Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | JOÃO MOREIRA DO CARMO | ||
Descritores: | INUTILIDADE DO CONHECIMENTO DO RECURSO DE FACTO DANO BIOLÓGICO MEDIDA DA INDEMNIZAÇÃO | ||
![]() | ![]() | ||
Data do Acordão: | 10/25/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE LEIRIA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA | ||
Texto Integral: | S | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA EM PARTE POR UNANIMIDADE | ||
Legislação Nacional: | ARTº. 640º. DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | I - Não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objecto da impugnação for insusceptível de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, ter relevância, importância ou suficiência jurídica para a solução de direito e mérito do recurso, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente; II - O dano biológico deve ser ressarcido enquanto dano patrimonial futuro, caso se verifique/conclua que a lesão originou no futuro, e só por si, uma perda da capacidade de ganho do lesado ou se traduz, apenas, uma afetação da sua potencialidade física, psíquica ou intelectual, que exija esforço acrescido para as actividades gerais da vida ou profissionais, para além do agravamento natural resultante da idade; IV - Esse dano patrimonial futuro deve, como regra, ser calculado em atenção ao tempo provável de vida do lesado, ou seja, à esperança média da sua vida, e não apenas em função da duração da sua vida profissional activa (ie. prevista até à sua reforma); IV - Na determinação equitativa desse dano patrimonial futuro do lesado, há que levar em conta vários elementos referenciais, designadamente o recebimento de uma só vez do todo capital/rendimento futuro que é antecipado e a taxa de rentabilidade do capital, baseada num juízo de previsibilidade. | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: |
1. AA, residente em Porto ..., intentou contra Zurich Insurance Plc – Sucursal em Portugal, com sede em ..., acção declarativa de condenação, pedindo a condenação da ré no pagamento da indemnização de 75.000 €, acrescida de juros à taxa de 8% ano a calcular sobre a diferença entre o quantum atribuído em sede judicial e o valor de 10.000 € oferecido pela ré, calculados desde 1.10.2019, data da apresentação da proposta razoável ou, caso assim se não entenda, acrescida de juros calculados desde a citação. Invocou, para tanto, os prejuízos sofridos em resultado de acidente de viação ocorrido, a nível de dano biológico (a indemnizar em 40.000 €) e dano não patrimonial (a indemnizar em 35.000 €). Contestou a ré, reconhecendo a sua responsabilidade civil pelo pagamento de uma indemnização à ora autora, impugnando somente os danos invocados e respectivos valores peticionados por os considerar excessivos. * A final foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente a acção, e, em consequência, condenou a R. a pagar à A. a quantia global de 75.000 €, sendo 40.000 € a título de danos patrimoniais e 35.000 € a título de danos morais. Mais condenou a R. a pagar à A. juros de mora à taxa de 8% ano a calcular sobre a diferença entre o quantum atribuído em sede judicial e o valor de 10.000 € oferecido pela R., calculados desde 1.10.2019 até integral pagamento da quantia ora fixada. * 2. A R. recorreu, concluindo que: 1ª. – Pelo presente Recurso de Apelação pretende a ora Recorrente impugnar a decisão relativa à matéria de facto nos termos do disposto no Artº. 640º. do Código de Processo Civil, sendo também o recurso extensivo à aplicação da matéria de direito; 2ª. – Salvo o devido respeito, entende a ora Recorrente que, na Sentença proferida, o Tribunal “a quo” não procedeu a uma correta apreciação da prova produzida, visto que determinados factos deveriam ter sido considerados não como provados e o cálculo indemnizatório não deveria ter considerado determinados fatores, os quais, no entendimento da ora Recorrente, não se verificaram; 3ª. – Em cumprimento do disposto no Artº. 640º. do Código de Processo Civil, a ora Recorrente efetuou a transcrição dos depoimentos das Testemunhas em sede de fundamentação do presente Recurso, sendo que não efetua a transcrição dos mesmos em sede das presentes Conclusões de Recurso, atenta a extensão daqueles; 4ª. – Nos presentes Autos discute-se a extensão dos danos resultantes de um sinistro rodoviário ocorrido no dia 23 de Abril de 2015, pelas 07h00m, na Rua ..., em Porto ..., e no qual esteve envolvido um veículo ligeiro de mercadorias, de matrícula ..-..-LO, encontrando-se o mesmo, à data do acidente “sub judice”, segurado na ora Recorrente “Zurich – PLC”, através de contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel, titulado pela Apólice nº. ...67; 5ª. – O condutor do veículo segurado na Zurich perdeu o controlo da viatura que tripulava, entrou em despiste, e embateu no corpo da Autora, AA, a qual se encontrava a aguardar a chegada do autocarro escolar, pelo que, em sede pré-contenciosa, a Zurich aceitou a culpa do condutor do veículo seu segurado na ocorrência do sinistro, tendo comunicado tal posição à Autora e à Mãe da mesma, e face a tal, a Autora foi seguida e tratada pelos serviços clínicos da Zurich, até à data em que lhe foi atribuída “alta clínica”; 6ª. – (… narrativa) 7ª. – A ora Recorrente não se conforma com a Sentença proferida pelo Tribunal “à quo”, na parte em que condenou a Zurich no pagamento das quantias de: a) 40.000,00 Euros a título de indemnização relativa a dano biológico na vertente patrimonial e dano futuro; b) 35.000,00 Euros a título de indemnização relativa a danos não patrimoniais. 8ª. – Relativamente aos danos não patrimoniais, foram dados como provados, entre outros, os seguintes factos constantes da Sentença proferida pelo Tribunal “a quo”: “28. ….” 29. … (…) 44. …” 9ª. – Salvo o devido respeito, a Recorrente entende que a prova produzida deveria ter sido objeto de outra análise, tratamento e conclusão final, e, consequentemente não deveriam ter sido considerados como provados os supra transcritos factos. 10ª. – No ponto 44 da matéria considerada como provada consta que, “em resultado do acidente”, a Autora sente-se desinteressada e incapaz de voltar a praticar as atividades extracurriculares que praticava antes do acidente (dança “hip-hop” e aulas de “violeta”, tal como fixado nos pontos 30 e 31 da matéria considerada como provada na Sentença proferida); 11ª. – O Tribunal “a quo” entendeu que os ferimentos sofridos pela Autora no acidente aqui discutido foram a única causa para a mesma ter deixado de praticar as atividades extracurriculares, sendo referido … no 44º. facto considerado como provado; 12ª. – A ora Recorrente entende que foi produzida prova Testemunhal na Audiência de Julgamento de que o facto de a Autora ter deixado de praticar tais atividades se deve a várias causas, a saber: - ferimentos ocorridos no acidente de viação aqui discutido; - localização da residência da Autora; - localização da escola onde eram ministradas as aulas de “hip-hop”; - localização do conservatório onde a Autora frequentava as aulas de “violeta”; - localização das escolas frequentadas pela Autora desde o oitavo ano, até ao ingresso na faculdade. 13ª. – O acidente de viação “sub judice” ocorreu quando a Autora se encontrava a frequentar o oitavo ano de escolaridade, sendo que, na Audiência de Julgamento relativa aos presentes Autos foi inquirida a Testemunha BB (Mãe da Autora), e foi referido pela mesma que as aulas de dança “hip-hop” eram ministradas em ..., perto da escola que a Autora frequentou no oitavo e nono ano de escolaridade, e também que, quando a Autora ingressou no décimo ano de escolaridade, passou a frequentar uma escola sita em Porto ..., cidade onde residiam; 14ª. – Foi inquirido o irmão da Autora – CC – na Audiência de Julgamento, sendo que o mesmo referiu que as aulas de “violeta” eram também ministradas na cidade ...; 15ª. – Consta o seguinte do relatório pericial elaborado pelo Instituto de Medicina Legal e constante dos presentes Autos: “Não voltou a praticar hip-hop porque tal como não podia praticar educação física, não podia dançar “e depois saí da escola (o grupo de dança pertencia à escola) e nunca mais dancei” (Cfr. pág. 6 do relatório pericial, notificado às Partes em 01/09/2021 e ao qual foi atribuída a referência nº. 976 904 85 pelo sistema “Citius”) 16ª. – Foi a própria Autora que referiu ao Perito do INML que o grupo onde dançava pertencia à escola, e, posteriormente, saiu dessa escola, sendo que tal matéria consta do 46º. facto considerado como provado na Sentença proferida pelo Tribunal. 17ª. – Verifica-se assim que o critério geográfico, quer relativo localização da residência da Autora (Porto ...), quer relativo à localização da escola onde a Autora frequentou o décimo ano de escolaridade (Porto ...) condicionou a frequência das aulas de “hip-hop” e de “violeta” (ministradas em ...). 18ª. – Entende a ora Recorrente que os factos numerados com 28 e 44 da matéria considerada como provada, não o poderiam ter sido, uma vez que nestes consta a ocorrência do acidente “sub judice” como causa única para a Autora ter deixado de frequentar as aulas de dança e de “violeta”, quando, na verdade, e atenta a prova produzida, se verifica que para tal concorreram outros fatores e causas, tal como a localização do local de ensino escolar e a residência da Autora; 19ª. – Entendeu também o Tribunal “a quo” considerar como provado o facto numerado como 29, o qual se transcreve: “29. …” 20ª. – A ora Recorrente entende que não foi feita prova da última parte do mesmo, ou seja, de que a Autora, à data do acidente era uma pessoa “sociável”; 21ª. – Na Audiência de Julgamento, o irmão da Autora – CC – descreveu a mesma como sendo, uma pessoa tímida e envergonhada anteriormente à ocorrência do acidente de viação “sub judice”, pelo que, desta forma, não poderá ser considerado como provado que anteriormente ao acidente “sub judice”, a Autora era uma pessoa sociável, visto que tal é a antítese de uma pessoa “tímida” e “envergonhada”; 22ª. – Entende a ora Recorrente que não poderá ser considerada como provada a matéria constante do facto numerado como 17, ou seja, o teor de um documento de cariz clínico junto pela Autora com a Petição Inicial; 23ª. – Tratando-se de um documento particular, a Ré Zurich impugnou o mesmo em sede de Contestação, sendo que, posteriormente, o Autor de tal documento não foi inquirido em sede de Audiência de Julgamento, pelo que não foi não foi produzida qualquer prova que permitisse confirmar o teor do mesmo; 24ª. – Ocorreu um lapso de escrita na redação do 2ª. facto considerado como provado na Sentença proferida, constando do mesmo que a matrícula do veículo segurado na Zurich é “84-46-20”; 25ª. – A matrícula do veículo é “..-..-LO”, tal como consta da Apólice de Seguro, junta à Contestação como Doc. nº. 1, pelo que se requer a correção da redação de tal facto considerado como provado; 26ª. – Na fundamentação da Sentença é referido que a Autora foi atropelada por um veículo pesado de passageiros, sendo que nos factos considerados com provados não consta a categoria do veículo. 27ª. – Em termos de danos não patrimoniais, verifica-se que a Autora alega que ficou traumatizada com a ocorrência do sinistro, tendo sido considerado como provado que: “45. …” 28ª. – A tipologia e categoria do veículo atropelante é um fator a considerar quando tais danos são alegados (“medo e terror psicológico”), e, pela leitura da fundamentação da Sentença, verifica-se que o Tribunal entendeu que a categoria do veículo constituiu um facto que agravou os contornos do acidente “sub judice” neste domínio; 29ª. – Em termos memórias traumatizantes relacionadas com a ocorrência de um sinistro, será menos grave aquela em que se visualiza um veículo ligeiro – e consequentemente, de menores dimensões – em rota de colisão, do que a mesma situação que envolva um veículo pesado e de dimensões superiores; 30ª. – Verifica-se que o veículo segurado na Zurich e interveniente no sinistro “sub judice”, era um veículo ligeiro de mercadorias, e não um veículo pesado de passageiros, tal como consta da Apólice relativa ao contrato de seguro, a qual foi junta em anexo à Contestação como Doc. nº. 1, sendo que tal documento não foi impugnado. 31ª. – O cálculo da indemnização, efetuado nos termos do disposto nos Artsº. 496º. e 564º. Do Código Civil, leva em conta a gravidade do dano e as circunstâncias que o provocaram, e, em termos de memórias do sinistro em casos de atropelamento, as dimensões do veículo são um fator a considerar, sendo que, para efeitos de cálculo indemnizatório relativo a danos não patrimoniais (neste caso, o “medo e terror psicológico” resultante da memória do acidente), não poderia o Tribunal ter levado em conta que a Autora foi atropelada por um veículo pesado de passageiros; 32ª. – O cálculo do valor indemnizatório atribuído a título de compensação relativa a danos não patrimoniais, levou em conta determinados fatores que o Tribunal entendeu como lesivos, a saber: - ferimentos sofridos pela Autora e “quantum doloris” associado; - sequelas resultantes do sinistro, englobando o dano estético; - tratamentos médicos a que a Autora foi sujeita; - período de recuperação dos ferimentos; - período em que ocorreu impossibilidade de frequentar o ensino escolar; - impossibilidade de frequentar atividades extracurriculares; - tipologia / categoria do veículo envolvido no sinistro; - idade da Autora à data do sinistro. 33ª. – No que diz respeito ao valor atribuído na Sentença a título de danos não patrimoniais, verifica-se que, na determinação dos danos efetuada ao abrigo do disposto no Artº. 496º. Do Código Civil e respetivo cálculo efetuado ao abrigo do disposto no Artº. 564º. de tal diploma legal, o Tribunal englobou determinados fatores que entendeu como lesivos, sendo que, no entendimento da a ora Recorrente, os mesmos não se verificaram, visto que: a) A Autora deixou de frequentar as aulas de “violeta” e as aulas de dança “hip-hop” não só em virtude das lesões ocorridas no acidente de viação “sub judice”, mas também pelo facto de ter mudado de escola para uma cidade diferente daquela onde frequentava as tais atividades extracurriculares; b) O acidente de viação não envolveu um veículo pesado de passageiros, mas sim um veículo ligeiro de mercadorias, tal como se pode verificar pela leitura da Apólice de seguro, junta em anexo à Contestação como Doc. nº. 1; c) Anteriormente ao sinistro, a Autora era uma pessoa tímida e envergonhada, tal como foi referido pelo irmão da mesma na Audiência de Julgamento. 34ª. – Consequentemente, se tais fatores não fossem englobados, o valor indemnizatório teria que ser inferior, atendendo-se à determinação dos danos e respetivo cálculo, tal como consta dos Artº. 496º. e 564º. do Código Civil, já que o lesante – e, consequentemente, a entidade para a qual aquele transferiu a responsabilidade civil – apenas poderá ser responsabilizado pelos danos por si causados, e na medida em que concorreu para a sua verificação; 35ª. – No domínio dos danos patrimoniais, na Sentença proferida, o Tribunal condenou a Zurich no pagamento à Autora da quantia de 40.000,00 Euros, tendo tal quantia sido atribuída: a) a título de compensação pelo dano biológico de que a Autora ficou a padecer em resultado dos ferimentos ocorridos no acidente de viação “sub judice”, e, b) a título de compensação atribuída à Autora relativamente a dano patrimonial futuro. 36ª. – Pela análise da fundamentação supra transcrita, verifica-se que o Tribunal classificou tal dano como sendo de cariz patrimonial, presumindo que as lesões sofridas pela Autora irão provocar, no futuro, uma perda da capacidade de ganho, sendo referido a fls. 36 da Sentença proferida, o seguinte: “…” 37ª. – Salvo o devido respeito por entendimento diverso, a ora Recorrente entende que o dano biológico poderá assumir uma vertente patrimonial e uma vertente não patrimonial, conforme consta dos Acórdãos transcritos em sede de fundamentação do presente Recurso. (Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 04/06/2013, proferido no Processo 2092/11.8T2AVR.C1 e Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 01/06/2021, proferido no Processo 1614/17.5T8GRD.C1); 38ª. – No que diz respeito ao dano biológico, constam da Sentença os seguintes factos considerados como provados: 49. “…” 39ª. – O exercício de atividades relacionadas com “Design e Multimédia” requer maioritariamente o uso de um computador, e, no relatório pericial constante dos presentes Autos, consta que a Autora referiu o seguinte ao Perito do INML que elaborou o mesmo: “Nega limitações na utilização do computador, referindo somente “quando estou muito tempo (ao computador) doem-me os ombros (sic); nega limitações na aprendizagem ou nas tarefas inerentes à licenciatura que ingressou este ano lectivo, como seja desenhar.(sic)” (Cfr. pág. 6 do relatório do INML, notificado às Partes em 01/09/2021 e ao qual foi atribuída a referência nº. 976 904 85 pelo sistema “Citius”) 40ª. – Tal matéria consta do 46º. facto considerado como provado na Sentença proferida pelo Tribunal “a quo”: 41ª. – A indemnização por danos patrimoniais futuros destina-se a compensar o lesado relativamente à perda da capacidade de ganho e penosidade inerente à prática de esforços acrescidos no desempenho da atividade profissional, sendo que, no caso em apreço: a) não ocorreu perda da capacidade de ganho da Autora; b) não se verifica a necessidade da prática de esforços suplementares no exercício da atividade profissional por parte da Autora, tal como se pode verificar pela leitura das conclusões constantes do relatório pericial elaborado pelo INML; 42ª. – Entende a ora Recorrente que o dano biológico sofrido pela Autora terá que ser classificado com dano não patrimonial, uma vez que, não se verifica qualquer prejuízo patrimonial derivado do dano biológico sofrido; 43ª. – Consequentemente, não se verificando qualquer prejuízo patrimonial para a Autora (perda da capacidade de ganho ou necessidade da prática de esforços acrescidos no exercício da atividade profissional), deverá ser a ora Recorrente absolvida do pagamento da quantia de 40.000,00 Euros, revogando-se a Sentença nesta parte, devendo a mesma ser substituída por Douto Acórdão onde seja fixado um valor indemnizatório destinado a compensar a Autora relativamente ao dano biológico na vertente não patrimonial; Ou, subsidiariamente, caso se entenda manter a classificação do dano biológico sofrido pela Autora como dano de natureza patrimonial: 44ª. – No cálculo relativo à indemnização referente a danos patrimoniais, o Tribunal aplicou o disposto nos nºs. 1 e 2 do Artº. 564º. do Código Civil; 45ª. – O nº. 2 do Artº. 564º. do Código Civil é aplicável em duas situações distintas: a) quando seja previsível a ocorrência de danos no futuro; b) quando não é possível determinar a totalidade ou a extensão dos danos no momento de elaboração da Decisão. 46ª. – Existem elementos nos Autos que demonstram que não é previsível que ocorra qualquer perda da capacidade de ganho ou limitação no exercício da atividade profissional da Autora, já que: a) no relatório elaborado pelo INML não consta qualquer referência a necessidade de realizar esforços acrescidos no exercício da atividade profissional; b) não consta qualquer referência a previsibilidade de ocorrência de dano futuro; c) o exercício de atividades relacionadas com “Design e Multimédia” requer maioritariamente o uso de um computador, e da Perícia realizada pelo INML constam declarações da Autora, nas quais a mesma nega dificuldades no uso de computadores, negando também limitações de aprendizagem e realização de tarefas relativas ao curso superior que se encontra a frequentar 47ª. – Salvo o devido respeito, a ora Recorrente não poderá concordar com a fundamentação constante da página 36 da Sentença proferida, onde consta o seguinte: “…” 48ª. – Entende a ora Recorrente que não poderia ter sido aplicado o disposto no nº. 2 do Artº. 564º. do Código Civil ao caso concreto, visto que não se verificam os elementos e condicionantes que determinam a sua aplicação, ou seja, não existem elementos que façam prever a ocorrência de dano futuro; 49ª. – Entendendo-se o dano biológico como dano de natureza patrimonial, deveria ter sido efetuado um desconto (em regra, de 1/3 do valor indemnizatório, tal como tem vindo a ser fixado na Jurisprudência relativa ao tema em apreço) à quantia apurada a título indemnizatório, a fim de evitar a ocorrência de uma situação de enriquecimento sem causa por parte da Autora, dando-se assim cumprimento ao disposto nos Artsº. 473º. e seguintes do Código Civil; 50ª. – A este respeito cita-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido no Processo 397/03.0GEBNV.S1 e disponível na Internet em www.stj.pt: de onde se retira o seguinte: “…”. 51ª. – Verifica-se que um dos fatores levados em conta pelo Tribunal “a quo” no cálculo efetuado para efeitos de fixação da quantia indemnizatória relativa a dano patrimonial, foi o “tempo médio de esperança de vida”. 52ª. – Salvo o devido respeito por tese diversa, entende a ora Recorrente que o calculo do valor indemnizatório – neste domínio – deveria ser efetuado tendo em consideração o período de vida ativa, e não a esperança média de vida, citando-se a este respeito, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido no Processo nº. 290/07.8PATNV.C1.S1 e disponível na Internet em www.dgsi.pt, onde consta o seguinte: “… ” 53ª. – Deverá ser dado provimento ao presente Recurso, sendo revogada a Sentença proferida e substituída por Douto Acórdão onde: a) seja operada a redução do valor indemnizatório fixado a título de compensação relativa a danos não patrimoniais, b) se classifique o dano biológico sofrido pela Autora como dano de natureza não patrimonial; c) seja a Zurich absolvida do pagamento à Autora da quantia de 40.000,00 Euros fixada a título de indemnização relativa a dano biológico e dano patrimonial futuro; d) seja fixada quantia indemnizatória, destinada a compensar a Autora pelo dano biológico sofrido na sua vertente não patrimonial, ou, subsidiariamente, em relação ao dano biológico, caso se entenda manter a classificação do mesmo como dano patrimonial: e) o valor indemnizatório de 40.000,00 Euros fixado na Sentença seja reduzido, levando em conta o que se acabou de expor nas presentes conclusões. assim se fazendo acostumada Justiça ! Termos em que, e no muito que V. Exas. se dignarão suprir, deverá ser dado provimento ao presente Recurso, sendo revogada a Sentença proferida e substituída por Douto Acórdão onde: a) seja operada a redução – em valor a determinar no Douto entendimento dos Venerandos Juízes do Tribunal da Relação – do valor indemnizatório fixado a título de compensação relativa a danos não patrimoniais, sendo levado em conta que determinados danos não se verificaram e, parte dos danos relatados no presente recurso não foram apenas causados pela ocorrência do acidente de viação “sub judice”, tal como supra exposto; b) se classifique o dano biológico sofrido pela Autora como dano de natureza não patrimonial; c) seja a Zurich absolvida do pagamento à Autora da quantia de 40.000,00 Euros fixada a título de indemnização relativa a dano biológico – na sua vertente de cariz patrimonial – e dano patrimonial futuro; d) seja fixada quantia indemnizatória, a determinar no Douto entendimento dos Venerandos Juízes do Tribunal da Relação, destinada a compensar a Autora pelo dano biológico sofrido na sua vertente não patrimonial, ou, subsidiariamente, em relação ao dano biológico, caso se entenda manter a classificação do mesmo como dano patrimonial: e) o valor indemnizatório de 40.000,00 Euros fixado na Sentença seja reduzido, levando em conta o que se acabou de expor relativamente ao cálculo do mesmo com base na vida ativa, ao desconto destinado a evitar a ocorrência de enriquecimento sem causa e à inexistência de elementos que façam prever a ocorrência de dano patrimonial futuro. assim se fazendo acostumada Justiça ! 3. A A. pugnou pela manutenção do decidido.
II – Factos Provados
1. No passado dia 23 de Abril de 2015, pelas 07H00, em Porto ..., a Autora, nascida em .../.../2001 – na altura menor, com 13 anos de idade – foi vítima de atropelamento quando se encontrava a aguardar o autocarro escolar – cfr. boletim de nascimento junto 15.12.2020, que aqui se dá por integralmente reproduzido 2. A Autora foi assim surpreendida pelo veículo com a matrícula ..-..-LO (por lapso escreveu-se 20), conduzido por DD e seguro na ora Ré, que, inesperadamente, saiu da sua mão de circulação e acabou por invadir o local perto da zona destinada à paragem do autocarro escolar. 3. O referido veículo acabou assim por colidir violentamente contra a Autora. 4. Ao local do acidente foram chamados os Bombeiros Voluntários ... que prestaram os primeiros socorros e transportaram a Autora para a Urgência do Hospital ... em ... - Cfr. doc. 1 de episódio de urgência junto a 27.08.2020 e que se dá por integralmente reproduzido. 5. Do acidente em causa resultaram as seguintes lesões: a) - Escoriações na face: mento, hemiface esquerda e dor na abertura da boca; b) - Fractura fechada dos ossos da perna esquerda; c) - Fractura fechada do cubito esquerdo. 6. A Autora foi submetida, entre outros, a engessamento da perna esquerda e cirurgia ao braço esquerdo, tendo permanecido internada no Hospital ... em ... até ao dia 27 de Abril de 2015, data em que teve alta - Cfr. doc. 2 de nota de alta junto com a petição inicial (P.I.) e que se dá por integralmente reproduzido. 7. No período que se seguiu, durante cerca de 5 meses, a Autora esteve em repouso total no seu domicílio, devidamente medicada para as dores, tendo faltado por completo ao 3.º período de aulas escolares e vendo-se privada do gozo das suas férias de verão. 8. Durante este período, e em face das lesões que resultaram do sinistro, a Autora voltou a ter que ser submetida a nova intervenção cirúrgica em 19 de Julho de 2015, tendo assim passado por mais um período de internamento de 19 a 20 de Julho de 2015 - Cfr. doc. 3 de carta de referência de enfermagem e nota de alta junto com a P.I. e que se dá por integralmente reproduzido. 9. Participado o sinistro à Ré, e findo o habitual processo de instrução, foi por esta assumida a responsabilidade sobre o sinistro e a Autora passou a ser seguida na rede médica da Ré - Cfr. doc. 4 de carta de definição de responsabilidade junto com a P.I. e que se dá por integralmente reproduzido. 10. A Autora foi assim, durante um longo período de tempo, sujeita a consultas e tratamentos na rede médica da Ré, tratamentos esses integralmente suportados pela Ré. 11. Apenas em 26 de Setembro de 2019 foi considerado pelo “corpo clinico” da Ré que as lesões em resultado do sinistro se encontravam devidamente consolidadas, tendo assim sido emitido relatório médico de avaliação de dano corporal - Cfr. doc. 5 relatório de avaliação de dano corporal efectuado por prestador clinico da Ré junto com a P.I. e que se dá por integralmente reproduzido. 12. A Autora foi submetida a 2 operações cirúrgicas e de acordo com o relatório médico de avaliação de dano corporal elaborado pelo serviço clinico da Ré (doc. 5), foi atribuída à Autora uma IPP de 4 pontos, Quantum Doloris de 2 pontos e Dano estético de 3 pontos. 13. Quanto a períodos de incapacidade, foram fixados à Autora pelos serviços clínicos da Ré, a título de Incapacidade Temporária Geral Total (ITGT) 146 dias (de 23/04/2015 a 15/09/2015) e SI de cerca de 1465 dias (de 15/09/2015 a 26/09/2019) - (doc. 5),. 14. A Ré propôs indemnização pelo valor total de € 10.000,00, o que a A. não aceitou. 15. O acidente supra referido ficou a dever-se a culpa exclusiva do condutor do veículo seguro na Ré tendo esta assumido a sua responsabilidade pela produção do sinistro, a qual se encontrava transferida para a Ré por via do Contrato de Seguro de Responsabilidade Civil Automóvel (apólice n.º ...67) – cfr. doc. 1 junto com a contestação e que se dá por integralmente reproduzido. 16. A Autora foi submetida a exame de avaliação médico-legal por parte do prestador clínico da Ré (doc. 5) que lhe determinou o seguinte: - IPP ou IPG de 4 pontos; - Quantum Doloris de 2 pontos (escala de 1 a 7); - Dano Estético de 3 pontos (escala de 1 a 7); 17. Recorreu também a Autora a avaliação médico-legal efectuada pelo Médico Especialista, Dr. EE, Assistente Graduado do Serviço de Ortopedia do Hospital ... e habilitado pelo Instituto de Medicina Legal ..., tendo-lhe sido determinado o seguinte – (Cfr. relatório de avaliação de dano corporal efectuado pelo Dr. EE cuja junto como doc. 6 junto com a P.I. e que se dá por integralmente reproduzido): - IPP ou IPG de 6 pontos; - Quantum Doloris de 4 pontos (escala de 1 a 7); - Dano Estético de 2 pontos (escala de 1 a 7); - ITGT de 146 dias e SI de cerca de 1465 dias. 18. A Autora frequenta actualmente o Curso Superior de Design e Multimédia da Universidade ...; 19. Aquando do atropelamento e como consequência deste a Autora temeu pela sua vida, sofreu dores intensas avaliadas em “score” de grau 9 - doc. 1 de episódio de urgência junto a 27.08.2020 e que se dá por integralmente reproduzido; 20. Foi sujeita a um período de internamento inicial desde 23.04.2015 a 27.04.2015, tendo sido sujeita, inclusivamente, a cirurgia ao cubito esquerdo, com colocação de material de osteossíntese - conforme doc. 1; 21. Volvidos cerca de 3 meses após a data do acidente (de 19/07/2015 a 20/07/2015), foi a Autora novamente sujeita a novo período de internamento (1 dia) para efeitos de nova cirurgia ao cubito esquerdo - conforme doc. 2 já referido. 22. De acordo com os serviços clínicos da Ré, a Autora teve em situação de Incapacidade Temporária Geral Total (ITGT) durante 146 dias (de 23/04/2015 a 15/09/2015) - conforme doc. 5 já referido. 23. Durante este período a Autora esteve completamente dependente da ajuda de terceira pessoa, in casu, a sua mãe que a acompanhou “exaustivamente”. 24. Por via do engessamento da perna e braço esquerdo, a Autora viu-se remetida para uma cama durante longo período de tempo, sendo que na fase final da ITGT passou para uma cadeira de rodas por forma a aceder a outras divisões da casa. 25. Viu-se completamente privada das mais elementares e básicas tarefas do dia-a-dia, como fazer a sua higiene pessoal, o que apenas foi possível com a ajuda da sua mãe. 26. Viu-se forçada a faltar por completo ao 3.º período do ano lectivo em curso à data do acidente. 27. Não gozou as férias de Verão de 2015, passando todo esse período em casa. 28. Viu-se completamente privada da frequência – ainda hoje assim se mantém – de actividades extracurriculares que frequentava à data do acidente. 29. À data do acidente, a Autora era uma jovem dinâmica, boa aluna, interessada e sociável. 30. Frequentava o conservatório de música onde tinha aulas de violino/violeta. 31. À data do acidente era praticante de hip-hop. 32. Era, portanto, saudável, atlética, não tinha quaisquer dores e nada a impedia de ser uma criança/jovem “normal”. 33. Passou por um longo período de fisioterapia onde realizou 40 sessões, 20 ao membro superior esquerdo e 20 ao membro inferior esquerdo - Cfr. requisição de fisioterapia junto como doc. 7 com a P.I. que se dá por integralmente reproduzido. 34. Desde a data do acidente até presente data tem necessitado de ajuda medicamentosa em situações de SOS em virtude de por diversas vezes ter de lidar com dores no braço esquerdo e no joelho esquerdo, dores essas que aumentam com as variações de tempo (meteorológico) e obrigam a Autora a recorrer a tratamento medicamentoso de analgesia. 35. Padece de uma dismetria dos membros inferiores de 18 mm - Cfr. relatório de exame junto como doc. 9 junto com a P.I. bem como relatório do INML de 27.08.2021 junto aos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; 36. O Joelho da perna esquerda apresenta uma deformação na medida em que após o sinistro passou a estar “valgo à esquerda clinicamente com cerca de 10º” - conforme doc. 6 já referido. 37. Após o sinistro nunca mais a Autora se sentiu “confortável” e “confiante” com o seu corpo. 38. A Autora não se sente confortável no uso de determinadas roupas que exponham a cicatriz do braço esquerdo assim como o joelho esquerdo. 39. Ficou com uma híper sensibilidade na zona da cicatriz no braço esquerdo, desenvolvendo fobia ao mero “toque” no braço esquerdo. 40. A dismetria de 18 mm dos membros inferiores provoca na Autora a sensação de uma “perna mais cumprida que a outra”, tendo a mesma desenvolvido, após a data do sinistro um andar claudicante. 41. A Autora perdeu por completo o interesse na dança, não se sentindo capaz de executar as aulas. 42. Nunca mais frequentou as aulas de violino/violeta que tanto gostava antes da ocorrência do sinistro na medida em que se sente limitada ao nível do braço. 43. Após o acidente e nos períodos que se seguiram, sempre viu a sua vida altamente limitada no âmbito de aulas de educação física. 44. Em resultado do acidente, a Autora sente-se desinteressada e incapaz de voltar a praticar as actividades extracurriculares que praticava antes do sinistro. 45. A A. sentia medo e terror psicológico, após o sinistro, sempre que se deslocava junto da paragem de autocarro onde ocorreu o mesmo. 46. Do teor do relatório pericial do INML de avaliação do dano corporal de 27.08.2021 (que aqui se dá por integralmente reproduzido) consta designadamente o seguinte: “A. Queixas: A nível funcional (…) Nesta data a examinanda refere as queixas que a seguir se descrevem: (…) Postura, deslocamentos e transferências: quando se agacha o joelho esquerdo “estala” (sic) – (…); Fenómenos dolorosos: ao longo da coluna vertebral, de maior intensidade na coluna dorso-lombar e “ombros”; no braço (aponta para o terço proximal da face posterior do antebraço) e joelhos esquerdos, mas também na coluna lombar, associados a mudanças climatéricas, como chuva e humidade e mais acentuados no período nocturno; Outras queixas a nível funcional: refere que “noto que está mais solto” (membro superior esquerdo) (sic) (aponta para a articulação do cotovelo), refere evitar esforços com o membro superior esquerdo (…) Menciona que tem receio de atravessar a estrada, assim com quando é passageiro dianteiro (…); A nível situacional - Actos da vida diária: (…) refere queixas álgicas na região lombar” (…); Vida afectiva, social e familiar: “actualmente não pratica nenhum desporto, efectuando esporadicamente “exercícios em casa, mas não quero esforçar o joelho” (sic) Não voltou a praticar hip-hop porque tal como não podia praticar educação física, não podia dançar “e depois saí da escola (o grupo de dança pertencia à escola) e nunca mais dancei” (sic) menciona sentir-se inibida de ir à praia ou de utilizar determinado tipo de vestuário, como sejam leggins até ao nível do terço proximal da perna ou vestuário com riscas verticais, devido ao valgo que aresenta no joelho esquerdo; refere que “não gosto que me toquem no braço esquerdo” (sic), por desconforto e receio de se magoar; Vida profissional ou de formação: refere que após o acidente em apreço o seu professor do conservatório de música (frequentava o 5.º ano do conservatório e tocava violino) elaborou “um plano especial (para praticar violino) (sic) para a examinanda, mas refere que depois acabou por desistir porque “não tinha a mesma destreza…a mão esquerda é a que toca as notas…não era tão boa como antes…” (sic). Nega limitações na utilização do computador, referindo somente “quando estou muito tempo (ao computador) doem-me os ombros (sic); nega limitações na aprendizagem ou nas tarefas inerentes à licenciatura que ingressou este ano lectivo, como seja desenhar.” 47. A A. como consequência do acidente supra referido apresenta as seguintes sequelas: “Face: 2 discretas cicatrizes rosadas, aproximadamente transversais e paralelas entre si, lineares, na linha média da região submentoniana, a maior e mais anterior medindo 0,8cm e a mais posterior0,6cm. Nega dor, parestesias ou alteração da sensibilidades locais.; Membro Superior Esquerdo: cicatriz rosada, de características cirúrgicas, no terço proximal da face póstero-medial do antebraço, medindo 3x2,5cm de maiores eixos, negando dor parestesias ou alteração da sensibilidades locais no terço proximal da face posterior do antebraço; mobilidades mantidas e indolores; força muscular mantida, mesmo contra resistência; Membros inferiores: crepitação dos joelhos à mobilização; mobilidades articulares mantidas dentro dos parâmetros de normalidade e indolores bilateralmente; desvio em valgo do joelho esquerdo. Distância da cicatriz umbilical ao maléolo medial: à direita de 91cm e à esquerda de 90,5cm; ausência de amiotrofias das pernas (perímetros medidos a 15cm do polo inferior da rótula) – 30,5 cm à direita e 30cm à esquerda.” – cfr. relatório de perícia de avaliação do dano corporal do INML de 27.08.2021, que aqui se dá por integralmente reproduzido; 48. Do teor do relatório do INML referido consta, sob a epígrafe “Discussão”, designadamente o seguinte: “Os elementos disponíveis permitem admitir a existência de nexo de causalidade entre o traumatismo e o dano atendendo a que se confirmam os critérios necessários para seu estabelecimento: existe adequação entre a sede do traumatismo e a sede do dano corporal resultante, existe continuidade sintomatológica e adequação temporal entre o traumatismo e o dano corporal resultante, o tipo de lesões é adequado a uma etiologia traumática, o tipo de traumatismo é adequado a produzir este tipo de lesões, se exclui a existência de uma causa estranha relativamente ao traumatismo e se exclui a pré-existência de dano corporal.” 49. Do teor das conclusões do referido relatório do INML referido consta o seguinte: “A data de consolidação médico-legal das lesões é fixável em 16.09.2016; Período de défice funcional temporário total fixável em 7 dias; Período de défice funcional temporário parcial fixável em 506 dias; Período de repercussão temporária na actividade profissional/de formação total fixável em 92 dias; Período de repercussão temporária na actividade profissional/de formação parcial fixável em 421 dias; Quantum doloris fixável no grau 4/7; Défice funcional permanente da integridade físico psíquica fixável em 5,88 pontos; As sequelas descritas são, em termos de repercussão permanente na actividade profissional, compatíveis com a actividade de formação que frequenta. Dano estético permanente fixável no grau 3/7 ; Repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer fixável no grau 3/7.” 50. Do teor do referido relatório do INML consta igualmente o seguinte relativamente ao “Défice funcional permanente da integridade físico psíquica” que foi fixado em 5,88 pontos: “assim consideraram-se os danos permanentes constantes da tabela seguinte: Sequelas do traumatismo do membro superior esquerdo (fractura da diáfise cubito esq) tratada cirurgicamente com encavilhamento cúbito com FK e posterior extracção do material de osteossíntese – ao exame objectivo apresenta deformação saliente, notória à inspecção e à palpação, no terço proximal da face posterior do antebraço (…); Sequelas do traumatismo do membro inferior esquerdo (fractura da tíbia e peróneo) tratado conservadoramente – ao exame objectivo apresenta desvio em valgo do joelho esquerdo; distância da cicatriz umbilical ao maléolo medial: à direita de 91cm e à esquerda de 90,5cm com tradução imagiológica de 18mm (…)”; 51. A A. residia na altura do sinistro durante o período de recuperação no 2.º andar de um prédio sem elevador; 52. Como consequência das lesões sofridas pela A. na sequência do acidente em apreço nestes autos e tendo em conta o apoio e assistência que necessitava, o quarto da A. foi mudado para a sala de jantar da respectiva residência em virtude de ter mais espaço para o efeito; 53. Não obstante após o sinistro a A. ter um andar claudicante, actualmente tal já não é notório.
III - Do Direito
1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 639º, nº 1, e 635º, nº 4, do NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas. Nesta conformidade, as questões a resolver são as seguintes. - Alteração da matéria de facto. - Indemnização a atribuir à A.
2. A R. impugnou a decisão da matéria de facto, relativamente aos factos provados 2., 17., 28., 29. 44., pugnando pela correcção do 1º indicado, que o 2º, 3º e 5º indicados passem a não provados e resposta restritiva ao 4º. Isto com base nos depoimentos das testemunhas BB e CC, prova documental e relatório que especificou (conclusões de recurso 2ª, 3ª, 8ª a 25ª). Na motivação da decisão da matéria de facto o tribunal a quo exarou que: “O Tribunal formou a sua convicção com observância o princípio da liberdade de julgamento e conjugando os diversos elementos de prova produzidos ao longo do processo e devidamente sujeitos às regras da contraditoriedade e da imediação. Os factos considerados como provados foram-no com base nos documentos juntos aos autos, bem como nos depoimentos das testemunhas. Assim, os documentos relevantes para a formação da convicção do tribunal foram já indicados nos respectivos factos dados como provados, que em conjugação com o depoimento das testemunhas inquiridas, permitiu dar como provados os factos supra elencados. De facto, as declarações das testemunhas arroladas pela A. revestiram grande espontaneidade e segurança, denotando vivência e conhecimento directos do sucedido, sendo consistentes, pelo que convenceram plenamente o Tribunal. As testemunhas BB, mãe da A., CC, irmão da A. e de FF, empregada doméstica do avô da A., denotaram, não obstante a proximidade familiar e afectiva com a A., grande isenção e objectividade, tendo descrito com pormenor e espontaneidade o estado de saúde físico, psíquico e emocional da mesma, sendo além do mais consistentes e coerentes, merecendo assim plena credibilidade. Note-se, igualmente, que relativamente às queixas veiculadas pela A. às Exmas. Sras. Peritas do INML e descritas no respectivo relatório, vão ao encontro do teor dos depoimentos das testemunhas ouvidas, o que reforça a sua consistência. Ora, tais depoimentos em conjugação com a referida prova documental junta aos autos permitiu dar como provados os factos supra referidos. Relativamente à prova documental e especificamente aos relatórios médicos (referidos nos factos provados), o tribunal ponderou todos os elementos e informações constantes dos mesmos tendo o relatório pericial do INML especial prevalência probatória atendendo à sua natureza pericial, pelo que havendo elementos discrepantes ou não totalmente coincidentes se deu prevalência ao teor do relatório pericial do INML (como é o caso do facto não provado em a) resultando o inverso do relatório pericial, como resulta dos factos dados como provados). (…) Quanto aos factos dados como provados nos pontos 37 a 45., foram os mesmos dados como provados com base do depoimento das testemunhas inquiridas, especificamente BB, CC e FF, em conjugação com as regras da experiência.”. 2.1. Relativamente ao facto provado 2., menciona-se aí uma matrícula terminada no número 20, o que se deve a lapso, sendo antes LO, como se refere na apólice de seguro junto aos autos pela R. Cabe, pois, fazer a devida rectificação. 2.2. No respeitante ao facto provado 17., entende a recorrente que não poderá ser considerada como provada a matéria constante do facto numerado como 17., ou seja, o teor de um documento de cariz clínico junto pela A. com a p.i., porquanto se trata de um documento particular que a R. impugnou na contestação, sendo que, posteriormente, o autor de tal documento não foi inquirido em sede de audiência de julgamento, pelo que não foi não foi produzida qualquer prova que permitisse confirmar o teor do mesmo. É apodíctico que a impugnação da matéria de facto consagrada no art. 640º do NCPC não é uma pura actividade gratuita ou diletante. Se ela visa, em primeira linha, modificar o julgamento feito sobre os factos que se consideram incorrectamente julgados, ela tem, em última instância, um objectivo bem marcado. Possibilitar alterar a matéria de facto que o tribunal a quo considerou provada ou não provada, para que, face à eventual nova realidade a que se chegou, se possa concluir que afinal existe o direito que foi invocado, ou que não se verifica um outro cuja existência se reconheceu. Isto é, que o enquadramento jurídico dos factos tidos por provados ou não provados conduz a decisão diferente da anteriormente alcançada. Assim, se por qualquer motivo, o facto a que se dirige aquela impugnação for irrelevante ou insuficiente para a solução da questão de direito e para a decisão a proferir, então torna-se inútil a actividade de reapreciar o julgamento da matéria de facto, pois nesse caso mesmo que, em conformidade com a pretensão do recorrente, se modifique o juízo factual anteriormente formulado, sempre o facto que agora se considerou provado ou não provado continua a ser juridicamente destituído de eficácia, por não interferir com a solução de direito encontrada e com a decisão tomada. Por isso, nestes casos de irrelevância ou insuficiência jurídica, a impugnação da matéria de facto não deve ser conhecida sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente (vide Ac. desta Relação de 12.6.2012, Proc.4541/08.3TBLRA, em www.dgsi.pt). Isto porque, a alteração da matéria de facto, nos pontos precisos que forem impugnados será irrelevante, insuficiente ou desnecessária se nenhuma interferência tiver na dita solução de direito. No nosso caso verifica-se que o dito facto 17. se reporta a um relatório de avaliação de dano corporal efectuado por um médico. Acontece que tal avaliação médico-legal foi levada a efeito pelo INML, e foi com base no respectivo relatório que a julgadora de facto, e muito bem, deu por provada a matéria relevante. Que, de seguida, chamou à colação para arbitrar a respectiva indemnização. Assim, o conhecimento desse impugnado facto acaba por ser desnecessário, por neste momento não ter qualquer importância para o recurso da R. e para a solução jurídica da causa. Considerando o explicitado, e tendo em conta que a impugnação de facto deduzida pela R. visa factualidade que acaba por se tornar dispensável para a sorte do seu recurso, então a referida impugnação, relativamente à apontada factualidade não tem de ser conhecida. 2.3. Quanto aos factos 28., 29. e 44., ouvimos a prova gravada em CD respeitante a tal matéria. A testemunha BB, mãe da A., disse que, à data do acidente, a filha frequentava as aulas de dança “hip-hop” em ..., numa escola perto da escola onde ela estudava. No ano seguinte, quando já andava no 9º ano, ela não podia fazer exercício nenhum. Não podia fazer nada. E depois no 10º ano veio para Porto ..., saindo de .... Mas a testemunha não disse só isto que a recorrente transcreveu. Disse, também, que a filha tem muitas dores ainda á data de hoje, especialmente nas mudanças de tempo. Durante 1 ano não retomou as actividades físicas porque ficou limitada, sentindo dificuldades físicas, tendo dores nos joelhos e anca. Passado 1 ano a filha recusou-se a ir para ... e passou para outra escola em Porto ..., onde residia, porque não queria estar ao pé da paragem de autocarro onde foi atropelada. Faz, actualmente, fisioterapia, osteopatia e massagens para aliviar as dores. Exercícios físicos não consegue fazer, só alongamentos, e nem sequer consegue acompanhá-la a ela, mãe, numa caminhada. A testemunha CC, irmão da A., declarou que ela frequentava violeta no conservatório em ..., ao lado da escola dela. Não se recorda se depois do acidente ela não voltou a este conservatório, mas é capaz de ter voltado. No 10º ano frequentou a escola secundária ..., onde residia, e saiu de .... Antes da ocorrência do acidente, ela era um bocadinho tímida no início. Mas quando mudou para ... começou, com o grupo de amigos que tinha a desabrochar, pronto, a integrar-se melhor com os amigos e estava a começar a ser uma pessoa diferente. Ela passou a ter aulas em ... no 8º ano. Mais disse mais, além do transcrito pela recorrente. Disse que a irmã tinha dores constantes. A irmã não pratica “hip-hop” ou violeta, mas não é por se ter desinteressado. Socialmente ficou mais carregada, com vergonha com as colegas, ficou mais tímida/envergonhada com as amigas. Com exceção do período do oitavo ano de escolaridade que antecedeu a ocorrência do acidente, o irmão da Autora descreveu-a como sendo uma pessoa tímida e envergonhada. Ouvimos, também, a testemunha FF, empregada doméstica, do avô, referida na motivação da julgadora de facto e pela recorrida nas suas contra-alegações. A mesma referiu que conhece a A. desde que nasceu. Era uma criança divertida e bem-disposta antes do acidente. Depois do acidente perdeu a vontade de sair. Ela era dada com todas as pessoas. Agora ficou mais metida nela. Ficou menos sociável, tem menos à vontade do que antes. Analisando. Desta prova testemunhal, resulta inequivocamente que a A. deixou de realizar aulas de “hip-hop” e violeta devido ao acidente de viação de que foi vítima, e à consequente incapacidade física de que passou a padecer, com limitações físicas e dores. O mesmo resulta do relatório pericial elaborado pelo IML, espelhado no facto 46., sub-ponto 5., que reza “Não voltou a praticar hip-hop porque tal como não podia praticar educação física, não podia dançar “e depois saí da escola (o grupo de dança pertencia à escola) e nunca mais dancei”, e su-ponto 6., que reza “após o acidente em apreço o seu professor do conservatório de música (frequentava o 5.º ano do conservatório e tocava violino) elaborou “um plano especial (para praticar violino) (sic) para a examinanda, mas refere que depois acabou por desistir porque “não tinha a mesma destreza…a mão esquerda é a que toca as notas…não era tão boa como antes…”. Não temos dúvidas, por isso, em aceitar e reafirmar que a A. se viu privada da frequência de actividades extracurriculares que frequentava à data do acidente e que não se sente capaz para voltar a praticar as mesmas, devido ao acidente de que foi vítima. Por conseguinte, a impugnação deduzida aos factos provados 28. e 44., só por aqui, improcede. Adicionalmente diremos que, ao contrário do que defende a recorrente, não resulta do facto 44. que aí se se exprima que a única e exclusiva causa para a A. ter deixado de realizar as actividades extracurriculares que praticava tenha sido o acidente. Que foi o acidente foi ! Agora, se houve outras razões para a A. ter deixado de praticar essas actividades, como a recorrente sugere ao invocar critérios geográficos relativos à residência da A. e localização das aulas de “hip-hop” e violeta, competia-lhe a ela provar essa situação, o que não fez, porque inclusivamente nem os alegou na sua contestação. Sibi imputet. E quanto ao facto 28., o mesmo se diga, ou seja, provou-se, face aos apontados depoimentos testemunhais, que a A. era uma jovem sociável que saía e convivia com amigos e colegas de escola, o que começou a deixar de acontecer após o acidente. Em suma, improcede a impugnação da decisão da matéria de facto deduzida pela R./recorrente.
|