Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | FONTE RAMOS | ||
Descritores: | PROVIDÊNCIA CAUTELAR NÃO ESPECIFICADA ALUGUER DE AUTOMÓVEL SEM CONDUTOR | ||
Data do Acordão: | 10/19/2010 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | BAIXO VOUGA/ÍLHAVO | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTS.381º, 384º, 387º, 390º CPC. | ||
Sumário: | 1. Num procedimento cautelar comum em que se alega o direito à devolução de veículo cedido em aluguer sem condutor, por resolução do contrato por falta de pagamento das respectivas rendas, tem a requerente de alegar e provar factos com que integre o receio de lesão grave e de difícil reparação, nomeadamente, os que permitam concluir que o locatário não disporá de meios para o ressarcimento dos prejuízos sofridos pela locadora em consequência da demora na entrega do veículo.
2. A lei não dispensa a locadora da prova dos factos constitutivos do periculum in mora e este não se retira da circunstância de a locadora ser proprietária do veículo, de dele se encontrar privada e de o mesmo se poder depreciar, sendo que aquela poderá vir a ser ressarcida em sede própria.
3. Do n.º 4 do art.º 17º do DL n.º 354/86, de 23.10, não se deverá extrair a presunção juris et de jure de que a falta de devolução do veículo locado importa para a locadora periculum in mora. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra: I. L (…), S. A., intentou, na Comarca do Baixo Vouga[1], o presente procedimento cautelar comum contra J (…), pedindo a apreensão do veículo automóvel com a matrícula ....ZP, sua propriedade. Alegou, em síntese, que no exercício da sua actividade de locação e de gestão de veículos automóveis celebrou com o requerido, em 02.3.2005, o contrato de aluguer e de gestão de veículo sem condutor a que se refere o documento de fls. 20; nos termos do referido contrato, realizado no âmbito do contrato-quadro de aluguer e de gestão de veículos reproduzido a fls. 21 e que entrou em vigor em 02.3.2005, o requerido, pelo gozo do dito veículo, obrigou-se a pagar-lhe, por um período de 48 meses, os respectivos alugueres/serviços mensais e sucessivos, no valor de € 635 cada, o que incumpriu a partir de Setembro de 2009, inclusive; não tendo sido pago o débito emergente do contrato (alugueres/serviços vencidos entre Setembro de 2009 e Junho de 2010), comunicou ao requerido, por carta datada de 21.7.2010, que resolvia o mencionado contrato, tendo a resolução operado a 31.7.2010; solicitou o pagamento dos alugueres e serviços vencidos na pendência do contrato, e a restituição do veículo automóvel locado, o que foi recusado pelo requerido. Referiu ainda, designadamente, que a utilização de uma viatura deprecia-a e diminui-lhe o valor; o mero decurso do tempo, independentemente da sua utilização, também faz diminuir o valor da viatura, do que resulta prejuízos irreparáveis para a requerente; existe o risco de o requerido abandonar o veículo ou de não proceder à sua devida manutenção; pode presumir-se do incumprimento do requerido que esteja incapacitado de cumprir com as suas demais obrigações, tudo, razões que justificam a urgência da apreensão judicial da viatura nos termos do art.º 381° do CPC, existindo fundado receio da requerente poder vir a sofrer uma lesão grave e dificilmente reparável no seu direito sobre o referido bem, até à propositura e na pendência da acção de condenação para a sua restituição; não sendo o mesmo restituído desde já à requerente, deverá então, pelo menos, ser ordenada a não utilização do mesmo pelo locatário. A Mm.ª Juíza, ao abrigo do disposto no art.º 234°- A, n.º 1, do CPC[2], na redacção conferida pelo DL n.º 303/07, de 24.8, indeferiu liminarmente a pretensão da requerente, por considerar não preenchidos, e nem sequer alegados, todos os pressupostos da providência requerida, sobretudo, o requisito da lesão grave e de difícil reparação. Desta decisão, destaca-se o seguinte excerto, com diversas referências jurisprudenciais: (…) O incumprimento pelo requerido das prestações pecuniárias acordadas no contrato de locação, não faz aumentar o risco de deterioração física e de desvalorização comercial do veículo (...) A requerente continua a ter direito aos alugueres do veículo até à sua efectiva restituição (...). Por outro lado, em relação às consequências para a requerente da eventual ocorrência de sinistros com o veículo locado que, também eventualmente, não terá seguro automóvel (...) por se tratarem de meras hipóteses ou suposições, e não de factos concretos tradutores de um perigo real e certo, não podem ser tomadas em conta (...)“, sendo certo que a requerente tem possibilidade de verificar e controlar a existência de contrato de seguro válido nos termos do contrato celebrado (…). Com efeito “a detenção do veículo pelo requerido não é susceptível de causar à requerente lesão grave e irreparável, tanto mais que esta continua a ter direito aos alugueres não pagos até à restituição, seja a título de prestação contratual devida até à caducidade (arts. 406º e 1038°, al. a) do Cód. Civil), seja a título de indemnização pelo atraso na restituição, desde a caducidade até à efectiva entrega (art. 1045° do Cód. Civil). Quanto à eventual deterioração culposa da viatura locada, ela está acautelada nos termos gerais (arts. 1043° e 1044° do Cód. Civil), sendo certo que tal risco existe, desde o início do contrato alegado e com a natural circulação desse veículo. (...) A lei não dispensa a requerente da prova dos factos constitutivos do `periculum in mora´, e este não se retira automaticamente da circunstância de a requerente ser proprietária do veículo, de dele se encontrar privada, e de o mesmo se poder depreciar, sendo certo que aquela poderá vir a ser ressarcida em sede própria pelos prejuízos causados (...)“ (…). (…) para o deferimento da providência cautelar pretendida de apreensão do veículo identificado nos autos, necessário seria verificar-se, em concreto, o preenchimento de todos os pressupostos de tal providência, o que, como vimos, manifestamente não sucede sequer em sede de alegação, devendo indeferir-se liminarmente a pretensão da requerente. Desta decisão recorreu a requerente que, mantendo o peticionado, formulou as conclusões que assim vão sintetizadas: 1ª - Foi celebrado entre as partes um contrato denominado contrato de aluguer de veículo sem condutor e de gestão de veículos pelo período de 48 meses. 2ª - A requerente cedeu o gozo do veículo ao requerido, mediante o pagamento de uma renda mensal. 3ª - O requerido deixou de pagar as rendas acordadas, não obstante continuar a deter o veículo e a dele usufruir. 4ª - Por força da conduta do requerido, a requerente procedeu à resolução do contrato nos termos previstos na Condições Gerais do mesmo. 5ª - O requerido continua a circular com o veículo e a usufruir do veiculo apesar de ter deixado de pagar as rendas devidas, não dando qualquer resposta às várias solicitações que lhe foram feitas para devolver o veículo, impossibilitando dessa forma a requerente de efectuar qualquer outro negócio com a viatura de que é proprietária. 6ª - É do conhecimento geral que os veículos automóveis estão sujeitos a uma rápida depreciação comercial e deterioração pelo mero decurso do tempo, ao que acresce o risco sério de, em face do veículo se encontrar em circulação, a requerente vir a ser responsável pela consequências devidas de um eventual sinistro automóvel em que o veículo possa ser envolvido. 7ª - É legitimo fazer-se um juízo, com alguma certeza e probabilidade séria, de que a situação em exame consubstancia uma lesão grave e de difícil reparação do direito que assiste à requerente, de ver-se restituída do bem que lhe pertence em exclusivo e que está inibida de o exercer. 8ª - A providência cautelar em apreço é a mais adequada para os fins pretendidos pela requerente, atento o disposto no art.º 381º do CPC, face à situação de lesão iminente e à inexistência de providência específica que acautele o seu direito. A questão essencial colocada na apelação é a de saber se a requerente articulou na petição inicial todos os factos conducentes ao decretamento da providência requerida, importando considerar os requisitos da procedência do procedimento cautelar comum e as consequências do incumprimento do ónus da respectiva alegação fáctica. * II. 1. Releva para o caso em análise a factualidade alegada na petição inicial, que ficou descrita supra, bem como o conteúdo dos documentos juntos com o mesmo articulado, dos quais resulta, nomeadamente: - Nos termos do aludido “contrato-quadro”, como garantia (…) a (…)poderá exigir a entrega de uma livrança em branco, acompanhada do respectivo pacto de preenchimento, nos termos do Anexo II, livrança essa a ser subscrita pelo Cliente e avalizada pelos sócios e cônjuges (cláusula 5ª) e que até à efectiva restituição do veículo, comprovada pelo Auto de Devolução devidamente assinado e pela entrega dos documentos (…), a (…) debitará o custo total/mês, acrescido de 50 % a título de penalidade (cláusula 7ª, n.º 3); - Consta da dita carta de 21.7.2010, designadamente, que o valor total em dívida, no montante de € 7 044,78, respeita às prestações (mensais) n.ºs 55, 56, 57, 58, 59, 60, 61, 62, 63 e 64, vencidas de Setembro de 2009 a Junho de 2010, e que a viatura objecto do contrato devia ser entregue na sede da requerente, sob pena de accionamento da Livrança pelo montante em dívida que se venha a verificar, bem como a aplicação das consequências previstas no n.º 3 da cláusula 7ª. 2. Com a reforma processual civil operada pelo DL n.º 329-A/95, de 12.12, as providências cautelares não especificadas - meio residual de protecção de direitos ameaçados - foram eliminadas e substituídas por um «procedimento cautelar comum», do qual consta a regulamentação dos aspectos comuns do “direito cautelar”. Esta providência tem o seu âmbito de aplicação definido no art.º 381º. Segundo o n.º 1 deste preceito, “Sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efectividade do direito ameaçado”. Refere o n.º 2 do mesmo art.º: “O interesse do requerente pode fundar-se num direito já existente ou em direito emergente de decisão a proferir em acção constitutiva, já proposta ou a propor”. Instituiu-se, assim, conforme consta do relatório daquele diploma legal, “uma verdadeira acção cautelar geral para a tutela provisória de quaisquer situações não especialmente previstas e disciplinadas, comportando o decretamento das providências conservatórias ou antecipatórias adequadas a remover o «periculum in mora» concretamente verificando e a assegurar a efectividade do direito ameaçado, que tanto pode ser um direito já efectivamente existente, como uma situação jurídica emergente de sentença constitutiva, porventura ainda não proferida”. Por sua vez, dispõe o artigo 387°, n.° 1: “A providência é decretada desde que haja probabilidade séria da existência do direito e se mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão”. E o n.º 2 do mesmo art.º: “A providência pode (...) ser recusada pelo tribunal, quando o prejuízo dela resultante para o requerido exceda consideravelmente o dano que com ela o requerente pretende evitar”. 3. As denominadas providências cautelares destinam-se a acautelar o efeito útil de determinada acção - impedir que, durante a pendência de qualquer acção declarativa ou executiva, a situação de facto se altere de modo a que a sentença nela proferida, sendo favorável, perca toda a sua eficácia ou parte dela.[3] Destinando-se a prevenir o perigo da demora inevitável no processamento normal da acção, o procedimento cautelar necessita de ter uma estrutura bastante mais simplificada, sendo que, ao apreciar os pressupostos da providência em causa, o juiz não poderá exigir, na prova da existência e da violação do direito do requerente, nem na demonstração do perigo de dano que o procedimento se propõe evitar, o mesmo grau de convicção que se requer na prova dos fundamentos da acção.[4] Pressupondo ou visando a efectiva conjugação da segurança e da celeridade decisória, o decretamento de uma providência cautelar (comum) depende da concorrência dos seguintes requisitos: a) Probabilidade séria da existência do direito invocado/existência de um direito ameaçado na titularidade do requerente, ou que venha a emergir de decisão em acção constitutiva já proposta ou a propor [o requerente deve alegar e provar que tem um direito ou interesse juridicamente relevante relativamente ao requerido, embora no procedimento cautelar não seja necessário um juízo de certeza, mas apenas de verosimilhança ou de aparência do direito - fumus boni juris] (art.ºs 381º, n.º 1 e 387º, n.º 1); b) Fundado receio de que outrem, antes de proferida decisão de mérito, ou porque a acção não está sequer proposta ou porque ainda se encontra pendente, cause lesão grave e dificilmente reparável a tal direito [o procedimento cautelar tem por fim obviar ao perigo da demora da declaração e execução do direito, afastando o receio do dano jurídico, através de medidas que limitam os poderes ou impõem obrigações àqueles que se encontram em conflito com o requerente da providência - periculum ín mora] (art.ºs 381º, n.º 1 e 387º, n.º 1); c) Adequação da providência à situação de lesão iminente [que a providência requerida seja adequada a remover o periculum in mora concretamente verificado e a assegurar a efectividade do direito ameaçado] (art.º 381º, n.º 1); d) Não existência de providência específica que acautele aquele direito [tipificadas nos art.ºs 393º a 427º] (art.º 381º, n.º 3). e) A estes quatro requisitos principais, acresce uma derradeira exigência: que o prejuízo resultante da providência não exceda o dano que com ela se quis evitar (art.º 387º, n.º 2).[5] 4. Com a petição do procedimento cautelar, oferecerá o requerente prova sumária do direito ameaçado e justificará o receio da lesão (art.º 384.º, n.º 1). O fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável (periculum in mora) tem de provir de factos que atestem perigos reais e certos, relevando tudo de uma apreciação ponderada regida por critérios de objectividade e de normalidade - a gravidade e a difícil reparabilidade da lesão receada apontam para um excesso de risco relativamente àquele que é inerente à pendência de qualquer acção; trata-se de um risco que não seria razoável exigir que fosse suportado pelo titular do direito.[6] Por outro lado, não é toda e qualquer consequência que previsivelmente ocorra antes de uma decisão definitiva que justifica o decretamento de uma medida provisória com reflexos imediatos na esfera jurídica da contraparte. Só lesões graves e dificilmente reparáveis têm essa virtualidade de permitir ao tribunal, mediante solicitação do interessado, a tomada de uma decisão que o coloque a coberto da previsível lesão. Tratando-se de uma tutela cautelar decretada, por vezes, sem audição prévia da contraparte, não é qualquer lesão que justifica a intromissão na esfera jurídica do requerido com a intimação para se abster de determinada conduta ou com a necessidade de adoptar determinado comportamento ou de sofrer um prejuízo imediato e relativamente ao qual não existem garantias de efectiva compensação em casos de injustificado recurso à providência cautelar (art.º 390º, n.° 1) [7]. Sabendo-se que a protecção cautelar não abarca apenas os prejuízos imateriais, por natureza irreparáveis ou de difícil reparação, mas ainda os efeitos que possam repercutir-se na esfera patrimonial do titular, considera-se ainda que, quanto aos prejuízos materiais, o critério deve ser bem mais rigoroso do que o utilizado quanto à aferição dos danos de natureza física ou moral, uma vez que, em regra, aqueles são passíveis de ressarcimento através de um processo de reconstituição natural ou de indemnização substitutiva.[8] O legislador exige que a lesão seja grave e dificilmente reparável, de forma que a utilização da conjunção copulativa significa que não é apenas a gravidade da lesão previsível que justifica a tutela provisória, do mesmo modo que não basta a irreparabilidade absoluta ou difícil, de forma que apenas merecem a tutela provisória as lesões que sejam simultaneamente graves e irreparáveis ou de difícil reparação. Ficam, pois, afastadas do círculo de interesses acautelados pelo procedimento cautelar comum, ainda que se mostrem irreparáveis ou de difícil reparação, as lesões sem gravidade ou de gravidade reduzida.[9] 5. Tendo presente o descrito enquadramento, afigura-se-nos correcta a solução encontrada pelo tribunal recorrido, dada a falta do requisito “receio de lesão grave e de difícil reparação”. Dos pressupostos em causa, enumerados em II. 3., supra, a decisão impugnada julgou verificado o primeiro (probabilidade séria de a requerente ter direito à restituição da viatura)[10] mas concluiu não verificar-se o segundo, ou seja, o fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável do citado direito (periculum in mora). Como resulta do texto da lei, a lesão cujo receio de verificação fundamenta o deferimento da presente providência, tem de se revestir da natureza grave e de difícil reparação. Não basta o receio de qualquer lesão, por mais insignificante que seja, mas tem de ser uma lesão grave e de difícil reparação, o que se compreende, dado que a providência cautelar surge como antecipação e preparação duma providência ulterior, prepara o terreno e abre o caminho para uma providência final.[11] A lei optou por permitir a utilização do processo sumário, expedito e meramente indiciário - em que se não exige uma comprovação segura dos fundamentos da providência requerida - apenas nos casos em que a lesão cujo perigo de verificação fundamente a providência revista natureza grave e de difícil reparação. Nos demais casos de receio de lesão não grave ou que não seja de difícil reparação, a lei exige uma prova segura dos fundamentos do direito lesado para tomar as providências legais para o reparar ou obstar ao mesmo - a natureza não grave daquela lesão não justifica a utilização de um expediente sumário e escassamente apurado, de acordo com a ponderação de interesses que o legislador entendeu fazer. Por conseguinte, havendo justo receio de lesão de direito do cidadão, este terá de se munir do meio processual normal - acção -, com a necessidade de uma demorada, segura e amadurecida indagação dos fundamentos da pretensão, para a adopção da providência reparadora de modo definitivo, no fim do processamento normal da acção, se a lesão em causa não revestir a natureza grave e de difícil reparação; caso a lesão se possa qualificar como grave e de difícil reparação, poderá lançar mão do expedito, sumário e urgente procedimento cautelar comum. 6. No caso vertente, a requerente para qualificar tal lesão grave e de difícil reparação limitou-se, como se referiu, a alegar que com a não entrega do veículo, este se deprecia e diminui o seu valor; que existe o risco de o requerido abandonar o veículo ou de não proceder à sua devida manutenção e de o mesmo veículo em circulação poder sofrer algum acidente de que possa resultar a responsabilidade civil da requerente; e, ainda, que pode presumir-se do incumprimento do requerido que esteja incapacitado de cumprir com as suas demais obrigações. Ainda que se diga que o prejuízo decorrente do incumprimento do requerido pode ser grave, já não será de afirmar que o mesmo prejuízo seja de difícil reparação, pois nada se concretizou sobre qualquer impossibilidade de aquele prejuízo poder vir a ser ressarcido pelo requerido. Ademais, verifica-se estarem em causa interesses meramente patrimoniais, indemnizáveis nos termos dos art.ºs 564º e 566º, do Código Civil. Só assim não seria se, porventura, a situação patrimonial do requerido o impossibilitasse de pagar a correspondente indemnização. Nesse caso, reafirma-se, a requerente deveria ter articular factos concretos evidenciadores da precariedade da situação económico-financeira do requerido/apelado. Na ausência de alegação de quaisquer factos concretos que permitam ajuizar dessa situação económico-financeira, o tribunal, ao contrário do pretendido, não pode presumir que o requerido não disponha de meios que lhe permitam suportar o pagamento da indemnização devida à requerente pelos prejuízos de índole exclusivamente patrimonial decorrentes da perda total ou parcial do veículo, bem como da sua depreciação, desvalorização ou desgaste e, bem assim, dos lucros cessantes deixados de auferir pela requerente pelo facto de não estar ainda na posse do veículo (art.º 264º, n.ºs 1 e 2).[12] Considera-se também que o risco de desgaste do veículo é inerente ao gozo próprio da locação, tendo como contrapartida o pagamento das rendas[13], sendo que a falta da atempada entrega não privará, só por si, a locadora de receber a correspondente compensação monetária[14], de modo que, salvo melhor opinião, haverá que demonstrar um risco superior ao normal, impondo-se, assim, a alegação de que conduta do locatário torna impossível ou muito difícil o ressarcimento dos prejuízos pela locadora, em consequência da demora da entrega do veículo, ou seja, da necessária factualidade que possibilite vir a afirmar o fundado receio de lesão grave e de difícil reparação do direito de propriedade da locadora sobre o veículo em causa.[15] O risco de perda ou deterioração da viatura é um risco do próprio negócio, risco inerente ao próprio gozo da viatura, e não se alega que, in casu, se vá além do risco normal.[16] Diga-se, ainda, que no contrato de aluguer de veículo sem condutor, a direcção efectiva do veículo locado é detida pelo locatário, não podendo, por isso, a locadora ser responsabilizada, ainda que a título de risco, em caso de sinistro que envolva o veículo locado e não segurado[17], afigurando-se assim desnecessários outros considerandos a respeito da problemática “sinistralidade rodoviária/responsabilidade civil”. 7. É certo que existem algumas decisões em sentido oposto ao aqui adoptado, nomeadamente com a aplicação ao caso de disposições legais específicas da locação financeira (DL n.º 149/95, de 24.6) ou do regime previsto no DL n.º 54/75, de 12.02, regulamentações que, podendo constituir excepções à regra geral do citado art.º 381º, não podem ser aplicadas analogicamente (art.º 11º do Código Civil). E se a necessidade de criação de um meio expedito para recuperação dos veículos alugados sem condutor poderá apontar para a adopção de regras legais que dispensem a prova do requisito dito em II. 5, supra, tal dispensa terá de passar pela adopção de norma legal que o permita, fazendo excepção à regra consagrada no art.º 381º[18], não se antolhando possível fazer radicar tal possibilidade no preceituado no art.º 17º, n.º 4, do DL n.º 354/86, de 23.10, com o seguinte teor: “É igualmente lícito à empresa de aluguer sem condutor retirar ao locatário o veículo alugado no termo do contrato, bem como rescindir o contrato, nos termos da lei, com fundamento em incumprimento das cláusulas contratuais.”.[19] 8. Para que esta providência pudesse ser atendida era necessário que estivessem alegados factos jurídicos concretos reveladores de que a demora da acção principal gerasse à recorrente o justo receio de não conseguir a restituição do veículo ou a sua restituição em termos de anormal degradação. A requerente/apelante articulou sumariamente factos reveladores da sua titularidade de um direito de crédito no confronto com o requerido e da sua lesão por este em razão da omissão de pagamento da renda fraccionada relativa ao contrato de aluguer mediatamente objectivado no veículo automóvel cuja apreensão requereu em juízo. No entanto, a propósito do requisito fundado receio de lesão grave e de difícil reparação do seu direito à restituição do veículo automóvel em causa, limitou-se a requerente a expressar na petição inicial a enunciação de conclusões desacompanhadas do necessário suporte fáctico, isto é, à margem do mínimo rigor de articulação dos factos integrantes da concernente causa de pedir. A sanção correspondente ao mencionado vício processual é a de indeferimento liminar da petição inicial (cf. art.º 234º-A, n.º 1).[20] Soçobrando, pois, todas as conclusões da alegação da recorrente, importa manter a decisão recorrida. * III. Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida. Custas pela recorrente. * Fonte Ramos ( Relator ) Carlos Querido Emídio Costa
[16] De resto, o direito da locadora a ser indemnizada pelo atraso na restituição da coisa ou pela perda ou deterioração da mesma está contemplado nos art.ºs 1044º e 1045º do CC, subsidiariamente aplicáveis ao contrato de aluguer de veículo automóvel sem condutor. [19] Em sentido contrário, vide, entre outros, os acórdãos da RL de 25.11.2003 e da RP de 23.10.2003 e de 09.7.2009-processo 11881/08.0TBVNG.P1, publicados na CJ, XXVIII, tomo 5, 89 e tomo 4, 190 e no “site” da dgsi, respectivamente, bem como os demais arestos aludidos no citado acórdão desta Relação de 07.9.2010. Segundo esta corrente jurisprudencial, por força do disposto no art.º 17º, n.º 4 do DL n.º 354/86, de 23.10, a empresa de aluguer sem condutor, em caso de não restituição voluntária do veículo findo o contrato, pode recorrer ao procedimento cautelar comum pedindo a apreensão, sem necessidade de alegar e provar o requisito do fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável do seu direito, por ser de presumir, juris et de jure, o periculum in mora, porquanto só assim ganha sentido útil o n.º 4 do art.º 17º do DL n.º 354/86 na parte em que diz ser lícito à empresa de aluguer sem condutor retirar ao locatário o veículo alugado no termo do contrato, já que o direito à restituição do bem locado constitui um efeito típico do contrato de aluguer estatuído, em termos gerais para a locação, nos art.ºs 1038°, alínea i), e 1043°, n.° 1, do CC, e que não carecia, por isso, de ser ali contemplado, e que a base de tal presunção radica nos dados da experiência, segundo os quais a não devolução do veículo, nessas circunstâncias, é suficientemente indiciadora da forte probabilidade do desaparecimento ou da significativa depreciação do bem locado, concluindo-se serem similares as razões que justificam o regime de apreensão imediata do veículo nos casos previstos no art.º 15° do DL n.° 54/75, de 12.02, e do bem dado em locação financeira, nos termos do art.º 21° do DL n.° 149/95, de 24.6. |