Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
125/16.0T9SEI-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULO GUERRA
Descritores: PAGAMENTO DA PENA DE MULTA EM PRESTAÇÕES
IMPUTABILIDADE DO INCUMPRIMENTO DO TRABALHO COMUNITÁRIO APLICADO EM SUBSTITUIÇÃO DE UMA PENA DE MULTA
DESPACHO DE REVOGAÇÃO DO TRABALHO COMUNITÁRIO
FORMA DE CONTRADITÓRIO – AUDIÇÃO PRÉVIA OU AUDIÇÃO PRESENCIAL
Data do Acordão: 07/12/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU – JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE NELAS
Texto Integral: N
Meio Processual: RECURSO DECIDIDO EM CONFERÊNCIA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO
Legislação Nacional: ARTIGOS 47.º, N.º 3, 48.º E 49º DO CÓDIGO PENAL/C.P.
ARTIGOS 489.º, NºS 2 E 3, E 495.º, N.º 2, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL/C.P.P.
Sumário:
I – Decorre de forma clara do disposto no artigo 489.º, n.ºs 2 e 3, do C.P.P. que o requerimento para pagamento da pena de multa em prestações tem que ser efectuado dentro do prazo para o respectivo pagamento voluntário, pois este requerimento pressupõe que o condenado se encontra em tempo para proceder ao oportuno pagamento da multa.

II – O prazo para requerer o pagamento da multa em prestações tem natureza peremptória, pelo que o seu decurso extingue o direito de praticar o acto, nos termos dos artigos 107.º, n.º 2, do C.P.P. e 139.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável, ex vi do disposto no artigo 4.º do C.P.P.

III – Nem todas as revogações de trabalhos comunitários seguem o mesmo regime: estando em causa a substituição de pena de prisão por trabalho, dos artigos 58.º, n.º 1, e 59.º, n.º 2, do C.P., a revogação desta pena de substituição não pode ter lugar sem que previamente se cumpram as formalidades estabelecidas no artigo 495.º, n.º 2, do C.P.P., ex vi do seu artigo 498º, nº 3; quando a pena de prestação de trabalho resulta da substituição direta da pena de multa, nos termos do artigo 48.º, n.º 1, do C.P., não se aplica o disposto no artigo 498.º, n.º 3, satisfazendo-se neste caso o direito de audição do arguido com a sua mera “audição processual”, após a sua notificação e do respectivo defensor.

Decisão Texto Integral:

RECURSO Nº 125/16.0T9SEI-A.C1
Processo Comum Singular
Pagamento da multa penal em prestações
Imputabilidade do incumprimento do trabalho comunitário aplicado em substituição de uma pena de multa
Despacho de revogação de trabalho comunitário
Forma de contraditório – audição prévia ou audição presencial
Juízo de Competência Genérica de Nelas
Tribunal Judicial da Comarca de Viseu

Acordam, em conferência, na 5ª Secção - Criminal - do Tribunal da Relação de Coimbra:

            I - RELATÓRIO
           
           1. O DESPACHO RECORRIDO

No processo comum singular nº 125/16.0T9SEI do Juízo de Competência Genérica de Nelas, foi proferido despacho com a referência nº 92355789, datado de 9 de Fevereiro de 2023, com o seguinte teor (transcrição): 
«I.

Nos presentes autos de processo comum singular foi AA condenado pela prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso efectivo, de um crime de injúria agravada, …, e de um crime de detenção de arma proibida, …, na pena única de 230 (duzentos e trinta) dias de multa, à taxa diária de €6,00 (seis euros), …
Na sequência do requerimento junto pelo condenado em 17/01/2019, … por despacho datado de 12/12/2019, …, foi aquela pena de multa substituída pela prestação de 230 horas de trabalho a favor da comunidade, tendo sido homologado o plano de prestação de trabalho a favor da comunidade junto …
Sucede que …, o condenado prestou até ao momento apenas 33 horas de trabalho, tendo comparecido pela última vez na entidade beneficiária do trabalho no dia 8/07/2021.
Notificado para esclarecer os motivos pelos quais não cumpriu o remanescente das horas de trabalho veio o condenado informar que o seu incumprimento se deve ao facto de padecer de problemas de saúde que vêm afectando as suas tarefas e quotidiano, nomeadamente ao nível do coração, a que acrescem problemas relacionados com depressão e ansiedade.
Acrescenta o condenado que trabalha por turnos, o que dificulta uma plena recuperação e que tem relevantes responsabilidades familiares, pois que consigo reside a sua filha menor BB, com 3 anos de idade, e o seu pai está diagnosticado com leucemia e requer exigentes cuidados de saúde, afecto e atenção.
Mais requer o condenado que lhe seja facultada a possibilidade de proceder ao pagamento em prestações da pena de multa em falta.
*
O Ministério Público pronunciou-se no sentido da revogação da prestação de trabalho a favor da comunidade.
*

Desde logo diga-se que como resulta do art.489º, nºs 2 e 3 do Código de Processo Penal, o requerimento pagamento da pena de multa em prestações faseado deve ser apresentado dentro do prazo para pagamento voluntário da pena de multa.

No caso em apreço, há muito que decorreu o prazo para pagamento da pena de multa em prestações.
Em face do exposto, por intempestivo, indefiro o requerido pagamento da pena de multa em prestações.
*
Cumpre, então, decidir se é de revogar a referida prestação de trabalho a favor da comunidade.


II.

A prestação de trabalho a favor da comunidade é uma pena substitutiva, da pena de multa ou da pena de prisão, que necessita do requerimento do condenado para poder ser equacionada pelo tribunal.
*

Dispõe o art.59º, nº2 do Código Penal que “o tribunal revoga a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade e ordena o cumprimento da pena de prisão determinada na sentença se o agente, após a condenação: a) se colocar intencionalmente em condições de não poder trabalhar; b) se recusar, sem justa causa, a prestar trabalho, ou infringir grosseiramente os deveres decorrentes da pena a que foi condenado; ou c) cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade não puderam, por meio dela, ser alcançadas”.
Por outra parte, preceitua o art.49º, nº1 do Código Penal que “se a multa, que não tenha sido substituída por trabalho, não for paga voluntária ou coercivamente, é cumprida prisão subsidiária pelo tempo correspondente reduzido a dois terços, ainda que o crime não fosse punível com prisão, não se aplicando, para o efeito, o limite mínimo dos dias de prisão constante do nº1 do artigo 41º”, adiantando o nº2 que “o condenado pode a todo o tempo evitar, total ou parcialmente, a execução da prisão subsidiária, pagando, no todo ou em parte, a multa a que foi condenado” e o nº4 que “o disposto nos nºs 1 e 2 é correspondentemente aplicável ao caso em que o condenado culposamente não cumpra os dias de trabalho pelos quais, a seu pedido, a multa foi substituída. Se o incumprimento lhe não for imputável, é correspondentemente aplicável o disposto no número anterior”.
No caso vertente temos que após a substituição da pena de multa pela prestação 230 horas de trabalho a favor da comunidade, o condenado apenas prestou 33 horas, sendo que tendo iniciado o cumprimento do trabalho no dia 20/01/2020, compareceu pela última vez na entidade beneficiária do trabalho no dia 8/07/2021.
Alega o condenado, em primeira linha, como fundamento para a falta de cumprimento do remanescente das horas de trabalho problemas de saúde.
… tais problemas de saúde não são impeditivos da realização do trabalho por parte do condenado, pois que, como o próprio o reconhece, se encontra laboralmente activo, trabalhando mesmo por turnos.
Um segundo argumento do condenado centra-se na circunstância de tendo ocupação laboral não dispor de tempo para prestar trabalho a favor da comunidade.
A este propósito diga-se que dispondo o condenado de um horário laboral sempre poderia prestar trabalho a favor da comunidade fora de tal horário, sabendo-se da flexibilidade que lhe foi proporcionada para prestar trabalho em período pós-laboral.
Um último argumento do condenado passa pela circunstância de ter relevantes responsabilidades familiares, nomeadamente uma filha menor, com três anos de idade, ao seu encargo e o pai com problemas de saúde, necessitando do seu acompanhamento.
Também tal argumento não convence.

Destarte, quando o condenado exerce a sua actividade profissional necessariamente que tais pessoas não contam com a sua presença física, não podendo ainda deixar de salientar-se que decorreu mais de um ano e meio desde a última vez em que o condenado compareceu na entidade beneficiária do trabalho.
De tudo o que fica dito, cremos que se impõe a revogação da prestação de trabalho a favor da comunidade cuja execução foi determinada em substituição da pena de 230 dias de multa que foi aplicada ao condenado.
Em face do exposto, revogo a prestação de trabalho a favor da comunidade, fixada na prestação de 230 horas de trabalho, em substituição da pena de 230 dias de multa aplicada ao condenado a título principal.
*
…».

            2. O RECURSO
Inconformado, o arguido AA recorreu do despacho em causa, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição):

«1. Na óptica do Recorrente, a decisão proferida pelo Tribunal a quo afigura-se, além de injusta, ilegal.
2. Desde logo, ao indeferir a pretensão do pagamento do remanescente da multa em prestações.
3. Já que, alegou e comprovou o aqui Recorrente a sua situação de saúde, familiar e laboral.
4. Enquanto circunstâncias que produzem vicissitudes relevantes na prestação de trabalho a favor da comunidade, v.g. patologia do coração, depressão e ansiedade; intensidade e penosidade dos turnos rotativos que desempenha; o facto de ter a sua filha BB, de 3 anos de idade, aos seus cuidados exclusivos e ter o seu Pai em situação de grave doença, rectius leucemia, o que demandam aturada disponibilidade.
5.  Questões estas não verificadas, nem aquando da condenação, nem aquando do requerimento de substituição da multa por prestação de trabalho comunitário.

7. Ora, a pretensão do Arguido não foi fugir à pena, mas antes tornar possível e efectiva a compatibilização da mesma com o mínimo da sua dignidade e da sua família.
8. Requerendo um pagamento em prestações, em função do seu rendimento e das suas responsabilidades correntes (comuns a todos os mortais chefes de família) – E não se ignore, aqui, a penhora de que é alvo e como consta do documento junto.
9. Referir, como faz o Tribunal a quo, que uma pretensão dessa natureza é inadmissível face à norma do art.489º, nº2 e nº3 do CPP, é negar a relevância de circunstâncias sérias/supervenientes não imputáveis a qualquer pessoa.
10. Tal interpretação viola os princípios subjacentes à dignidade da pessoa humana, aos próprios fins das penas e é pautada pela insensatez, desnecessidade e desproporcionalidade.
11. Sendo, ainda, incompatível com o fiel sentido normativo dos arts. 1º, 13º, nº2, 18º, da CRP, e arts. 40º e sgs., 49º, 59º, do CP e art.489º, do CPP.

23. Caso assim não se conclua, cremos que este Venerado Tribunal de Recurso, deverá aquilatar da violação de um direito de defesa efectivo (art.32º, da CRP), atenta a falta de audição presencial do Arguido, antes da decisão de revogação aqui em causa.
24. Importando a declaração da nulidade insanável prevista no art.119º, al. c), do CPP,com legais consequências, designadamente, anulação da decisão ora em crise e imposição dessa audição presencial do Arguido em juízo.




            3. O Ministério Público em 1ª instância respondeu ao recurso, opinando que o recurso não merece provimento.

4. Admitido o recurso e subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmº Procurador Geral Adjunto pronunciou-se neles, corroborando as contra-alegações do Magistrado do Ministério Público de 1ª instância,

5. Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, doravante CPP, foram colhidos os vistos, após o que foram os autos à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419º, nº 3, alínea b) do mesmo diploma.

            II – FUNDAMENTAÇÃO
           
1. Poderes de cognição do tribunal ad quem e delimitação do objecto do recurso

… são estas as questões a decidir por este Tribunal:
· Nesta fase processual, ainda é possível pagar a pena de multa em prestações?
· O incumprimento do trabalho comunitário não é imputável ao arguido?
· Na revogação do trabalho comunitário, foi cometida alguma nulidade por preterição da audição presencial do arguido?

            3. APRECIAÇÃO DO RECURSO

            3.1. Nos presentes autos, na sequência do incumprimento por parte do arguido do trabalho comunitário, foi proferido despacho judicial em 9 de fevereiro de 2023, indeferindo o pagamento em prestações do remanescente da pena de multa, «revogando aquela pena substitutiva e ordenando a emissão de guias para pagamento do remanescente da pena de multa em que originalmente foi condenado o arguido recorrente».


3.2. Façamos um breve historial do processo.
1. Por sentença transitada em julgado a 12.11.2018, foi o arguido … condenado, … na pena única de 230 (duzentos e trinta) dias de multa, à taxa diária de € 6, perfazendo a multa global de €1.380,00 (mil trezentos e oitenta euros).
2. Por despacho proferido em 12.12.2019, na sequência de requerimento do arguido apresentado a 17.1.2019, ao abrigo do disposto no artigo 48º do CP foi substituída a pena de multa em que o arguido foi condenado, pela prestação de 230 horas de trabalho a favor da comunidade.
3. Em 16.6.2020, a DGRSP informou que o arguido havia cumprido apenas 23 (vinte e três) horas de PTFC e, a 5.1.2021, deu conta aquela Direcção que o arguido mais nenhuma outra hora executara e que se mostrou indisponível para cumprir as restantes horas do plano.
4. Em consequência, procedeu-se à audição presencial do arguido em 28.4.2021 nos termos dos artigos 498º, nº 3, e 495º, nº 2, ambos do CPP.
5. Por despacho judicial de 11.5.2021, considerando a situação excepcional de contexto pandémico então vivida, não foi revogada a pena substitutiva, sendo o arguido autorizado a continuar o cumprimento da PTFC conforme o plano anteriormente homologado.
6. Em 25.10.2021, a DGRSP deu conhecimento aos autos que o arguido havia executado o total de 33 (trinta e três) horas de PTFC.
7. Por despacho judicial proferido a 22.3.2022, após alterações ao plano inicial, foi homologado o plano de PTFC para o restante da pena, o qual atendeu a todas as novas circunstâncias e mereceu concordância do arguido, tendo em vista o cumprimento das remanescentes 207 (duzentas e sete) horas de PTFC.
8. Em 1.07.2022 e 17.11.2022, a DGRSP deu conta que o arguido não retomou a execução do trabalho e mostrou-se indisponível para cumprir o PTFC, tendo comparecido pela última vez na entidade beneficiária do trabalho no dia 08.07.2021.
9. Nasequência dedespachojudicial proferido a25.10.2022, foi o arguido notificado parasepronunciaracercado incumprimento do plano dePTFC, nadatendo dito aos autos.
10. Após promoção do Ministério Público no sentido de ser revogada a PTFC, foi o arguido notificado para se pronunciar, tendo feito chegar aos autos o requerimento apresentado em 30.01.2023, onde alegou, em síntese: problemas cardiológicos não totalmente diagnosticados e sofrer de depressão e ansiedade; trabalhar por turnos, o que dificulta uma plena recuperação e que tem relevantes responsabilidades familiares, pois que consigo reside a sua filha menor BB, com 3 anos de idade, e o seu pai está diagnosticado com leucemia e requer exigentes cuidados de saúde, afecto e atenção; requerendo a final que lhe fosse facultada a possibilidade de proceder ao pagamento em prestações da pena de multa em falta.
11. Em consequência, a 9.2.2023, foi proferido despacho judicial que indeferiu o pagamento em prestações do remanescente da pena de multa, revogando ainda a prestação de trabalho a favor da comunidade.
12. Desse despacho recorre o arguido para esta Relação.

3.2. Vejamos a primeira questão a decidir – é oportuna agora a possibilidade de pagamento em prestações da pena principal aplicada ao arguido (multa)?
Estatui o artigo 47º, nº 3 do CP:
 “Sempre que a situação económica e financeira do condenado o justificar, o tribunal pode autorizaro pagamento da multa dentro de um prazo que não exceda 1 ano, ou permitir o pagamento em prestações, não podendo a última delas ir além dos 2 anos subsequentes à data do trânsito em julgado da condenação”.
Adianta depois o artigo 489º, nºs 2 e 3 do CPP que o requerimento para pagamento faseado da pena de multa em prestações deve ser apresentado dentro do prazo para pagamento voluntário da pena de multa.
É, de facto, nossa posição uniforme e quanto a nós decorre de forma clara do disposto no supracitado artigo 489º, nºs 2 e 3, do CPP, que o requerimento para pagamento de pena de multa em prestações apenas pode ser efectuado dentro do prazo para o respectivo pagamento voluntário, prazo este que no caso concreto já se esgotou há muito [não se aderindo, pois, à tese do Tribunal da Relação de Évora, em acórdão datado de 18/9/2012 (Pº 597/08.7CBTVR-B.E1[1]), segundo a qual ”o decurso do prazo de 15 dias após a notificação para proceder ao pagamento da multa não preclude, só por si e sem mais, a possibilidade de requerer o pagamento dessa mesma multa em prestações. (…); lido e analisado este preceito legal, constata-se que o arguido está sempre em tempo de pagar a multa em que foi condenado, ainda que já tenha entrado em incumprimento e mesmo quando esse incumprimento tenha sido declarado”].
Além disso, é bem certo o que o condenado refere no sentido de que pode a todo o tempo proceder ao pagamento da pena de multa em que foi condenado, nem que seja com o intuito de evitar o cumprimento de pena de prisão subsidiária.
No entanto, não só isso não se confunde com o prazo para pagamento voluntário e o igual prazo para formular pedido de pagamento em prestações, como também neste caso o condenado não vem propriamente proceder a qualquer pagamento, mas apenas pedir o ainda aludido pagamento a prestações.
Diga-se ainda que, se fosse admitido que o requerimento para pagamento em prestações pudesse ser apresentado após o terminus do prazo de pagamento voluntário, estar-se-ia a permitir que o arguido se prevalecesse de um prazo já findo.
Ou seja, ultrapassado o prazo de pagamento voluntário fica precludida a possibilidade de requerer o seu pagamento em prestações, pois que este requerimento pressupõe que o condenado se encontra em tempo para proceder ao oportuno pagamento da multa.
Daí que se conclua que o decurso do prazo extingue o direito de praticar o acto, e daí a sua natureza peremptória (cfr. artigo 139º, nº 3 do CPC, subsidiariamente aplicável, ex vi do disposto no artigo 4º do CPP) – a natureza peremptória deste prazo resulta também do disposto no artº 107º, nº 2, do mesmo CPP, que estabelece que «os actos processuais só podem ser praticados fora dos prazos estabelecidos por lei (…) desde que se prove justo impedimento».
O que significa que, decorrido o prazo legal, sem se mostrar invocado e demonstrado justo impedimento, preclude o direito de praticar o acto.
Veja-se ainda que a deferir este pagamento em prestações estaríamos a violar fragrantemente o prazo máximo referido no artigo 47º/3 do CP, assente que o trânsito em julgado da sentença condenatória decorreu há bem mais de 2 anos (adiantando-se ainda que é de afastar a suspensão provisória da prestação de trabalho, referida nas disposições conjugadas dos artigos 48º/2 e 59º/1 do CP, na medida em que já decorreram mais de 30 meses desde o início do cumprimento da prestação de trabalho (20/1/2020).
Sufragamos, portanto, a tese adiantada pelo Acórdão desta Relação de Coimbra, datado de 17/1/2018, no Pº 24/15.3SBGRD-A.C1.
Ouçamo-lo:
«Qual o prazo em que é admissível o requerimento para pagamento da pena de multa em prestações?
(…)
Como é consabido, a questão não tem obtido resposta consensual ao nível da jurisprudência, sendo certo que há um tratamento praticamente uniforme nesta Relação, no sentido de que o requerimento de pagamento em prestações de pena de multa deve ser efetuado no prazo do seu pagamento voluntário, sendo exemplo disso os acórdãos proferidos nos processos 74/07.3TAMIR-A.C1 de 3/7/2013, 368/11.3GBLSA-A.C1 de 18/9/2013, 145/11.1TALSA-A.C1 de 18/9/2013, 12/12.1GECTB-A.C1 de 11/2/2015, 650/12.2TAGRD.C1 de 3/3/2015, 158/14.1GATBU-A.C1, de 29//6/2016, todos publicados em www.dgsi.pt.
Com efeito, salvo o devido respeito, temos como mais ajustada à letra e ao espírito dos preceitos em questão a interpretação segundo a qual o prazo processual estabelecido no nº 2, do artigo 489º, do CPP, para pagamento voluntário da pena de multa, é um prazo perentório, razão pela qual, salvo no caso de provar justo impedimento, não pode o condenado apresentar o requerimento para pagamento da multa em prestações para além do prazo de 15 dias contados da notificação para proceder ao seu pagamento voluntário.
Em resumo, o prazo para o requerimento de pagamento em prestações é o definido no citado artigo 489º, nº 2.
A exceção prevista no n º 3 – no caso de o pagamento da multa “ter sido diferido ou autorizado” pelo sistema de prestações – tem precisamente em vista o caso em que o pagamento em prestações “ter sido” requerido dentro do prazo legal e “ter sido diferido”.
O tempo verbal utilizado, no passado, reforça o argumento.
Na verdade, o condenado, além do prazo do trânsito em julgado da sentença, dispõe de 15 dias para o efeito.
Se o não faz, sob pena de subversão dos mecanismos processuais, sujeita-se aos trâmites subsequentes com vista ao pagamento coercivo, subsequente apuramento das razões do não pagamento e só em última instância à aplicação da prisão subsidiária.
Não requerendo o pagamento em prestações dentro do prazo legal, sujeita-se o arguido aos termos subsequentes previstos na lei, sem embargo de o condenado, a todo o tempo evitar a execução da prisão subsidiária, nos termos do artigo 49º, nºs 2 e 3, do Código Penal.
Se assim não fosse, o prazo definido no artigo 489º, do CPP, deixava de ter qualquer sentido».
Vejam-se ainda os arestos desta Relação no mesmo sentido - Acórdãos de 27.11.2019 (Procº 679/15.9T9ACB-A.C1), e de 6.1.2021 (Procº 21/16.1GAVZL.C1).
A finalizar se dirá ainda que, para este efeito, são indiferentes as «as circunstâncias posteriores, sérias e relevantes, que possam influir decisivamentena execução da pena», na linha do sufragado pela defesa.
Nem tão pouco se poderá defender que uma interpretação como aquela realizada pelo Tribunal a quo viola os princípios subjacentes à dignidade da pessoa humana e aos fins das penas, havendo outros caminhos para se evitar o cumprimento efectivo de uma pena de prisão.
É quanto basta para julgar improcedente esta 1ª linha de impugnação do despacho recorrido, não se deixando de referir que já não é a primeira vez nem a segunda que o tribunal de 1ª instância, neste processo, indefere este constante pedido de pagamento da multa em prestações.

3.3. Avancemos – é de revogar esta prestação de trabalho comunitário que foi aplicada em substituição da pena de multa decretada a título principal?
Alega a defesa que a decisão de revogação da prestação de trabalho a favor da comunidade é ilegal porque «a situação verificada (de vicissitude na prestação) não pode ser imputável (juízo de culpa) ao ora Recorrente, ou seja, decorre de situações alheias à sua vontade».
Estamos no domínio do artigo 48º do CP (substituição da multa por trabalho[2]).
Dispõe tal normativo o seguinte:
«1 - A requerimento do condenado, pode o tribunal ordenar que a pena de multa fixada seja total ou parcialmente substituída por dias de trabalho em estabelecimentos, oficinas ou obras do Estado ou de outras pessoas colectivas de direito público, ou ainda de instituições particulares de solidariedade social, quando concluir que esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
2 - É correspondentemente aplicável o disposto nos nºs 3 e 4 do artigo 58º e no nº 1 do artigo 59º».
Adianta depois o artigo 49º do CP que:
«1. Se a multa, que não tenha sido substituída por trabalho, não for paga voluntária ou coercivamente, é cumprida prisão subsidiária pelo tempo correspondente reduzido a dois terços, ainda que o crime não fosse punível com prisão, não se aplicando, para o efeito, o limite mínimo dos dias de prisão constante do nº 1 do artigo 41º.
2. O condenado pode a todo o tempo evitar, total ou parcialmente, a execução da prisão subsidiária, pagando, no todo ou em parte, a multa a que foi condenado.
3. Se o condenado provar que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável, pode a execução da prisão subsidiária ser suspensa, por um período de 1 a 3 anos, desde que a suspensão seja subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro. Se os deveres ou as regras de conduta não forem cumpridos, executa-se a prisão subsidiária; se o forem, a pena é declarada extinta.
4. O disposto nos nºs 1 e 2 é correspondentemente aplicável ao caso em que o condenado culposamente não cumpra os dias de trabalho pelos quais, a seu pedido, a multa foi substituída. Se o incumprimento lhe não for imputável, é correspondentemente aplicável o disposto no número anterior».
            No nosso caso, o tribunal entendeu que o incumprimento deste trabalho comunitário se ficou a dever ao comportamento do arguido, sendo-lhe, pois, imputável.
Racionou assim:
· No caso vertente temos que após a substituição da pena de multa pela prestação 230 horas de trabalho a favor da comunidade, o condenado apenas prestou 33 horas, sendo que tendo iniciado o cumprimento do trabalho no dia 20/01/2020, compareceu pela última vez na entidade beneficiária do trabalho no dia 8/07/2021.
· Os alegados problemas de saúde não são impeditivos da realização do trabalho por parte do condenado, pois que, como o próprio o reconhece, se encontra laboralmente activo, trabalhando mesmo por turnos.
· Respondendo ao argumento do condenado centrado na circunstância de, tendo ocupação laboral, não dispor de tempo para prestar trabalho a favor da comunidade, entendeu que, dispondo o condenado de um horário laboral, sempre poderia prestar trabalho a favor da comunidade fora de tal horário, sabendo-se da flexibilidade que lhe foi proporcionada para prestar trabalho em período pós-laboral.
· Respondendo ao argumento de que, pela circunstância de ter relevantes responsabilidades familiares, nomeadamente uma filha menor, com três anos de idade, ao seu encargo e o pai com problemas de saúde, necessitando do seu acompanhamento, entendeu que quando o condenado exerce a sua actividade profissional necessariamente que tais pessoas não contam com a sua presença física.
· Finalmente, discorreu que decorreu mais de um ano e meio desde a última vez em que o condenado compareceu na entidade beneficiária do trabalho.
Aqui chegados, só nos resta concordar com o entendimento do tribunal recorrido.
Com efeito, e como bem aduz o Ministério Público de 1ª instância:
«Com efeito, conforme acima se descreveu, após verificado um inicial incumprimento, depois de presencialmente ouvido e de homologado um segundo plano que atendeu a todas as alterações das circunstâncias e situação de vida do condenado, este apenas realizou 10 horas para além das 23 inicialmente cumpridas, não apresentando qualquer motivo válido justificativo desse incumprimento.
Acresce que, neste período, o arguido passou a desempenhar uma atividade profissional regular, trabalhando inclusivamente por turnos, sendo que os alegados problemas de saúde – ainda não concretamente diagnosticados – revelaram não ser impeditivos ou incapacitantes para o desempenho do trabalho.
Igualmente o desempenho de atividade profissional não se revela impeditivo à prestação de trabalho a favor da comunidade, tanto mais que o plano homologado contemplou desde o início a possibilidade de o arguido cumprir os trabalhos nas horas disponíveis nas folgas e férias.
E, no que respeita às alegadas responsabilidades para com os familiares decorrentes do necessário acompanhamento da filha menor de idade e do pai com problemas de saúde, para além de o ora recorrente não concretizar em que medida esse acompanhamento o impediudecumprir o PTFC(nem tampouco o demonstrou nos autos), é certo que a verificada ocupação laboral por turnos é demonstrativa que tais responsabilidades não constituem razão válida para um absoluto abandono do arguido da prestação de trabalho a favor da comunidade.
A este respeito, veja-se que o arguido não justificou junto da DGRSP ou do Tribunal recorrido qualquerimpedimento pontual ou faltaadeterminados dias de trabalho na ... com eventuais responsabilidades familiares inadiáveis – o que seria naturalmente justificável e seguramente relevado –, limitando-se a abandonar voluntária e injustificadamente a prestação de trabalho a favor da comunidade desde 08.07.2021, pelo que o incumprimento do trabalho a favor da comunidade é plenamente imputável ao arguido».
Não vemos necessidade de mais argumentar, tal a concordância que temos com esta linha de argumentação.
Vir agora degladiar com a necessidade de estar com a família, em vez de cumprir uma pena criminal, é risível e absolutamente inédito (basta pensar na absurda mas possível argumentação de um condenado a pena de prisão efectiva invocar que não pode ser preso pois tem de sustentar a família ou estar mais tempo com os filhos).
Além disso, não basta alegar que «se está cansado e que se sofre do coração» sem junção de relatórios médicos conclusivos nesse sentido.
A finalizar se dirá que é intolerável que uma sentença transitada em julgado já no algo longínquo ano de 2018 ainda não tenha sido «cumprida», por razões que só se podem imputar a quem foi condenado e a mais ninguém.
Como tal, esteve bem o tribunal recorrido em imputar ao arguido a culpa deste não cumprimento deste trabalho comunitário, não sendo ainda caso de suspensão da prisão subsidiária decretada (artigo 49º/3 do CP) na medida em que tal suspensão pressupõe que o incumprimento lhe não é imputável – cfr. ainda artigo 49º, nº 4 do CP -, o que não é o nosso caso.
Improcede assim esta segunda linha de argumentação recursiva.


3.4. Resta a última questão controvertida.
Poderia esta revogação da prestação de trabalho a favor da comunidade ser precedida de uma obrigatória audição presencial do arguido?
A defesa entende que sim.
Nós entendemos que não.
A questão a decidir agora no âmbito do presente recurso traduz-se em saber se nos casos em que, como no presente, a pena de multa aplicada foi substituída por trabalho, a eventual revogação desta substituição deve ser precedida da audição do condenado, nos termos delineados no CPP.
O recorrente afirma que sim, e comina de nulidade essa omissão e o MP, na sua resposta, pretende que não, pressupondo que a prestação de trabalho aqui em causa não tem a natureza de uma pena de substituição.
Estão aqui em causa as normas dos artigos 48º, nos 1 e 2, do CP e 498º, nº 3, este do CPP.
À primeira vista seriamos levados a concluir, como o faz o recorrente, que a omissão das formalidades previstas no artigo 495º, nº 2, do CPP, aqui aplicável ex vi do seu artigo 498º, nº 3, nos casos como o presente constituiria uma ilegalidade.
Dúvidas não existem de que, estando em causa a substituição de pena de prisão por trabalho (artigos 58º, nº 1, e 59º, nº 2, ambos do CP) a revogação dessa pena de substituição não pode ter lugar sem que previamente se cumpram as formalidades estabelecidas naquele artigo 495º, nº 2, do CPP (ex vi do seu artigo 498º, nº 3).
Será que nos casos em que, como no presente, a pena de prestação de trabalho resulta da substituição direta da pena de multa (artigo 48º, nº 1, do CP), o regime adjectivo aplicável é o mesmo?
Cremos que a resposta a dar a tal questão não pode deixar de ser negativa.
Com efeito, pondo de lado a questão da natureza da pena de trabalho substituta directa da pena de multa[3], uma interpretação sistemática e lógica das normas em referência impõe a conclusão de que esse regime procedimental não tem aplicação ao caso.
Recorrendo ao aresto desta Relação de Coimbra datado de 10/7/2019, citado expressamente no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 164/2020, de 4/3/2020, diremos:
«Com efeito, nos casos em que o trabalho resulta da substituição direta de pena de multa, a remissão limitada operada pelo artigo 48º, nº 2, do CP quis afastar expressamente a aplicabilidade do regime que consta do artigo 59º, nº 2, do mesmo CP e, assim, o seu enquadramento processual que consta do artigo 495º, n.os 2 e 3, do CPP, ex vi do seu artigo 498º, nº 3.
O legislador, ao estabelecer de forma expressa, no artigo 48º, nº 2, do CP que nestes casos era aplicável o disposto no artigo 59º, nº 1, do mesmo diploma, e não referindo a norma do seu nº 2, da qual resulta o regime da revogação da pena de prestação de trabalho, quis afastar intencionalmente esse regime dos casos em que está em causa a aplicação dessa pena de substituição diretamente a uma pena de multa.
E, assim sendo, também não será aplicável aquele regime processual já referido.
Tal conclusão é fácil de entender se atentarmos em que o regime da pena de prestação de trabalho está pensado para os casos – regra – em que é aplicável pena de prisão (artigo 58º, nº 1, do CP); subsidiariamente, é aplicável aos casos em que a pena de multa deva ser cumprida mediante a prestação de trabalho, dentro dos limites apertados da remissão operada pela norma especial (artigo 48º, nº 2, do CP).
Se o legislador apenas opera a remissão limitadamente a parte do regime legal dessa pena de substituição, o intérprete deve concluir que aquele, nos limites da sapiência que o caracteriza (artigo 9º, nº 3, do C. Civil), quis expressamente afastar a aplicabilidade das demais normas específicas desse instituto não previstas na remissão.
Assim sendo, temos de concluir que no caso presente não se impunha a audição presencial do condenado, nos termos do disposto no artigo 495º, nº 2, do CPP e não ocorre qualquer nulidade absoluta ou relativa ou qualquer irregularidade (v. artigos 119º, 120º e 123º, todos do CPP)».
No fundo, não há um único regime de substituição da pena de prestação de trabalho, independentemente da natureza da pena principal.
Há o regime dos artigos 58º e 59º do CP (pena de prestação de trabalho a favor da comunidade em substituição de uma pena de prisão) e há o regime do artigo 48º do CP que tutela apenas o modo de execução de uma pena de multa, prevendo aí a possibilidade de a multa ser substituída por dias de trabalho.
Ou seja:
A questão principal aqui colocada é processual e pode ser reduzida à seguinte pergunta: pode o tribunal decidir pela revogação da pena substitutiva de prestação de trabalho a favor da comunidade e consequente cumprimento da pena principal sem observar o formalismo plasmado no artigo 495º, nº 2, do CPP, nomeadamente, a audição do condenado na presença do técnico que apoia e fiscaliza tal pena?
Respondemos da seguinte forma: «Depende».
Nem todas as revogações de trabalhos comunitários seguem o mesmo regime.
No caso dos autos, por se tratar de substituir uma pena de multa, não há que seguir o formalismo invocado pelo Recorrente.
Diga-se, aliás, que nem seria, em rigor, de revogar tal trabalho comunitário [diga-se pois que, em rigor, o que está em causa aqui é a obrigação do condenado pagar o remanescente da multa correspondente aos dias de trabalho que se tinha comprometido a prestar e não prestou e já não o eventual incumprimento desse pagamento do remanescente, ainda não ocorrido (o que poderá directamente implicar a aplicação de uma medida privativa da liberdade, em termos subsidiários)].
Na realidade (cfr. acórdão da Relação do Porto datado de 26/6/2019 – Pº 443/15.5PTPRT.P1):
«Já relativamente à prestação de trabalho como forma de execução da pena de multa a mesma (porque não constitui pena substitutiva) não é susceptível de revogação uma vez que se encontra adstrita ao regime da pena em execução (pena de multa).
O seu (in)cumprimento é aferido nos mesmos termos da pena de multa, sem prejuízo do condenado, no caso em que o incumprimento (do pagamento da multa ou da prestação de trabalho) lhe não for imputável, poder beneficiar da suspensão da execução da pena de prisão subsidiária (calculada de acordo com o disposto no artigo 49º, nº1, do Código Penal).
Resulta de forma clarividente que a lei processual penal não estabeleceu (ao contrário dos casos de vicissitudes no cumprimento de outras penas de substituição em sentido próprio, como a pena de suspensão de execução da prisão e a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade) a necessidade de audição prévia presencial do arguido por uma questão simples: não se exige, para efeitos de determinação de cumprimento da pena principal, a apreciação do comportamento culposo do condenado incumpridor (ao contrário, naturalmente, da execução das referidas penas de substituição: cfr. artigos 55º, 56º e 59º do Código Penal).
A decisão judicial que ordena o cumprimento da pena da pena subsidiária de prisão (que não envolve qualquer lógica de revogação da forma de execução, seja do pagamento voluntário ou coercivo de uma quantia pecuniária, seja da prestação de trabalho – artigo 49º, nº1, do Código Penal) mas tão só a conversão da pena de multa em prisão subsidiária e deve, apenas, ser precedida da notificação pessoal da promoção do MºPº nesse sentido (não sendo necessário apurar a existência de património susceptível de satisfazer a quantia correspondente à multa, exactamente porque o condenado optou, com a autorização do tribunal, pela execução da pena através de dias de trabalho e, a qualquer momento, pode evitar a execução da prisão subsidiária através do pagamento daquela)».
A estes casos (do artigo 48º do CP), não se aplica o disposto no artigo 498º, nº 3, do CPP (aplicável tão somente às situações de substituição da prisão pela efectiva pena de trabalho comunitário).
Seguir-se-á aqui a tese avançada pelo Acórdão da Relação do Porto, datado de 30.5.2018 (Pº 18/14.6PEVNG.P1):
«(…) a revogação da prestação de trabalho fixado em substituição da pena de multa não importa qualquer alteração da pena a cumprir (que continua a ser a de multa).
Diferentemente, a revogação da pena de substituição de prestação de trabalho a favor da comunidade importa tal alteração, passando o condenado a cumprir pena de distinta natureza – privativa da liberdade – a prisão imposta na sentença.
Esta diferente natureza do trabalho fixado em substituição da pena de multa e do trabalho comunitário, pena de substituição, traduz-se numa diferença dos regimes legais de um e de outro, concretamente nas consequências do seu incumprimento.
E tal diferença também se manifesta no que toca à audição prévia do arguido e do seu defensor, antes da decisão judicial a proferir.
Se não vejamos.
O artigo 61º, nº 1, alíneas a) e b) do Código de Processo Penal, ao regular os direitos e deveres processuais do arguido, dispõe que:
«1. O arguido goza, em especial, em qualquer fase do processo e salvas as excepções da lei, dos direitos de: a) Estar presente aos actos processuais que directamente lhe digam respeito; b) Ser ouvido pelo tribunal ou pelo juiz de instrução sempre que eles devam tomar qualquer decisão que pessoalmente o afecte…».
Do que decorre, desde logo, uma distinção entre o direito de estar presente e o direito de ser ouvido, ou seja, uma distinção entre uma audição que tem que ser necessária ou obrigatoriamente presencial e uma audição que pode ser concretizada mediante notificação pessoal para o arguido se pronunciar, respeitando-se deste modo o princípio do contraditório que está inerente ou é prévio à decisão judicial.
O disposto no artigo 495º do Código de Processo Penal aplica-se diretamente à situação de revogação da suspensão da execução da pena de prisão por falta de cumprimento das condições ou obrigações impostas.
Mas, reiteramos, uma coisa é a aplicação e consequente revogação da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, outra a de substituição de multa por dias de trabalho.
Ora, no caso em apreço, não estamos perante uma revogação da suspensão da execução da pena, mas sim perante uma revogação da substituição da pena de multa por dias de trabalho, pelo que não há que recorrer ao disposto no artº 59º do Código Penal, nem ao disposto no artº 495º nº 2 do Código de Processo Penal, aplicável ex vi o artº 498º nº 3 do mesmo Código, preceitos aplicáveis para a pena substitutiva de prestação de trabalho a favor da comunidade.
Sobre esta matéria mostra-se explícita a posição assumida no ac. do TRC de 7.3.2012, proferido no proc. nº 334/07.3PBFIG.C1, disponível em www.dgsi.pt, ao decidir:
“A tese vertida no recurso apela à norma prevista no nº 2 do artigo 495º, aplicável ao vertente caso ex vi do nº 3 do artigo 498º, do CPP [«O tribunal decide por despacho, depois de recolhida a prova, obtido o parecer do Ministério Público e ouvido o condenado na presença do técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições da prestação do trabalho a favor da comunidade»].
No presente caso, não é aí que está consagrada a exigência do direito de audição.
Enquanto os referidos normativos estão intimamente ligados ao incumprimento dos deveres impostos no âmbito da suspensão da execução da pena de prisão e da prestação de trabalho a favor da comunidade e, se decretada a revogação, implicam a execução da pena de prisão, a pena de prisão subsidiária constitui uma pena de constrangimento, porquanto, como decorre com evidência do disposto no nº 2 do artigo 49º do Código Penal, o condenado pode a todo o tempo evitar a execução da pena de prisão pecuniária através do pagamento, total ou parcial, da pena, principal, de multa.
«Esta diferente axiologia justifica, como se entende, a diversidade de exigências e/ou cautelas jusprocessuais. Não está em causa a execução de uma pena originariamente privativa da liberdade. Está em causa, apenas, a execução e - nesta altura, em termos reduzidos - de uma pena não privativa da liberdade, in casu, de uma pena de multa» (cfr. Ac. da Relação do Porto de 09-02-2011, disponível em www.dgsi.pt.)”.
Ora, no caso em análise, o direito do condenado a ser ouvido decorre antes da aplicação do referido artigo 61º do Código de Processo Penal e do princípio do contraditório».
Ou seja, ao contrário do que defende o recorrente[4], entendemos que não é obrigatória (a lei não o exige), nem se revela necessária a audição presencial do arguido.
Pensamos que este seu direito de audição e consequente contraditório se satisfaz com a sua mera “audição processual”, após a sua notificação e do respectivo defensor.
Esta é uma daquelas situações em que a possibilidade de se pronunciar por escrito através de intervenção processual do defensor satisfaz, por regra, o direito a ser ouvido para exercer o contraditório.
Diga-se ainda que a exigência constitucional do contraditório (artigo 32º, nº 5, da CRP) foi sempre observada ao longo do nosso processo, como transparece da audição presencial – não necessária mas feita mesmo assim) feita em época de pandemia e das notificações para vir aos autos dizer de sua justiça quanto aos seus incumprimentos do trabalho comunitário.
Repare-se que foi o arguido consecutivamente notificado de todos os diferentes despachos proferidos pelo Tribunal recorrido, tendo-lhe sido sempre facultado contraditório em momento prévio às decisões, tal como sucedeu relativamente à decisão de revogação do trabalho a favor da comunidade, a que acresce que, logo aquando do deferimento do requerimento por si apresentado nesse sentido, havia aquele sido oportunamente advertido das consequências do eventual incumprimento da “pena” substitutiva de trabalho.
Portanto, não se vislumbra em que medida se pode afirmar que o despacho recorrido viola as normas dos artigos 13º, nº 2, 18º, 32º, nº 1, 110º, nº 1, 202º, n.os 1 e 2, 204º e 205º, todos da CRP.
Da mesma forma cremos que a interpretação que fazemos das normas aplicáveis, nos termos em que a expusemos, seja desconforme à lei constitucional.

3.5. Nestes termos e pelas razões expostas, só há que confirmar a decisão recorrida.

            III – DISPOSITIVO       

            Em face do exposto, acordam os Juízes da 5ª Secção - Criminal - deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso, mantendo o despacho recorrido nos seus termos.

Custas pelo arguido recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UCs [artigos 513.º, no 1, do CPP e 8º, nº 9 do RCP e Tabela III anexa], sem prejuízo do benefício de apoio judiciário de que beneficie.

Coimbra, 12 de Julho de 2023
(Consigna-se que o acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo primeiro signatário, sendo ainda revisto pelo segundo e pelo terceiro – artigo 94º, nº 2, do CPP -, com assinaturas electrónicas apostas na 1.ª página, nos termos do artº 19º da Portaria 280/2013, de 26-08, revista pela Portaria 267/2018, de 20/09)

 
 Relator: Paulo Guerra
Adjunto: Rui Pedro Lima
Adjunto: Isabel Valongo





[1] Note-se que o acórdão da Relação de Évora citado nas alegações de recurso não é atinente à questão aqui em causa neste 1º segmento de argumentação pois apenas aí se decidiu que «o pedido de cumprimento da multa através da prestação de trabalho favor da comunidade não está vinculado a prazo processual peremptório, designadamente, o previsto no nº 2 do art. 489º do CPP», não se referindo, como é bem de ver, ao prazo para pagamento de uma multa em prestações.
[2] E não do artigo 59º do CP (aí se prevê a aplicação do trabalho comunitário em substituição de uma pena de prisão, essa sim uma real pena substitutiva).
[3] Maria João Antunes opina nas suas Lições de Direito Penal III da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, sobre «Consequências Jurídicas do crime» (Coimbra, 2010-2011), que «por força das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 48/95, a execução da pena de multa pode ocorrer por duas formas: por pagamento voluntário, nos termos do disposto no artigo 489º do CPP ou por prestação de dias de trabalho, nos termos previstos nos artigos 48º do CP e 490º do CPP (…). A prestação de trabalho deixou de ser uma sanção para passar a ser uma forma de cumprimento de pena de multa, a requerimento do condenado, quando for de concluir que realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição» (p. 68).
O actual regime jurídico da Prestação de Trabalho a Favor da Comunidade [PTFC] é o que resulta da última reforma do Código Penal e do Código de Processo Penal de 2007, encontrando-se consagrado expressamente nos artigos 58º e 59º do Código Penal; 496º e 498º do Código de Processo Penal e no DL nº 375/97, de 24 de Dezembro.
Ora, esta pena de PTFC – substitutiva de uma pena de prisão - é teoricamente distinta da prestação de dias-de-trabalho em substituição da multa e autónoma perante ela.
O artigo 48º do CP estabelece que, a requerimento do condenado, pode o tribunal ordenar que a pena de multa fixada seja total ou parcialmente substituída por dias de trabalho em estabelecimentos, oficinas ou obras do Estado ou de outras pessoas colectivas, de direito público, quando concluir que esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
A prestação de trabalho é, assim, uma forma de execução da pena de multa (havendo teses que a colocam ao nível de uma pena substitutiva da pena de multa).
A pena de multa pode ser, assim, total ou parcialmente substituída por dias de trabalho, modalidade de execução cujo regime segue de perto o da Prestação de Trabalho a Favor da Comunidade mas que não se confunde com ela.
De facto:
“(…) A prestação de trabalho não constitui, porém, no nosso sistema penal, uma pena principal. Ela não recebeu, sequer, um tratamento unitário no Código Penal. Na verdade, ela funciona em duas vertentes diferentes: umas vezes como pena autónoma, outras como forma de execução de outra pena, concretamente a de multa.
Enquanto pena autónoma, constitui pena substitutiva da pena de prisão, com o regime descrito nos arts. 58.º e 59.º do CP, cominada na própria sentença condenatória.
Mas também funciona como forma de execução da pena (principal) de multa, nos termos do artigo 48.º do CP, a utilizar se não houver pagamento voluntário da multa e for requerida pelo condenado, sendo então objeto de decisão em sede de execução da pena (artigo 490.º, nºs 1 e 3, do CPP).
Esta distinção, essencialmente dogmática e procedimental, não obsta a uma substancial similitude entre as duas medidas, quer pelo conteúdo (prestação de serviços gratuitos à comunidade), quer pelo seu sentido político-criminal (evitamento de cumprimento de prisão pelo condenado), em termos de a regulamentação da pena poder servir de “direito subsidiário” da execução da multa, como já se preconizava face à versão originária do CP (…)” – cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º13/2013, publicado no Diário da República, 1.ª série - N.º 201 - 17 de Outubro de 2013).
[4] Veja-se um dos acórdãos mencionados no recurso como pretensamente legitimador da exigência de audição presencial do arguido numa situação com a dos autos (já aqui citado e datado de 26/6/2019 – Pº 443/15.5PTPRT.P1).
Ora, o que esse aresto decidiu foi, em concordância com a nossa tese, o seguinte:
«1. A prestação de dias de trabalho como forma de execução da pena de multa (artigo 48º do Código Penal) distingue-se da pena substitutiva de prestação de trabalho a favor da comunidade (artigo 58º do Código Penal);
2. O incumprimento da prestação de dias de trabalho determina a conversão da pena de multa em prisão subsidiária e deve tal conversão ser precedida de
audição do condenado relativamente à promoção do MºPº nesse sentido (artigo 61º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Penal);
3. Só o incumprimento da pena substitutiva de prestação de trabalho a favor da comunidade – dizemos nós, dos artigos 58º e 59º do CP - determina, entre outros efeitos possíveis, a sua revogação, e deve ser precedida de audição presencial do condenado relativamente à promoção do MºPº nesse sentido (artigos 498º, nº3, e 494º, nº2, do Código de Processo Penal)».
O 2º aresto mencionado no recurso é desta Relação, data de 11/9/2019 e foi proferido no Pº 31/15.6IDCTB.C2).
Lido o mesmo, conclui-se que nada aí exige uma audição presencial do arguido antes de uma revogação do trabalho comunitário aplicado em substituição de uma pena de multa, bastando-se com uma audição prévia que não se confunde com a audição presencial exigida pelo arguido em recurso:
Aí se decidiu:
«I - A conversão da pena de multa não paga em prisão subsidiária, ao abrigo do artº 49º do Código Penal, configura uma alteração superveniente do conteúdo decisório da sentença de condenação, que tem como efeito a privação da liberdade do arguido condenado.
II – Dada a natureza de pena subsidiária resultante da conversão da pena de multa não paga em prisão e porque o arguido pode demonstrar que o não pagamento da multa não lhe é imputável, requerendo nomeadamente a suspensão daquela (pena subsidiária), ao abrigo do preceituado no nº 3, do artigo 49º, é fundamental ouvi-lo previamente.
III - A audição do arguido é a forma processual e legal de dar efetividade ao exercício do direito deste ser ouvido (artº 61º, nº 1, al. b), Código de Processo Penal) e ao princípio do contraditório.
IV - A omissão da audição prévia do arguido, constitui a nulidade processual do artigo 119º, al. c) do C.P.P., exatamente por violação do artº 61º, nº 1, al. b) do mesmo diploma».
O 3º aresto usado pela defesa – datado de 25/3/2021, proferido no Pº 731/14.8PBSCR-A.L1-9 - para defender a sua tese também não teve alvo certeiro pois ele refere-se a uma caso de trabalho a favor da comunidade em substituição de uma pena de prisão E NÃO de uma pena de multa – aí urgia saber se a decisão que revoga a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade aplicada em substituição da pena de prisão, deve ou não ser precedida da audição prévia do arguido e se a preterição dessa formalidade (art 495º, nº 2, do CPP) tem como consequência a nulidade insanável, prevista no art. 119º, al. c) do CPP.
Respondeu afirmativamente, no que também concordamos.
Refira-se ainda um outro acórdão (o da Relação de Lisboa datado de 17/6/2020 (Pº 88/14.7XELSB.L1-3) que decidiu:
«De harmonia com os princípios gerais do contraditório e das garantias de defesa do arguido consagrados nos arts. 20º nº 1 e 4 e 32º nºs 1 e 5 da CRP e com o direito de audição do arguido previsto no art. 61º nº 1 al. b) do CPP, a conversão em prisão subsidiária de uma pena de multa não pode, nem deve ser decidida sem que antes seja dada ao arguido a oportunidade de a contraditar, quer invocando factos e argumentos jurídicos, quer juntando e requerendo as provas que entender necessárias e forem consideradas pertinentes.
Porém, essa audição ou oportunidade de exercício do contraditório cumpre-se de forma plena, com a notificação por via postal simples ao arguido para a morada constante do TIR e também ao seu Defensor da promoção do Mº.Pº., nesse sentido, ou com a informação de existe a hipótese de essa conversão vir a ser ordenada e com o convite expresso para que exerça os seus direitos de defesa e oposição, sem qualquer necessidade de audição presencial».
Este em consonância com o acórdão desta Relação, datado de 8 de Março de 2023 (Pº 296/19.4GBSRT.C1) – tendo como relator um dos adjuntos deste nosso acórdão - que decidiu que:
«Seguindo nisto jurisprudência que damos por pacífica, começamos por notar que a conversão da pena de multa não paga em prisão subsidiária, nos termos do art. 49º, nº 1, do CP, configura uma alteração superveniente do conteúdo decisório da sentença condenatória, com o efeito de privação da liberdade do condenado; dada a natureza de pena subsidiária e porque o arguido pode demonstrar que o não pagamento da multa não lhe é imputável, requerendo nomeadamente a suspensão daquela prisão subsidiária (art. 49º, nº 3, do CP), é fundamental a sua audição prévia, no sentido de cumprir o princípio do contraditório, dando-lhe oportunidade processual de efectivar o direito a ser ouvido (art. 61º, nº 1, al. b), do CPP); e a omissão dessa audição prévia configura a nulidade processual insanável do art. 119º, al. c), do CPP (exactamente por violação daquela al b) do nº 1 do art. 61º), sendo porém que não tem de ser presencial (neste sentido, e exemplarmente, o Ac. TRC de 11/09/2019, proferido no processo 31/15.6IDCTB.C2, relator LUÍS TEIXEIRA, que seguimos de muito perto, mas ainda, e além dos ali citados, os Acs. TRC de 04/05/2011, proferido no processo 189/09.6GASPS-A.C1, relator JORGE JACOB, de 29/06/2016, proferido no processo 113/12.6GBALD, relatora ELISA SALES, e de 13/10/2021, proferido no processo 85/19.6PTLRA-A.C1, relator JOÃO NOVAIS)».
Diremos: se não se exige audição presencial no caso de conversão de uma pena de multa em pena de prisão subsidiária, porque haveremos de exigir essa audição presencial no caso dos autos (revogação de uma prestação de trabalho comunitário aplicada em substituição de uma pena de multa), assente que não estamos perante o exemplo tipo dos artigos 58º e 59º do CP e dos artigos 495º/3 e 498º/4 do CPP?