Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | MANUEL CAPELO | ||
Descritores: | CONTRATO DE FORNECIMENTO RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA CUMPRIMENTO CLÁUSULA DE RESOLUÇÃO CONTRATUAL | ||
Data do Acordão: | 03/17/2015 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | COMARCA DE COIMBRA – COIMBRA – SECÇÃO CÍVEL | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ARTºS 436º E 808º DO C. CIVIL. | ||
Sumário: | I – Contendo um contrato de fornecimento uma cláusula em que se prevê que o revendedor se mantém solidariamente responsável pelo cumprimentos das obrigações decorrentes desse contrato ainda que trespasse ou transmita a qualquer título a exploração do estabelecimento, não constitui ofensa das regras da boa fé a circunstância de ao comunicar a transmissão do estabelecimento o revendedor ter omitido na comunicação que se mantém solidariamente responsável. II - Essa solidariedade na responsabilidade, decorrendo directamente de uma cláusula do contrato de fornecimento, mantém-se ainda que o revendedor ao comunicar ao fornecedor a transmissão da exploração do estabelecimento omita a declaração que se mantém solidariamente responsável. III - O art. 5º, nº 3 do nCPC ao prescrever a liberdade interpretativa do julgador na aplicação do direito aos factos que servem a decisão, não permite, no entanto, que ele conheça, com base nesses factos, questões de direito que, não sendo de conhecimento oficioso, não tenham sido suscitadas pelas partes. IV - Não podem as partes contraentes dar a uma cláusula resolutiva expressa um conteúdo genérico, podendo, no entanto, fazer explícita e descriminada menção a cada uma das obrigações constantes do contrato, inscrevendo-as como causa/ fundamento de resolução. V - Uma cláusula contratual em que as partes tenham deixado expresso que o incumprimento das obrigações decorrentes do contrato permite a resolução deste, caso o incumprimento ou a mora não seja remediada no prazo de 15 dias a contar da recepção da comunicação escrita para esse efeito, reproduz o sentido do art. 808º, nº1 do C. Civil, obrigando primeiro a uma intimação para cumprir no prazo de 15 dias e, depois, a uma outra declarando a resolução (incumprimento definitivo) do contrato. VI - A existência de uma cláusula resolutiva expressa feita constar num contrato, para que produza o efeito pretendido, impõe que a causa/fundamento de resolução se verifique no concreto, caso contrário o contrato não cessa. | ||
Decisão Texto Integral: |
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra Relatório U…, S.A., com sede na …, intentou a presente acção declarativa, com processo sumário, contra P…, residente na Rua …, peticionando a condenação deste no pagamento da quantia de 23.187,95€, acrescida de juros moratórios à taxa de 13% sobre a quantia de 6.416,67€ e de juros moratórios à taxa supletiva legal para dividas comerciais sobre a quantia de 11.666,67€, desde 12.09.2012 até efectivo e integral pagamento. Para tanto, e em síntese, alegou que, no exercício da sua actividade comercial, celebrou com o Réu um «contrato de compra exclusiva», mediante o qual aquela se obrigou a fornecer a este os produtos que são objecto do seu comércio e este, enquanto proprietário do estabelecimento «Theatro C…», obrigou-se adquirir tais produtos até 150.000 litros, bem como a não vender naquele seu estabelecimento cervejas refrigerantes e águas de outras marcas, pelo período mínimo de 3 anos e máximo de 5 anos, com início em 27 de Agosto de 2007. A Autora obrigou-se ainda a pagar ao Réu a quantia de 42.350,00€, já acrescido de IVA, o que fez em 27 de Agosto de 2007. Por carta de 28 de Maio de 2009, o Réu comunicou à Autora que cedeu a exploração do aludido estabelecimento à sociedade G…, Ld.ª, transmitindo inclusivamente os direitos e obrigações decorrentes do contrato celebrado com a Autora. Aliás, nos termos deste contrato, a cedência da exploração do estabelecimento não exonerava o Réu das suas responsabilidades, mantendo-se solidariamente responsável pelo cumprimento do mesmo. A G…, Ld.ª, deixou de adquirir à Autora os produtos do seu comércio, pelo menos desde 23 de Setembro de 2011, data em que trespassou o aludido estabelecimento para uma outra empresa, J…, Ld.ª. Desde o início do contrato (27.08.2007) até 23.09.2011, o Réu e a G…, Ld.ª apenas adquiriram à Autora 61.381 litros de produtos por esta comercializados. Em face de tal circunstância, no dia 15 de Março de 2012, a Autora remeteu carta à G... Ld.ª, comunicando a resolução do contrato desde final de Setembro de 2011, remetendo, igualmente, e na mesma data, cópia da mesma ao Réu, que a recebeu em 19 de Março de 2012. Nos termos do convencionado entre as partes, a Autora tem direito, por efeito da aludida resolução, a receber uma indemnização no valor de 11.666,67€ (cf. cláusula 8.ª, n.º 3) e a ser-lhe devolvida a quantia de 6.416,67€ (correspondente à importância entregue de 42.350,00€, deduzida da quantia correspondente aos 49 meses de cumprimento contratual), acrescidas dos juros de mora correspondentes, o que totaliza 23.187,95€. O Réu, citado para contestar, veio fazê-lo, referindo que desde Julho de 2007 até Maio de 2009 explorou directamente o estabelecimento «Theatro C…», tendo celebrado com a Autora o aludido «contrato de compra exclusiva». Todavia, a Autora já havia celebrado um contrato idêntico com a sociedade que explorava, anteriormente, aquele estabelecimento (a empresa J…, Ld.ª), sendo que quando esta sociedade cedeu a exploração do mesmo ao Réu, foi celebrado entre a Autora, aquela sociedade e o Réu um contrato de «transmissão singular de dívidas e de compra exclusiva», a par da celebração do aludido «contrato de compra exclusiva» entre a Autora e o Réu (como anexo ao contrato de transmissão de dívida). Por outro lado, da quantia de 42.350,00€ que a Autora entregou ao Réu, parte da mesma serviu para compensar uma dívida da sociedade J…, Ld.ª para com aquela (no montante de 15.427,50€), tendo o Réu recebido, apenas, 26.922,50€. Acresce que a G…, Ld.ª, declarou, expressamente, aquando da cedência da exploração do estabelecimento, que assumia os direitos e obrigações decorrentes do contrato de compra exclusiva objecto destes autos, sendo que a Autora e o Réu acordaram entre si (na presença dos legais representantes da G…, Ld.ª, e com a concordância destes) que este ficava exonerado das responsabilidades decorrentes de tal contrato. E mais foi acordado entre todos que a partir de 26 de Maio de 2009 a sociedade G…, Ld.ª era a única responsável pelo cumprimento do contrato de compra exclusiva e pelas consequências contratuais emergentes do seu incumprimento ou resolução. A Autora omite, pois, factos importantes para a descoberta da verdade material e para a boa decisão da causa, pelo que litiga de má-fé, devendo ser condenada em multa processual e no pagamento de indemnização em valor a arbitrar pelo tribunal. Mesmo que assim não se entenda, a cláusula penal (cláusula 8º, n.º 3) inserta no contrato firmado sempre deverá ser judicialmente reduzida, por ser manifestamente excessiva. Pede, a final, a absolvição do pedido e a condenação da Autora como litigante de má fé. … … Elaborado despacho saneador, tendo sido fixado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova, realizou-se a audiência de discussão e julgamento e foi proferida sentença que julgou a acção procedente e condenou o Réu a pagar à Autora as quantias de 11.666,67€ (onze mil, seiscentos e sessenta e seis euros e sessenta e sete cêntimos), acrescida de juros moratórios à taxa legal para as dívidas comerciais, desde a data da resolução contratual até efectivo e integral pagamento, e de 6.416,67€ (seis mil, quatrocentos e dezasseis euros e sessenta e sete cêntimos), acrescida de juros moratórios à taxa contratualmente convencionada, ou seja, à taxa de 13%, desde 29 de Agosto de 2007 até efectivo e integral pagamento. Inconformado com esta decisão dela interpôs recurso o réu, concluindo que: … Nas contra alegações a Autora defendeu a confirmação da sentença recorrida e a improcedência do recurso. Colhidos os vistos, cumpre decidir. Fundamentação O Tribunal recorrido deu como provado que: … Além de delimitado pelo objecto da acção; pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, o âmbito, subjectivo ou objectivo, do recurso pode ser limitado pelo próprio recorrente. Essa restrição pode ser realizada no requerimento de interposição ou nas conclusões da alegação (artº 635 nºs 2, 1ª parte, e 3 do CPC). De harmonia com o despacho que admitiu o recurso ordinário de apelação, por referência as conclusões nele expostas o objecto deste remete para a impugnação da fixação da prova, considerando o recorrente que deveriam ter sido julgados provados os factos das alíneas b), c), d) e e) da matéria considerada não provada; - Remete também para a resolução do contrato discutido nos autos protestando o recorrente que o tribunal não o declarou resolvido quando o deveria ter feito para ser admissível a condenação que proferiu; que em qualquer caso a resolução sustentada pela recorrida não é eficaz nem operante por não ter sido comunicada ao Administrador de Insolvência da sociedade G…, Ldª e por a natureza do contrato celebrado entre o Réu e a sociedade G… não permitir a aplicação da clausula 10 do contrato celebrado com a recorrida nada sendo devido a esta por parte do recorrente; - Incide ainda o recurso sobre a irresponsabilidade do recorrente por qualquer pagamento para com a recorrida por violação das regras da boa fé. - Por último remete o recurso para a data da fixação dos juros de mora, considerando o recorrente que estes, só seriam devidos a partir da data da citação. Da impugnação da matéria de facto Abordando agora a primeira questão suscitada no recurso, a impugnação da matéria de facto, verificamos que o nº1 do art. 640 do (N)CPC (reproduzindo o art. 685 - B do CPC) estabelece que quando haja sido feita essa impugnação o recorrente deve obrigatoriamente e sob pena de rejeição especificar: a) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) os concretos meios probatórios constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que impunham a decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. E acrescenta o nº2 do preceito que no caso de terem sido invocados meios probatórios gravados como fundamento do erro na apreciação do recurso, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens gravadas em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes. São estes os requisitos de forma estabelecidos na lei como imprescindíveis ao conhecimento da impugnação, não deixando dúvidas que a sua inobservância gera a rejeição da solicitação da impugnação. E porque no caso em decisão tais requisitos se encontram preenchidos, passamos de imediato à verificação do fundamento do que é invocado. Quanto à impugnação da matéria de facto, no domínio da sua natureza, finalidade e limites, em sede de recurso, sabemos que o Tribunal da Relação pode alterar a decisão sobre a matéria de facto se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do nº1 do art. 640 do (N)CPC, a decisão com base neles proferida. Os fundamentos de prova invocados para alteração da decisão facto remetem para os critérios de convicção do julgador na apreciação da prova produzida. Quanto a esta convicção e ao modo de a apreender, o Tribunal da Relação tem a possibilidade de alterar o decidido em 1ª instância, reapreciando as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em conta o conteúdo das alegações do recorrente e do recorrido, para o que procederá, nos termos sobreditos, à audição dos depoimentos indicados pelas partes (arts. 712º, nºs 1 a), 2ª parte, e 2 e 685º-B). E pode mesmo, para proferir a sua decisão, «oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados» (art. 712º/2, 2ª parte). A extensão desta reapreciação, que o Tribunal da Relação realiza, coincide em amplitude com a da primeira instância, traduzindo-se na audição dos depoimentos, atendendo aos meios probatórios que existam nos autos destinados à demonstração desses concretos pontos, apreciando-os criticamente de forma a responder-lhes convictamente e em consciência, segundo critérios razoabilidade e segurança, e emitindo um juízo de concordância ou discordância com a matéria fixada e que foi impugnada, mantendo-a ou alterando-a. Independentemente de, a partir da exegese dos preceitos, se poder questionar a natureza da impugnação e a sua finalidade, na perspectiva do modo como funciona a apreciação da impugnação, aquilo que se conclui é que é na apreciação da prova em recurso se realiza um juízo de valoração sobre essa prova, procedendo-se à sua apreciação e revelando-se o modo como esses concretos pontos, no escrutínio da segunda instância, deverão ser julgados. É pacífico, para nós, que não é por referência às respostas dadas aos quesitos e à sua motivação, que consta do despacho fundamentador, sem audição dos depoimentos e sem consulta da demais prova que exista, que se pode decidir a matéria de facto impugnada, nem esta decisão dispensa a formação e formulação de uma convicção própria, ou se basta e tem por suficiente que tenha havido depoimentos sobre essa matéria, independentemente do seu conteúdo ou do modo como tenham sido valorados. E temos por evidente, também, que o resultado dessa actividade de apreciação é sempre a da formação de uma convicção, pois não se compreenderia sequer que um juiz (ainda que da Relação) fosse convocado para uma fase probatória, em que a lei lhe determina que reaprecie as provas, e não se lhe pedisse a formação de uma convicção própria e, mais ainda, que a formulasse. Acontece, contudo, que a actividade de reapreciação, mesmo com a formação de uma convicção própria acaba sempre por constituir um veredicto sobre uma actividade anterior já que o que a lei determina é que a reapreciação a realizar pela Relação confirme ou altere a matéria anteriormente decidida. Isto é, o objecto da reapreciação, no caso que agora nos importa, é delimitado pela própria impugnação e destina-se, imediatamente, à emissão de um juízo sobre essa matéria de facto e, mediatamente, à declaração de manutenção ou de alteração dessa matéria anteriormente firmada. Porém, tudo isto que acabamos de dizer, atendendo à circunstância sublinhada de a apreciação da matéria de facto impugnada ser sempre uma reapreciação de uma convicção anteriormente formada, impõe que se tenha presente que o relacionamento desta instância com a prova testemunhal (a prova que o Apelante considera ter sido mal apreciada pela primeira instância em alguns aspectos) tem lugar de forma indirecta, através do acesso às gravações áudio realizadas na audiência de julgamento, recomendando pois que se valore de forma significante a imediação que ali existiu e aqui não.
Entrando agora no concreto da apreciação da impugnação da matéria de facto, verificamos que o tribunal recorrido considerou como não provado que: “b) Não obstante o convencionado no artigo 10.º, n.º 1, do acordo referido em 4), a Autora e o Réu tinham acordado entre si – na presença na presença dos sócios gerentes da sociedade G…, Ld.ª, e com a concordância desta – que a cedência do estabelecimento e a transmissão dos direitos e obrigações do contrato para a G…, Ld.ª, exonerava o Réu das responsabilidades que tinha assumido com a celebração daquele contrato, nomeadamente, pelo cumprimento do contrato e pelas consequências contratuais emergentes do seu incumprimento; c) Mais foi acordado entre todos que, a partir de 26 de Maio de 2009, a sociedade G…, Ld.ª era a única responsável pelo cumprimento do contrato de compra exclusiva celebrado com a Autora e pelas consequências contratuais emergentes do seu incumprimento ou resolução; d) Por tal motivo, na comunicação referida em 11), não fez o Réu constar a frase aludida em 23); e) Foi expressamente aceite que o Réu se encontrava desobrigado de todas as obrigações resultantes do contrato referido em 4). Nas conclusões de recurso o Apelante sustenta que esta mesma matéria deveria ter sido considerada como provada e porque tal impunha o que foi afirmado em julgamento pela testemunha ... … Em resumo, temos por seguro, lógico e razoável que em face da prova produzida a matéria impugnada deveria ter sido considerada como não provada, como o foi, sendo esta a convicção que formamos da apreciação dessa mesma prova e, como assim, se decide manter a convicção do tribunal recorrido, improcedendo nesta parte as conclusões de recurso. Quanto à decisão de direito Alterando a ordem do conhecimento das questões suscitadas neste âmbito, porque entendemos que no contexto da decisão ter lógica proceder a esta alteração, começamos a sua análise pela que protesta a solidariedade da obrigação (cláusula 10ª do contrato). Neste segmento do objecto do recurso o recorrente defende não poder ser condenado como o foi a pagar à Autora a quantia de 11.666,67 € (indemnização prevista na cláusula 8ª, nº 3, do contrato celebrado), e, bem assim, devolver a quantia entregue pela Autora como contrapartida do regime de exclusividade, deduzida da parte correspondente aos 49 meses de vigência contratual cumpridos, ou seja, a quantia de 6.416,67 € e isto porque, em seu entender só em caso de trespasse ou de cessão de exploração de estabelecimento comercial é que se mantinha a solidariedade contratada na clausula 10ª e o negócio que celebrou com a sociedade G…, Lda não foi nenhum desses dois mas sim um outro de cessão da posição contratual não previsto no contrato. Também aqui importa realizar a interpretação da cláusula discutida (a 10ª) para se determinar o sentido pretendido pelas partes. Está escrito na cláusula 10ª que “Se durante a vigência deste contrato, o revendedor trespassar ou ceder, por qualquer outro título, o estabelecimento mencionado na cláusula 2ª, ou a sua exploração, deverá o respectivo contrato incluir a transmissão dos direitos e obrigações decorrentes do presente contrato para o trespassário ou cessionário, ficando porém, o revendedor solidariamente responsável pelo seu cumprimento e pelas consequências contratuais emergentes do seu incumprimento ou resolução.” Por referência às regras dos arts. 236, 237 e 238 do CCivil referentes à interpretação da declarações negociais sabemos que estas devem ser tomadas com o sentido que possa ser deduzido do comportamento do declarante por um declaratório normal colocado na situação real do declaratório (art. 236 nº1) valendo nos negócios formais o sentido que maior correspondência tenha com o texto e não podendo a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência com esse texto. Basta pois ler o texto da cláusula 10ª para perceber que aquilo que manifestamente se pretendeu foi salvaguardar a solidariedade do recorrente nos casos em que este cedesse a outrem a exploração do estabelecimento, fosse por trespasse, fosse por qualquer outra forma de cedência. Não se distinguiu nem se restringiu a solidariedade aos negócios típicos de trespasse ou de cedência do estabelecimento mas antes se quis que, fosse qual fosse a forma de cedência da exploração, titulada por que tipo de negócio fosse, se manteria a responsabilidade do réu/recorrente. Não há no texto da estipulação negocial referida qualquer elemento que permita restringir a responsabilidade como o recorrente pretendeu havendo antes a expressão que aquilo que se desejou foi manter essa responsabilidade ainda que a exploração do estabelecimento deixasse de ser realizada pelo réu/apelante. Esta cláusula de garantia e segurança não aparece no conjunto das estipulações negociais, associada a qualquer tipo de negócio formal, extraindo-se do seu sentido que a sua inclusão no texto do negócio era o de manter ligado às vicissitudes do contrato o réu/recorrente, ainda que este deixasse de ter responsabilidade na exploração do estabelecimento. Outro argumento do recorrente é o de que a Autora é a contraente que tem a posição mais forte e o tribunal recorrido deveria ter ponderado o problema do rigor da boa-fé a que a Autora, enquanto contraente mais forte, está obrigada perante as vicissitudes existenciais do contrato. Assim, como continua a defender o Apelante, deveria ter sido censurado à Apelada a circunstância de, à carta enviada pelo Réu à Autora e constante de fls 16 e 17, esta última não ter dado qualquer resposta. Explicando um pouco melhor, resulta da matéria fixada como provada na sentença recorrida que “11) Por carta datada de 28 de Maio de 2009, o Réu comunicou à Autora que havia cedido a exploração do estabelecimento “Theatro C…” à sociedade G…, Ld.ª, transmitindo os direitos e obrigações decorrentes do acordo referido em 4), conforme decorre do documento de fls. 16, cujo teor se dá aqui por reproduzido; 12) Com a referida comunicação, o Réu juntou uma declaração da cessionária, que faz fls. 17 e que aqui se dá por reproduzido, assumindo os direitos e obrigações decorrentes do acordo aludido em 4”. 23) Em minuta fornecida pela Autora ao Réu para o caso de ter de comunicar a transmissão do estabelecimento, faz-se constar, entre o mais, o seguinte: «Conforme previsto no contrato de compra exclusiva, mantemo-nos solidariamente responsáveis pelo cumprimento do contrato de compra exclusiva e pelas consequências contratuais emergentes do seu incumprimento ou resolução» - cf. fls. 99, cujo teor se dá aqui por reproduzido;” Ora, é na conjugação destes elementos probatórios que o recorrente constrói o entendimento segundo o qual, se a Apelada lhe forneceu uma minuta para lhe enviar em caso de transferência da exploração do estabelecimento; se nessa minuta se fazia referência expressa à continuação do Apelante como solidariamente responsável; e se a minuta que este enviou àquela não tinha menção a essa expressa solidariedade, como decorre da carta de fls. 16, então ter-se-ia de concluir, de acordo com as conclusões de recurso, que segundo os ditames da boa-fé estava a autora obrigada a dar resposta a esta última carta para, pelo menos, indagar do motivo pelo qual não havia sido transcrito aquele último parágrafo, informando-o e alertando-o para o facto de tal responsabilidade solidária se manter. Conclui assim que ao não o ter feito a Autora falhou na boa-fé a que estava obrigada por ter deixado “na ignorância de uma falha contratual gravosa um pequeno comerciante (cliente, afinal de contas), aparecendo depois, no caso de insucesso mercantil, a opor-lhe a responsabilidade advinda afinal como consequência do equívoco silêncio por parte da autora – que poderia não ter tido”; o recorrente ficou na convicção de que se encontrava desobrigado de todas as obrigações resultantes do contrato em causa nos presentes autos não devendo, pois, em consequência, ser condenado. Fazendo radicar o argumento do recorrente na norma jurídica correspondente, ainda que o Apelante nenhuma correspondência normativa inclua na sua alegação, tudo indica que o que ele pretende apontar é uma violação do art. 762 nº2 do CCivil onde se dispõe que “no cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente devem as partes proceder de boa fé”. Este preceito que faz reflectir no cumprimento das obrigações o mesmo princípio que o art. 227 nº1 do mesmo diploma estabelece para a fase de negociação dos contratos imponde que “tanto nos preliminares como na formação do contrato as partes devem proceder segundo as regras da boa-fé sob pena de responderem pelos danos que culposamente causem á outra parte”. Cingindo-nos exclusivamente ao âmbito do primeiro normativo citado porquanto não nos encontramos já na fase da formação do contrato mas antes na do seu cumprimento/incumprimento, advertimos que neste domínio a previsão do art. 762 se articula com a do art. 334 (todos do CCivil) que reputa como “ilegítimo o exercício de um direito quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo fim social ou económico desse direito”. Para analisarmos correctamente do exercício dos direitos, em conformidade ou desconformidade com estas regras, importa ter presente que a violação positiva do contrato, segundo a dogmática actual, integra os casos de cumprimento defeituoso da prestação principal, de incumprimento ou impossibilitação de prestações secundarias e de violação de deveres acessórios. E os regimes aplicáveis nestas hipóteses são as do direito à indemnização pelos danos; a possibilidade de recusar legalmente a prestação e a de mover excepção do contrato não cumprido[1]. Ora, nesta violação positiva dos contratos, a boa-fé “é chamada a depor em dois níveis: no campo da determinação das prestações secundárias e da delimitação da própria prestação principal, ela age sobre as fontes como instrumento de interpretação e integração; no dos deveres acessórios, ela tem um papel dominante na sua génese”[2] Ainda que de forma breve aludimos a que os deveres acessórios de esclarecimentos obrigam as partes a, na vigência do contrato que as une, informarem-se mutuamente de todos os aspectos atinentes ao vínculo de ocorrências que, com ele, tenham certa relação e ainda todos os efeitos que da execução contratual possam advir[3]. Por sua vez, os deveres acessórios de lealdade obrigam as partes a, na pendência contratual, absterem-se de comportamentos que possam falsear o objectivo do negócio ou desequilibrar o jogo das prestações por elas consignado[4]. E se os deveres de informação têm uma proximidade ao vínculo contratual superior aos deveres acessórios de protecção que, nada têm a ver com a regulação contratual e com a sua execução fiel[5], também é verdade que com eles se pretende “constar que sob violações alegadas de deveres de informação está a vontade de proporcionar certos conteúdos contratuais, de conseguir certas repartições de risco ou de contornar dificuldades de prova”[6]. No concreto que nos ocupa, julgamos que o recorrente pretendia incluir a ausência de resposta da recorrida à sua carta (em que informando ter passado para outrem a exploração do estabelecimento não incluía o segmento da minuta fornecida confirmando a sua responsabilidade solidária) num caso de violação dos deveres de informação/lealdade. Cremos no entanto que não lhe assiste razão. Constando dos artigos do contrato expressamente que o recorrente se manteria solidariamente responsável pelo seu cumprimento e pelas consequências contratuais emergentes do incumprimento do contrato (10º nº1) não tem qualquer relevância jurídica que ao comunicar a transmissão para outrem do estabelecimento o réu não tenha incluído uma parte da minuta para esse efeito facultada pelo fornecedor, precisamente aquela em que se afirmava a sua responsabilidade solidária. Pretender-se que assente nessa voluntária omissão do réu, não repontada pelo fornecedor, se poderia ter por obtido tacitamente o efeito de uma alteração expressa do contrato, prevista no art. 406 nº1 do CCivil, seria de todo abusivo e não admissível, sabendo-se que na economia do contrato essa era uma cláusula da maior importância que, de forma alguma, poderia ser excluída de forma tão subtil como a que o recorrente pretende. Não constitui assim qualquer omissão de dever de informação ou de lealdade o não ter a recorrida respondido à carta do réu fazendo notar que nela não constava o segmento da responsabilidade solidária, porquanto constava do contrato essa solidariedade sem que de alguma maneira tivesse essa obrigação sido alterada ou excluída por acordo das partes, não tendo a autora qualquer outro dever de informar, posteriormente à constituição desse vínculo (o da responsabilidade solidária) qualquer outro aspecto desse mesmo vínculo, e menos ainda que ele se mantinha. Por outro lado, nenhum dever acessório de lealdade impunha à autora que interpelasse o réu para a circunstância de a carta enviada não fazer protesto da continuação da sua responsabilidade e isto porque tal responsabilidade não advinha da necessidade de a reafirmar numa carta para efeitos de comunicar a transmissão da exploração mas resultava directamente, e só, do contrato. Nem o contexto das mais ou menos poderosas situações de mercado de cada uma das partes admitem entender que com base nelas se conclua que um contraente se exonere de uma obrigação constante de um contrato por si celebrado bastando para tal que envie uma carta ao outro contraente em que protestando a responsabilidade de algumas obrigações assumidas, omita outras. A finalidade da carta enviada era, como se disse, a de cumprir uma obrigação decorrente do contrato em caso de trespasse ou cedência a qualquer título do estabelecimento e não a de renovar a obrigação de se manter responsável, sendo para o efeito de todo irrelevante que na missiva o réu fizesse ou não a afirmação de tal responsabilidade, sendo, por extensão, de todo irrelevante que a carta tenha sido ou não escrita com base numa minuta fornecida pela autora. Se o recorrente ficou, como diz, na convicção de que se encontrava desobrigado de todas as obrigações resultantes do contrato em causa nos presentes autos tal ter-se-á ficado a dever a uma precipitação de convicção ou erro de análise e conclusão que só a si é imputável, e não a ter sido deixado na ignorância de qualquer falha contratual que não fosse clara ou não estivesse dee4 todo esclarecida nos termos do contrato. Assim, também por este argumento se entende que devem improceder nesta parte as conclusões de recurso e declarar-se que nenhuma circunstância ocorreu, depois de ter sido celebrado o contrato entre autora e réu, que tenha levado a excluir a responsabilidade do recorrido pelo cumprimento do contrato, ainda que tenha transmitido o estabelecimento por si explorado a outrem. Da resolução do contrato Das diversas questões suscitadas pelo recorrente e referentes à resolução do contrato celebrado com a recorrida, iniciamos por aquela em que protesta que a resolução do contrato não produziu efeitos por não haver sido comunicada ao administrador de insolvência de sociedade “G…, Ldª. Diz o recorrente que “ nos termos do art 102º nº 2 do CIRE, a Autora em vez de ter enviado a carta referida no ponto 16) dos factos provados à sociedade Insolvente “G…, Lda.”, deveria ter notificado o Senhor Administrador da Insolvência daquela sociedade para se pronunciar quanto à execução resolução do contrato em causa nos presentes autos na qual deveria colocar a advertência que, caso nada dissesse, se consideraria o mesmo definitivamente resolvido, conforme, de resto assim o dispõe o nº 2 do art. 102 do CIRE.” Esta matéria é suscitada pelo recorrente apenas nas suas alegações de recurso não tendo a mesma sido assinalada em qualquer fase anterior dos autos. No direito português, os recursos ordinários visam a reapreciação da decisão proferida, dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento do seu proferimento. Isto significa que, em regra, o tribunal de recurso não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que não hajam sido formulados. Os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais – e não meios de julgamento de questões novas[7]. Excluída está, portanto, a possibilidade de alegação de factos novos - ius novarum nova – na instância de recurso. Em qualquer das situações, salvaguarda-se, naturalmente, a possibilidade de apreciação, em qualquer grau de recurso, da matéria de conhecimento oficioso[8]. Como se fez referência no ac. da R. Coimbra de 8-11-2011 no proc. 39/10.8TBMDA.C1 que aqui acompanhamos de citação, face ao modelo do recurso de reponderação que o direito português consagra, o âmbito do recurso encontra-se objectivamente limitado pelas questões colocadas no tribunal recorrido pelo que, em regra, não é possível solicitar ao tribunal ad quem que se pronuncie sobre uma questão que não se integra no objecto da causa tal como foi apresentada e decidida na 1ª instância. A função do recurso ordinário é, no nosso direito, a reapreciação da decisão recorrida e não um novo julgamento da causa. O modelo do nosso sistema de recursos é, portanto, o da reponderação e não o de reexame[9]. Não obstante o modelo português de recursos se estruturar decididamente em torno de modelo de reponderação, que torna imune a instância de recurso à modificação do contexto em que foi proferida a decisão recorrida, o sistema não é inteiramente fechado. A primeira e significativa excepção a esse modelo é a representada pelas questões de conhecimento oficioso[10]: ao tribunal ad quem é sempre lícita a apreciação de qualquer questão de conhecimento oficioso ainda que esta não tenha sido decidida ou sequer colocada na instância recorrida. Estas questões – como, por exemplo, o abuso do direito ou os pressupostos processuais, gerais ou especiais, oficiosamente cognoscíveis – constituem um objecto implícito do recurso, que torna lícita a sua apreciação na instância correspondente, embora, quando isso suceda, de modo a assegurar a previsibilidade da decisão e evitar as chamadas decisões-surpresa, o tribunal ad quem deva dar uma efectiva possibilidade às partes de se pronunciarem sobre elas (artº 3 nº 3 do CPC). Consultando a contestação do recorrente na acção observamos que em parte alguma ele protestou que a resolução do contrato para ser operante devesse ser comunicado não directamente à sociedade G…, Ldª mas sim a um eventual administrador de insolvência. Não sendo esta matéria uma daquelas a que a lei atribui conhecimento oficioso – vd. os arts. 494, 495 e 496 do CPC, com a mesma redacção que veio a adoptar o NCPC nos arts. 577, 578 e 579 –, como vimos anteriormente, a mesma só poderia ser objecto de apreciação em sede de recurso se tivesse sido objecto de apreciação pelo tribunal recorrido, o que faz improceder nesta parte e desde logo as conclusões de recurso. Afirmar-se, como o recorrente faz nas suas alegações de recurso por mais que uma vez, que estando disponíveis os factos o juiz conhece de todas as questões de direito (inclusive das que não tenham sido suscitadas pelas partes) não inteiramente rigoroso porque, em boa verdade, o que a lei permite é que o tribunal, na subsunção dos factos ao direito não esteja dependente das balizas interpretativas fornecidas por demandantes e demandados mas possa, por si mesmo e sem qualquer dependência, interpretar esses factos da forma que considere mais adequada. Porém, esta liberdade não é a de poder conhecer todas as questões de direito mesmo que os factos que permitissem conhecê-las estejam disponíveis porquanto, como advertimos antes, só as que sejam de conhecimento oficioso podem ser objecto de apreciação sem alegação prévia. Observe-se, no caso, que saber se deveria ser o administrador de insolvência da sociedade G…, Ldª a declarar a resolução do contrato após ter sido notificado pela autora como defende nas conclusões de recurso o Apelante, não é uma questão de conhecimento oficioso nem a mesma se confunde com o averiguar da regularidade, validade ou nulidade da prática ou omissão de algum acto no próprio processo. Com efeito, o que o art. 5 nº3 do CPC prescreve é a liberdade interpretativa do julgador face à interpretação e aplicação das regras de direito mas dentro das questões suscitadas pelas partes e que por estas devam ser suscitadas por não serem de conhecimento oficioso. E para que se tenha uma ideia mais precisa do que afirmamos bastará tomar o exemplo de que ainda que um processo contenha todos os factos necessários ao conhecimento da prescrição, se a parte a quem ela aproveita a não invocar, não pode o tribunal conhece ex oficio (cfr. art. 303 do CCivil). Ora, neste particular observe-se que o recorrente não reclama ter ficado por apreciar pelo tribunal recorrido qualquer questão que fosse de oficioso conhecimento, defendendo isso sim que este Tribunal da Relação deverá apreciar, agora, questões que antes não haviam sido colocadas pelas partes nem sido objecto de conhecimento por parte do tribunal recorrido, o que como vimos não é admissível. Não obstante esta decisão que julga vedado ao nosso conhecimento a questão enunciada, por não ter sido apreciada pelo tribunal recorrido nem ser de conhecimento oficioso, ainda que por breve nota, sempre diremos que a previsão do art. 102 nº2 do CIRE não teria aplicação à presente situação objecto de recurso, uma vez que o que aqui se discute não é a ausência de comunicação à sociedade G…, Ldª da declaração de resolução, nem a existência de um contrato bilateral não cumprido por um insolvente que exigisse uma declaração do administrador de insolvência no sentido de aceitar a sua execução ou recusar o seu cumprimento mas, outrossim, apenas saber se existia no contrato uma cláusula de resolução expressa que permitisse à autora pôr termo ao contrato sem prévia anuência da outra parte contratante. Protestado a inoperância da resolução do contrato celebrado com a recorrida, o recorrente sustenta que “a sentença recorrida não declara o contrato (…) resolvido mas condena o Réu, ora Recorrente, a restituir e a pagar à Autora as importâncias que já tivemos a hipótese de enumerar e que apenas eram devidas caso tivesse havido resolução do contrato, ou melhor, caso a Autora tivesse exercido correctamente o direito à resolução. O direito de resolução não foi correctamente exercido pela Autora, tendo em conta o tipo de cláusula de resolução prevista no contrato em causa (cláusula 8ª). A cláusula 8ª do contrato não é uma cláusula resolutiva expressa, na medida em que a mesma não indica, não refere expressamente, as obrigações e modalidades de incumprimento que conferem o direito de resolução, não identifica com precisão o inadimplemento que pode dar lugar à resolução.” Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 436.º do Código Civil, «A resolução do contrato pode fazer-se mediante declaração à outra parte» e por força desta norma legal, a resolução opera através de mera comunicação extrajudicial, sendo que esta comunicação poderá, enquanto regra geral, revestir forma verbal, podendo assim concluir-se que o n.º 1 do artigo 436.º do Código Civil adopta o sistema «declarativo» do § 349 do BGB alemão[11]. Resulta do citado preceito legal do Código Civil português que, embora esteja inserida num contexto contratual (onde o paradigma é o «encontro de vontades» das partes), a resolução contratual configura um acto jurídico unilateral que opera através de uma decisão de um dos contraentes e que não carece (nem fica sujeita ao) do consentimento da contraparte[12], assumindo-se a resolução como um direito potestativo que um dos contraentes pode impor à sua contraparte[13]. Não obstante a resolução contratual estar especificamente prevista nos artigos 432.º e seguintes do Código Civil, enquanto acto jurídico, a resolução também é regulada - na parte em que não estão previstas soluções específicas nestes preceitos legais - pelas disposições legais que consagram o regime geral dos negócios jurídicos (cfr. artigo 295.º do Código Civil). Ora, tendo em atenção que as declarações negociais são receptícias (cfr. o artigo 224.º, n.º 1, do Código Civil), a declaração de resolução torna-se plenamente eficaz logo que chega à esfera do seu destinatário, maxime nos termos convencionados pelas partes (nomeadamente com base numa cláusula resolutiva estipulada pelos contraentes). É esta estipulação, constante num contrato, que a faz entender como cláusula resolutiva expressa e que faz prescindir do recurso à interpelação judicial para a efectivar. Para saber se a clausula 8ª do contrato celebrado entre Autora e Réu configura uma estipulação de resolução expressa é necessário ter presente o seu teor e sentido teleológico, pois é a partir da sua interpretação que se extrai o que com ele se pretendeu fixar quanto ao modo de accionar. Dispõe a cláusula 8ª do contrato celebrado entre recorrente e recorrida que “No caso de incumprimento ou mora no cumprimento das obrigações decorrentes deste contrato, que não seja remediada no prazo de 15 dias a contar da recepção da comunicação escrita que para o efeito dirigir à contraente faltosa poderá o outro contraente resolver o contrato.” Julgamos que decorre com critério do teor desta cláusula que qualquer uma das partes poderia resolver o contrato em caso de incumprimento da outra, devendo para o efeito dirigir-lhe uma comunicação escrita informando não estar o contrato a ser cumprido e que deveria remediar essa situação, cumprindo, no prazo de 15 dias, caso em que, se não o fizesse, o contrato seria resolvido. Como obstáculo a esta interpretação sustenta o recorrente que essa cláusula não menciona em concreto as obrigações que uma vez não cumpridas dariam causa à resolução. A este propósito escreve Calvão da Silva, que “as partes não podem dar à cláusula resolutiva expressa um conteúdo meramente genérico, referindo-se, por exemplo, ao incumprimento de todas as obrigações contratuais. Têm de fazer uma referência explícita e precisa às obrigações cujo incumprimento dá direito a resolução, identificando-as. Desde que identificadas uma a uma, obviamente que a cláusula resolutiva já pode reportar-se à totalidade das obrigações emergentes do contrato”[14] . E neste mesmo sentido da necessidade de se poder e dever percepcionar, a partir da estipulação contratual, qual ou quais as obrigações que geram ou podem gerar a resolução, Batista Machado referia que “a chamada cláusula resolutiva expressa deve referir-se a prestações e a modalidades de adimplemento determinadas com precisão: as partes não podem ligar a resolução a uma previsão genérica e indeterminada, do tipo «em caso de inadimplemento de qualquer obrigação surgida do presente contrato, este considera-se resolvido»”[15]. O sentido desta advertência compreende-se por, em face da função da cláusula resolutiva constituir mais um meio de pressão (além da cláusula penal e do sinal) a que o credor recorre para incentivar o devedor a cumprir as suas obrigações, se dever exigir que as partes valorem, no momento em que estipulam a cláusula, as obrigações e modalidades de incumprimento a que conferem o direito de resolução; exigindo-se que revelem que valoraram específica e singularmente a gravidade da inadimplência – isto é, o fundamento e pressuposto indispensáveis à resolução. De facto, como reflecte Batista Machado, “ A cláusula resolutiva pode ter e tem frequentemente em vista, apenas, estabelecer que um determinado incumprimento será considerado grave e constituirá fundamento de resolução, eliminando assim de antemão qualquer dúvida ou incerteza quanto à importância de tal inadimplemento e subtraindo esse ponto a uma eventual apreciação do juiz. A função normal da cláusula resolutiva é justamente a de organizar ou regular o regime do incumprimento mediante a definição da importância de qualquer modalidade deste para fins de resolução. Deve no entanto dizer-se que esta liberdade das partes no que respeita à definição da importância do inadimplemento para efeitos de resolução não pode ser absoluta – isto é, não pode ir ao ponto de permitir estipular que até um inadimplemento levíssimo, de todo insignificante na economia do contrato, possa dar lugar à resolução. Pois que a cláusula resolutiva não pode ser tal que, pela sua exorbitância, entre em conflito com o princípio da boa fé contratual – nem tal que se traduza numa fraude ao princípio do art. 809.º”[16] . É perante este quadro de exposições e advertências que julgamos caber uma reflexão que decorre directamente da interpretação da cláusula resolutiva. Se se impõe que da leitura da cláusula contratual resolutiva possa descobrir-se sem esforço e de forma inequívoca quais as obrigações cujo incumprimento dá direito a resolução, e se também é verdade que, desde que identificadas uma a uma, a cláusula resolutiva pode reportar à totalidade das obrigações emergentes do contrato, considerando que a liberdade das partes no que respeita à definição da importância do inadimplemento para efeitos de resolução tem de ser articulada com o princípio da boa fé contratual, o que perguntamos é se, mais que atender a se a cláusula é genérica ou não, será possível tomar em atenção se na economia do contrato, isto é, se no contexto das cláusulas estabelecidas pelas partes, é inequívoco o que elas quiseram firmar quanto às obrigações que davam lugar à resolução, e se se pode concluir de forma inequívoca e segura, segundo os ditames da boa fé, que foram precisamente essas as consequências que elas quiseram para o incumprimento de tais obrigações. Ora, na análise do concreto da situação que nos ocupa, o teor da cláusula resolutiva firmada no contrato estabelece que “No caso de incumprimento ou mora no cumprimento das obrigações decorrentes deste contrato, que não seja remediada no prazo de 15 dias a contar da recepção da comunicação escrita que para o efeito dirigir à contraente faltosa poderá o outro contraente resolver o contrato.”. É verdade que não se menciona aí, expressamente, que incumprimento de que cláusulas resultava a resolução, porém, o elenco das recíprocas obrigações estabelecidas pelas partes é preciso e curto, deixando perceber que a que resultavam para a recorrida/fornecedor era a de fornecer os seus produtos e, para o revendedor, a de comprar tais produtos àquela, em exclusividade e a pronto pagamento e a de, em caso de trespasse ou cedência por qualquer titulo do estabelecimento, incluir a transmissão dos direitos e obrigações decorrentes desse contrato (comunicando-o à fornecedora) (cláusula 10ª). É evidente que a obrigação de adquirir 150.000 litros de produtos do comércio da recorrida (cláusula 9ª) cremos que funcionava apenas como um limite objectivo/temporal da duração do contrato que terminaria assim que tal limite fosse atingido, havendo suplementarmente um prazo máximo de 5 anos, para que essa aquisição fosse atingida, o que só em caso de tal não ter sido obtido geraria a possibilidade de resolução, sendo que a obrigação de a recorrida pagar pela exclusividade o montante fixado se esgotou na própria celebração do negócio onde o documento que o titula refere haver sido paga nesse montante esse valor. Julgamos não oferecer dúvida que ao celebrarem o contrato as partes ficaram plenamente cientes que por força dessas cláusulas que quiseram firmar, se a recorrida não fornecesse os produtos contratados ou a revendedora os não adquirisse (e os pagasse) em exclusividade, durante o período de tempo de 5 anos e/ou até ao limite de 150.000 litros; ou não fizesse incluir, em caso de cedência do estabelecimento, estas obrigações, o contrato poderia ser resolvido enviando-se primeiro uma comunicação extrajudicial a declarar a falta de cumprimento; a conceder o prazo de 15 dias de remediação e, findo este prazo, a declarar a resolução. Neste contexto interpretativo poder-se-ia argumentar no sentido de configurar como cláusula resolutiva expressa a 8ª do contrato, que não seria interpretativamente razoável afirmar-se a possibilidade de, se no contrato se reportarem concretamente todas as cláusulas como causa de resolução, ser admissível considerar como válida a cláusula de resolução expressa, mas já não ser de entender a mesma como admissível se se clausular que o incumprimento das obrigações contratuais dá causa à resolução mas não se mencionar cada uma da totalidade das obrigações contratuais firmadas, quando estas são apenas as de fornecer o produto e as de adquirir em exclusividade (e pagar) até ao valor de 150.000 litros esse mesmo produto, num prazo máximo limite de 5 anos. Contudo, contra esta invocação deve contrapor-se que a finalidade da cláusula resolutiva é, como antes sublinhámos, a de organizar ou regular o regime do incumprimento mediante a definição da importância de qualquer modalidade deste para fins de resolução, estabelecendo-se que um determinado incumprimento deverá ser considerado grave e constituirá fundamento de resolução, de forma a eliminar qualquer dúvida ou incerteza quanto à importância de tal inadimplemento[17]. Ainda que possa parecer óbvio que os contraentes tenham pretendido considerar o incumprimento de uma obrigação como causa de resolução expressa do contrato (v.g. o não fornecimento de produto por parte da fornecedora ou a não aquisição e pagamento do produto por parte da revendedora), julgamos que a exigência de expressamente reportar esse incumprimento dando causa à resolução deve ter-se por incontornável para a admissibilidade de aceitar a cláusula resolutiva como expressa. É que só assim será possível, sem quaisquer dúvidas, identificar que concreto incumprimento foi considerado pelas partes grave e constituinte de fundamento de resolução, a ponto de o subtrair a uma eventual apreciação do juiz. Em consequência, por se entender que não é permitida uma cláusula genérica para admitir se tenha por válida a resolução expressa, concluímos pois que no caso dos autos a cláusula 8ª do contrato não a configura. Acresce que da própria interpretação desta cláusula 8ª do contrato resulta que aquilo que se pretendeu foi, de forma um tanto redundante, afirmar o regime do art. 808 nº1 do CCivil. Veja-se que essa cláusula impõe uma primeira comunicação ao inadimplente comunicando-lhe a sua inadimplência e dando-lhe o prazo de 15 dias para cumprir caso em que não o fazendo haverá resolução, o que constitui precisamente uma situação de interpelação admonitória, conducente a converter a mora em incumprimento definitivo. E nem sequer a interpretação dessa cláusula permite, em nosso entender, que se possa concluir que, feita essa comunicação (de que o remetente dela está em falta e para que cumpra em 15 dias), nada mais é necessário realizar para que a resolução se efective senão esperar que decorram os 15 dias. É que a resolução, mesmo que resulte de uma cláusula resolutiva expressa, tem de se traduzir numa comunicação à outra parte declarando resolvido o contrato. No caso dos autos a cláusula 8ª do contrato previa duas comunicações. Uma primeira notificando do incumprimento e advertindo para cumprir no prazo de 15 dias e, uma segunda, declarando a resolução do contrato findo o prazo de 15 dias e perante a inércia do notificado. Pode pretender-se que quando se estabelece que “No caso de incumprimento ou mora no cumprimento das obrigações decorrentes deste contrato, que não seja remediada no prazo de 15 dias a contar da recepção da comunicação escrita que para o efeito dirigir à contraente faltosa poderá o outro contraente resolver o contrato.”, em boa verdade só se fala de uma comunicação, porém, a isso objectamos que essa comunicação tem como finalidade fornecer ao não cumpridor a indicação do início e término do prazo de 15 dias que dispõe ainda para cumprir mas, quando se afirma no final a possibilidade de resolver o contrato, temos por óbvio que essa resolução tem de ser comunicada e que, a esta finalidade, não serve a comunicação antes feita. Acresce que, no concreto da prova obtida nos autos se conclui que a comunicação que a recorrida efectuou à revendedora (G…, Ldª) não o foi na previsão de qualquer cláusula resolutiva expressa constante da alínea 8ª nº1 (comunicando qualquer incumprimento e intimando a cumprir no prazo de 15 dias sob pena de resolução) mas sim ao abrigo da clausula 10 nº3, o que abre uma segunda frente de apreciação neste segmento do objecto do recurso. Nesta parte, e no que se refere à interpretação da finalidade e alcance da cláusula 8ª do contrato, procedem as conclusões de recurso uma vez que ela não configura uma cláusula resolutiva expressa. Porém, a questão da validade e eficácia da resolução do contrato declarada pela autora/recorrida não se encontra resolvida porquanto há que analisar a clausula 10 ª do contrato. Dispõe esta cláusula que “ Se durante a vigência deste contrato o revendedor trespassar ou ceder por qualquer titulo o estabelecimento mencionado na cláusula 2, ou a sua exploração, deverá o respectivo contrato incluir a transmissão dos direitos e obrigações decorrentes do presente contrato para o trespassário ou cessionário, ficando porem o revendedor solidariamente responsável pelo seu cumprimento e pelas consequência contratuais emergentes do seu incumprimento; 2 – A transmissão do estabelecimento ou a cessão da sua exploração deverá ser comunicada por carta registada dirigida á fornecedora; 3 – Não se verificando a transmissão dos direitos e obrigações conforme o convencionado em 1 da presente cláusula e ainda nos casos de encerramento de qualquer dos estabelecimentos, cessação do contrato de exploração do estabelecimento ou mudança de ramo para outro incompatível com as finalidades do presente contrato, este considerar-se-á imediata e automaticamente resolvido pelo revendedor sem necessidade de qualquer interpelação a esta ou ao novo proprietário ou cessionário do estabelecimento ficando essa resolução sujeita aos efeitos consignados nos nºs 2, 3 e 4 da antecedente clausula 8ª”. Repristinando aqui tudo o que afirmámos antes quanto à clausula resolutiva expressa, da mesma forma que sustentámos então que as partes não podiam dar a essa cláusula um conteúdo meramente genérico, referindo por exemplo ao incumprimento de todas as obrigações contratuais mas exigindo-se para a validade e eficácia da mesma uma referência explícita e precisa às obrigações cujo incumprimento dá direito a resolução, identificando-as, é forçoso concluir, agora, que perante o disposto na cláusula 10ª nº 3 do contrato e ao contrário do que acontecia com a cláusula 8ª nº1 analisada estamos perante uma verdadeira estipulação resolutiva expressa a que não pode objectar-se qualquer dos argumentos que antes aduzimos a propósito da outra. Sabe-se agora em concreto e sem necessidade de outra reflexão interpretativa, que em caso de trespasse ou cedência a qualquer título, pelo revendedor, do estabelecimento por si explorado, quando este não fizesse incluir nesse contrato de trespasse ou cedência a qualquer outro título os direitos e as obrigações constantes do contrato celebrado entre Autora e réu, este ficaria imediata e automaticamente resolvido. Assim, o contrato celebrado entre recorrida e recorrente e discutido nos autos, embora comece por acolher na sua cláusula 8ª uma formulação genérica, pretendendo abranger quaisquer incumprimentos, resultando, nessa parte, afectada de ineficácia, é inegável que na cláusula 10ª nº3 é previsto expressamente e designado o efeito decorrente da, especificadamente prevista falta de inclusão no contrato de trespasse ou cedência por qualquer título da exploração do estabelecimento dos direitos e obrigações decorrentes do contrato celebrado entre autora e réu. A identificação do inadimplemento representado pela falta dessa inclusão desses direitos e obrigações, num contrato de trespasse ou de cedência a qualquer título, apresenta, inequivocamente, a enunciação e concretização de um caso típico ou especificado de incumprimento a que as partes atribuíram relevância resolutiva. Ou seja, assumindo aquela característica de meio de pressão sobre o devedor para o cumprimento das suas obrigações, como uma das “formas típicas de coerção privada”, é patente que neste incumprimento concreto as partes quiseram valorar previamente a gravidade da inadimplência a que voluntariamente atribuíram carácter de essencialidade e fundamento de resolução” na economia global do contrato, em termos tais que se atribuíram a faculdade de o resolver sem se discutir a gravidade do incumprimento e a culpa do seu autor[18]. Estamos, assim, seguramente, perante uma cláusula resolutiva expressa em que as Partes, elegendo, como elegeram, como fundamento específico de destruição imediata do contrato a falta de comparência na outorga da escritura, prestação principal do contrato-promessa, previram um evento suficientemente determinado ou concretizado como fundamento de resolução. Quando tal sucede, o critério de avaliação dos pressupostos da extinção da relação contratual está predeterminado e prefixado pelas partes, através da manifestação de vontade consubstanciada na cláusula resolutiva, de sorte que, verificados os pressupostos do respectivo funcionamento, não há que fazer apelo ao critério legal fundante do direito à resolução acolhido pelo art. 808º C. Civil, por isso que o pressuposto de invocação do incumprimento definitivo legitimador da resolução, à luz do livremente convencionado, era o simples incumprimento da prestação identificada na cláusula 10ª nº3 (art. 406º-1 C. Civil). Fazendo a subsunção destas considerações normativas obtemos que a autora alegava no art. 12 da petição inicial que “ a mencionada sociedade (G…, Lda) ie no final do mês de Setembro de 2011 trespassou ou cedeu por qualquer outro título o estabelecimento objecto do contrato a uma outra sociedade (J…, Lda) sem incluir a transmissão dos direitos e obrigações decorrentes daquele contrato”. Contudo tal facto não foi dado como provado pelo tribunal recorrido (nem sobre ele houve qualquer impugnação da matéria de facto), pelo que, falta a demonstração necessária para que se pudesse ter por operada a cláusula resolutiva expressa da alínea 10 nº3 do contrato estabelecido entre Autora e a Revendedora. É verdade que foi dado como provado que a “a Autora, através de carta datada de 12 de Março de 2012, expedida no dia 15 imediatamente seguinte, sob registo e com aviso de recepção, comunicava à G…, Ld.ª que considerava o contrato resolvido desde o final de Setembro de 2011 com os efeitos consignados na cláusula 8.ª do acordo referido em 4)”, porém a prova do envio da carta não equivale a ter-se por provados todos os factos que nela são mencionados mas tão só que essa missiva foi enviada e qual era o seu teor. Concretizando melhor, a circunstância de nessa carta se mencionar que “Acresce, ainda, no final de Setembro de 2011, V. Exªs trespassaram ou cederam a qualquer outro título o estabelecimento que é objecto do contrato sem incluir na transmissão para o trespassário ou cessionário dos direitos e obrigações daquele contrato, em violação do estipulado na cláusula 10ª n1 e 2 do contrato” não pode significar que se tenha por demonstrado que, efectivamente, esse trespasse ou cedência por qualquer titulo do estabelecimento tivesse sido realizado sem inclusão dos direitos e obrigações do contrato celebrado com o réu ora recorrido. Ora, se a clausula 8ª nº1 não constitui uma previsão contratual de resolução expressa e se a cláusula 10ª nº3 se traduz na possibilidade de uma resolução expressa mas sem que tenha ficado demonstrado nos autos o facto causa dessa possibilidade de resolver o contrato, teremos de concluir que, em verdade, a resolução pretendida pela autora/recorrida não operou, não havendo fundamento (por o contrato não ter sido resolvido) para a condenação proferida nos autos, procedendo nesta parte as conclusões de recurso e devendo ser revogada a decisão recorrida. Sendo esta a decisão a proferir na presente Apelação, temos presente que se discute na doutrina e na jurisprudência a questão de saber se uma resolução ilícita no sentido de ter sido accionada sem fundamento faz cessar, mesmo assim, automaticamente, o contrato. Desde logo, em sentido afirmativo (i.e. de a resolução ilícita fazer cessar automaticamente o vínculo contratual), defende o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 10 de Dezembro de 2009, que «por via de regra, a resolução não é decretada pelo tribunal, podendo, por isso, ser invocada sem que se encontrem preenchidos os respectivos pressupostos. Se for esse o caso, estar-se-á perante uma resolução ilícita, a qual, apesar disso, não é inválida, pelo que, mesmo injustificada, produz os seus efeitos: determina a cessação do vínculo»[19]). E também no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 13 de Março de 1997, foi decidido que «A resolução, sem justa causa do contrato de concessão comercial apenas motiva o dever de indemnizar por dano e não a obrigação de continuar a relação contratual resolvida»[20]. No mesmo sentido Romano Martinez entende que «a declaração de resolução, ainda que fora dos parâmetros em que é admitida, não é inválida, pelo que, mesmo injustificada, produz efeitos; ou seja, determina a cessação do vínculo. (...) a resolução ilícita não é inválida: representa o incumprimento do contrato»[21]. Em sentido contrário, considerando que a resolução ilícita não tem a virtualidade de pôr termo ao contrato, contam-se, entre outros, autores como Fernando de Gravato Morais refere que a inexistência de um motivo válido para resolver o contrato invocado por um dos contraentes determina a «ilegitimidade» da própria resolução e pode corresponder a uma recusa categórica de cumprimento[22]. Também Calvão da Silva entende que a resolução sem fundamento é ilegal, e, por isso, ineficaz, não determinando a cessação do contrato[23] no que é seguido por jurisprudência significativa, que sustenta igualmente que para a que a resolução ilícita determine o incumprimento definitivo do declarante há que apurar qual foi a intenção deste ao resolver o contrato[24]. No restrito âmbito do contrato de empreitada mas com um sentido que excede o desse proprio contrato, João Cura Mariano entende que a declaração de resolução emitida pelo dono da obra não produz qualquer efeito, caso inexista fundamento para tal, nos termos delimitados pela lei, querendo significar que mesmo que a comunicação da resolução seja recebida pelo contraente (no caso o empreiteiro) o contrato não cessa[25]. Afinal, no mesmo sentido em que afirmava João Baptista Machado ao defender que, caso a resolução ilícita seja contestada com sucesso pelo contraente que a recebeu, então o tribunal deve limitar-se a declarar a subsistência da relação contratual (e não propriamente a «ressurreição» do contrato)[26].
Em resumo, e porque nos parece ser mais consistente o entendimento que considera a resolução operada, cuja falta de fundamento vem a ser verificado, não faz cessar o contrato automaticamente, no âmbito da presente Apelação concluímos que não pode ser o réu condenado nos pedidos que contra si foram formulados impondo-se a sua absolvição e a procedência do recurso. Com esta decisão fica prejudicado o conhecimento da questão de saber se os juros de mora seriam apenas devidos desde a data de citação porquanto só em caso de procedência da acção com condenação do réu esta matéria teria relevância. Sumariando a presente decisão nos termos do disposto no art. 663 nº7 do CPC faz-se constar que: - Contendo um contrato de fornecimento uma cláusula em que se prevê que o revendedor se mantém solidariamente responsável pelo cumprimentos das obrigações decorrentes desse contrato ainda que trespasse ou transmita a qualquer título a exploração do estabelecimento, não constitui ofensa das regras da boa fé a circunstância de ao comunicar a transmissão do estabelecimento o revendedor ter omitido na comunicação que se mantém solidariamente responsável; - Essa solidariedade na responsabilidade, decorrendo directamente de uma cláusula do contrato de fornecimento, mantém-se ainda que o revendedor ao comunicar ao fornecedor a transmissão da exploração do estabelecimento omita a declaração que se mantém solidariamente responsável; - O art. 5 nº3 do CPC ao prescrever a liberdade interpretativa do julgador na aplicação do direito aos factos que servem a decisão não permite, no entanto, que ele conheça, com base nesses factos, questões de direito que, não sendo de conhecimento oficioso, não tenham sido suscitadas pelas partes; - Não podendo as partes contraentes dar a uma cláusula resolutiva expressa um conteúdo genérico, podem no entanto fazer explícita e descriminada menção a cada uma das obrigações constantes do contrato, inscrevendo-as como causa/ fundamento de resolução; - Uma cláusula contratual em que as partes tenham deixado expresso que o incumprimento das obrigações decorrentes do contrato permite a resolução deste caso o incumprimento ou a mora não seja remediada no prazo de 15 dias a contar da recepção da comunicação escrita para esse efeito, reproduz o sentido do art. 808 nº1 do CCivil obrigando primeiro a uma intimação para cumprir no prazo de 15 dias e, depois, a uma outra declarando a resolução (incumprimento definitivo) do contrato; - A existência de uma cláusula resolutiva expressa feita constar num contrato, para que produza o efeito pretendido, impõe que a causa/fundamento de resolução se verifique no concreto, caso contrário o contrato não cessa. Decisão Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente a Apelação e, em consequência, revogar a sentença recorrida, absolvendo pelas razões expostas o réu ora recorrente dos pedidos contra si deduzidos na acção. Custas pela Apelada. Coimbra, 17 de Março de 2015-03-08
Manuel Capelo (Relator) Jacinto Meca J.A.: Sr. Des. Falcão de Magalhães
[11] Vd. Adriano Squilacce e Alexandre Mota Pinto in “ A Resolução Ilícita: uma contradição nos termos” – Rev. Foro de Actualidad [12] Vaz Serra: «Resolução do Contrato» - Trabalhos Preparatórios do Código Civil, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 68, 1957, página 236). [13] (neste sentido, Romano Martinez: in Da Cessação do Contrato, 2.ª Edição (Almedina), Coimbra, 2006, página 144, e Brandão Proença: in A Resolução do Contrato no Direito Civil, Reimpressão, Coimbra, 2006, página 152). [15] “Pressupostos da resolução por incumprimento”, in obra dispersa, nota 77.pág. E no mesmo sentido na jurisprudência veja-se o ac. RC de 29-2-2012 no proc. 1324/09.7TBMGR.C1 ou o ac RL de 9-3-2006 no proc. 1852/2006-6 e Ac STJ de 12-3-2013 no proc.6560/09 in dgsi.pt [16] In “Pressupostos da resolução por incumprimento”, in obra dispersa, pág. 186/7 [18] cfr. Calvão da Silva,“Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória”, 1995., p.321 e 324 e Pedro R. Martinez “Da Cessação do Contrato”, pp. 82 e 166). Vd. ainda Ac STJ de 17-1-2012 no proc. 473/06.8TVLSB.L1.S1, in dgsi.pt [21] in Da Cessação do Contrato, 2.ª Edição (Almedina), Coimbra, 2006, página 221, ainda que este autor ressalve que apesar de a resolução ilícita originar a extinção do contrato, é possível que o vínculo subsista caso estejam cumulativamente reunidos três pressupostos: (i) o cumprimento das prestações ainda seja possível; (ii) a parte lesada mantenha interesse no contrato; (iii) a execução do contrato não seja excessivamente onerosa para o declarante da resolução ilícita (in Da Cessação do Contrato, 2.ª Edição (Almedina), Coimbra, 2006, páginas 222-223). [22] in Contrato-promessa em Geral e Contratos-Promessa em Especial (Almedina), Coimbra, 2009, páginas 164-165 e cfr. ainda o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 20 de Abril de 2004, processo n.º 0421191). Também Raúl Guichard e Sofia Pais, in («Contrato-promessa: resolução ilegítima e recusa terminante de cumprir», in Direito e Justiça (Universidade Católica Editora), Volume XIV, Lisboa, 2000, Tomo I, páginas 316-319). [23] («A declaração da intenção de não cumprir» e «Pressupostos da resolução por incumprimento», in Estudos de Direito Civil e Processo Civil (Almedina), Coimbra, 1999, páginas 134 e 158). [24] (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 30 de Novembro de 2004, processo n.º 05B1494, disponível em www.dgsi.pt. |