Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | CARLOS MOREIRA | ||
Descritores: | INSOLVÊNCIA NEGÓCIOS EM CURSO CONTRATO-PROMESSA | ||
Data do Acordão: | 06/29/2010 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | SANTA COMBA DÃO | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTS. 102, 106, 141 CIRE | ||
Sumário: | I – Se ao contrato promessa celebrado com a insolvente não for atribuída eficácia real e/ou não houver tradição da coisa, o administrador, pode, em princípio livremente - posto que norteado pela defesa dos interesses da massa, mas, em todo o caso, apenas sindicado pelos credores, maxime a comissão deles - optar pela sua execução ou recusar o seu cumprimento. II- Uma vez que o artº 102º e segs do CIRE não implicam uma revogação ou extinção dos contratos ainda não cumpridos - mas antes operam a reconfiguração da relação com modificações à sua estrutura ou conteúdo, fazendo surgir novos poderes e deveres, no propósito de conciliar as finalidades da insolvência com a situação da contraparte -, a opção pelo seu não cumprimento não acarreta para massa insolvente o dever de indemnizar, pelo que de tal apenas emergem as consequências previstas no nº3 de tal artigo. III – A pretensão de separação do bem da massa falida implica que, formalmente, o requerente siga a tramitação da reclamação de créditos e, sobretudo, substancialmente, alegue e prove que é titular do direito de propriedade sobre o bem, o que não sucede quando invoca apenas um contrato promessa sem eficácia real. | ||
Decisão Texto Integral: | ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA
1. Foi instaurado processo de insolvência em que é requerida O (…)-, Lda.
Em tais autos A (…) e J (…), requereram, em 3 de Setembro de 2008, a separação da massa insolvente do seguinte prédio:
“Fracção autónoma designada pela letra “C” do prédio urbano em regime de propriedade horizontal descrito na Conservatória do Registo Predial de Carregal do Sal sob o n.º ...-C, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo matricial ...-C, sita no edifício (…)
Mais requerendo que fosse reconhecida a validade do contrato promessa, que celebraram com a insolvente relativamente a tal imóvel, substituindo-se o Senhor Administrador aos administradores da insolvente, outorgando a escritura de compra e venda, formalizando o contrato prometido, no prazo máximo de dois meses, dando cumprimento à obrigação da insolvente.
Face à ausência de pronúncia, reiteraram o seu pedido em 02 de Dezembro de 2009. Enviaram na mesma data comunicação ao Senhor Administrador de Insolvência, insistindo igualmente pelo inicialmente solicitado. A 11 de Dezembro de 2009 respondeu o Sr. Administrador, informando que a massa insolvente havia prosseguido com a liquidação do imóvel em causa, tendo sido obtida proposta de aquisição, no montante de € 17.500,00. Em 22 de Dezembro de 2009, solicitaram a declaração de nulidade de todos os actos posteriores à dedução do incidente de separação e a prolação de decisão, nos termos requeridos a 3 de Setembro de 2008.
2. Em 29 de Janeiro de 2010 foi proferido despacho que:
Indeferiu, por falta de fundamento, o pedido de outorga da escritura de compra e venda no prazo de 2 meses; Julgou improcedente a arguição da nulidade decorrente da falta de conhecimento anterior do pedido de separação ora apreciado.
3. Inconformados com tal decisão recorreram os impetrantes.
Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:
1- A 3 de Setembro de 2008, os recorrentes dirigiram reclamação a estes autos, peticionando a separação da massa insolvente do seguinte prédio, que havia, indevidamente sido apreendido: “Fracção autónoma designada pela letra “C” do prédio urbano em regime de propriedade horizontal descrito na Conservatória do Registo Predial de Carregal do Sal sob o n.º ...-C, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo matricial ...-C, sita no edifício (…) 2- Mais requereram fosse reconhecida a validade do contrato promessa, substituindo-se o Senhor Administrador aos administradores da insolvente, outorgando a escritura de compra e venda, formalizando o contrato prometido, no prazo máximo de dois meses, dando cumprimento à obrigação da insolvente. 3- A mesma reclamação foi, na mesma data, remetida ao Senhor Administrador de Insolvência. 4- Acompanhada de toda a prova documental. 5- Face à ausência de resposta ou pronúncia, os recorrentes reiteraram os seus pedidos, por requerimento remetido aos autos a 2 de Dezembro de 2009. 6- Enviaram na mesma data comunicação ao Senhor Administrador de Insolvência, reiterando igualmente o inicialmente solicitado. 7- A 11 de Dezembro de 2009 respondeu o Sr. Administrador, informando que a massa insolvente havia prosseguido com a liquidação do imóvel em causa, tendo sido obtida proposta de aquisição, no montante de € 17.500,00. 8- No seguimento desta comunicação, os recorrentes remeteram ao Tribunal recorrido, a 22 de Dezembro de 2009, requerimento solicitando a declaração de nulidade de todos os actos, posteriores à dedução do incidente de separação do bem imóvel da massa insolvente, e a prolação de decisão, nos termos requeridos a 3 de Setembro de 2008. 9- E, a 29 de Janeiro de 2010, aos recorrentes foi remetido o despacho de que ora se recorre, pelo qual o Tribunal: indeferiu, por falta de fundamento, o pedido de outorga da escritura de compra e venda no prazo de 2 meses, e julgou improcedente a arguição da nulidade decorrente da falta de conhecimento anterior do pedido de separação ora apreciado. 10- Ora, na reclamação, apresentada a 3 de Setembro de 2008, os recorrentes peticionam: a separação da fracção supra identificada, e indevidamente apreendida para a massa, o reconhecimento a validade do contrato-promessa, o reconhecimento do pagamento da totalidade do preço devido por parte dos recorrentes, a outorgada da escritura de compra e venda no praxo máximo de 2 meses, por parte do Sr. Administrador de Insolvência, dando cumprimento à obrigação da Insolvente, por meio do instituto da execução específica. 11- Os recorrentes fundamentam a sua pretensão em vasta documentação junta aos autos. 12- Os direitos reclamados pelos recorrentes assentam na outorga de um contrato-promessa de compra e venda celebrado entre estes e a Insolvente, a 31 de Janeiro de 1996, por força do qual pagaram a totalidade do preço acordado pela fracção e receberam a mesma fracção. 13- Encontrando-se, desde então, na posse da dita fracção, usando-a e fruindo-a, na qualidade de donos e legítimos possuidores. 14- Por força do disposto no artigo 102.º n.º 1 do C.I.R.E., o contrato em questão, com a declaração de Insolvência, ficou suspenso até que o Administrador da Insolvência declarasse optar pela execução ou recusar o cumprimento. 15- O Sr. Administrador de Insolvência veio então declarar não reconhecer o contrato-promessa e recusar o seu cumprimento, sem qualquer justificação. 16- Quanto ao injustificado não reconhecimento do contrato-promessa, não se vislumbra qualquer justificação razoável ou aceitável para a tomada de tal posição. 17- A verdade é que o contrato se encontra junto aos autos e, além do mais, as assinaturas neles apostas, como sejam dos recorrentes, e bem assim, do Administrador da Insolvente, estão devidamente reconhecidas no Cartório Notarial de Carregal do Sal, com data de 31 de Janeiro de 1996. 18- Já quanto à injustificada recusa, apraz-nos referir que, como resulta da ratio que está inerente ao Código da Insolvência, ratio que há-de ser um dos elementos a tender aquando interpretação das normas (interpretação teleológica), a posição a adoptar pelo Sr. Administrador de Insolvência, no que diz respeito, nomeadamente ao cumprimento, ou incumprimento dos negócios suspensos, deve pautar-se, imperativamente, pelo interesse que daí advenha para a massa insolvente. 19- É patente, ao longo de todo o diploma legal – C.I.R.E. – que, todas as decisões e posições a adoptar, devem prosseguir os interesses da massa insolvente e dos seus credores. 20- Ora, como já se disse, o Sr. Administrador da Insolvência não fundamenta a sua posição, falta de fundamento que se repete no despacho recorrido. 21- Pois que, ao contrário do ali invocado, a escolha do Administrador de Insolvência não é arbitrária, antes, está, condicionada, como aliás, toda a sua função, inerente ao cargo que desempenha, ao interesse da massa insolvente. 22- Sem prejuízo da nulidade do despacho, em consequência da falta de fundamentação para a recusa do contrato celebrado, 23- Nulidade que desde já se invoca, 24- Entendem os recorrentes que, é, de todo o interesse, para a massa insolvente, a outorga do contrato definitivo a que a Insolvente se havia obrigado. 25- A verdade é que, com a outorga do contrato definitivo, a massa insolvente fica dispensada de pagar aos recorrentes, o dobro do valor por estes entregue a título de sinal, como sentenceia o artigo 442.º n.º 2 do Código Civil. Ou seja, se o Sr. Administrador da Insolvência recusa outorgar o contrato de compra e venda, recusando dar cumprimento ao contrato-promessa, a massa insolvente ver-se-á obrigada a pagar aos recorrentes, a quantia de € 59.855,74, recebendo, só e apenas, por conta, da adjudicação a terceiro, a quantia de € 17.500,00. Ao invés, 26- Se o Sr. Administrador de Insolvência optar por cumprir o contrato-promessa, outorgando a escritura do contrato definitivo, não terá a massa insolvente de pagar qualquer valor aos recorrentes. 27- Em conclusão, a recusa, em detrimento do cumprimento do contrato-promessa, implicará, para a massa insolvente, um prejuízo de € 24.855,74 [(€ 59.875,54, valor do sinal, menos € 17.500, valor da adjudicação)-17.500,00 €]. 28- É, pois, manifesto que a opção injustificada, tomada pelo Sr. Administrador da Insolvência, de não dar cumprimento ao contrato outorgado pela Insolvente, não prossegue, nem acautela o interesse da massa insolvente. 29- Além disso, os recorrentes requereram a declaração de nulidade de todos os actos posteriores à dedução do incidente de separação do bem imóvel da massa insolvente. 30- A verdade é que, como supra se deixou exposto, foi em 3 de Setembro de 2008, há quase ano e meio que os recorrentes solicitaram o cumprimento do contrato prometido. 31- Até que o Sr. Administrador se tenha, sobre o requerido cumprimento do contrato, pronunciado, o mesmo contrato encontrou-se suspenso. 32- Quer isto dizer que, durante esse período, os recorrentes aguardavam uma decisão que delimitaria e fixaria os seus direitos, poderes e faculdades. 33- Ou seja, antes da prolação do despacho recorrido, pelo qual se esperou cerca de ano e meio, os recorrentes não eram nem donos do imóvel, nem credores da Insolvente. 34- Esta indefinição obstou a que os recorrentes tenham podido ter uma participação activa no Processo de Insolvência: 35- Ora, a omissão agora denunciada, por parte do Sr. Administrador de Insolvência, bem como do Tribunal recorrido, sendo que a reclamação foi apresentada ambos, acompanhada da necessária prova documental viola os direitos dos recorrentes, e, consequentemente, influi no exame e na decisão da causa. 36- Pois que, nunca a liquidação do imóvel foi notificada aos reclamantes, que, desde início se opuseram à sua apreensão. 38- Assim, entendem os recorrentes, que todos os actos posteriores à arguição, por estes, da separação do prédio apreendido da massa insolvente, devem ser declarados nulos por omissão de notificação aos recorrentes. 39- Termos em que devem as decisões recorridas ser revogadas, a não se entender, pela nulidade do despacho, por falta de fundamentação, e substituídas por outra, que, de modo a salvaguardar o interesse da massa insolvente determine a outorga do contrato prometido, dando assim, cumprimento, ao contrato-promessa outorgado entre requerente e insolvente, separando o bem da massa insolvente. 40- Mais se considerando que, por força do disposto no artigo 201.º n.º 1 do Código de Processo civil, a omissão de decisão e notificação aos recorrentes são irregularidades que devem determinar a nulidade de todo o processado. 4. Sendo que, por via de regra: artºs 684º e 690º do CPC - de que o presente caso não constitui excepção - o teor das conclusões define o objecto do recurso, as questões essenciais decidendas são, logicamente, as seguintes: 1ª Nulidade do despacho por falta de fundamentação. 2ª Outorga do contrato prometido por tal ser do interesse da massa falida. 3ª Nulidade do processado posterior ao requerimento de 03.009.2008, decorrente da não apreciação deste.
5. Os factos a considerar são os dimanantes do relatório supra.
6. Apreciando. 6.1. Primeira questão. 6.1.1. Nos termos do artigo 205º, nº1 do Constituição: «As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei». E estatui o artº 158º do CPC que: 1. As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas. 2. A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição. A necessidade da fundamentação prende-se com a garantia do direito ao recurso e tem a ver com a legitimação da decisão judicial. Na verdade a fundamentação permite fazer, intraprocessualmente, o reexame do processo lógico ou racional que lhe subjaz. Ela é garantia de respeito pelos princípios da legalidade, da independência do juiz e da imparcialidade das suas decisões. Porque a decisão não é, nem pode ser, um acto arbitrário, mas a concretização da vontade abstracta da lei ao caso particular submetido à apreciação jurisdicional, as partes, maxime a vencida, necessitam de saber as razões das decisões que recaíram sobre as suas pretensões, designadamente para aquilatarem da viabilidade da sua impugnação. E mesmo que da decisão não seja admissível recurso o tribunal tem de justificá-la. É que, uma decisão vale, sob o ponto de vista doutrinal, o que valerem os seus fundamentos, .pois que estes destinam-se a convencer que a decisão é conforme à lei e à justiça, o que, para além das próprias partes a sociedade, em geral, tem o direito de saber – cfr. Alberto dos Reis, Comentário, 2º, 172 e Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, 1982, 3º vol., p.96. Mas se assim é, dos textos legais e dos ensinamentos doutrinais se retira que apenas a total e absoluta falta de fundamentação pode acarretar a nulidade. Na verdade a lei não comina com tão severo efeito uma motivação escassa, ou, mesmo deficiente. E onde a lei não distingue não cumpre ao intérprete distinguir. Nem tal exigência seria de fazer considerando a «ratio» ou finalidade do dever de fundamentação supra aludidos. O que a lei pretende é evitar é a existência de uma decisão arbitrária e insindicável. Tal só acontece com a total falta de fundamentação. Se esta existe, ainda que incompleta, errada ou insuficiente tal arbítrio ou impossibilidade de impugnação já não se verificam. O que nestes casos apenas sucede é que a própria decisão pode convencer menos, dada a debilidade ou incompletude dos seus fundamentos. Mas pode ser sempre atacável e modificável. Assim sendo, a grande maioria da nossa jurisprudência tem-se pronunciado no sentido de que só a carência absoluta de fundamentação e não já uma motivação escassa, deficiente, medíocre, incompleta ou errada, acarreta o vício da nulidade da decisão – cfr. entre outros, Ac. do STA de 18.11.93, BMJ, 431º, 531 e Acs. do STJ de 26.04.95, CJ(stj), 2º, 57, de 17.04.2004 e de 16.12.2004, dgsi.pt. Poder-se-á fazer aqui, «mutatis mutandis», uma equiparação com o que sucede com a ineptidão petição inicial, por falta de «causa petendi», a qual origina a nulidade de todo o processado - artº 193, nº1 e nº2, al.a) do CPC. É que «Importa não confundir petição inepta com petição simplesmente deficiente …quando a petição, sendo clara e suficiente quanto ao pedido e à causa de pedir, omite facto ou circunstâncias necessários para o reconhecimento do direito do autor, não pode taxar-se de inepta; o que então sucede é que a acção naufraga» - Alberto dos Reis, Comentário, 2º, 372. 6.1.2. In casu. 6.1.2.1. O Sr. Juiz a quo desatendeu as duas pretensões dos recorrentes nos seguintes termos. Quanto à celebração do contrato prometido. Invocou que o administrador apenas não pode recusar o cumprimento relativamente ao contrato promessa ao qual tenha sido atribuída eficácia real e se já tiver havido tradição da coisa a favor do promitente comprador- artº 106º nº1 do CIRE. Se tal não se verificar aplica-se o princípio geral atinente aos negócios ainda não cumpridos, ou seja, o cumprimento fica suspenso até que o administrador da insolvência declare optar pela execução ou recusar o cumprimento – artº 102. nº1 do CIRE. Sendo que, em princípio, o administrador é livre de escolher qualquer das soluções que a lei põe ao seu dispor. Assim, e porque no caso vertente não foi atribuída eficácia real à promessa e dada a posição do Administrador, não podem os requerentes exigir a outorga da escritura definitiva. No atinente à nulidade do processado. Neste particular tal nulidade foi indeferida porque se entendeu que, dados os pedidos do requerimento – declaração da validade da promessa, outorga da escritura definitiva e reconhecimento da indevida apreensão para a massa do imóvel e pedido da sua separação da mesma - devia tal pretensão ter dado cumprimento ao disposto no artº 141º do CIRE, ou seja, devia ser endereçada ao Administrador da insolvência, com a respectiva prova e correndo a reclamação apresentada por apenso – artºs 128º nº2 e 141º nº1 al. a) do CIRE. E que não sendo os requerentes, donos do imóvel mas apenas titulares de uma mera expectativa jurídica nesse sentido, a sua preensão de separação do bem em causa da massa insolvente se revele manifestamente improcedente. Assim a ausência de conhecimento anterior da pretensão dos requerentes, nenhum impacto produziu no andamento da causa, revelando-se improcedente a arguição da nulidade invocada – artº 201 do CPC. 6.1.2.2. Perante este discurso argumentativo é mais que evidente que a decisão não peca por infundamentada. Antes pelo contrário mostra-se que os fundamentos, de facto e de direito, foram clara e até profusamente invocados e especificados. Perspectiva diferente é saber se tal pronúncia é a mais curial e consentânea com os factos provados, os dispositivos legais pertinentes e a melhor interpretação que de tais factos e normas deve ser feita. Ou seja, o cerne do problema não se prende, a montante, com a nulidade da sentença mas sim, a jusante, com o (de)mérito do decidido, isto é, com a sua (i)legalidade. É o que infra se analisará. 6.2. Segunda questão. 6.2.1. O princípio geral quanto aos negócios ainda não cumpridos à data da declaração de insolvência é que o cumprimento fica suspenso até que o administrador da insolvência declare optar pela execução ou recusar o cumprimento – artº 102º nº1 do CIRE. Se o administrador decidir pelo cumprimento tudo se vai passar como se não houvesse o período da suspensão, retomando-se o curso normal do contrato. E não estando previstas consequências ou sanções para a massa, pelo decurso de tal período, que acarreta a mora no cumprimento, como, vg. juros ou outras indemnizações. Efectivamente: «se era ao insolvente que cabia cumprir, a “mora” não é taxada de ilicitude. Se era à outra parte, não se consente que se tirem, em prejuízo da massa as consequências da mora do credor» - Oliveira Ascensão, Insolvência - Efeitos Sobre os Negócios em Curso, in Revista Themis, da Faculdade de Direito da UNL, ed. especial, 2005, p.118. Assim o que há que regular especificamente são as consequências da opção pelo administrador pelo não cumprimento. O que vem previsto no artº 102º nº3. 6.2.2. Relativamente à promessa de contrato se ao contrato promessa tiver sido atribuída eficácia real (nos termos do artº 413º do CC), e se tiver havido tradição da coisa a favor do promitente comprador, o administrador não pode recusar o seu cumprimento, tendo, pois, obrigatoriamente, de cumprir, executando, a promessa e outorgando o respectivo contrato definitivo - artº 106º nº1. Este segmento normativo, como acontece noutros que o precedem– 104º e 105º - traduzem a intenção do legislador em tutelar situações – maxime em sede de direitos reais e de posse - que, na economia do respectivo contrato, se apresentem já com um grau de estabilidade e solidez, de tal sorte que há que proteger as fundadas expectativas jurídicas dos respectivos outorgantes. Mas já para todos os casos de contratos promessa que não reúnam aqueles requisitos legais, o administrador, pode optar pela execução ou recusar o seu cumprimento, nos termos genericamente permitidos pelo artº 102º nº1 – artº 106º nº2 - cfr. autor e ob. cits. p.124. Pois que aqui já não estão presentes as razões ou valores de consolidação da relação jurídica gizada e a protecção de razoáveis expectativas das partes. De notar que as normas do capítulo IV onde se inserem os preceitos supra citados têm natureza imperativa, sendo nula qualquer convenção das partes que exclua ou limite a sua aplicação – artº 119º. O que, mutatis mutandis, impõe cautelas acrescidas na actividade exegética do seu teor por parte do julgador, o qual, assim, não pode extrapolar, sem cabal e convincente fundamentação, para além do seu elemento literal. 6.2.3. Esta faculdade de opção do administrador é tendencialmente livre, atentas as funções que lhe são cometidas – artº 55º - e porque ela está ainda ínsita no seu âmbito ou âmago. Mas, obviamente, que não pode ser exercido de uma forma, arbitrária ou leviana. Sendo, naturalmente, critério essencial delimitador da bondade do por ele decidido neste particular, apurar se a opção é a mais favorável aos interesses da massa, e, acima de tudo, se ela os não prejudica de uma forma ostensiva ou relevante. Na verdade e consoante dimana do preâmbulo do DL 52/2004, de 18 de Março o «objectivo precípuo de qualquer processo de insolvência é a satisfação, pela forma mais eficiente possível, dos direitos dos credores». Efectivamente, «Com o …CIRE… o fim da recuperação é subalternizado e a garantia patrimonial dos credores elevada a finalidade única, que orienta todo o regime… conferindo a soberania aos credores. É(são), neste ponto, paradigmático(s) o(s)… artºs… 52, 53, 56-2, 59…- José Lebre de Freitas in Pressupostos Objectivos e Subjectivos da Insolvência, Revista Themis da Faculdade de Direito da UNL, 2005, p.12. O CIRE consagra assim um claro retorno ao princípio da falência liquidação em benefício dos credores em prejuízo da recuperação da empresa como era previsto nos artigos 1º, 2º e 3º do CPEREF. Considerando a natureza e as finalidades prosseguidas com o processo de insolvência, o mesmo foi formatado com um elevado grau de desjudicialização e suplectividade do seu regime legal, em benefício dos poderes conferidos aos credores. O CIRE dá primazia à vontade dos credores, enquanto titulares do principal interesse que o direito concursal visa acautelar: o pagamento dos respectivos créditos. Pelo que «é aos credores que cumpre decidir quanto à melhor efectivação dessa garantia… é sempre a vontade dos credores que comanda todo o processo»- Autor, ob. e loc. cits. 6.2.4. Os recorrentes fundam essencialmente a sua pretensão ao cumprimento do contrato promessa no facto de tal se revelar mais favorável para a massa do que o seu não cumprimento. Mas, salvo o devido respeito, não colhe a sua argumentação. Em primeiro lugar, mesmo que assim fosse, não lhes cumpre a eles – rectius, não lhes assiste legitimidade – defenderam os interesses da massa. Pois que estes o devem ser, desde logo pelo administrador, com a cooperação e, acima de tudo, a fiscalização da comissão de credores – artº 55º nº1. Em segundo lugar porque a não execução do contrato promessa não acarreta as consequências por eles invocadas, ou seja, não coloca em situação de não cumprimento a massa insolvente com a obrigação de esta indemnizar através da restituição do sinal em dobro. Na verdade as intervenções nos negócios jurídicos celebrados com a massa decorrentes do preceituado nos artºs 102º e sgs. não implicam propriamente uma revogação ou extinção dos mesmos. Antes operam: «modificações à estrutura ou conteúdo da relação.» Assim estamos apenas perante um: «fenómeno de reconfiguração da relação. A lei impõe às relações existentes um novo desenho em caso de recusa de cumprimento pelo administrador. No propósito de conciliar quanto possível as finalidades da insolvência com a situação da contraparte, a lei reformula as posições em presença, fazendo surgir novos poderes e deveres. Não orienta neste momento a preocupação de uma indemnização da contraparte, porque não assenta na ideia de ressarcimento de prejuízos. A lei penetra nos próprios termos da relação, para a reconfigurar da maneira que considere mais conveniente» - Oliveira Ascensão, ob. cit. p.125. As consequências para a recusa do cumprimento pelo administrador são pois, pelo menos por via de regra, apenas as previstas no artº 102º nº3. 6.2.5. Finalmente e no que concerne à sua pretensão de separação do bem da massa falida, há que dizer que assiste razão ao Sr. Juiz a quo, quer na vertente formal, quer na substancial, conforme dimana do disposto no artº 141º. Em primeiro lugar tal pretensão teria de, processualmente, respeitar a tramitação atinente á reclamação de créditos, seja, na dirigir do requerimento ao administrador, na junção da prova e na instauração do respectivo apenso. Em segundo lugar e numa óptica mais substantiva, os requerentes teriam de alegar e provar serem titulares do direito de propriedade sobre o imóvel, sem o que não pode proceder a sua pretensão de separação – cfr. Ac. do STJ de 04.12.2008, dgsi.pt, p. p. 08B3650. Ora como bem expende o Sr. Juiz o contrato promessa não lhes atribui a propriedade do bem mas apenas uma mera expectativa jurídica nesse sentido.
6.3. Terceira questão. A apreciação desta questão, fica, logicamente, prejudicada, Ou, se assim não se entender, e em todo o caso, ela emerge, inequivocamente, improcedente, pelo decidido na precedente. Efectivamente tendo-se concluído que os invocados direitos à execução do contrato promessa e à separação do bem a que se reporta da massa insolvente não são de conceder, queda irrelevante ou inócuo o facto de o requerimento nesse sentido apresentado não ter sido logo apreciado. Na verdade mesmo que o tivesse sido, a decisão então a proferir, não podia deixar a que entretanto se prolactou, pelo que o acto omitido não teve e não poderia ter qualquer influencia no exame e na decisão da causa, ou afectado negativamente os interesses dos recorrentes em termos atendíveis e juridicamente tuteláveis. Falecendo, pois, lastro factual bastante para fazer emergir a previsão do artº 201º do CPC.
6.4. Sumariando: I- Se ao contrato promessa celebrado com a insolvente não for atribuída eficácia real e/ou não houver tradição da coisa, o administrador, pode, em princípio livremente - posto que norteado pela defesa dos interesses da massa, mas, em todo o caso, apenas sindicado pelos credores, maxime a comissão deles - optar pela sua execução ou recusar o seu cumprimento. II- Uma vez que o artº 102º e segs do CIRE não implicam uma revogação ou extinção dos contratos ainda não cumpridos - mas antes operam a reconfiguração da relação com modificações à sua estrutura ou conteúdo, fazendo surgir novos poderes e deveres, no propósito de conciliar as finalidades da insolvência com a situação da contraparte -, a opção pelo seu não cumprimento não acarreta para massa insolvente o dever de indemnizar, pelo que de tal apenas emergem as consequências previstas no nº3 de tal artigo. III – A pretensão de separação do bem da massa falida implica que, formalmente, o requerente siga a tramitação da reclamação de créditos e, sobretudo, substancialmente, alegue e prove que é titular do direito de propriedade sobre o bem, o que não sucede quando invoca apenas um contrato promessa sem eficácia real.
7. Deliberação.
Termos em que se acorda negar provimento ao recurso e, consequentemente, confirmar a decisão.
Custas pelos recorrentes. |