Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
918/09.5TBPBL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANABELA LUNA DE CARVALHO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANOS
ALIMENTOS
Data do Acordão: 02/24/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA - LEIRIA - INST. CENTRAL - SECÇÃO CÍVEL - J2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTS.495, 2009 CC
Sumário: 1.- É indemnizável, nos termos do art. 495º nº 3 do Código Civil, tanto no caso de morte como no de lesão corporal, o prejuízo sofrido por aqueles que poderiam exigir alimentos ao lesado – o cônjuge, os seus descendentes, ascendentes, irmão e sobrinhos (art. 2009º CC) – ou por aqueles a quem este os prestava no cumprimento de uma obrigação natural.

2.- Têm direito a tal indemnização as pessoas que, no momento da lesão, podiam exigir já alimentos ao lesado e também aqueles que só mais tarde viriam a ter esse direito, se o lesado fosse vivo.

3.- Para ser exercitado tal direito, não é necessário estar-se já a receber alimentos, mas é necessário demonstrar, com razoável grau de previsibilidade, que se está (no momento da morte do obrigado a alimentos) em condições de, factual e legalmente, os poder vir a exigir.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

                                                                        I

M (…), residente na Rua (...), Pombal, intentou a presente ação declarativa de condenação, com processo ordinário, contra Z (…) COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., com sede na Rua (...), Lisboa.

Com a presente ação pretende a Autora a condenação da Ré no pagamento de uma indemnização, num montante total de €92 500,00 – sendo a quantia de € 35.000,00 (trinta e cinco mil euros), correspondente a metade de € 70.000,00 (setenta mil euros); pela perda ou supressão do direito à vida do filho (…); a quantia de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), isto é, correspondente metade dos danos morais sofridos pelo mesmo (…) a quantia de € 20.000,00 (vinte mil euros), relativa aos danos morais a ela causados com a morte do filho; a quantia de € 35.000,00 (trinta e cinco mil euros), referente à perda de benefícios/alimentos a prestar pelo filho Tiago – referente a danos causados por um acidente de viação em que o seu filho faleceu e em que foi interveniente uma viatura segurada na  Ré.

Para o efeito, alega que o acidente se ficou a dever a culpa do condutor (…) e o seu filho, que seguia como ocupante da viatura conduzida por aquele, sofreu lesões corporais que lhe vieram a causar a morte.

Os danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes dessas lesões não se encontram reparados. Assim, sendo ela mãe do malogrado (…) incumbe à  Ré, como seguradora do veículo (...)PX, indemnizar os lesados e seus sucessores.

Por outro lado, requer a intervenção provocada, do lado ativo, de J (…), pai da vítima Tiago, dado que o mesmo também é herdeiro deste último.

A Ré contestou impugnando alguns dos factos alegados pela  Autora e referindo que o condutor do veículo PX não se encontrava, à data do acidente, habilitado a conduzir veículos automóveis, pelo que, tem a Ré direito de regresso sobre as quantias que liquidou, e que venha a liquidar, emergentes do acidente de que tratam os autos.

Mais afirma que já liquidou ao Hospital Distrital de Pombal, ao Hospital de Coimbra e ao Hospital de Santo André a quantia total de €1580,61.

Assim, ao abrigo do disposto nos arts. 27º, nº 1, alínea d), do Decreto-Lei nº 291/2007, de 21 de Agosto e art. 330º, nº 1, do CPC, requer a Intervenção Provocada de C (…)condutor da viatura sinistrada.

Por outro lado, refere que o falecido (…)foi entregue aos cuidados da A., recebendo esta uma quantia entregue pelo Fundo de Garantia de Alimentos.

Porém, e como a A. não canalizava a quantia que recebia para prestar os cuidados básicos ao filho, foi proferida decisão judicial, no ano de 2004, a suspender o pagamento à A. de tal quantia e entregá-la ao avô do menor, (…), que era efetivamente quem cuidava do mesmo e com quem aquele residia.

Assim, face ao desinteresse notório por parte da A. no que respeita ao filho, considera que a mesma não sofreu o que alega ter sofrido com o falecimento de (…).

Por outro lado, refere que o menor não tinha que prestar alimentos, pois o relacionamento que ele e a A. mantinham não era de molde a que, no futuro, o mesmo se visse obrigado a prestar alimentos a ascendente, nos termos do art. 2013º, nº 1, alínea c), do Código Civil.

Afirma, ainda, que o falecido era neto do proprietário do veículo e tomador do seguro, tendo aquele, sem o consentimento do proprietário (com quem residia), retirado o veículo do local onde este estava parqueado e iniciado a respetiva marcha, não possuindo título que o habilitasse para a condução de veículos automóveis.

Mais permitiu que (…) conduzisse a aludida viatura.

Quanto à requerida intervenção provocada do progenitor do falecido (…)o refere que o mesmo não liquidava ao filho a prestação de alimentos a que era obrigado.

Assim, conclui pugnando pela improcedência da ação.

A  Autora replicou nos termos constantes de fls. 80 e segs.

Foi proferida decisão a admitir a intervenção principal provocada de J (…)e a intervenção acessória provocada de C (…).

O interveniente C (…) apresentou contestação onde alega que o acidente não se deveu a culpa sua, mas sim à circunstância de a via se encontrar impregnada de uma substância oleaginosa, proveniente da folhagem dos eucaliptos plantados de ambos os lados da via.

Por outro lado, impugna os valores peticionados pela Autora, por serem exagerados, referindo que a mesma não mantinha qualquer relação filial com a vítima.

Conclui pela improcedência da ação.

O interveniente J (…) veio apresentar articulado em que peticiona pela perda do direito à vida da vítima a quantia não inferior a €70.000,00; pelos danos morais sofridos, pelo próprio Tiago, antes da morte propriamente dita, atento o sofrimento no lapso de tempo em que permaneceu vivo, peticiona uma indemnização no valor de €5.000,00 (cinco mil euros); pelos danos morais, por si sofridos em consequência da morte do filho, peticiona o montante de €20.000,00 (vinte mil euros), pela perda de lucros cessantes e/ou benefícios de alimentos com que deixou de poder contar, numa situação de carência futura (artigo 2009ºdo C. Civil) pede o pagamento do montante de 35.000,00.

Para o efeito alega, para além do mais, que a morte do seu filho lhe causou grande sofrimento e dor.

A Ré Z (…) contestou referindo que o alegado sofrimento decorrente da perda do filho não colhe, atenta a postura passiva e desinteressada que o (…) recebeu de ambos os progenitores.

Conclui pela improcedência do pedido deduzido.

Idêntica posição assumiu a fls. 177 e segs. o interveniente C (…).

O interveniente J (…) replicou nos termos constantes de fls. 188 e segs.

Foi realizada a audiência de julgamento, após o que, foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente, condenando a Ré a pagar à  Autora M (…) e ao interveniente J (…) o montante total de €30.000 (trinta mil euros) a dividir em partes iguais por ambos, acrescido de juros de mora, à taxa de 4%, desde a prolação da sentença até efetivo pagamento.

No mais foram julgados improcedentes os pedidos deduzidos.

Inconformados com tal decisão vieram os Autores (Autora e Interveniente Principal) recorrer concluindo do seguinte modo as suas alegações de recurso:

(…)

A Ré apresentou contra-alegações, nas quais concluiu:

(…)

                                                            II

São os seguintes os factos julgados provados pelo tribunal recorrido:

1) O Autor J (…) nasceu no dia 28 de Maio de 1961, sendo filho de M (…)

2) A Autora M (…) nasceu no dia 5 de Julho de 1962, sendo filha de A (…) e B (…).

3) T (…) nasceu no dia 25 de Junho de 1987, sendo filho dos Autores M (…) e J (…).

4) Por sentença de 30 de Junho de 1988, proferida em Ação de Divórcio que correu termos neste Tribunal Judicial de Pombal, foi decretado o divórcio entre os Autores.

5) Por sentença de 14 de Junho de 1989, proferida no âmbito de Processo de Regulação do Exercício do Poder Paternal que correu termos no 2.º Juízo deste Tribunal Judicial de Pombal, o então menor T (…) foi entregue aos cuidados de sua mãe.

6) No dia 20 de Novembro de 2005, pela 1 hora e 30 minutos, o C (…) conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros, de marca Peugeot, modelo 309, de matrícula (...)PX, pela hemifaixa direita da Estrada Nacional n.º 327, ao km 7, no sentido Guia – Pombal.

7) No referido veículo seguiam como passageiros (…), no banco traseiro, e T (…) no banco da frente, ao lado do condutor, com o cinto de segurança colocado e fixado.

8) A (…) era dono do veículo automóvel de matrícula (...)PX.

9) A via, entre as localidades de Mata Mourisca e Ratos, apresentava-se em asfalto betuminoso, com dois sentidos de trânsito, tendo um traçado sinuoso, descendente, chegando em alguns pontos a atingir cerca de 5% de inclinação.

10) Dado o impacto do choque do veículo de matrícula (...)PX nos troncos dos eucaliptos, as estruturas da viatura retrocederam e provocaram traumatismos, ferimentos e hemorragias no corpo de T (…), designadamente, toráxicos e abdominais.

11) No local, foram prestados os primeiros socorros.

12) Tendo T (…) sido transportado, de seguida, na ambulância dos Bombeiros Voluntários para o Hospital de Pombal, onde acabou por falecer.

13) T (…) faleceu nesse dia 20 de Novembro de 2005, pelas 3 horas e 20 minutos, em consequência das lesões mencionadas em 10).

14) O chamado C (…) não se encontrava, à data de 20 de Novembro de 2005, habilitado a conduzir veículos automóveis.

15) Por sentença de 19 de Outubro de 2007, proferida no âmbito do Processo Comum Singular n.º 328/05.3GCPBL, que correu termos no 3.º Juízo do Tribunal Judicial de Pombal, instaurado na sequência dos factos ocorridos no dia 20 de Novembro de 2005, o chamado C (…) foi absolvido pela prática de um crime de homicídio negligente pelo qual vinha acusado, p. e p. pelo art.º 137.º, n.º 1 do Código Penal, tendo sido condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 105 dias de multa, à taxa diária de 5,00€.

16) Inconformado com tal sentença, na parte absolutória, dela recorreu o Ministério Público, tendo o chamado, por Acórdão da Relação de Coimbra de 3 de Dezembro de 2008, proferido no âmbito de tal Processo Comum Singular n.º homicídio por negligência, p. e p. pelo art.º 137.º, n.º 1 do Código Penal, (sido condenado) na pena de 8 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano, acompanhada tal suspensão de regime de prova, pelo falecimento de T (…).

17) No dia 21 de Fevereiro de 2007, em Cartório Notarial de Pombal, foi outorgada a escritura a que se reporta o documento de fls. 28 a 30 dos autos, com o título “Habilitação de Herdeiros”, da qual consta, além do mais, que o falecido T (…), “solteiro (…), não deixou descendentes, testamento ou qualquer outra disposição válida para depois de sua morte, tendo-lhe sucedido como únicos e universais herdeiros seus pais”, os  Autores J (…) e M (…).

18) A responsabilidade civil decorrente da circulação do veículo automóvel com matrícula (...)PX encontrava-se transferida para a Ré “Z (…) – Companhia de Seguros, S.A.”, por contrato de seguro titulado pela apólice n.º 003333310.

19) O tempo, na data e local do acidente, apresentava-se chuvoso e a via tem tendência para evidenciar uma substância oleaginosa proveniente das folhas dos eucaliptos, embora não tenha logrado apurar-se se assim acontecia no dia do acidente.

20) Ao descrever uma curva, sem que o seu condutor tivesse conseguido corrigir a trajetória, o veículo PX transpôs a linha longitudinal contínua aí existente, invadindo a faixa contrária àquela em que seguia, acabando por se projetar com a parte lateral direita contra os troncos dos eucaliptos que se encontravam radicados a cerca de 2,10 metros da linha ou guia esquerda da via, em relação ao sentido de marcha que levava.

21) T (….) era uma pessoa alegre e saudável.

22) A Autora encontra-se desempregada.

23) O Autor J (…) vive em França desde data não concretamente apurada mas muito anterior ao falecimento de T (…).

24) Por decisão judicial proferida no âmbito do processo nº 119-A/1987, do 2º juízo deste Tribunal, foi suspenso o pagamento da prestação de alimentos referente a T (…) que estava a ser efetuada pelo Fundo de Garantia de Alimentos à Autora e determinado que tais prestações passassem a ser pagas ao seu avô, (…).

25) Em tal decisão considerou-se demonstrado que a quantia que estava a ser entregue à Autora pelo IGFSS, não estava a ser canalizada para as necessidades de T (…) sendo o avô quem vinha assumindo e assegurando as necessidades básicas e fundamentais do menor, proporcionando-lhe todas as refeições e vestindo-o.

26) T (…) residia com o seu avô (…), já desde 2004 e até ao dia 20 de Novembro de 2005.

27) T (…) retirou o veículo de matrícula (...)PX do local onde se encontrava parqueado e iniciou a sua marcha.

28) O que fez sem o consentimento de seu avô (…).

29) Tendo conduzido o referido veículo até à localidade da Guia, com dois amigos (entre os quais, C (…)).

30) No regresso, entregou o veículo a C (…).

31) O Autor não pagava ao filho qualquer quantia.

32) Tendo o Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores passado, por isso, a proceder aos pagamentos em substituição do Autor.

33) Para além de residir com seu avô, era com este que T (…) tomava as refeições.

34) (aditado em sede de recurso) - “T (…), em consequência do embate, sofreu intensas dores traumáticas”;

35) (aditado em sede de recurso) -  “A A. M (…) sofreu e sofre ainda a perda do filho”;

36) (aditado em sede de recurso) “O T (…) pretendia, em breve, obter um emprego remunerado”.

37) (aditado em sede de recurso) “o Autor por vezes telefonava ao filho”.

38) (aditado em sede de recurso)  “o Autor sofreu com a morte do filho”.

São os seguintes os factos julgados não provados, pela 1ª instância, parte deles objeto de reapreciação em sede de recurso de apelação:

1) O veículo de matrícula (...)PX ia animado de velocidade não inferior a 70 km/hora.

2) T (…) apercebeu-se do veículo entrar em despiste e que o seu condutor havia perdido o controlo da marcha.

3) Entrou em ansiedade e agitação cardíaca, com temor pela própria vida e integridade física.

4) Sentiu o impacto da viatura contra o tronco dos eucaliptos.

5) Sentindo o seu corpo a ser atingido.

6) E as estruturas da viatura a comprimi-lo na zona do tórax e do abdómen.

7) Sofreu intensas dores e sentiu-se a desfalecer, ao ter consciência das suas lesões.

8) Tendo ficado preso na chapa do veículo.

9) Pretendia, em breve, obter um emprego remunerado com pelo menos o salário mínimo nacional e contribuir com parte do seu salário para o sustento da mãe.

10) O Autor perdeu a alegria de viver, já que não lhe sai do pensamento o destino de seu filho.

11) Vive angustiado.

12) O Autor visitava e estava com o seu filho quando vinha a Portugal.

13) T (…) telefonava ao Autor para saber se o mesmo estava bem.

14) Esses contactos davam ao Autor coragem e empenho para continuar a trabalhar.

15) Sabendo que o seu filho aguardava a sua volta com entusiasmo e projetos de vida.

16) Em consequência do despiste, a Ré “Z (…) – Companhia de Seguros, S.A.” pagou ao Hospital Distrital de Pombal as quantias de 1 290,70 € e de 30,70 €.

17) Assim como a quantia de 109,20 € ao Hospital de Coimbra.

18) E a quantia de 150,01 € ao Hospital de Santo André.

19) A Autora M (…) sofreu e sofre ainda a perda de seu filho.

20) Recorda amiúde o seu filho, o que a entristece e a faz chorar.

21) O chamado C (…) seguia a uma velocidade não superior a 50 km/hora.

22) O chamado conhecia a via por onde circulava.

                                                            III

Na consideração de que o objeto dos recursos se delimita pelas conclusões das alegações (art. 635 nº 3 do nCPC), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art. 608 in fine), são as seguintes as questões a decidir:

-Impugnação da matéria de facto.

- Reavaliação dos montantes indemnizatórios arbitrados, seja por via da modificação da factualidade assente, seja por via do reconhecimento da sua subavaliação e inexistência de comparticipação do lesado.

- Nulidade da sentença na parte em que se fundamenta em factos não provados.

I -Impugnação da matéria de facto

(…).

II - Reavaliação dos montantes indemnizatórios arbitrados, seja por via da modificação da factualidade assente, seja por via do reconhecimento da sua subavaliação e inexistência de comparticipação do lesado.

Fixada a matéria de facto, importa apreciar se contempladas foram todas as situações merecedoras de indemnização e, se os montantes fixados se mostram ajustados.

Perda de benefícios/alimentos a prestar pelo filho aos pais

Pedem os apelantes, para cada um deles, um montante indemnizatório de €35.000 pela perda de benefícios/alimentos a prestar pelo filho, referindo que devem ser indemnizados pela perda de lucros cessantes consistentes na circunstância de terem deixado de poder contar, numa situação de carência futura, com o benefício dos alimentos que lhes poderiam vir a ser prestados pela vítima T (…), enquanto filho de ambos.

A decisão recorrida não lhes reconheceu tal direito entendendo que

“ (…) aquele que pretende obter alimentos deve alegar e provar a sua necessidade e a impossibilidade de, por si, os obter, provando, nomeadamente, que não pode trabalhar e que não tem bens com que possa satisfazer as suas necessidades. Ora, no caso dos autos apenas se apurou que a  Autora se encontrava desempregada, sendo certo que a vítima lhe não prestava quaisquer alimentos, tanto mais que ele próprio se encontrava a receber quantias, a tal título, do Fundo de Garantia de Alimentos. Acresce que nada se provou relativamente a quais as reais necessidades da  Autora, designadamente se se encontra, ou não, a receber subsídio de desemprego, ou outro. Por outro lado, nada se apurou relativamente à situação económica do interveniente José. Ou seja, do exposto decorre que nenhum dos impetrantes tem direito a qualquer indemnização por perda futura de rendimentos decorrentes da morte do filho T (…).

Com efeito, como supra já se deixou dito, o art. 495.º não prevê a existência, sem mais, de qualquer direito pela perda da capacidade de ganho do falecido, tanto mais que não se apurou que o mesmo auferisse quaisquer rendimentos.

Ora, da materialidade dada como demonstrada nada resultou de onde se pudesse concluir que os Autores estavam em condições de exigir alimentos ao seu filho e que este estivesse em condições de os prestar”

Vejamos.

É indemnizável, nos termos do art. 495º nº 3 do Código Civil, tanto no caso de morte como no de lesão corporal, o prejuízo sofrido por aqueles que poderiam exigir alimentos ao lesado – o cônjuge, os seus descendentes, ascendentes, irmão e sobrinhos (art. 2009º CC) – ou por aqueles a quem este os prestava no cumprimento de uma obrigação natural.

Impõe-se aqui, por esta via, uma exceção à regra de que só os danos ligados à relação jurídica ilicitamente violada contam para a obrigação atribuída ao lesante[1].

Segundo ANTUNES VARELA[2], "têm direito à indemnização as pessoas que, no momento da lesão, podiam exigir já alimentos ao lesado e também aqueles que só mais tarde viriam a ter esse direito, se o lesado fosse vivo.

Concordamos com a decisão recorrida ao exigir uma demonstração de previsibilidade da necessidade de alimentos por parte de quem reclama tal direito indemnizatório[3].

Acompanhamos a jurisprudência que defende que, para ser exercitado este direito, não é necessário estar-se já a receber alimentos, mas que é necessário demonstrar, com razoável grau de previsibilidade, que se está (no momento da morte do obrigado a alimentos) em condições de, factual e legalmente, os poder vir a exigir.

O que não se demonstra, no caso concreto.

Na verdade T (…) faleceu com 18 anos, não lhe são conhecidos bens ou rendimentos, não se demonstrou que estivesse a trabalhar, sendo que, o seu contexto familiar faz supor uma situação económica humilde. O seu pai vive em França, onde se encontra emigrado há vários anos e a sua mãe está desempregada. Há data da sua morte, tinham respetivamente, 44 e 43 anos de idade, ou seja, estavam ambos em idade ativa. Não está demonstrado que não pudessem ou não possam obter alimentos por si próprios e, ainda que se conjeture essa impossibilidade para uma idade mais avançada, não está demonstrado que não têm como os obter de outros familiares igualmente vinculados por lei e mais capazes de os prestar, como outros filhos em melhor situação, por exemplo. Não é, assim, possível estabelecer um juízo de prognose sério, que permita estabelecer com razoável grau de previsibilidade, a necessidade futura de alimentos por parte dos apelantes.

Improcede, por consequência, tal questão de recurso.

Passemos de imediato a apreciar a indemnização arbitrada a título de perda do direito à vida.

Os apelantes pugnavam e pugnam pelo valor de €75.000,00 como justo e adequado para tal dano.

A indemnização por danos não patrimoniais deve ser fixada segundo critérios de equidade, tomando em consideração a culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso e as exigências do princípio da igualdade (artºs 494º, 496º, 564º do CC).

O Tribunal a quo fixou o valor de €50.000,00, montante esse que se mostra de acordo com a extrema gravidade do dano infligido e com os valores que vêm sendo considerados adequados, pela jurisprudência dos tribunais superiores.[4]

Assim damos como bem fixado tal valor.

Mas já discordamos do tribunal recorrido ao reduzir tal valor em razão de uma concorrência de culpa do lesado por, alegadamente, ter contribuído para o ilícito causador do dano.

Nesse conspecto refere a decisão recorrida: “Ora, na hipótese dos autos, resultou demonstrado que foi a vítima quem, sub-repticiamente, retirou a viatura PX da esfera de domínio do legítimo proprietário – seu avô – e quem consentiu em ser transportado por condutor sem estar devidamente habilitado para a tarefa”.

Na verdade não está demonstrado que a vítima soubesse que o condutor C (…) não estivesse legalmente habilitado a conduzir. Na verdade a testemunha (…) referiu mesmo “o T (…) pensava que ele tinha carta”. Fica a dúvida. 

Contudo, não estando demonstrado tal conhecimento – o de que sabia que ia ser conduzido por condutor não habilitado – não pode concluir-se que, o lesado concorreu para o ilícito danoso.

E, o facto de ter pegado no carro sem autorização do proprietário, não é só por si, idóneo, num raciocínio de causalidade adequada, a considerar tal facto apto a causar um acidente.

Assim sendo não deve a indemnização pelo dano morte ser reduzida por eventual contribuição do lesado para o resultado ilícito.

Entendeu ainda o tribunal a quo que “o quantum indemnizatório atribuído absorve os danos peticionados pelos demandantes atinentes às dores e angústias experimentadas pela vítima nos períodos de lucidez que mediaram entre a eclosão do acidente e a sua morte. Com efeito, o decesso da vítima retira autonomia a tal tipologia de danos não patrimoniais”.

Os apelantes haviam pedido por danos morais sofridos pelo próprio menor a quantia de 5.000,00.

Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.

Está provado que “T (…), em consequência do embate, sofreu intensas dores traumáticas”.

Tal dano tem dignidade própria e justifica seja tratado autonomamente relativamente ao dano morte.

O montante peticionado de 5.000,00 mostra-se perfeitamente razoável e equitativo a título de indemnização pelo dano moral próprio da vítima, pelo que, vai o mesmo fixado.

Finalmente peticionam os apelantes uma indemnização pelos danos não patrimoniais por si sofridos em consequência da morte do seu filho, no montante de €20.000,00 para cada um deles.

O tribunal a quo desconsiderou tais danos de acordo com as seguintes considerações:

“Relativamente às dores e angústias sofridas pelos pais com a perda do filho, não é fácil o seu cálculo. Efetivamente, não se pretende com o montante indemnizatório compensar a angustia sofrida por tais pessoas, mas tão-somente que tal quantia permita atribuir aos lesados, pelo menos, uma atenuação do mal consumado, permitindo-lhe alcançar situações ou momentos de alguma alegria.

Contudo, no caso dos autos, não se apurou que existisse um qualquer relacionamento entre os  Autores e a vítima.

Com efeito, o pai da vítima, o interveniente J (…), foi viver para França desinteressando-se da vida do seu filho, na medida em que nem sequer lhe prestava alimentos,tendo que ser substituído em tal dever pelo Fundo de Garantia de Alimentos a Menores.

Por outro lado, a mãe da vítima também já não residia com a mesma, sendo certo que até a prestação que lhe estava a ser paga pelo sobredito Fundo lhe foi retirada, por decisão judicial, tendo passado a ser entregue ao avô daquele, com quem a vítima tinha passado a viver e que dele cuidava.

Ora, assim sendo, não se pode atribuir qualquer indemnização a tal título aos Autores, dado que estes não lograram demonstrar a emergência de quaisquer danos (as dores, sofrimento e angústias que alegavam) que legitimassem a fixação de um quantitativo a esse título”

Aquando da apreciação da matéria de facto já tivemos oportunidade de não reconhecer justeza ao juízo de ausência de sofrimento por parte dos pais do infeliz T (…), pela perda do filho em tão trágica situação.

Está provado que ambos sofreram com a morte do filho.

A mãe do T (…) acompanhou o filho até aos seus 17 anos (2004). O acidente ocorreu em 2005. O pai do T (…) há vários anos (não se apurou quantos) se encontrava em França, e apenas telefonava de vez em quando. Não lhe prestava alimentos, o que obrigara a intervenção do Fundo de Garantia de alimentos. O T (…) teve, por isso, uma mais forte ligação à mãe do que ao pai. É por isso razoável supor que a mãe sofreu mais fortemente que o pai, em simetria com essa ligação.

Afigura-se-nos, assim, justo e adequado fixar diferenciadamente os danos morais próprios dos apelantes pela perda do filho, sendo 5.000,00 para a mãe e 2.500,00 para o pai.

Procede, assim, parcialmente tal questão do recurso.

Concluindo, vai a apelada condenada a pagar o montante total de € 62.500,00 (sessenta e dois mil e quinhentos euros), cabendo à apelante M (…) o montante de €32.500,00 (25.000,00+2.500,00+5.000,00) e ao apelante J (…) o montante de €. 30.000,00 (25.000,00+2.500,00+2.500,00).

Alterada a sentença e exposta fundamentação fáctica divergente, prejudicado fica o conhecimento da questão residual, a qual respeitava a eventual nulidade da sentença por tomar em consideração factos não provados.

Em suma:

- É indemnizável, nos termos do art. 495º nº 3 do Código Civil, tanto no caso de morte como no de lesão corporal, o prejuízo sofrido por aqueles que poderiam exigir alimentos ao lesado – o cônjuge, os seus descendentes, ascendentes, irmão e sobrinhos (art. 2009º CC) – ou por aqueles a quem este os prestava no cumprimento de uma obrigação natural.

- Têm direito a tal indemnização as pessoas que, no momento da lesão, podiam exigir já alimentos ao lesado e também aqueles que só mais tarde viriam a ter esse direito, se o lesado fosse vivo.

- Para ser exercitado tal direito, não é necessário estar-se já a receber alimentos, mas é necessário demonstrar, com razoável grau de previsibilidade, que se está (no momento da morte do obrigado a alimentos) em condições de, factual e legalmente, os poder vir a exigir.

                                                                        IV

Termos em que, acorda-se em julgar a apelação parcialmente procedente e, consequentemente decide-se condenar a Ré/apelada a pagar o montante total de € 62.500,00 (sessenta e dois mil e quinhentos euros), cabendo à apelante M (…)r o montante de €32.500,00 (25.000,00+2.500,00+5.000,00) e ao apelante J (…) o montante de €. 30.000,00 (25.000,00+2.500,00+2.500,00) acrescido de juros de mora, à taxa de 4%, desde a prolação do acórdão até efetivo pagamento.

Custas por apelantes e apelada, na proporção do decaimento.

Coimbra,

 Anabela Luna de Carvalho ( Relatora ))

 João Moreira do Carmo

 José Fonte Ramos


[1] Responsabilidade Civil Extracontratual, - Indemnização dos Danos Reflexos, - Indemnização do Dano da Privação do Uso - Texto apresentado pelo Exmº Sr. Des. Dr. Pinto de Almeida no dia 02 de Março de 2010 no Curso de Especialização Temas de Direito Civil, organizado pelo CEJ, disponível em: http://www.trp.pt/ficheiros/estudos

[2] Cfr. ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10ª ed., 620 e 621;
[3]
No mesmo sentido, Ac. STJ de 28-11-2013, Processo:177/11.0TBPCR.S1, in www.dgsi.pt              

[4] Veja-se a título de ex. Ac. STJ de 03-02-2011, P. 605/05.3TBVVD.G1.S1 in www.dgsi.pt