Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | PAULA MARIA ROBERTO | ||
Descritores: | CASO JULGADO PRESSUPOSTOS | ||
Data do Acordão: | 10/06/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | JUÍZO DO TRABALHO DA FIGUEIRA DA FOZ DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA | ||
Texto Integral: | N | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 580.º E 581.º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL | ||
Sumário: | I – Verifica-se a exceção de caso julgado quando há repetição de uma causa, ou seja, quando é proposta uma ação idêntica a outra já decidida por sentença que não admite recurso ordinário; a causa repete-se quando se propõe ação idêntica quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir. Haverá identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas, haverá identidade de pedido se o efeito jurídico pretendido for o mesmo, e haverá identidade de causas de pedir se a pretensão deduzida em ambas as ações proceder do mesmo facto jurídico. II – Se numa primeira ação estava em causa o cálculo de créditos laborais resultantes da cessação do contrato de trabalho e na segunda pretende-se o reconhecimento da existência de uma relação laboral entre o Autor e a 1ª Ré, a declaração de nulidade de documentos intitulados de contrato de trabalho assinados pelo Autor e pelas demais Rés e o pagamento de diferenças salariais por parte daquela Ré, a questão objeto daquela ação e desta não é a mesma. III – Não se pretendendo obter o mesmo efeito jurídico em ambas as causas, nem a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico, não se verifica o caso julgado no seu efeito negativo (o efeito de impedir nova apreciação da questão), nem no seu efeito positivo (de impor uma primeira decisão a uma segunda decisão de mérito), posto que, a pretensão do Autor na presente causa não foi apreciada de mérito em ação anterior. (Sumário elaborado pela Relatora) | ||
Decisão Texto Integral: | Apelação n.º 1407/21.5T8FIG-B.C1
Acordam[1] na Secção Social (6ª secção) do Tribunal da Relação de Coimbra:
I - Relatório
AA, residente em ..., ...
intentou a presente ação de processo comum contra
A..., SA, com sede em ..., ..., B..., SA, com sede na ..., C..., Ldª, agora designada D..., Ldª, com sede em ..., E..., Ldª, entretanto designada F..., Ldª e posteriormente incorporada na G..., Ldª, com sede em ... e H..., SA, entretanto incorporada na I..., SA, com sede na .... * Para tanto, apresentou a respetiva petição inicial que termina pedindo: “Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exa doutamente suprirá, Deve a primeira Ré ser condenada: -a reconhecer que desde 17/04/2000 exerceu os poderes de autoridade, direcção e fiscalização sobre o Autor que lhe prestou ininterruptamente a sua actividade profissional hetero-determinada, e em total subordinação jurídica, tendo sido a única que beneficiou e lucrou com o trabalho prestado pelo mesmo. - a reconhecer que o Autor integra desde 17/04/2000 a sua estrutura organizativa e se encontra vinculada ao Autor por contrato de trabalho por tempo indeterminado, que teve início em 17/04/2000, que se manteve ininterruptamente até à presente data, e se mantém actualmente; - a reconhecer que todos os documentos assinados pelas segunda, terceira, quarta e quinta rés e pelo Autor, desde a referida data até ao presente, intitulados de “contratos de trabalho” ( temporário, cedência, ou por tempo indeterminado) são nulos e de nenhum efeito, por totalmente contrários à lei; - a reconhecer que desde 17/04/2000 todas as suas normas e regras regulamentares internas constantes do Manual da empresa, guia do trabalhador, ordens de serviço e informações com divulgação geral interna ( juntas ao presente processo), são aplicáveis ao Autor, e, consequentemente, por força da sua aplicação, ser condenada a atribuir ao Autor todos os direitos e benefícios que aplica a todos os seus trabalhadores com efeitos desde 17/04/2000, nomeadamente retribuições mínimas, gratificações anuais e fundo de pensões; - consequentemente, condenada a reconhecer que na presente data a retribuição mínima devida ao Autor é do valor de €1.229,24 e a liquidar a mesma para futuro, assim como, condenada a liquidar ao Autor os valores apurados até à presente data a título de diferenças verificadas entre as retribuições que o Autor recebeu(desde 17/04/2000) e as que lhe eram devidas( incluindo retribuições base, subsídios de férias, natal, turno e pagamento de trabalho suplementar), nos valores de €67.761,16 a título de diferenças de retribuição( incluindo subsídios de férias e de natal); de € 17.032,32 a título de diferenças de subsídio de turno e de €4.193,16 a título de pagamento de trabalho suplementar; - e ainda condenada a liquidar ao Autor todas as gratificações que liquidou a todos os seus trabalhadores desde 17/04/2000, e que devia ter liquidado ao Autor e não liquidou, no valor total de € 39.252,08; - e por fim condenada no pagamento de juros de mora legais vencidos sobre todas as quantias supra indicadas desde as datas em que deveriam ter sido liquidados, os quais na presente data se calculam em €17.098,50, e bem assim condenada nos juros de mora vincendos até efectivo e integral pagamento. Devem as segunda, terceira, quarta e quinta Rés ser condenadas: - a reconhecer o vínculo contratual existente entre a primeira Ré e o Autor desde 17/04/2000 até ao presente; -a reconhecer que apesar dos documentos intitulado de contrato de trabalho subordinado por tempo indeterminado por si subscritos em conjunto com o Autor, nunca exerceram sobre o mesmo os poderes característicos de uma entidade empregadora, de autoridade e direcção e fiscalização da actividade pelo mesmo prestada, nem nunca foram beneficiárias do respectivo resultado; -e, consequentemente, condenadas a reconhecer a nulidade de tais documentos intitulados de “contrato” que subscreveram com o Autor, já que os mesmos não tiveram como objectivo formar uma relação laboral entre as partes, mas antes o intuito único, contrário à lei, de iludir a realidade de que o Autor já desde 17/04/2000 se encontrava vinculado à primeira Ré por contrato por tempo indeterminado, e afastar a aplicação ao Autor de todas as regras contratuais internas aplicáveis a todos os trabalhadores da primeira Ré, nomeada e concretamente a nível de retribuições mínimas e benefícios vários. Pelo que, requer-se a V. Ex.a se digne mandar citar as Rés, para querendo, contestarem a presente acção nos termos e prazos legais.” * As Rés “A...” vieram apresentar contestação concluindo que: “Nestes termos e nos melhores de direito, sempre com mui douto suprimento de V. Exa., deve a presente ação ser julgada improcedente por não provada e, consequentemente: a)Deverão as excepções anteriormente invocadas serem julgadas procedentes por provadas e, consequentemente, serem as ora RR. absolvidas dos pedidos; b) Se assim não se entender, o que só por mera hipótese se admite, deve a presente ação ser declarada improcedente, por não provada e serem as aqui RR. absolvidas dos pedidos.” * De seguida, foi proferido o despacho saneador de fls. 72 v.º e segs. e do qual consta, além do mais, o seguinte: “2.2.1 Da alegada excepção de caso julgado: Na contestação que apresentou nos autos, defendem a Rés A..., S.A. e J..., S.A. a existência de caso julgado, sustentando para o efeito o seguinte: “A. invoca ainda a nulidade do contrato de trabalho celebrado com a R. B..., não obstante a celebração válida do mesmo contrato, o que foi igualmente dada como provado no processo judicial do ano de 2016. Sucede que, atendendo ao trânsito em julgado da decisão proferida no âmbito do processo n.º 1872/16...., que correu termos no Juízo do Trabalho ... do Tribunal Judicial da Comarca ..., dúvidas não subsistem que se está perante uma sentença que já não admite recurso ordinário, Pelo que está-se perante uma situação de caso julgado, o qual é de conhecimento oficioso. (…)Posto isto, não caberá agora a este douto Tribunal pronunciar-se sobre a relação laboral do A., referente ao período compreendido entre 17 de Abril de 2000 e 31 de Dezembro de 2015, em virtude de a mesma já estar decidida por uma outra sentença transitada em julgado.Não se podem discutir os mesmos factos que foram já discutidos, apreciados e julgados no âmbito de primitiva acção e que foram considerados como inidóneos para integrarem a causa de pedir. (…) mesmo que assim não fosse e se não fosse considerada, para os devidos efeitos, a excepção do caso julgado, sempre se dirá que teria de ser considerada a força e autoridade do caso julgado lato sensu. ” Notificado para o efeito, veio o Autor, por requerimento datado de 16/12/2022, pugnando pelo indeferimento da invocada excepção, defendendo que entre a acção invocada pelas Rés A..., S.A e B..., S.A. e a presente acção inexiste qualquer identidade seja de sujeitos, seja de pedido ou de causa de pedir e que não estamos ante qualquer autoridade de caso julgado que se imponha na apreciação da presente acção. Cumpre apreciar e decidir: O caso julgado constitui, como é sabido, uma excepção dilatória, que tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer uma decisão anterior – cfr., artigos 577º, i), e 580º, nº 2, do Código de Processo Civil. O artigo 581º prevê os requisitos do caso julgado (como também da litispendência). Assim, refere o nº 1 que “Repete-se a causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir”. ” Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica” – nº 2. “Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico – nº 3. “Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico. Nas acções reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real; nas acções constitutivas e de anulação é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido” – nº 4. O caso julgado, como refere o prof. Antunes Varela (in “Manual de Processo Civil”, 2ª ed., p. 307”) consiste, assim, “na alegação de que a mesma questão foi já deduzida num outro processo e nele julgada por decisão de mérito, que não admite recurso ordinário”, ou então, como ensina o prof. Manuel de Andrade (in “Noções Elementares de Processo Civil, 1993, págs. 305 e 306”), o caso julgado consiste em “a definição dada à relação controvertida se impor a todos os tribunais quando lhes seja submetida a mesma relação, todos tendo de acatá-la, julgando em conformidade, sem nova discussão e de modo absoluto, com vista não só à realização do direito objectivo ou à actuação dos direitos subjectivos privados correspondentes, mas também à paz social”. O instituto do caso julgado exerce, assim, duas funções: uma função positiva e uma função negativa. Exerce a primeira quando faz valer a sua força e autoridade, que se traduz na exequibilidade das decisões e exerce a segunda quando impede que a mesma causa seja novamente apreciada pelo mesmo ou por outro tribunal (Cfr., por todos, o prof. Alberto dos Reis, in “CPC Anotado, vol. III, pág. 93”, Ac STJ de 16/09/2015, proc. 1918/11, in “Sumários, 2015, pag. 485”, e Ac. da RP de 24/11/2015, proc. 346/14.0T8PVZ.PT, disponível em www.dgsi.pt). Compreende-se, desse modo, a razão de tal autoridade do caso julgado pela necessidade da certeza e da segurança nas relações jurídicas. Perante tais efeitos do caso julgado torna-se imperioso estabelecer, com nitidez, o conceito de repetição de uma causa. Tal resposta é-nos dada pelo artigo 581º, nº. 1, ao estatuir, como vimos, que a causa se repete “quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir”. Por seu lado, os nºs. 2, 3 e 4 desse mesmo preceito, concretizando melhor, dispõem que “há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica; há identidade do pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico e há identidade da causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico”. Acrescentando-se, no último normativo, e para o caso que aqui nos importa, que “nas acções reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real”. Num esforço de ainda maior concretização daquele tríade de conceitos (e sem a existência cumulativa dos quais não se pode falar de excepção de caso julgado) podemos dizer, tal como se escreveu, entre outros, nos acórdãos do Tribunal da Relação do Porto e do Tribunal da Relação de Coimbra, respectivamente, de 06.01.94 e 09.12.81, (in, respectivamente, “CJ, ano IX, T1 - 198 e CJ, ano X, T5 - 79”), que “as partes são as mesmas sob o aspecto jurídico desde que sejam portadoras do mesmo interesse substancial”. Daí resulta que as partes não têm que coincidir do ponto de vista físico, sendo mesmo indiferente a posição que as partes assumam em ambos os processos, podendo ser autores numa acção e réus na outra (cfr., por todos, o prof. Lebre de Freitas, in “Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, Coimbra Editora, 2001, pág. 319 e o acórdão do tribunal da Relação de Coimbra datado de 12.12.2017, disponível em www.dgsi.pt, e cuja fundamentação a este respeito vimos seguindo de perto). Por sua vez, e tal como se escreveu também no primeiro daqueles arestos, haverá identidade de pedidos “se existir coincidência na enunciação da forma de tutela jurisdicional pretendida pelo autor e do conteúdo e objecto do direito a tutelar, na concretização do efeito que, com a acção, se pretende obter” e que a identidade da causa de pedir “pressupõe que o acto ou o facto jurídico de onde o autor pretende ter derivado o direito é idêntico”. Por sua vez, há identidade de pedidos quando numa e noutra acção se pretende obter o mesmo efeito jurídico, ou seja, terá de ser o mesmo direito subjectivo cujo reconhecimento se pretende, independentemente da sua expressão quantitativa e da forma de processo utilizada, o que significa não ser exigível uma rigorosa identidade formal entre os pedidos. Como escreve Mariana Gouveia (in “A Causa de Pedir na Acção Declarativa, 2004, págs. 493 e 509”), a causa de pedir é o facto jurídico concreto, simples ou complexo, do qual emerge a pretensão deduzida, mas segundo o critério misto não pode deixar de prescindir de uma perspetiva material dos limites das normas e dos seus nexos, por referência ao direito substantivo, nem dos limites dos factos, tal como são apresentados na sentença, sendo este critério o que melhor responde aos problemas de concurso aparente de normas. A identidade da causa de pedir há, assim, que procurá-la na questão fundamental levantada nas duas acções (cfr., por todos, Ac. do STJ de 26/10/89, in “BMJ nº 390 - 379”). Assim, em resumo e por outras palavras, podemos dizer que a causa de pedir consiste na alegação da relação material de onde o autor faz derivar o correspondente direito e, dentro dessa relação material, na alegação dos factos constitutivos do direito (facto jurídico de que procede a pretensão deduzida) - em consonância, assim, com o principio da substanciação consagrado pelo nosso ordenamento jurídico -, enquanto que o pedido se reconduz ao efeito jurídico que o autor pretende retirar da acção interposta, traduzindo-se na providência que o autor solicita ao tribunal - trata-se de um elemento fundamental, considerando as imposições do princípio do dispositivo: são os interessados que accionam os mecanismos jurisdicionais como ainda quem realiza a escolha das providências que os direitos subjectivos invocados garantem -, e, por fim, que o conceito de sujeito a atender para o efeito coincide com a noção (adjectiva) de parte. A excepção de caso julgado consiste, assim, e para concluir, na constatação de que a mesma questão já foi deduzida num outro processo e nele apreciada e julgada por decisão que não admite reclamação ou recurso ordinário (cfr. artigo 628º). Porém, e tal como já resulta do que supra deixámos expresso, importa dizer que a excepção de caso julgado não se confunde com a autoridade do caso julgado. Ambos são efeitos diversos da mesma realidade jurídica, havendo mesmo quem, a esse propósito, defenda (naquilo que hoje começa a constituir-se em entendimento dominante) que para que autoridade do caso julgado actue não se exige sequer a coexistência das três identidades referidas no artigo 581º (cfr., quanto a este último entendimento, Ac. da RP de 24/11/2015, proc. 346/14.0T8PVZ.PT, disponível em www.dgsi.pt., Ac. da RC de 21/1/1997, in “CJ, Ano XXII, T1 – pág. 24” e sentença da 1ª instância publicada in “CJ, Ano IV, pág. 1654”). No desenvolvimento daquela afirmação, escreve o prof. Lebre de Freitas (in “Ob. cit., pág. 325”), que “pela excepção visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda acção, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito”, enquanto que “a autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão” (...). “Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida”. No mesmo sentido vai o prof. Miguel Teixeira de Sousa (in “O Objecto da Sentença e o Caso Julgado Material, BMJ 325, págs. 49 e ss.”) quando escreve: “a excepção de caso julgado visa evitar que o órgão jurisdicional duplicando as decisões sobre idêntico objecto processual, contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou repita na decisão posterior o conteúdo da decisão anterior”, já “quando vigora como autoridade de caso julgado, o caso julgado material manifesta-se no seu aspecto positivo de proibição de contradição da decisão transitada: a autoridade de caso julgado é o comando de acção, a proibição de omissão respeitante à vinculação subjectiva à repetição do processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição da decisão antecedente” -Cfr., ainda, a propósito, Ac. do STJ de 26/1/1994, in “BMJ 433 – 515” e “Ac. da RC de 21/1/1997, in “CJ, Ano XXII, T1 – pág. 24”. Dito isto, reportemo-nos agora ao caso em apreço, sabendo-se, como se sabe, que o que está aqui somente em causa é saber se em relação aos pedidos que o Autor formula nestes autos ocorre excepção de caso julgado face ao que, a tal propósito, foi decidido/julgado na sobredita acção nº 1872/16..... No fundo, tratar-se de saber se a presente acção configura/consubstancia uma repetição da causa que foi decidida/julgada naquela 1ª. acção. Tendo por referência aquela tríade de identidade dos sujeitos, de pedido e de causa de pedir (cujos conceitos já atrás deixámos enunciados), vejamos então se estamos ou não perante uma repetição de causas. Ora, como bem salientam o Autor, constata-se, compulsada a certidão junta, que os factos que subjazem ao pedido dos Autores naquela acção, bem como os seus pedidos, são distintos dos que ora submetem a juízo e nunca foram julgados ou apreciados. Na verdade, naqueles autos o Autor peticionou proporcionais de férias e subsídios de férias e relativas a férias vencidas relativamente ao ano de 2015, pelo que a relação jurídica de emprego e o vínculo laboral do Autor não foi discutido nessa acção e é essa sua vinculação e antiguidade, o reconhecimento do Autor como Trabalhadores da Primeira Ré, por contrato de trabalho sem termo (com as consequências descritas na petição inicial) que nestes Autos se discute. Pode por isso concluir-se que o objecto destes Autos, o pedido e os factos que o fundamentam, ou causa de pedir, em nada contendem com o apreciado e decidido naqueles Autos, onde não se apurou – porque não foi submetido a apreciação – se os Autores tinham vinculação à Ré F..., Lda. ou tinham direito a ver reconhecida a sua vinculação laboral, precedente e posterior, à Primeira Ré nestes Autos. Não se submeteu a juízo, nem foi apreciada, a validade do contrato de trabalho nos seus exactos termos, a validade da declaração de cessação do contrato, a relação triangular existente e subjacente à relação laboral, entre os trabalhadores, a Ré F..., Lda. e a Primeira Ré nestes Autos. Seguindo a conformidade jurídica formal que a F..., Lda. lhes apresentara os Réus foram a juízo fazer reclamar da mesma o que esta lhes tinha prometido pagar, sem que se apreciasse a complexidade da relação laboral e o seu espectro mais amplo de vinculação à aqui Primeira Ré. Nessa acção o Tribunal apenas tinha como objecto do litígio o pagamento ou não das rubricas e quantias a que se vinculara a Ré aquando do acordo de cessação do respectivo contrato de trabalho com efeitos a 31/12/2015, bem como se o facto de alguns Réus terem declarado estar ressarcidos todos os seus créditos comprometia ou não aquele seu crédito, numa permitida remissão abdicativa. E, porquanto não foi apreciada a vinculação dos Autores, a validade dos contratos de trabalho celebrados entre Autor e Ré F..., Lda. nem, efectivamente a relação jurídica triangular complexa entre Autor F..., Lda. e Primeira Ré nestes Autos (não sendo qualquer outra Ré, que não a F..., Lda., parte naquela Acção), a antiguidade do Autor nas instalações da Primeira Ré, a antiguidade da disponibilidade de trabalho do Autor ao serviço da Primeira Ré, porém, através de interpostas entidades (sucessivas), no exercício das mesmas funções. Nem foi apreciado, ou levado a juízo para apreciação, o recrutamento do Autor, a legitimidade da Primeira Ré para se socorrer da F... Lda. ou de qualquer outra Ré (nestes Autos) para contratar e receber o trabalho do Autor. Conclui-se, pois, acompanhando a este respeito a posição do Autor, que não se verifica identidade de pedido, nem identidade de causa de pedir, e só em relação a uma das quatro rés (F..., Lda.) existe identidade subjectiva. Diga-se, ainda, para terminar, que não só não existe caso julgado material no que à sua função negativa concerne, como não se verifica autoridade de caso julgado, pois que os factos, o pedido e a causa de pedir naqueles Autos n.º 1872/16...., e a decisão ali proferida e transitada, em nada é pressuposto, impede ou é contraditada, pela procedência do pedido que no processo sub iudice se submete a este Tribunal. Com efeito, como defende o Autor, o reconhecimento do direito do Autor a ver considerado o seu vínculo laboral estabelecido com a Primeira Ré, por contrato de trabalho sem termo, assenta numa relação jurídica material, não contraditória com a relação jurídica documentalmente estabelecida, entre o Autor e a Ré F..., Lda. e assim foi configurada na petição inicial pelo Autor. Deste modo, conclui-se, pois, que não existe situação de caso julgado (quer na sua função negativa de excepção, quer na sua função positiva de autoridade material do mesmo), no que concerne aos pedidos que os autores formularam nesta acção, pelo que cumpre julgar improcedente a invocada excepção de caso julgado arguida pelas Rés A..., S.A. e J..., S.A. . Pelo exposto e ao abrigo das citadas disposições legais, julgo improcedente a invocada excepção de caso julgado arguida pelas 1.º e 2.ª Rés (quer na sua função negativa de excepção, quer na sua função positiva de autoridade material do mesmo).” * As Rés A..., SA e B..., SA, notificadas deste despacho, vieram interpor o presente recurso que concluíram da forma seguinte: “A. Vem o presente recurso interposto do douto Despacho Saneador proferido pelo Tribunal a quo, no qual julga improcedente a invocada exceção de caso julgado arguida pelas Recorrentes. B. Para o efeito, o Tribunal recorrido concluiu que não se verifica a exceção de caso julgado quer na sua função negativa de exceção, quer na sua vertente positiva de autoridade material do mesmo. C. Argumenta ainda o Tribunal a quo que o reconhecimento do direito do Recorrido a ver considerado o seu vínculo laboral estabelecido com a Primeira Ré (A... S.A.), por contrato de trabalho sem termo, assenta numa relação jurídica material, não contraditória com a relação jurídica documentalmente estabelecida, entre o Recorrido, a Ré F..., Lda. e assim foi configurada na PI pelo Recorrido. D. O Recorrido, no âmbito da ação judicial n.º 1872/16...., pugnou pela nulidade do contrato de trabalho celebrado com a R. B... S.A., não obstante a celebração válida do mesmo contrato, o que foi igualmente dada provado nesse processo judicial do ano de 2016. E. Sendo que o referido contrato de trabalho cessou de forma válida, no dia 31 de dezembro de 2015. F. Isto é, dúvidas não subsistem que foi configurada a natureza das relações laborais como contratos de trabalho validamente celebrados com a F..., G. Pelo que se está perante uma situação de caso julgado, o qual é de conhecimento oficioso. H. No caso sub judice, os requisitos inerentes ao caso julgado, previstos no artigo 580º do Código de Processo Civil, estão presentes, conforme adiante se verá: repetição da causa, motivada pela identidade dos sujeitos; identidade do pedido; e, por último, identidade da causa de pedir. I. Na verdade, há uma identidade dos sujeitos, porquanto, não obstante as aqui Recorrentes não terem sido partes em ambos os processos, a verdade é que é inquestionável que ambas apresentam a mesma posição sobre a matéria jurídica. J. Ou seja, sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica, ambas as ações judiciais apresentam como rés a entidade empregadora do A., seja ela qual for. K. Relativamente ao pedido, cumpre referir que o pedido é o efeito jurídico que a parte ativa pretende obter pela decisão do tribunal e que ela retira materialmente da causa de pedir que invoca. L. Daí que se possa afirmar que ocorre identidade de pedido quando o efeito prático-jurídico pretendido pelo autor em ambas as ações é substancialmente o mesmo. M. Ora, no caso em apreço, existe uma identidade dos pedidos, visto que, em ambas as situações, os pedidos versam sobre o pagamento de créditos salariais decorrentes do contrato de trabalho. N. Note-se que a causa de pedir é o acto ou o facto jurídico em que o autor se baseia para fundamentar o seu pedido. O. E, há uma manifesta identidade na causa de pedir, visto que o facto jurídico em questão, em ambas as situações, traduz-se no contrato de trabalho do Recorrido. P. Andou mal o Tribunal a quo porque mesmo que não fosse considerada, para os devidos efeitos, a exceção do caso julgado, sempre se dirá que teria de ser considerada a força e autoridade do caso julgado lato sensu. Q. Sem prejuízo das reservas referidas a propósito da exceção do caso julgado, não pode o sistema judicial, como um todo de finalidade única de exercício da Justiça, ignorar a existência de uma sentença transitada em julgado, no âmbito de um processo, onde foram alegados factos que podem agora ser objeto de contradição no âmbito de ação diferente. R. Ora, na análise ao caso sub judice, ficou materialmente definido que: o Recorrido foi trabalhador da F.... S. Mais, foi dado como assente que o contrato de trabalho do Recorrido cessou no passado dia 31 de dezembro de 2015. T. Assim sendo, no âmbito dos presentes autos, não poderá o Tribunal concluir de forma diferente, julgando, como pretende o A., que a R. A... seja a entidade empregadora do mesmo contrato de trabalho que manteve com a F..., desde 17 de abril de 2000, e que tal contrato, afinal, não cessou em 31 de dezembro de 2015. U. Em suma, não há qualquer base de sustentação para que seja reconhecido o vínculo laboral do Recorrido junto da R. A..., conforme pretendido pelo mesmo. V. Neste caso, pode afirmar-se que a douta sentença anteriormente proferida poderá produzir a sua autoridade de caso julgado na segunda ação, caso se entenda que não exista exceção de caso julgado: W. Ou seja, este Tribunal não deixa de julgar a causa, mas terá de o fazer com respeito pelo sentido de anterior decisão transitada relativamente à questão prejudicial. Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exas. mui doutamente suprirão, deve ser julgado procedente por provado o recurso interposto pelas ora Recorrentes, revogando-se o douto Despacho Recorrido na parte que julgou improcedente a exceção de caso julgado arguida pelas Recorrentes, assim se fazendo a acostumada justiça!” * O Autor apresentou resposta concluindo que: (…). * O Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu o douto parecer de fls. 75 e segs., no sentido de que a apelação deverá ser julgada improcedente. * As Rés recorrentes vieram responder a este parecer concluindo como nas alegações de recurso. * Colhidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir. * * II – Fundamentação a)- Factos provados: Os constantes do relatório que antecede e ainda: 1. No processo 1872/16.... que correu termos no Juízo do Trabalho ... figura como Autor, além de outros, AA e como Ré F..., Lda. 2. Nesta ação os Autores formularam o seguinte pedido: “Nestes termos, e nos melhores de direito, deve a presente acção ser julgada procedente por provada e a Ré ser condenada a pagar aos Autores as quantias globais ilíquidas, respectivamente, de € 2.139,63, €2.139,63, €2.162,66, €2.162,66, € 2.162,66, € 2.068,94, €2.162,66, €2.162,66, € 2.068,94, € 2.162,66, € 2.162,66, € 2.162,66, € 2.162,66, € 2.162,66, € 2.162,66, € 2.162,66, € 2.162,66, € 2.068,94, € 2.162,66, € 2.068,94, € 2.141,32, € 2.228,80, € 2.228,80, € 2.228,80, € 2.228,80, € 2.228,80, € 2.228,80, € 2.272,90, € 2.352,54, € 2.352,54, € 2.352,54, € 2.402,09, €2.418,69, 2.418,69, 2.418,69, 2.418,69, a que deverão acrescer os juros de mora vincendos até efetivo e integral pagamento.” 3. Na sentença proferida no processo referido em 1. resultou provado o seguinte: - A Ré admitiu ao seu serviço o Autor AA, reportando-se a sua antiguidade a 17/04/2000, tendo passado, sob a direção daquela, a desempenhar as suas funções inerentes à categoria de condutor de aparelhos de elevação e transporte, desde o início, para a K..., SA, agora denominada B..., SA, nas respetivas instalações em ..., .... - Em 09/11/2015, Autor e Ré assinaram o documento junto ao processo em papel em que consta que “distratam o Contrato de trabalho, pondo-lhe termo por acordo, com efeitos a partir de 31 de Dezembro de 2015”, sendo que aí consta que a Ré pagará ao A. “para além das remunerações, férias, subsídios de férias e de natal bem como respetivos proporcionais a que (…) tenha direito”. - O Autor assinou um contrato de trabalho com a sociedade “L..., S.A.”, com efeitos a partir de 01/01/2016 e em que se considera a antiguidade do Autor reportada à data aludida em 1º. 4. Do dispositivo da mesma sentença consta o seguinte: “Condeno a R. “G..., Lda.” a pagar aos AA. (…) AA, (…), a título de férias e subsídios de férias, as quantias totais de, (…), € 2.262,06 (dois mil duzentos e sessenta e dois euros e seis cêntimos), (…), acrescidas de juros de mora, à taxa legal, desde a data do vencimento dessas obrigações e até efetivo e integral pagamento;” * * b) - Discussão Como é sabido, a apreciação e a decisão dos recursos são delimitadas pelas conclusões da alegação do recorrente (art.º 639.º do C.P.C.), com exceção das questões de conhecimento oficioso. Cumpre, então, apreciar a questão suscitada pelas Rés recorrentes, qual seja: - Se deve ser julgada procedente a invocada exceção de caso julgado. * Alegam as recorrentes que: - O Recorrido, no âmbito da ação judicial n.º 1872/16...., pugnou pela nulidade do contrato de trabalho celebrado com a R. B... S.A., não obstante a celebração válida do mesmo contrato, o que foi igualmente dada provado nesse processo judicial do ano de 2016, sendo que o referido contrato de trabalho cessou de forma válida, no dia 31 de dezembro de 2015. - Dúvidas não subsistem que foi configurada a natureza das relações laborais como contratos de trabalho validamente celebrados com a F..., pelo que se está perante uma situação de caso julgado, o qual é de conhecimento oficioso. - Há uma identidade dos sujeitos, porquanto, não obstante as aqui Recorrentes não terem sido partes em ambos os processos, a verdade é que é inquestionável que ambas apresentam a mesma posição sobre a matéria jurídica, ou seja, sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica, ambas as ações judiciais apresentam como rés a entidade empregadora do A., seja ela qual for. - No caso em apreço, existe uma identidade dos pedidos, visto que, em ambas as situações, os pedidos versam sobre o pagamento de créditos salariais decorrentes do contrato de trabalho. - E, há uma manifesta identidade na causa de pedir, visto que o facto jurídico em questão, em ambas as situações, traduz-se no contrato de trabalho do Recorrido. - Andou mal o Tribunal a quo porque mesmo que não fosse considerada, para os devidos efeitos, a exceção do caso julgado, sempre se dirá que teria de ser considerada a força e autoridade do caso julgado lato sensu. - Não pode o sistema judicial, como um todo de finalidade única de exercício da Justiça, ignorar a existência de uma sentença transitada em julgado, no âmbito de um processo, onde foram alegados factos que podem agora ser objeto de contradição no âmbito de ação diferente. - Na análise ao caso sub judice, ficou materialmente definido que: o Recorrido foi trabalhador da F...; mais, foi dado como assente que o contrato de trabalho do Recorrido cessou no passado dia 31 de dezembro de 2015. - Assim sendo, no âmbito dos presentes autos, não poderá o Tribunal concluir de forma diferente, julgando, como pretende o A., que a R. A... seja a entidade empregadora do mesmo contrato de trabalho que manteve com a F..., desde 17 de abril de 2000, e que tal contrato, afinal, não cessou em 31 de dezembro de 2015. - Pode afirmar-se que a douta sentença anteriormente proferida poderá produzir a sua autoridade de caso julgado na segunda ação, caso se entenda que não exista exceção de caso julgado, ou seja, este Tribunal não deixa de julgar a causa, mas terá de o fazer com respeito pelo sentido de anterior decisão transitada relativamente à questão prejudicial. Vejamos, então, se assiste razão às recorrentes. Como se refere no acórdão do STJ, de 24/05/2023, disponível em www.dgsi.pt: << O caso julgado é tratado pelo legislador como exceção dilatória – art.o 577o, al. i) do Código de Processo Civil -, consistindo na alegação de que a mesma questão foi já deduzida num outro processo e nele julgada por decisão de mérito que não admite recurso ordinário (art.o 580o, no 1, do Código de Processo Civil). Assim, o caso julgado verifica-se quando há repetição de causa, ou seja, quando é proposta ação idêntica a outra já decidida por sentença que não admite recurso ordinário, visando-se assim, em nome da economia e coerência de julgamentos, evitar que o tribunal venha a contradizer na prática ou reproduzir uma decisão anterior, garantindo a segurança jurídica (cfr. art.o 580o, no 2 do Código de Processo Civil). Nos termos do disposto no art.o 581o do Código de Processo Civil, a causa repete-se quando se propõe ação idêntica quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir. Haverá identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas, haverá identidade de pedido se o efeito jurídico pretendido for o mesmo, e haverá identidade de causas de pedir se a pretensão deduzida em ambas as ações proceder do mesmo facto jurídico, ou seja, se os factos materiais concretos em que assenta e justificam o pedido forem os mesmos (o que nem sempre é fácil de aquilatar, diga-se). Como se refere no acórdão do TRC de 12/12/2017 [processo 3435/16.3T8VIS-A.C1.], podemos dizer que a causa de pedir consiste na alegação da relação material de onde o autor faz derivar o correspondente direito e, dentro dessa relação material, na alegação dos factos constitutivos do direito (facto jurídico de que procede a pretensão deduzida) – em consonância, assim, com o princípio da substanciação consagrado pelo nosso ordenamento jurídico –, enquanto que o pedido se reconduz ao efeito jurídico que o autor pretende retirar da ação interposta, traduzindo-se na providência que o autor solicita ao tribunal – trata-se de um elemento fundamental, considerando as imposições do princípio do dispositivo: são os interessados que acionam os mecanismos jurisdicionais como ainda quem realiza a escolha das providências que os direitos subjetivos invocados garantem –, e, por fim, que o conceito de sujeito a atender para o efeito coincide com a noção (adjetiva) de parte. Assim, a exceção de caso julgado consiste na constatação de que a mesma questão já foi deduzida num outro processo e nele apreciada e julgada por decisão que não admite reclamação ou recurso ordinário.>> Por outro lado, como se decidiu no acórdão do STJ, de 12/10/2022, disponível em www.dgsi.pt: <<A propósito desta questão, o Acórdão de 27.09.2005 da Relação de Coimbra (processo 1970/05, www.dgsi.pt.) afirma que «a questão da extensão, alcance e limites do caso julgado é complexa. É, contudo,“communis opinio” que a figura jurídica do caso julgado, para além de eventuais razões de defesa do prestígio dos tribunais, evitando a sua colocação perante a contingência de definir num sentido uma situação concreta já validamente definida em sentido diferente Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, 1982, vol. III, pág. 384, não reconhece a esta razão qualquer valor, tem por objectivo assegurar a certeza e segurança jurídica, indispensáveis à fluidez do comércio jurídico e até à estabilidade e paz social. O alcance e autoridade do caso julgado não se pode, pois, limitar aos estreitos contornos definidos nos artºs 497º e seguintes [actuais arts. 580.º e segs do CPC] para a excepção do caso julgado, antes se estendendo a situações em que, apesar da ausência formal da identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir, o fundamento daquela figura jurídica está notoriamente presente”. Ou seja, a autoridade de caso julgado importa a aceitação de uma decisão proferida em acção anterior, que se insere, quanto ao seu objecto, no objecto da segunda, visando obstar a que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença, não sendo exigível a coexistência da tríplice identidade, prevista no artº 581º do Código de Processo Civil. Como referem Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto (Código de Processo Civil anotado, vol. 2º, 2ª ed., pág. 354), “a excepção de caso julgado não se confunde com a autoridade de caso julgado; pela excepção, visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda acção, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito; a autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível de segunda decisão de mérito (…). Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida (…). Mas o efeito negativo do caso julgado nem sempre assenta na identidade do objecto da primeira e da segunda acções: se o objecto desta tiver constituído questão prejudicial da primeira (e a decisão sobre ela deva, excepcionalmente, ser invocável) ou se a primeira acção, cujo objecto seja prejudicial em face da segunda, tiver sido julgada improcedente, o caso julgado será feito valer por excepção”. Os mesmos autores, (ob cit., págs. 713 e segs referem que «quando constitui uma decisão de mérito (“decisão sobre a relação material controvertida”), a sentença produz também, fora do processo, o efeito de caso julgado material: a conformação das situações jurídicas substantivas por ela reconhecidas como constituídas impõe-se, com referência à data da sentença, nos planos substantivo e processual (…), distinguindo-se, neste, o efeito negativo da inadmissibilidade duma segunda acção (proibição de repetição: excepção de caso julgado) e o efeito positivo da constituição da decisão proferida em pressuposto indiscutível de outras decisões de mérito (proibição de contradição: autoridade de caso julgado). (…) Fala-se do efeito preclusivo do caso julgado para caracterizar esta inadmissibilidade de qualquer ulterior indagação sobre a relação material controvertida (…)». Posto isto, impõe-se apurar se ocorre o invocado caso julgado na sua vertente negativa ou positiva. Tendo em conta a matéria de facto assente impõe-se dizer, desde já, que no que respeita à identidade de sujeitos, na verdade, o Autor nos presentes autos é também Autor no referido processo 1872/16 e no qual é Ré a F..., Lda, a única que figura como tal em ambos os processos, sendo que, as aqui Rés recorrentes não o são também naquele. Acresce que não colhe a alegação das mesmas no sentido de que “não obstante as aqui Recorrentes não terem sido partes em ambos os processos, a verdade é que é inquestionável que ambas apresentam a mesma posição sobre a matéria jurídica, ou seja, sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica, ambas as ações judiciais apresentam como rés a entidade empregadora do A., seja ela qual for”, posto que tal alegação não tem suporte factual ou legal, na medida em que não estamos perante qualquer situação de representação ou de transmissão a terceiro da situação substantiva da parte (qualidade jurídica a que se deve atender na definição da identidade das partes, por força do disposto no n.º 2 do artigo 581.º do CPC). No que concerne à identidade do pedido e da causa de pedir, a resposta também não pode deixar de ser negativa. Na verdade <<Quanto à identidade de pedido, como se refere no acórdão do STJ de 05/12/2017 [processo no 1565/15.8T8VFR-A.P1.S1], a mesma é avaliada em função da posição das partes quanto à relação material, podendo considerar-se que existe tal identidade sempre que ocorra coincidência na enunciação da forma de tutela jurisdicional – implícita ou explícita – pretendida pelo autor, no conteúdo e objeto do direito a tutelar e nos efeitos jurídicos pretendidos. Quanto à causa de pedir, para o caso julgado na sua vertente de exceção dilatória, como se refere no acórdão do TRL de 26/10/2021 (citando Mariana França Gouveia) [processo no 511/20.1T8PDL-A.L1-7], a mesma define-se através do conjunto de todos os factos constitutivos de todas as normas em concurso aparente que possam ser aplicadas ao conjunto dos factos reconhecidos como provados na sentença transitada, pelo que uma ação posterior será barrada pela exceção do caso julgado quando os mesmos factos reconhecidos como provados são os únicos alegados, mesmo que a norma invocada seja diferente. Ou seja, o caso julgado abrange todas as qualificações jurídicas do objeto apreciado, porque o que releva é a identidade da causa de pedir (isto é, dos factos com relevância jurídica) e não das qualificações que podem ser atribuídas a esse fundamento.>>[2] Ora, compulsada a matéria de facto assente, facilmente se conclui que tanto a causa de pedir enunciada como o pedido formulado no processo n.º 1872/16 e nos presentes autos não são idênticos. Naquele o Autor peticionou a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de € 2.262,06, a título de férias e subsídio de férias, créditos resultantes do acordo de cessação do contrato de trabalho assinado pelas partes. Já nos presente autos o Autor pede a condenação da 1ª Ré recorrente: - a reconhecer que desde 17/04/2000 exerceu os poderes de autoridade, direção e fiscalização sobre o Autor que lhe prestou ininterruptamente a sua atividade profissional em total subordinação jurídica, tendo sido a única que beneficiou e lucrou com o trabalho prestado pelo mesmo; - a reconhecer que o Autor integra desde 17/04/2000 a sua estrutura organizativa e se encontra vinculada ao Autor por contrato de trabalho por tempo indeterminado, que teve início em 17/04/2000, que se manteve ininterruptamente até à presente data, e se mantém atualmente e - a reconhecer que todos os documentos assinados pelas segunda, terceira, quarta e quinta rés e pelo Autor, desde a referida data até ao presente, intitulados de “contratos de trabalho” (temporário, cedência, ou por tempo indeterminado) são nulos e de nenhum efeito, por totalmente contrários à lei. Significa isto que a questão objeto daquela ação e da presente não é a mesma, posto que, naquela estava em causa o cálculo dos citados créditos laborais resultantes da cessação do contrato de trabalho e nos presentes autos pretende-se o reconhecimento da existência de uma relação laboral entre o Autor e a 1ª Ré, a declaração de nulidade de documentos intitulados de contrato de trabalho assinados pelo Autor e pelas demais Rés e o pagamento de diferenças salariais por parte daquela Ré A.... Como se refere na sentença recorrida, naquele processo n.º 1872/16 não foi submetido a apreciação nem se apurou se o Autor tinha vinculação à aí Ré ou se tinha direito a ver reconhecida a mesma à aqui 1ª Ré recorrente, ou seja, não foi apreciada a validade do contrato de trabalho e do acordo de cessação do mesmo nem qualquer relação entre os trabalhadores da Ré F..., Ldª e a 1ª Ré recorrente. Tendo em conta as considerações jurídicas supra expendidas, é nosso entendimento que o direito a tutelar e os efeitos jurídicos pretendidos divergem em ambas as ações, assentando em distinta factualidade, pelo que não se pode falar em “repetição de causa”[3]. Em suma, não se pretende obter o mesmo efeito jurídico em ambas as causas, nem a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico, pelo que, não se verifica o caso julgado no seu efeito negativo (o efeito de impedir nova apreciação da questão), nem no seu efeito positivo (de impor uma primeira decisão a uma segunda decisão de mérito), posto que, como já referimos, a pretensão do Autor nos presentes autos não foi apreciada de mérito em ação anterior. Acompanhamos a sentença recorrida quando na mesma se refere que “não foi apreciada a vinculação dos Autores, a validade dos contratos de trabalho celebrados entre Autor e Ré F..., Lda. nem, efectivamente a relação jurídica triangular complexa entre Autor F..., Lda. e Primeira Ré nestes Autos (não sendo qualquer outra Ré, que não a F..., Lda., parte naquela Acção), a antiguidade do Autor nas instalações da Primeira Ré, a antiguidade da disponibilidade de trabalho do Autor ao serviço da Primeira Ré, porém, através de interpostas entidades (sucessivas), no exercício das mesmas funções. Nem foi apreciado, ou levado a juízo para apreciação, o recrutamento do Autor, a legitimidade da Primeira Ré para se socorrer da F... Lda. ou de qualquer outra Ré (nestes Autos) para contratar e receber o trabalho do Autor. (…) Diga-se, ainda, para terminar, que não só não existe caso julgado material no que à sua função negativa concerne, como não se verifica autoridade de caso julgado, pois que os factos, o pedido e a causa de pedir naqueles Autos n.º 1872/16...., e a decisão ali proferida e transitada, em nada é pressuposto, impede ou é contraditada, pela procedência do pedido que no processo sub iudice se submete a este Tribunal. Com efeito, como defende o Autor, o reconhecimento do direito do Autor a ver considerado o seu vínculo laboral estabelecido com a Primeira Ré, por contrato de trabalho sem termo, assenta numa relação jurídica material, não contraditória com a relação jurídica documentalmente estabelecida, entre o Autor e a Ré F..., Lda. e assim foi configurada na petição inicial pelo Autor. Deste modo, conclui-se, pois, que não existe situação de caso julgado (quer na sua função negativa de excepção, quer na sua função positiva de autoridade material do mesmo), no que concerne aos pedidos que os autores formularam nesta acção, pelo que cumpre julgar improcedente a invocada excepção de caso julgado arguida pelas Rés A..., S.A. e J..., S.A.” Na verdade, sendo certo que, conforme jurisprudência do STJ[4] que se julga pacífica, a verificação da autoridade do caso julgado dispensa a verificação integral da tríplice identidade referida no art.º 581.º do CPC, exige-se a prolação de uma decisão anterior cujo objeto se insere no da segunda, “o objeto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda ação, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há de ser proferida (…)”[5], situação que, como já referimos, não ocorre no caso dos autos. Resta dizer que, ao contrário do alegado pelas recorrentes, no processo n.º 1872/16 o Autor não “pugnou pela nulidade do contrato de trabalho celebrado com a R. B... SA” e, face a tudo o que ficou dito, não pode considerar-se a verificação de identidade dos pedidos apenas com base no facto de em ambos os processos se peticionar o pagamento de créditos salariais, aliás, distintos, nem de identidade da causa de pedir com fundamento no contrato de trabalho sem concretização da concreta factualidade jurídica de que deriva a pretensão do Autor. Pelo exposto, tal como consta da decisão recorrida, improcede a invocada exceção de caso julgado. * Improcedem, assim, as conclusões das recorrentes, impondo-se a manutenção do despacho recorrido em conformidade. * * IV – Sumário[6] (…). * * V – DECISÃO Nestes termos, sem outras considerações, na improcedência do recurso, acorda-se em manter a decisão recorrida. * * Custas a cargo das recorrentes. * * Coimbra, 2023/10/06 ____________________ (Paula Maria Roberto) _____________________ (Felizardo Paiva) _____________________ (Mário Rodrigues da Silva)
|