLSA-A.C1 e 145/11.1TALSA-A.C1); de 22/01/2014 (Recurso nº 247/08.1GTLRA-A.C1); de 08/05/2018 (Recurso nº 154/12.3GBALD.C1); de 30/01/2019 (Recurso n.º nº 239/17.0GCACB-A.C1); e de 26 de Junho de 2019 (Proc. nº 233/17.0GEACB-A.C1), este último por nós relatado, sem que tenham sobrevindo argumentos que justifiquem uma mudança de posição. Recuperando a argumentação exposta naquele último acórdão, diremos que a execução das decisões penais condenatórias encontra regulamentação no Livro X do Código de Processo Penal, sendo a execução das penas não privativas da liberdade regulada no respectivo Título III. O Capítulo I deste título, sob a epígrafe “Da execução da pena de multa”, disciplina, nos artigos 489º a 491º-A, a execução da pena de multa, começando desde logo por estatuir no art.º 489º sobre o prazo de pagamento nos seguintes termos: 1 – A multa é paga após o trânsito em julgado da decisão que a impôs e pelo quantitativo nesta fixado, não podendo ser acrescida de quaisquer adicionais. 2 – O prazo de pagamento é de 15 dias a contar da notificação para o efeito. 3 – O disposto no número anterior não se aplica no caso de o pagamento da multa ter sido diferido ou autorizado pelo sistema de prestações. É certo que o alcance e sentido destes normativos hão-de determinar-se não apenas em função da sua análise semântica (que se limita ao estudo do significado das palavras, frases e textos), mas verdadeiramente através da hermenêutica jurídica, que, ainda que daquela não prescinda, constitui algo de mais amplo, afirmando-se como ciência de interpretação balizada pelo discurso jurídico. Resultando garantidamente da análise semântica do texto legal que o pagamento da multa exige o trânsito em julgado da decisão e deve ter lugar no prazo de 15 dias após notificação para o efeito, importa ir mais longe e averiguar se a hermenêutica jurídica deve levar o intérprete a considerar um alcance mais amplo ou, porventura, distinto do literalmente vertido, no que concerne à interpretação do nº 2 acima transcrito. Os princípios gerais em matéria de interpretação jurídica, comuns a todos os ramos do direito, estão essencialmente vertidos nos art.ºs 9º a 13º do Código Civil, apontando para uma interpretação que não se cinja à letra da lei, procurando reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada. Não pode, no entanto, ser considerado o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, devendo o intérprete presumir, na fixação do sentido e alcance da lei, que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados. Partindo destes pressupostos, o primeiro aspecto que prende a atenção do intérprete é a circunstância de estarmos perante uma norma que estipula um prazo e determina o facto a partir do qual esse mesmo prazo se conta: o prazo de pagamento da multa é, nos termos do art. 489º, nº 2, do CPP, de 15 dias após a notificação para o efeito. Enquanto limite temporal para a válida prática de um acto processual – o pagamento de multa criminal – este prazo obedece ao estatuído relativamente a prazos e prática de actos no diploma que o fixa, isto é, no Código de Processo Penal. Consequentemente, não havendo norma que disponha de forma diversa para a situação a que nos reportamos, vale a regra expressa no art. 107º, nº 2, do CPP, que apenas admite a prática de actos fora de prazo desde que se prove justo impedimento e observados que sejam os requisitos previstos na lei, máxime, a prévia audição dos demais sujeitos processuais a quem o caso respeitar. Assim o exige, numa primeira aproximação, uma interpretação de acordo com a harmonia do sistema. A interpretação sistemática reforça este entendimento. Desde logo, o próprio nº 3 do art. 489º, ao estatuir que o disposto no número anterior não se aplica no caso de o pagamento da multa ter sido diferido ou autorizado pelo sistema de prestações, acentua o carácter necessariamente anterior da decisão que afasta a vinculação ao prazo de 15 dias. O elemento literal, que é aqui relevantíssimo, reporta-se ao pretérito (…ter sido diferido ou autorizado…), apontando para decisão anterior ao termo do prazo previsto no nº 2. As consequências da falta de pagamento da multa no prazo assinalado estão fixadas no art. 491º. O nº 1 deste artigo estabelece que findo o prazo de pagamento da multa ou de alguma das suas prestações sem que o pagamento esteja efectuado, procede-se à execução patrimonial. Os termos da execução patrimonial são os indicados no nº 2. O nº 3, por seu turno, estipula sobre a decisão relativa à suspensão da execução da prisão subsidiária. Nada justifica que estes normativos sejam considerados letra morta, havendo que presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados. Nessa medida, decorrido o prazo de pagamento da multa sem que esta se mostre paga ou sem que tenha sido requerido o pagamento em prestações, há que dar sequência ao legalmente estabelecido, procedendo-se à execução patrimonial. Não sendo possível o cumprimento coercivo, seguir-se-á o cumprimento da prisão subsidiária, sem prejuízo de o condenado a ela poder obstar, pagando a todo o tempo a multa, ou demonstrar que a razão do não pagamento não lhe é imputável, podendo neste caso a execução ser suspensa desde que subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro, como se estipula no art. 49º do Código Penal. Esta sequência de procedimentos tem em vista evitar que o condenado relapso ou verdadeiramente impossibilitado de cumprir seja de imediato confrontado com o cumprimento de uma pena curta de prisão, que lhe não foi imposta em primeira linha por o julgador a não ter considerado como imperativa para satisfação das finalidades subjacentes à aplicação da pena. Dito de outro modo, o legislador previu e solucionou as situações de falta de pagamento da multa que não justificam o impreterível cumprimento da pena de prisão subsidiária. Não ocorre, pois, qualquer lacuna no sistema que o juiz deva solucionar através de uma solução não expressamente prevista na lei. Ir mais longe na protecção da liberdade do condenado em pena de multa do que a lei já foi na regulamentação da execução desta pena, mormente no que concerne ao pagamento da multa em prestações, não só não encontra suporte numa interpretação histórico-actualista das normas envolvidas como implica desconsideração de normas expressas e resulta, em termos práticos, numa degradação da dignidade penal da pena pecuniária, permitindo um inadmissível protelamento do pagamento da multa, quase deixando o momento do cumprimento no arbítrio do condenado, podendo motivar condutas evasivas relativamente ao cumprimento da pena e gerar sentimentos de impunidade. Acresce, por fim, que a perspectiva histórico-actualista aponta para o reforço da dignidade sancionatória da pena de multa, reconhecidamente pretendida tanto pela doutrina como pela jurisprudência, finalidade incompatível com uma interpretação que conduza ao esboroar do carácter sancionatório desta pena na fase de execução. A aceitação da tese sufragada no despacho recorrido conduziria a que a pena de multa perdesse toda a sua eficácia sancionatória, deixando de servir à afirmação das razões de prevenção que necessariamente condicionam a opção por esta pena. Esse despacho é ilegal e por essa razão se revoga. Relativamente à solução propugnada pela Exmª Procuradora-Geral Adjunta, no sentido de se determinar a suspensão da pena de prisão subsidiária, apenas em primeira instância poderá ser equacionada, visto exceder o objecto do recurso e constituir apenas uma das soluções possíveis, dependente de demonstração pelo condenado de que a razão do não pagamento não lhe é imputável.
* * *
III – DISPOSITIVO:
Nos termos apontados, acordam nesta Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra em conceder provimento ao recurso, revogando consequentemente o despacho recorrido, devendo o tribunal a quo proferir despacho que, considerando o requerimento de pagamento da multa em prestações extemporâneo, dê sequência à execução da pena nos termos previstos no art. 49º do Código Penal. Sem tributação.
* Coimbra, 27 de Novembro de 2019 (texto processado pelo relator, revisto por ambos os signatários e assinado electronicamente)
Jorge Miranda Jacob (relator)
Maria Pilar Oliveira (adjunta)
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