Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | PIRES ROBALO | ||
Descritores: | REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA PEDIDO DE RECONHECIMENTO DE CASAMENTO CELEBRADO EM FRANÇA NOME PRÓPRIO DO REQUERENTE É DIFERENTE NOS REGISTOS FRANCÊS E PORTUGUÊS | ||
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Data do Acordão: | 11/12/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | SECÇÃO CENTRAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA | ||
Decisão: | INDEFERIDA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGO 1º DA CONVENÇÃO DE HAIA SOBRE O RECONHECIMENTO DOS DIVÓRCIOS E SEPARAÇÃO DE PESSOAS, DE 1/06/1970 ARTIGOS 1.º, 13.º, 14.º, 42.º E 46.º DO REGULAMENTO (CE) Nº 1347/2000 DO CONSELHO, DE 29-05-2000, RELATIVO À COMPETÊNCIA, AO RECONHECIMENTO E À EXECUÇÃO DAS DECISÕES EM MATÉRIA MATRIMONIAL E DE REGULAÇÃO DO PODER PATERNAL EM RELAÇÃO A FILHOS COMUNS DO CASAL ARTIGO 249º DO TRATADO DA COMUNIDADE EUROPEIA – CFR. ÚLTIMO § DO MESMO ART. 46º ARTIGOS 978.º, 2; 980.º; 982.º; 983.º, 1 E 984.º, DO CPC ARTIGOS 10.º, 2, A); 187.º, 1 E 286.º, 1, CÓDIGO DE REGISTO CIVIL | ||
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Sumário: | I. Se os requerentes pretendem, como é o caso, ver transcrito o seu casamento no registo civil português, apenas com o intuito de resolver uma alteração do nome constante do registo, relativamente a um deles, tal questão não pode ser resolvida através da propositura de uma ação de revisão de sentença estrangeira.
II. Os requerentes para resolverem a questão registral, que pretendem, terão de socorrer-se dos meios próprios para o efeito, consulado, ou conservatória do registo civil, ou se assim, não o conseguirem, intentar ação própria para o efeito. | ||
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Decisão Texto Integral: |
Acordam na Secção Cível (3.ª Secção), do Tribunal da Relação de Coimbra 173/24.7YRCBR 1.- Relatório 1.1.- AA, contribuinte fiscal n.º ...75, residente na Rua ..., ... ..., e BB, cidadã romena, titular do do passaporte n.º ...58, emitido pela Roménia em ../../2019 e válido até ../../2029, residente na Rua ..., ... ... ... vêm interpor e fazer seguir neste tribunal a presente Acção Especial de Revisão e Confirmação de Sentença Estrangeira, pedindo que seja confirmado na ordem jurídica portuguesa para todos os efeitos legais, o casamento celebrado entre os aqui autores em França, em 13 de outubro de 2007, afim do casamento produza efeitos em Portugal desde aquela data. Para tanto referem: 1º O requerente AA é filho de CC e de DD; 2º Tendo nascido em França, em ..., no dia ../../1985 – cfr. assento de nascimento em formato internacional, que ora se junta sob designação doc. 1 e se dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais; 3º Tendo-lhe disso atribuído pelos seus pais o nome de EE; 4º Em 11 de Setembro de 1985, os pais do autor AA, procederam ao seu registo enquanto cidadão português no consulado de Varsailles – cfr. assento de nascimento que ora se junta sob designação doc. 2 e se dá por inteiramente reproduzido, podendo o mesmo ser consultado através de código de acesso ...95; 5º À data, e apesar dos pais do autor AA terem intenção de o registar no consulado português com o nome EE, não lhes foi permitido pelos funcionários consulares; 6º Tendo sido informado aos declarantes, pais do aqui autor, que o nome EE não era aceite em Portugal, pelo que teriam que registar o seu filho com o equivalente português daquele nome, isto é, AA; 7º Acrescentaram que o seu filho deveria também ter o nome de família da mãe, pelo que, a final, o aqui autor foi registado como AA; 8º Nome que desde então, e até hoje, o autor sempre utilizou em Portugal – como decorre do próprio cartão de cidadão do autor, emitido pela República Portuguesa, que ora se junta como doc. 3, dando-se a mesma por totalmente reproduzido; 9º Mantendo o nome EE em França – cfr. cartão de cidadão do autor, emitido pela República francesa, que ora se junta sob designação doc. 4, dando-se o mesmo por totalmente reproduzido; 10º Resultando da própria fotografia do titular de ambos os cartões de cidadão – francês e português – que o titular é, efectivamente, o mesmo; 11º França, onde residiu permanentemente desde o seu nascimento até 14 de Novembro de 2021 – cfr. certificado de intenção de mudança de residência, que se junta sob designação doc. 5 e se dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais; 12º Data em que se mudou definitivamente para Portugal, para a sua residência que mantém até a actualidade; Dito isto, 13º Em 13 de Outubro de 2007, os autores, celebraram casamento em FF, França – cfr. assento de casamento que ora se junta sob designação doc. 6, o qual se dá por inteiramente reproduzido; 14º Tendo tido dois filhos; 15º O GG, nascido em ..., França, em ../../2014 – cujos documentos de identificação, português e francês, bem assim como assento de nascimento português, se junta sob designação doc. 7 a 9, dando-se os mesmos por integralmente reproduzidos, podendo este último ser consultado através do código de acesso permanente 3633-4069-5230; 16º E o HH, nascido em ..., França, em ../../2017 – cujos documentos de identificação, português e francês, bem assim como assento de nascimento, se junta sob designação doc. 10 a 12, dando-se os mesmos por integralmente reproduzidos, podendo este último ser consultado através do código de acesso permanente 3633-4069-5230; 17º Tendo os filhos dos autores dupla nacionalidade, verifica-se que em virtude da situação atrás descrita, na documentação francesa o nome do pai dos menores é EE, enquanto na documentação portuguesa o nome do pai é AA – atente-se neste sentido os documentos juntos atrás e os assentos de nascimento franceses de ambos os menores, que ora se juntam sob designação doc. 13 e doc. 14, e que se dão por inteiramente reproduzidos -, não subsistindo dúvidas no entanto, que o pai dos menores, é efectivamente o mesmo, independentemente de se chamar EE ou AA; 18º Aquando da mudança definitiva de residência de França para Portugal em 2021 – cfr. atestados emitidos pela Junta de Freguesia ..., concelho ..., que ora se juntam sob designação doc. 15 e doc. 16, dando-se os mesmos por integralmente reproduzidos -, foi intenção dos ora autores transcrever o seu casamento para o registo civil português; 19º No entanto, tal transcrição tem vindo a ser negada em virtude do autor marido, ter um nome diferente em França relativamente ao nome que tem em Portugal; 20º Sendo certo que seria possível ao autor marido requerer a alteração do seu nome em Portugal para EE, a verdade é que tal circunstância lhe virá a acarretar enormes constrangimentos em virtude da obrigatoriedade que daí decorrerá em proceder à actualização/alteração do seu nome em todos os registos e documentos de suporte às mais variadas relações jurídicas que o autor mantém em Portugal, nomeadamente, registo civil dos seus filhos, registo predial, comercial e automóvel, contratos de seguro, bancários, etc.; 21º Operações que determinarão um enorme gasto de tempo e custos com emolumentos, taxas e outras despesas associadas; 22º Sendo que, os autores apenas pretendem, tão só, ver o seu casamento reconhecido em Portugal; 23º Porque, não obstante o nome do autor marido seja diferente em França daquele que este tem em Portugal, a verdade, para além de qualquer dúvida, é que quem se casou com a aqui autora mulher, em França, no ano de 2007, foi o AA, cidadão português, que devido a formalidades legais, excesso de formalismo ou simples exigência dos funcionários do consulado português de Versailles, acabou por ter um nome diferente em Portugal daquele que sempre teve em França, desde o seu nascimento; 24º No entanto, dúvidas não podem restar que EE e AA, são uma única pessoa, filho de CC e DD, nascido a ../../1985, pai dos menores GG e HH, casado com BB, em França, em 13 de Outubro de 2007; 25º O casamento em crise consta de documento sobre cuja autenticidade e inteligência não deve haver dúvidas e que está devidamente legalizado; 26º Provém de autoridade competente, não versando sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais portugueses; 27º Não contendo decisão contrária aos princípios de ordem pública internacional do Estado Português; *** 1.2. – Foi cumprido o art.º 982.º, do C.P.C., tendo o Sr.º Procurador Geral adjunto referido não ver obstáculo a que seja revista a decisão em causa, citando o Ac. do S.T.J., de 22/1/20224, segundo o qual, STJ de 22/01/2004, no processo n.º 03B4078, disponível no site da dgsi e que se considera aqui aplicável “Não constitui obstáculo à revisão de sentença estrangeira, proferida em França o facto do nome próprio do R. figurar no registo Francês em termos distintos dos constantes do nacional, quando não subsistem dúvidas no que respeita à identidade”.. *** 1.3. – Em 2/10/2024 foi proferido despacho do seguinte teor: “Podendo este Tribunal vir a entender não haver lugar a qualquer revisão de sentença estrangeira, até por os requerentes não juntarem qualquer sentença estrangeira, a rever, pretendendo antes, que este Tribunal confirme na ordem jurídica portuguesa para todos os efeitos legais, o casamento celebrado entre os aqui autores em França, em 13 de outubro de 2007, afim de que o casamento produza efeitos em Portugal, desde aquela data e, por consequência indeferir a pretensão dos mesmos, e para evitar que venha a ser invocada decisão surpresa notifique as partes para os efeitos do n.º 3, do art.º 3.º, do C.P.C.. *** 1.4. - Feitas as notificações a que se alude em 1.3, apenas apresentaram requerimento os requerentes, do seguinte teor: “Desde já se diga, ainda que se presuma do próprio objecto da acção e da respectiva petição inicial, que os autores concordam integralmente com o entendimento sufragado Ex.mo Sr. Magistrado do Ministério Público, no seu douto requerimento de 05 de Setembro de 2024. Efectivamente, não existem dúvidas que AA e EE são uma e única pessoa. No entanto, não é essa concreta questão que ora nos é suscitada e, reconhecemos, a mesma ensombrou os próprios autores no processo de análise do assunto em crise e que culminou na presente acção. Efectivamente, se enveredarmos por uma interpretação intrinsecamente objectiva do Título XIV do livro V do Cód. Proc. Civil, somos tentados a considerar que a decisão que determina o casamento entre duas pessoas não seria uma sentença, se entendermos esta última apenas como manifestação da decisão judicial de um tribunal. No entanto, consideramos que o conceito de sentença que aqui se deve acolher é bastante mais lado, sob pena de, no limite, desprover a parte de tutela jurídica quanto ao reconhecimento de um seu direito ou de uma relação e/ou situação de facto. Consideram os autores que o processo de revisão de sentença estrangeira deve ser considerado próprio ao reconhecimento de efeitos jurídicos de qualquer decisão estrangeira que não seja reconhecida por meio de tratados, convenções, regulamentos da União Europeia e leis especiais, ainda que proferida por órgãos administrativos de um Estado, mesmo que parte da União Europeia. Não sendo apenas nosso entendimento, permitimo-nos recorrer ao acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 04 de Fevereiro de 2020, proferido no processo 2490/19.9YRLSB-7, o qual refere no seu sumário que “uma escritura de declaração de união estável outorgada no Brasil pode ser objecto de um processo de revisão e confirmação de sentença estrangeira, nos termos regulados pelo art.º 978º e seguintes do Código de Processo civil”. À semelhança do que acontece no objecto do processo em crise nos presentes autos, também naquele outro processo o objecto da causa não é uma sentença estrangeira, mas tão só uma escritura de declaração estável, equivalente à união de facto conforme reconhecida em Portugal, a qual – a referida escritura de declaração estável – não encontra sequer figura exactamente paralela no ordenamento jurídico português, ao contrário do que acontece com o casamento celebrado em França entre os ora autores. Naquele concreto caso, e ao contrário do ali alegado pelo Ministério Público, que se opôs ao reconhecimento daquela escritura na ordem jurídica nacional, os Venerandos Juízes Desembargadores consideraram que “constitui entendimento, crê-se, uniforme nos tribunais portugueses que uma decisão de uma entidade administrativa estrangeira, competente no país onde foi proferida a decisão a rever, ainda que não assuma a natureza de entidade jurisdicional, mesmo não sendo qualificável como “sentença”, é, apesar disso, passível de revisão e confirmação pelo Tribunal da Relação no âmbito de um processo desta natureza. Exemplo prototípico disso é o caso das escrituras públicas de divórcio consensual, admitidas à luz do ordenamento jurídico brasileiro, e que são comummente revistas e confirmadas em Portugal, sem suscitar qualquer objecção, e em que não existe igualmente uma verdadeira e própria decisão (jurisdicional ou administrativa) decretando os efeitos de dissolução do vínculo matrimonial entre os outorgantes”. Não negligenciamos o acórdão para uniformização de jurisprudência proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça n.º 10/2022, publicado no Diário da República, 1ª Série, de 24 de Novembro de 2022, o qual vem uniformizar o entendimento jurisdicional quanto à matéria relativa aos reconhecimentos no ordenamento jurídico português dos efeitos das escrituras públicas declaratórias de união estável celebradas no Brasil, afirmando que as mesmas não constituem uma decisão revestida de força de caso julgado que recaia sobre direitos privados, não sendo por isso “susceptível de revisão e confirmação pelos tribunais estrangeiros”. É efectivamente esse acórdão que reforça a nossa convicção de que o casamento celebrado entre os aqui autores em França deve ser objecto da presente acção, sendo passível de revisão e confirmação ao abrigo do processo previsto no art.º 978º e seguintes do Cód. Proc. Civil. Daquele acórdão retira-se que aquelas escrituras não poderão ser objecto de revisão e confirmação por tribunal português porquanto lhes falta um requisito essencial: “entre os elementos relevantes para averiguar se a escritura continha uma decisão estava a circunstância de os interessados dirigirem um pedido à autoridade administrativa (…) e a circunstância de a autoridade administrativa deferir ou indeferir o pedido formulado, constituindo, modificando ou extinguindo relações jurídicas privadas”, isto é, no caso das escrituras em crise naquele acórdão, as mesmas são simples declarações das partes, não lhes sendo reconhecido através daquele acto qualquer direito ou efeito jurídico, o que já não acontece no sub iudice nos presentes autos, onde o casamento entre os autores foi reconhecido e declarado, com força de caso julgado, por entidade competente para o efeito na República Francesa. O mesmo Supremo Tribunal de Justiça pronunciou-se noutros processos sobre o alcance do termo “decisão” no âmbito do art.º 978º e seguintes do Cód. Processo Civil, afirmando que este deve ser interpretado no sentido de abarcar os casos em que se verifica uma “amissão formal da vontade da entidade administrativa responsável pelo acto”, o que havemos de reconhecer, aqui acontece. Pelo que, haveremos de concluir que a decisão administrativa que declara o casamento entre os ora autora, proferida por entidade administrativa com competência para o acto em França, haverá de ser passível de reconhecimento/confirmação por via da acção prevista no art.º 978º e seguintes do Cód. Proc. Civil”. *** 1.5. – Com dispensa de vistos cumpre decidir. *** 2. Fundamentação 2.1.1.- O requerente AA é filho de CC e de DD; 2.1.2- Tendo nascido em França, em ..., no dia ../../1985 – cfr. assento de nascimento em formato internacional, que ora se junta sob designação doc. 1 e se dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais; 2.1.3. Tendo-lhe disso atribuído pelos seus pais o nome de EE; 2.1.4. - Em 11 de Setembro de 1985, os pais do autor AA, procederam ao seu registo enquanto cidadão português no consulado de Varsailles – cfr. assento de nascimento que ora se junta sob designação doc. 2 e se dá por inteiramente reproduzido, podendo o mesmo ser consultado através de código de acesso ...95; 2.1.5 - À data, e apesar dos pais do autor AA terem intenção de o registar no consulado português com o nome EE, não lhes foi permitido pelos funcionários consulares; 2.1.6. - Tendo sido informado aos declarantes, pais do aqui autor, que o nome EE não era aceite em Portugal, pelo que teriam que registar o seu filho com o equivalente português daquele nome, isto é, AA; 2.1.7. - Acrescentaram que o seu filho deveria também ter o nome de família da mãe, pelo que, a final, o aqui autor foi registado como AA; 2.1.8 - Nome que desde então, e até hoje, o autor sempre utilizou em Portugal – como decorre do próprio cartão de cidadão do autor, emitido pela República Portuguesa, que ora se junta como doc. 3, dando-se a mesma por totalmente reproduzido; 2.1.9. - Mantendo o nome EE em França – cfr. cartão de cidadão do autor, emitido pela República francesa, que ora se junta sob designação doc. 4, dando-se o mesmo por totalmente reproduzido; 2.1.10 - Resultando da própria fotografia do titular de ambos os cartões de cidadão – francês e português – que o titular é, efectivamente, o mesmo; 2.1.11 - França, onde residiu permanentemente desde o seu nascimento até 14 de Novembro de 2021 – cfr. certificado de intenção de mudança de residência, que se junta sob designação doc. 5 e se dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais; 2.1.12.- Data em que se mudou definitivamente para Portugal, para a sua residência que mantém até a actualidade; 2.1.13 - Em 13 de Outubro de 2007, os autores, celebraram casamento em FF, França – cfr. assento de casamento que ora se junta sob designação doc. 6, o qual se dá por inteiramente reproduzido; 2.1.14 - Tendo tido dois filhos; 2.1.15 - O GG, nascido em ..., França, em ../../2014 – cujos documentos de identificação, português e francês, bem assim como assento de nascimento português, se junta sob designação doc. 7 a 9, dando-se os mesmos por integralmente reproduzidos, podendo este último ser consultado através do código de acesso permanente 3633-4069-5230; 2.1.16 - E o HH, nascido em ..., França, em ../../2017 – cujos documentos de identificação, português e francês, bem assim como assento de nascimento, se junta sob designação doc. 10 a 12, dando-se os mesmos por integralmente reproduzidos, podendo este último ser consultado através do código de acesso permanente 3633-4069-5230; 2.1.17 - Tendo os filhos dos autores dupla nacionalidade, verifica-se que em virtude da situação atrás descrita, na documentação francesa o nome do pai dos menores é EE, enquanto na documentação portuguesa o nome do pai é AA – atente-se neste sentido os documentos juntos atrás e os assentos de nascimento franceses de ambos os menores, que ora se juntam sob designação doc. 13 e doc. 14, e que se dão por inteiramente reproduzidos -, não subsistindo dúvidas no entanto, que o pai dos menores, é efectivamente o mesmo, independentemente de se chamar EE ou AA; 2.1.18 - Aquando da mudança definitiva de residência de França para Portugal em 2021 – cfr. atestados emitidos pela Junta de Freguesia ..., concelho ..., que ora se juntam sob designação doc. 15 e doc. 16, dando-se os mesmos por integralmente reproduzidos -, foi intenção dos ora autores transcrever o seu casamento para o registo civil português; 2.1.19. - Sendo certo que seria possível ao autor marido requerer a alteração do seu nome em Portugal para EE que cau acarreteria aos requerentes enormes constrangimentos em virtude da obrigatoriedade que daí decorrerá em proceder à actualização/alteração do seu nome em todos os registos e documentos de suporte às mais variadas relações jurídicas que o autor mantém em Portugal, nomeadamente, registo civil dos seus filhos, registo predial, comercial e automóvel, contratos de seguro, bancários, etc.;
2.1.20 – Os documentos provém de autoridade competente, não versando sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais portugueses; 2.1.21 - Não contendo decisão contrária aos princípios de ordem pública internacional do Estado Português; *** Não se consideram provados os seguintes factos. 2.2.1. - No entanto, tal transcrição tem vindo a ser negada em virtude do autor marido, ter um nome diferente em França relativamente ao nome que tem em Portugal; Deu-se como não provado tal facto, desde logo, por não ser junto qualquer documento sobre tal matéria. *** 3. Apreciando O sistema português de revisão de sentenças estrangeiras assenta no sistema de delibação, isto é, de revisão meramente formal, o que significa que o Tribunal, em princípio, se limita a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma, não conhecendo do fundo ou mérito da causa. Desde que o Tribunal nacional se certifique de que tem perante si uma verdadeira sentença estrangeira, deve reconhecer-lhe os efeitos típicos das decisões judiciais – cf. José Alberto dos Reis, Processos Especiais, volume II – Reimpressão, 1982, pág. 141; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-07-2011, proc.º n.º 987/10.5YRLSB.S1, relatado por Paulo Sá, disponível na Base de Dados Jurídico-documentais do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I. P. em www.dgsi.pt . Trata-se de um processo especial de simples apreciação. Nos termos do art. 980º do Código de Processo Civil, para que a sentença seja confirmada é necessário: a) Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a sentença nem sobre a inteligência da decisão; b) Que tenha transitado em julgado segundo a lei do país em que foi proferida; c) Que provenha de tribunal estrangeiro cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais portugueses; d) Que não possa invocar-se a excepção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a tribunal português, excepto se foi o tribunal estrangeiro que preveniu a jurisdição; e) Que o réu tenha sido regularmente citado para acção nos termos da lei do país do tribunal de origem e que no processo hajam sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes; f) Que não contenha decisão cujo reconhecimento conduza a um resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado português. Por sua vez dispõe o art. 983º, nº 1 do mesmo diploma legal que “O pedido só poder ser impugnado com fundamento na falta de qualquer dos requisitos mencionados no artigo 980º, ou por se verificar algum dos casos de revisão especificados nas alíneas a), c) e g), do artigo 696º.” Acresce que o art.º 984º determina que “O tribunal verifica oficiosamente se concorrem as condições indicadas nas alíneas a) e f) do artigo 980º; e também nega oficiosamente a confirmação quando, pelo exame do processo ou por conhecimento derivado do exercício das suas funções, apure que falta algum dos requisitos exigidos nas alíneas b), c), d) e e) do mesmo preceito.” O requerente está dispensado de fazer prova directa e positiva dos requisitos previstos nas alíneas b) a e) do art. 980º do CPC. Se, pelo exame do processo, ou por conhecimento derivado do exercício das suas funções, o tribunal não apurar a sua falta, presume-se que existem, não podendo o tribunal negar a confirmação quando, por falta de elementos, lhe seja impossível concluir se os requisitos dessas alíneas se verificam ou não. A prova de que não se verificam os requisitos das alíneas b) a e) do artigo 980º compete ao requerido, devendo, em caso de dúvida, considerar-se preenchidos – cf. acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 21-02-2006, relator Oliveira Barros, processo n.º 05B4168 e de 30-11-2010, relator Manuel Capelo, processo n.º 50/10.9YRCBR – “[…] como decorre da 2ª parte do art. 1101º, era sobre o requerido que recaía o ónus da prova da não verificação dos requisitos da confirmação estabelecidos nas alíneas b) a e) do art. 1096º, que a lei presume que existem, sendo ao requerido que incumbia provar a inexistência de trânsito em julgado segundo a lei do país em que a sentença revidenda foi proferida - al. b), a incompetência do tribunal sentenciador, nos termos indicados na al. c), a litispendência arguida - al. d), e a inobservância do princípio do contraditório e da igualdade das partes no processo que levou à decisão em causa - al. e), tendo-se esses requisitos por verificados em caso de dúvida a esse respeito.” Relativamente ao requisito da alínea f) - ordem pública internacional do Estado Português -, os princípios da ordem pública internacional do Estado Português são princípios enformadores e orientadores, fundantes da própria ordem jurídica portuguesa, que de tão decisivos que são, jamais podem ceder. Por outro lado, tem-se em vista o resultado concreto da decisão, ou seja, o dispositivo da sentença e não os seus fundamentos – cf. neste sentido, Ferrer Correia, Lições de Direito Internacional Privado, I, Almedina, 2000, pág. 483 apud acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26-05-2015, relator Gabriel Catarino, processo n.º 657/13.2YRLSB.S1 – “[…] não é, portanto, a decisão propriamente que conta, mas o resultado a que conduziria o seu reconhecimento. A decisão pode apoiar-se numa norma considerada em abstracto, se diria contrária à ordem pública internacional do Estado português, mas cuja aplicação concreta o não seja. Ao invés, pode a lei em que se apoiou a decisão não ofender, considerada abstractamente, a ordem pública, mas a sua aplicação concreta assentar em motivos inaceitáveis.” A ordem pública internacional do Estado Português não se confunde com a sua ordem pública interna: enquanto esta se reporta ao conjunto de normas imperativas do nosso sistema jurídico, constituindo um limite à autonomia privada e à liberdade contratual, a ordem pública internacional restringe-se aos valores essenciais do Estado português. Só quando os nossos interesses superiores são postos em causa pelo reconhecimento duma sentença estrangeira, considerando o seu resultado, é que não é possível tolerar a declaração do direito efectuada por um sistema jurídico estrangeiro. De modo que só quando o resultado dessa sentença choque flagrantemente os interesses de primeira linha protegidos pelo nosso sistema jurídico é que não se deverá reconhecer a sentença estrangeira – cf. acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 18-11-2008, relatora Sílvia Pires, processo 03/08 em www.colectaneadejurisprudencia.com; acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 21-02-2006, relator Oliveira Barros, acima referido; de 26-06-2009, relator Paulo Sá e de 23-10-2014, processo n.º 1036/124YRLSB.S1, relator Granja da Fonseca. No mesmo sentido acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26-09-2017, relator Alexandre Reis, processo n.º 1008/14.4YRLSB.L1.S1, onde se refere: “A ordem pública internacional de qualquer estado inclui: (i) os princípios fundamentais, relativos à justiça ou moral, que o Estado deseja proteger mesmo quando ele não está directamente em causa (ii) regras concebidas para servir os interesses políticos, sociais ou económicos essenciais do Estado, sendo estas conhecidas como “lois de police” ou “regras de ordem pública” […] O mesmo sucede, entre nós, com os princípios fundamentais de Direito da União Europeia. E são, ainda, referenciados como integrando a ordem pública internacional de cada Estado, princípios fundamentais como os da boa-fé, dos bons costumes, da proibição do abuso de direito, da proporcionalidade, da proibição de medidas discriminatórias ou espoliadoras, da proibição de indemnizações punitivas em matéria cível e os princípios e regras basilares do direito da concorrência, tanto de fonte comunitária quanto de fonte nacional.” No que respeita ao requisito da alínea a) do art. 980º do CPC, o Tribunal português tem de adquirir, documentalmente, a certeza do acto jurídico vertido na decisão revidenda, mesmo que não plasmada em sentença na acepção pátria do conceito, devendo aceitar a prova documental estrangeira que suporte aquela decisão, ainda que formalmente não seja um decalque daquilo que na lei interna nacional preenche o conceito de sentença – cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29-03-2011, relator Fonseca Ramos, processo n.º 214/09.8YRERVR.S1 Na verdade, «[o] critério a ter em conta para a sujeição ao processo de revisão assenta na natureza da decisão – importando avaliar se a “decisão” estrangeira produz efeitos idênticos ou equivalentes a uma decisão judicial propriamente dita –, mostrando-se não relevante o órgão de que emana, dado que cada Estado é livre em definir as matérias que cabem na competência dos tribunais, não se mostrando o respectivo critério uniforme em todos os Estados». Como imediatamente se constata pela leitura dos respectivos requisitos enunciados no art. 980º do CPC, a revisão do conteúdo da dita “decisão” (escritura) estrangeira, ou assento de casamento, celebrado, no estrangeiro, com vista a operar efeitos jurisdicionais na ordem jurídica nacional, envolve, tão só, a verificação da sua regularidade formal ou extrínseca, não pressupondo, por isso, a apreciação dos fundamentos de facto e de direito da mesma. Ora, relativamente ao assento de casamento, em causa, verifica-se que concorrem as condições indicadas sob as alíneas a) e f) do citado artigo, porque não se suscitam dúvidas sobre a autenticidade do documento onde o mesma consta nem sobre a sua inteligência e, ainda, porque o seu conteúdo (casamento) não é incompatível com os princípios de ordem pública internacional do Estado Português. E também se não apura, através dos meios previstos no art. 984º do mesmo código, a falta de observância de qualquer um dos requisitos indicados sob as demais alíneas daquela outra norma (980º), designadamente a d). Na verdade, «[o] critério a ter em conta para a sujeição ao processo de revisão assenta na natureza da decisão – importando avaliar se a “decisão” estrangeira produz efeitos idênticos ou equivalentes a uma decisão judicial propriamente dita –, mostrando-se não relevante o órgão de que emana, dado que cada Estado é livre em definir as matérias que cabem na competência dos tribunais, não se mostrando o respectivo critério uniforme em todos os Estados». Como se constata pela leitura dos respectivos requisitos enunciados no art. 980º do CPC, a revisão do conteúdo da dita “decisão” (escritura) estrangeira, com vista a operar efeitos jurisdicionais na ordem jurídica nacional, envolve, tão só, a verificação da sua regularidade formal ou extrínseca, não pressupondo, por isso, a apreciação dos fundamentos de facto e de direito da mesma. Ora, relativamente à escritura em apreço, verifica-se que concorrem as condições indicadas sob as alíneas a) e f) do citado artigo, porque não se suscitam dúvidas sobre a autenticidade do documento onde a mesma consta nem sobre a sua inteligência e, ainda, porque o seu conteúdo (casamento) não é incompatível com os princípios de ordem pública internacional do Estado Português. E também se não apura, através dos meios previstos no art. 984º do mesmo código, a falta de observância de qualquer um dos requisitos indicados sob as demais alíneas daquela outra norma (980º), designadamente a d). Veja a este respeito, os Ac.s da Rel. de Lisboa de Lisboa de 24 de Outubro e de 21 de Novembro de 2019, relator Pedro Martins, processos n.ºs 2403/19.8YRLSB.L1-2 e 1429/19.6YRLSB-2, ainda que a respeito de escrituras notariais, onde, em síntese, se considera que “a expressão “decisões” usada pelo art. 978º, n.º 1 do CPC vem sendo entendida como “acto caucionado administrativamente pela ordem jurídica em que foi produzido” e tem sido com esse entendimento amplo da expressão que vêm sendo sistematicamente admitidas em Portugal as escrituras notariais de divórcio consensual, realçando, quanto a estas que não há qualquer intervenção do notário/tabelião, para além da elaboração da escritura, e que ele nada homologa, servindo a escritura de divórcio para o registo civil do acto como se fosse uma sentença, pelo que não vale o argumento de que ali haveria uma homologação – administrativa ou judicial – e na escritura de união de facto estável ela não existiria, não existindo, assim, nenhuma diferença, na natureza do acto, entre estas duas situações que imponha uma solução diferente para a escritura de reconhecimento da união estável”. Em idêntico sentido ainda, (cfr. entre outros os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 21-11-2019, relatora Ana Azeredo Coelho, processo n.º 1899/19.2YRLSB-6 e de 11-12-2019, relator Luís Filipe Sousa, processo n.º 1535/19.7YRLSB YRLSB. Constitui entendimento, crê-se, uniforme, ou pelo menos maioritária, nos tribunais portugueses que uma decisão de uma entidade administrativa estrangeira, competente no país onde foi proferida a decisão a rever, ainda que não assuma a natureza de entidade jurisdicional, mesmo não sendo qualificável como “sentença”, é, apesar disso, passível de revisão e confirmação pelo Tribunal da Relação no âmbito de um processo desta natureza. Exemplo prototípico disso é o caso das escrituras públicas de divórcio consensual, admitidas à luz do ordenamento jurídico brasileiro, e que são comummente revistas e confirmadas em Portugal, sem suscitar qualquer objecção, e em que não existe igualmente uma verdadeira e própria decisão (jurisdicional ou administrativa) decretando os efeitos de dissolução do vínculo matrimonial entre os outorgantes (nós próprios temos esse entendimento (cfr. decisão singular proferida em 9/9/2024, no proc.º n.º 182/24.6YRCBR). A respeito desta matéria cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25.6.2013, relatado por Granja da Fonseca, onde se refere “ O que interessa para a ordem jurídica portuguesa é mais o conteúdo do acto administrativo, ou seja, o modo como regula os ditos interesses privados”. Do ponto de vista formal apenas releva que o acto administrativo provenha efectivamente duma autoridade administrativa. Se não ofende a ordem pública portuguesa, quanto à maneira como regulou esses interesses privados e provém duma autoridade administrativa, estão preenchidos os requisitos para a confirmação do seu conteúdo. Não releva, portanto, o modo ou a via como se chegou à produção desse acto, ou seja, se através duma emissão formal da vontade da entidade administrativa responsável pelo acto, ainda que de carácter meramente homologatório, ou se de maneira mais «contratual» apenas através das declarações dos outorgantes. Por outras palavras, basta que se trate de um acto caucionado administrativamente pela ordem jurídica em que foi produzido (cfr. artigo 1º da Convenção de Haia Sobre o Reconhecimento dos Divórcios e Separação de Pessoas, de 1/06/1970)”. Acresce que se, assim não fosse, “estava-se a denegar a força do dito acto, como idóneo para produzir os seus efeitos, como se de sentença fosse. Ou seja, estava-se a denegar a competência da entidade que o produziu, quando é certo que a competência para o acto, como é de jurisprudência, é definida pela lei nacional dessa entidade” (…)». Ora, saber se a presente decisão estrangeira (casamento em frança) pode ou não ser revista e confirmada perante o ordenamento jurídico nacional é precisamente a questão jurídica crucial que cumpre dissecar e dilucidar, o conhecimento do mérito da presente causa, quanto a nós, não tem a ver com a concreta aplicação do artigo 978º, nº 2, do Código de Processo Civil. […] É certo que em que em 24/11/2024, foi publicado o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 10/2022, de uniformização de jurisprudência, tirado no proc.º n.º 151/21.8YRPRT.S1-A, publicado no D.R. 227/2022, I Série de 24/11/2024, onde se refere “A escritura pública declaratória de união estável celebrada no Brasil não constitui uma decisão revestida de força de caso julgado que recaia sobre direitos privados; daí que não seja susceptível de revisão e confirmação pelos tribunais portugueses, nos termos dos arts. 978.º e ss. do Código de Processo Civil. Temos para nós, que a questão é diferente, pois no caso em apreço, estamos perante o reconhecimento de um casamento celebrado em França, onde o casamento entre os autores foi reconhecido e declarado, com força de caso julgado, por entidade competente para o efeito na República Francesa, enquanto no Ac de UJ citado, estamos perante a declaração de união estável, onde declarações das partes, não lhes sendo reconhecido através daquele acto qualquer direito ou efeito jurídico e ainda assim, com vários votos opostos. Acresce que tem sido entendido, senão de forma unanime, pelo menos em grande maioria, nós próprios assim o entendemos (cfr. decisão singular supra citada), que as escrituras notariais de divórcio consensual, podem ser homologadas, através da revisão de sentença estrangeira, sendo que nestas também não há qualquer intervenção do notário/tabelião, para além da elaboração da escritura, e que ele nada homologa, servindo a escritura de divórcio para o registo civil do acto como se fosse uma sentença, pelo que, vislumbramos razão para ser diferente, no caso em apreço. Acresce como já referimos que “a expressão “decisões” usada pelo art. 978º, n.º 1 do CPC vem sendo entendida como “acto caucionado administrativamente pela ordem jurídica em que foi produzido” e tem sido com esse entendimento amplo da expressão que vêm sendo sistematicamente admitidas em Portugal as escrituras notariais de divórcio consensual, realçando, quanto a estas que não há qualquer intervenção do notário/tabelião, para além da elaboração da escritura, e que ele nada homologa, servindo a escritura de divórcio para o registo civil do acto como se fosse uma sentença. O casamento celebrado em França constitui uma figura própria do ordenamento jurídico francês, com um sentido, fundamento e lógica perfeitamente definidos e justificados. Tal contrato pode ainda ser levado à averbação ou registo no competente Cartório de Registo (o mesmo que é responsável por realizar registo de nascimento, casamento ou óbito). Face a tais considerandos, numa primeira vista, até poderíamos ser levados a pensar assistir razão aos requerentes, com a presente ação de revisão de sentença estrança. Porém, temos para nós, que assim não é. Como se sabe, foi publicado no Jornal Oficial das Comunidades Europeias, de 30-06-2000, o Regulamento (CE) nº 1347/2000 do Conselho, de 29-05-2000, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução das decisões em matéria matrimonial e de regulação do poder paternal em relação a filhos comuns do casal. Tal Regulamento entrou em vigor em 1-03-2001 (arts. 42º e 46º do citado Regulamento) e é directamente aplicável no ordenamento jurídico português, por força do disposto no art. 249º do Tratado da Comunidade Europeia – cfr. último § do mesmo art. 46º. Com a entrada em vigor deste Regulamento deixou de ser necessário proceder à revisão e confirmação em Portugal e nos outros Estados membros das decisões em matéria matrimonial e de regulação do poder paternal em relação a filhos comuns do casal, desde que esta seja prolatada por ocasião de tal processo matrimonial, proferidas num dos Estados membros da União Europeia (cfr. arts. 1º, 13º e 14º do Regulamento) excepto na Dinamarca (considerando o nº 25 do preâmbulo do Regulamento). Assim, após a entrada em vigor deste Regulamento, as decisões nele referidas (art. 1º) passam a ter reconhecimento automático (art. 14º), ou seja, não é necessário qualquer tipo de procedimento para que aquelas decisões sejam reconhecidas. Desse modo, sendo automático o reconhecimento dessas decisões, já não há que pedir ao Tribunal da Relação a sua revisão e confirmação. Tal orientação foi mantida no Regulamento que seguiu (Regulamento 2201/2003 do Conselho) que revogou o anterior Regulamento 1347/2000. No entanto no caso em apreço, o que os requerentes pretendem é ver transcrito o seu casamento no registo civil português, ou seja, os requerentes embora intentem ação de revisão de sentença estrangeira, no fundo o que pretendem é ver resolvida uma questão registal, através de uma ação de revisão de sentença estrangeira, o que não é possível. Assim, nada temos a rever. Alias, são os próprios requerentes que o referem, quando afirmam no facto 2.1.18 “aquando da mudança definitiva de residência de França para Portugal em 2021 – cfr. atestados emitidos pela Junta de Freguesia ..., concelho ..., que ora se juntam sob designação doc. 15 e doc. 16, dando-se os mesmos por integralmente reproduzidos -, foi intenção dos ora autores transcrever o seu casamento para o registo civil português” Sendo que também alegam que – “no entanto, tal transcrição tem vindo a ser negada em virtude do autor marido, ter um nome diferente em França relativamente ao nome que tem em Portugal”. Facto que este Tribunal deu como não provado, por não ter sido junto qualquer documento, sobre tal matéria. Os requerentes para resolverem a questão registal, que pretendem, terão de socorrer-se dos meios próprios para o efeito, consulado, ou conservatória do registo civil (cfr. art.º 10.º, n.º 2 al.ª a). Ou se assim, não o conseguir intentar ação própria para o efeito. Aliás, é o que resulta do n.º 1, do art.º 187.º, do Código Registo Civil, referindo o n.º2, do preceito os documentos necessários para o efeito. Bem como dos n.º 1, do art.º 286.º, do mesmo diploma, onde se refere -a decisão de recusa da prática de qualquer acto de registo nos termos requeridos pode ser impugnada mediante a interposição de recurso hierárquico para o presidente do IRN, I. P., ou mediante impugnação judicial para o tribunal da área da circunscrição a que pertence a conservatória. Não podem, quanto a nós, é lançar mão de uma ação de revisão de sentença estrangeira, quando nada há a rever, como já referimos. Assim, sem mais e face ao exposto indefere-se a pretensão dos requerentes. *** 4. Decisão Pelo exposto, decide-se, por acórdão indeferir a pretensão dos requerentes. Valor da causa – €30.000,01 euros. Custas pelos requerentes (sem prejuízo de apoio judiciário). Notifique. Coimbra, 12/11/2024 Pires Robalo (relator) Cristina Neves (adjunta) Luís Manuel Carvalho (adjunto)
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