Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1455/18.2T8GRD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VÍTOR AMARAL
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
DANO PATRIMONIAL FUTURO
INDEMNIZAÇÃO SEGUNDO A EQUIDADE
Data do Acordão: 02/15/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO CENTRAL CÍVEL DA GUARDA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA GUARDA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTIGOS 564.º, 566.º, N.º 3 E 496.º, N.º 4, TODOS DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I - No cálculo da indmenização por danos patrimionias fuuros, na situação de incapacidade em relação à profissão habitual do lesado, não releva a possível capacidade laboral indiferenciada remanescente.

II - Perante decisões recorridas fundadas na equidade, é adequado um critério de revogação apenas das soluções que excedam manifestamente determinada margem de liberdade decisória, sendo então de verificar o padrão de equidade aplicado em concreto, pelo que, a situar-se a indemnização no quadro de um exercício razoável do juízo de equidade, não se justificará a revogação.

III - Não é indemnizável a assistência prestada ao lesado pelo seu cônjuge no âmbito dos seus deveres de cooperação e assistência.

Decisão Texto Integral:


Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:



***

I – Relatório

AA, com os sinais dos autos,

intentou ação declarativa comum condenatória contra

F..., S. A.”, também com os sinais dos autos,

pedindo a condenação da R. a pagar-lhe a quantia global de € 342.200,00 ([1]), a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes de acidente de viação, acrescida de juros moratórios, à taxa supletiva legal, desde a citação e até integral pagamento.

Alegou, para tanto, em síntese, que, em consequência de acidente de viação, de que foi responsável o condutor de veículo automóvel seguro na aqui R., o A. (condutor de outro veículo, embatido no acidente) sofreu diversos danos, que identifica e valoriza (os quantificados no petitório), danos esses que importa reparar integralmente, cabendo a responsabilidade para o efeito àquela R., na vigência de contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel ao tempo do sinistro.

Citada, a R. contestou, defendendo-se por impugnação – designadamente, quanto à gravidade dos danos e grandeza das quantias peticionadas – e concluindo por dever a ação ser julgada conforme a prova a produzir a final.

Invocou desconhecer a dinâmica do acidente, sendo que, em providência cautelar de arbitramento de reparação provisória, o A. e a R. transigiram, devendo ser atendidos os valores já pagos nesse âmbito, sem esquecer que o acidente foi simultaneamente de viação e de trabalho, tendo o A. recebido valores da seguradora do trabalho, não podendo haver dupla reparação do mesmo dano, termos em que requereu a intervenção principal da seguradora “C A S..., S. A.”,  também com os sinais dos autos, para se associar ao A..

Admitida tal intervenção principal, a Chamada/Interveniente associou-se ao A., imputando a responsabilidade pelo acidente ao segurado da R., alegando que, na qualidade de seguradora da entidade empregadora do A., assumiu a transferência da responsabilidade pelo salário base, com inerentes pagamentos, e encaminhou o lesado para os tratamentos necessários, assistindo-lhe o direito de regresso contra a R., não só pelas prestações já efetuadas, como por quaisquer outras que se vencerem, em montante a liquidar em incidente próprio.

Concluiu, assim, pela condenação da R. a pagar-lhe a quantia já líquida de € 76.597,79, acrescida de juros, à taxa legal, desde a data da citação e até efetivo e integral pagamento, bem como as quantias que se vencerem e a Chamada vier a pagar na pendência da presente ação.

A R., contestando, manteve o seu posicionamento anterior, impugnando os montantes alegados pela Interveniente e concluindo por dever o peticionado ser julgado conforme a prova a produzir.

Realizada a audiência prévia, saneado o processo, definidos o objeto do litígio e os temas da prova, procedeu-se depois à audiência final, tendo a Interveniente requerido então a ampliação do seu pedido, em mais € 13.653,76 – quantia alegadamente paga ao A., a título de pensões, desde a data da sua intervenção até maio de 2021 –, o que lhe foi admitido, enquanto o A., por sua vez, veio declarar que opta pelo recebimento da indemnização decorrente da responsabilidade civil, em detrimento da indemnização do âmbito laboral.

Após o que foi proferida sentença (datada de 02/07/2021), julgando a ação parcialmente procedente, nos termos do seguinte dispositivo condenatório:

“a) Condena a ré a pagar ao autor:

a. Pela perda da capacidade de ganho, uma indemnização no valor de 118.167,14€ (…);

b. Pelos danos emergentes decorrentes do auxílio de terceira pessoa, uma indemnização no valor de 13.400,00€ (…);

c. Pelos danos emergentes decorrentes das despesas acrescidas na execução de atividades agrícolas, uma indemnização no valor de 22.500,00€ (…);

d. Pelo dano biológico (com exclusão da perda da capacidade de ganho), uma indemnização no valor de 70.000,00€ (…);

e. Pelos danos de natureza não patrimonial, uma compensação no valor de 80.000,00€ (…);

b) Condena a ré a pagar ao autor os juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal em vigor, desde a citação e até efetivo e integral pagamento, sobre as indemnizações fixadas em a)a., b., c. e d., e os juros de mora vincendos, à taxa legal em vigor, até efetivo e integral pagamento, sobre compensação fixada em a)e.;

c) Condena a ré a pagar ao autor a indeminização que se liquidar em sede de incidente de liquidação, em execução de sentença, relativamente aos danos futuros peticionados (despesas) com as deslocações para as sessões de fisioterapia, (despesas) com a substituição das canadianas e os demais alegados no artigo 143º da petição inicial;

d) Condena a ré a pagar à seguradora interveniente a quantia de 90.251,55 (…), acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal em vigor, desde a citação e até efetivo e integral pagamento.”.

Da sentença, vem a R., inconformada, interpor recurso, apresentando alegação e as seguintes

Conclusões:

«A. Vem o presente recurso interposto da, aliás douta, sentença do Juízo Central Cível e Criminal da Guarda – Juiz 2, que condenou a R./recorrente a indemnizar o A. AA nos montantes ali identificados;

B. A recorrente entende, com o devido respeito que o douto Tribunal recorrido deu como provados factos que deveriam ter sido considerados não provados, não tendo – salvo melhor opinião – apreciado correctamente a prova produzida;

C. E considera não ser admissível, nas circunstâncias concretas dos presentes autos e tendo em conta a materialidade de facto em apreço, a condenação nos específicos montantes identificados na sentença, por não suficientemente provados ou manifestamente exagerados;

D. O presente recurso incide sobre os seguintes aspectos:

• impugnação da matéria de facto e suas consequências;

• contestação dos montantes indemnizatórios fixados ao A./recorrido pelo Tribunal a quo;

E. Por razões de simplificação e economia processuais, dão-se por integralmente reproduzidos os factos considerados provados na douta sentença recorrida e enumerados em 5. supra;

F. Embora sem esquecer que as decisões dos Tribunais se encontram abrangidas pelo princípio da livre apreciação da prova, não deixa de ser verdade que, como resulta da lei, “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa” (artigo 662º, nº 1 do referido diploma – negrito e sublinhado nossos);

G. No caso dos autos, afigura-se à recorrente existir erro na apreciação da prova por parte do julgador, uma vez que, salvo o devido respeito por entendimento diverso, a prova produzida impõe que se considere não provado que:

• “A atual entidade empregadora não tem outro posto de trabalho disponível onde possa colocar o Autor a trabalhar” (ponto 44. dos factos provados);

• “A mulher do Autor teve que abandonar a atividade que exercia para se dedicar à recuperação do marido” (ponto 50. dos factos provados);

• “A D. BB fazia limpezas em várias casas e, no conjunto, auferia cerca de 400,00€ por mês” (ponto 51. Dos factos provados);

• “Dinheiro esse que deixou de auferir” (ponto 52. dos factos provados);

• o A. “Deixou de se envolver nas atividades que a Comissão de Festas de ..., a localidade de residência, à qual pertenceu nos últimos anos, desenvolve, mas a que, com as atuais debilidades físicas, perdeu vontade de pertencer” (ponto 71. dos factos provados);

• “E deixou de poder exercer determinadas atividades na agricultura, como fazia antes, em terreno cedido pelo sogro, onde plantava batatas, apanhava azeitona, amêndoas, fazia sementeiras de alface e batatas” (ponto 72. os factos provados);

• “As atividades acima descritas que o Autor exercia na agricultura eram para consumo próprio” (ponto 77. dos factos provados);

• “Perante a impossibilidade de o Autor fazer esse trabalho, foi forçado a contratar terceiros para que o ajudassem nas atividades supra descritas” (ponto 78. dos factos provados);

• “No que gasta cerca de 1.500,00€ por ano” (ponto 79. Dos factos provados).

H. Ponto 44., da matéria de facto provada:

• O douto Tribunal recorrido deu como provado que “A atual entidade empregadora não tem outro posto de trabalho disponível onde possa colocar o Autor a trabalhar”, o que assumiu relevância essencial quando da fundamentação e justificação das indemnizações calculadas por perda da capacidade de ganho, por danos não patrimoniais e por dano biológico; só que, com o devido respeito, a referida conclusão plasmada no ponto 44. dos factos provadas não se encontra fundamentada, nem, muito menos, demonstrada nos autos, nada se dizendo, a esse respeito, na sentença recorrida; na verdade e

• Por um lado, ficou provado, através das duas perícias médico-legais realizadas, que “As sequelas de que [o A.] ficou portador, em termos de repercussão permanente na atividade profissional, são impeditivas do exercício da atividade profissional habitual (de motorista), sendo de admitir […] a sua compatibilidade com outras profissões da área da preparação técnico-profissional do autor” (ponto 94. dos factos provados – negrito e sublinhado nossos); por outro,

• Não existe qualquer prova – por exemplo, documental ou testemunhal – que corrobore a afirmação em causa, resultante de alegação do A. na respectiva petição inicial, onde também havia referido – mas não o demonstrou (e não foi, obviamente, considerado provado) – que “Ao Autor ainda nada foi comunicado pela sua ainda entidade empregadora, mas o seu contrato de trabalho terá que se dar como caducado, naturalmente, dada a incapacidade superveniente do Autor para prestar o respectivo trabalho”;

• Bem se compreende, pois, que o douto Tribunal a quo nada refira acerca das razões que teriam levado a dar como provada a matéria em causa, sendo certo que

• O que se provou foi (em sentido bem distinto) que “O Autor não mais vai poder exercer a atividade que exercia, nem na última entidade empregadora, nem em qualquer outra” (negrito e sublinhado nossos);

• Mas não se provou que o A./recorrido não poderia exercer outra actividade para a mesma entidade empregadora;

I. Deve, pelos motivos indicados, ser retirado o ponto 44. da listagem de factos provados, sendo antes colocado na matéria de facto não provada;

J. Pontos 50. a 52. dos factos provados (os pretensos rendimentos da esposa do A.):

• Como se verifica na sentença, o Tribunal recorrido fundamentou a conclusão tirada acerca do (alegado) facto de a esposa do A. ter tido de abandonar a actividade que exercia (“fazia limpeza em várias casas”) para se dedicar à recuperação do marido, tendo, por isso, deixado de auferir 400,00€ por mês, exclusivamente no depoimento da própria, nenhuma outra prova tendo sido produzida, nem contemplada na sentença, para considerar verdadeira a alegação do A. descrita nos artigos 72º a 74º da petição inicial;

• Era ao A. que incumbia demonstrar os factos em causa (artigo 342º, nº 1 do Código Civil), o que o mesmo não logrou fazer;

• Da transcrição do depoimento da testemunha BB (casada com o A. e, por isso, parte quase tão interessada no desfecho da acção como ele, como, de resto, resulta da sua inquirição e se compreende mas não pode deixar de relevar-se), não resultam elementos suficientemente sustentados – especialmente por desacompanhados de qualquer outra prova (quer testemunhal, quer, sobretudo, documental) – que permitam concluir, como na sentença, que a esposa do A. “fazia limpeza em várias casas” e “auferia cerca de 400,00€ por mês”, que “deixou de auferir”;

• Tais factos deverão, por isso, ser dados como não provados e desconsiderados;

K. Ponto 71. dos factos provados (da pertença e do envolvimento do A. nas actividades da Comissão de Festas de ...):

• Consta como provado que o A. “Deixou de se envolver nas atividades que a Comissão de Festas de ..., a localidade de residência, à qual pertenceu nos últimos anos, desenvolve, mas a que, com as atuais debilidades físicas, perdeu vontade de pertencer”; só que o que a prova produzida (só testemunhal, pois não houve outra neste âmbito) nos revelou foi o contrário, isto é que o A. continuou a pertencer à referida Comissão;

• É o próprio A. quem o refere e a testemunha CC também o confirma (vde. declarações de parte e depoimento da testemunha transcritos em 30. e 31. supra);

• Não é, portanto, verdade que o A. tenha deixado – que não deixou – de se envolver nas actividades que a Comissão de Festas de ... (mesmo que sem a possibilidade executar todas as tarefas que podia executar antes do acidente – pelo menos, “faz parte da escrita; Tesouraria”; pelo menos, vai lá, mas “É mais pelo convívio”), nem que, com as atuais debilidades físicas, tenha perdido a vontade de pertencer a tal Comissão,

• Devendo o ponto 71. dos factos provados ser dado como não provado e os factos ali expostos desconsiderados na indemnização a fixar, nos termos defendidos no presente recurso, a título de danos não patrimoniais;

L. Pontos 72. e 77. a 79. dos factos provados (dos rendimentos que o A. supostamente retiraria da agricultura):

• Foi considerado provado que o A. “gasta cerca de 1.500,00€ por ano” na contratação de terceiros para executarem actividades agrícolas para consumo próprio daquele;

• Para fundamentar tal decisão – não existindo nos autos qualquer documento demonstrativo da alegação do A. a esse respeito – o Tribunal a quo baseou-se, exclusivamente, no depoimento da esposa do A. (vde. transcrição supra – artigo 36.);

• Os factos descritos nos citados nos pontos 72. e 77. a 79. dos factos provados levaram o Tribunal a calcular uma indemnização no valor de 22.500,00€ e a condenar a R./recorrente no pagamento ao A. do identificado montante;

• A prova de específicas despesas com actividades profissionais (para mais quando se destina a sustentar pedidos muito avultados de indemnizações por danos patrimoniais futuros) não pode bastar-se com declarações de testemunhas, muito menos quando as mesmas (independentemente da credibilidade genérica que lhes possa ser dada) até são partes interessadas no resultado dos respectivos depoimentos e nos valores a determinar;

• No caso concreto, a R. não pode aceitar – e não aceita – que possa ser atribuída qualquer objectividade/validade às declarações acima convocadas, quando o que se percebe é que a esposa do A., ao atirar com valores de 40,00€/dia; 50,00€/dia; 60,00€/dia, podia ter dito quaisquer outros valores, em virtude de os mesmos não estarem comprovados ou contraditados por nenhuma outra prova;

• Na realidade, fica-se sem se saber (não o sabe a R. e não o saberá o Tribunal) qual o fundamento e a razão de ser dos valores e períodos adiantados pela testemunha, antes se afigurando os mesmos absolutamente aleatórios e não comprovados, sendo, por isso, inaceitáveis;

• Devem, portanto, os factos constantes dos referidos pontos 72. e 77. a 79. ser dados como não provados;

M. Pelo exposto, concluindo-se ter havido erro na apreciação da prova, que impõe decisão diversa quanto à matéria de facto julgada provada e não provada, deverá revogar-se a sentença recorrida na parte correspondente e alterar-se aquela matéria no sentido supra descrito, com as devidas consequências no âmbito das indemnizações fixadas;

N. Quanto à indemnização fixada a título de perda de capacidade de ganho:

• “O Autor está totalmente incapacitado para o seu trabalho habitual, que é o de motorista” (ponto 35. dos factos provados), mas “As sequelas de que ficou portador, em termos de repercussão permanente na atividade profissional, são impeditivas do exercício da atividade profissional habitual (de motorista), sendo de admitir […] a sua compatibilidade com outras profissões da área da preparação técnico-profissional do autor” (ponto 94. dos factos provados – negrito e sublinhado nossos);

• Decidir, como decidiu o douto Tribunal a quo, calcular o dano em apreço (dano patrimonial futuro) com base numa “incapacidade permanente absoluta (100%)” traduz uma contradição dos fundamentos da sentença face à matéria de facto provada e significaria um nítido benefício injusto e injustificado do A., com um consequente enriquecimento sem causa que não se aceita;

• Com o devido respeito, qualquer indemnização que venha a ser concedida ao A./recorrido a título de perda de capacidade de ganho e a calcular para o futuro terá sempre de ser significativamente reduzida – julga-se que na ordem de um terço – em virtude de, como resultou provado, as sequelas de que o A. padece serem compatíveis com outras profissões da área da respectiva preparação técnico-profissional (note-se que não está em causa uma mera capacidade laboral indiferenciada; e recorde-se que o A. pode, por exemplo, desempenhar – e desempenha – actividades na Comissão de Festas de ... a que pertence, no âmbito da Tesouraria);

• A manter-se o teor da douta sentença, depois de receber, de uma vez, a indemnização correspondente a rendimentos hipotéticos relativos a 23 anos, o A. poderá vir a auferir – duplicadamente – outros rendimentos em contexto laboral e, atingida a idade da reforma, auferirá (para além do referido montante indemnizatório) as correspondentes pensões sociais, desse modo enriquecendo indevidamente;

• A indemnização do A., pela perda de capacidade de ganho, deverá ser de 8.092,77€ – nos termos acima explicitados – e não os 118.167,14€ calculados na sentença recorrida;

O. Quanto à indemnização fixada para contratação de terceiros para execução de tarefas agrícolas:

• Tendo em conta o que se deixou explanado acerca da falta de prova dos pontos 72. e 77. a 79. e considerando o disposto no artigo 342º, nº 1 do Código Civil, não estando demonstrados os danos invocados neste contexto nenhuma indemnização deverá ser concedida ao A. a título de despesas acrescidas na execução de actividade agrícola;

• E recorde-se, ademais, que, como se decidiu no douto Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Junho de 2014 (Proc. n.º 1684/09.0TBSTR.E1.S1 – in www.dgsi.pt) “não há lugar a indemnização por danos patrimoniais a favor da autora por assistência que lhe foi prestada por familiares de forma gratuita”, o que acontece com o A. e a esposa, como esta confirmou no respectivo depoimento (vde. transcrição supra);

P. Quanto à compensação atribuída por danos não patrimoniais:

• O valor da reparação do dano não patrimonial deve ser proporcional à gravidade do dano, devendo ter-se em conta, na sua fixação, todas as regras de boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida e aos padrões de indemnização geralmente adoptados na Jurisprudência;

• Para além da equidade, também a proporcionalidade, a igualdade, a razoabilidade e as necessidades de segurança jurídica e tutela das expectativas, devem orientar o raciocínio tendente à melhor decisão a proferir sobre o valor da compensação por danos não patrimoniais;

• O A./recorrido tem direito a uma compensação pelos danos não patrimoniais sofridos; só que, crê a apelante, a compensação em causa nunca deveria/deverá atingir os 80.000,00€ calculados na douta sentença recorrida, ants se afigurando equilibrada e adequada às circunstâncias do caso concreto uma indemnização/compensação, a este título, de valor não superior a 40.000,00€, devendo assim ser reduzido o montante fixado na decisão recorrida;

• Vejam-se, a título de exemplo, os diversos acórdãos citados em 60. supra;

Q. Quanto à indemnização fixada a título de dano biológico:

• A douta decisão recorrida operou uma compensação a título de dano biológico (como “dano resultante da violação do direito à integridade físico-psíquica - abarcando as incapacidades funcionais resultantes de uma alteração morfológica do lesado, limitativo de viver a sua vida como vivia antes, independentemente da repercussão na sua capacidade de ganho”), de modo autónomo do dano não patrimonial propriamente dito e do dano patrimonial futuro;

• Acontece que, uma vez fixadas as indemnizações referentes quer aos danos não patrimoniais, quer ao dano patrimonial futuro do A. resultante do défice funcional permanente de integridade físico-psíquica de que ficou portador (31 pontos), não podem, depois e salvo melhor opinião, noutros segmentos indemnizatórios, designadamente no relativo ao dano biológico, ter-se em conta – repetidamente – os mesmos factores (défice funcional permanente, dano corporal, incapacidade funcional resultante das lesões sofridas e as suas repercussões nas suas actividades diárias) que foram já ponderados em sede de compensação daqueles danos, sob pena de ocorrer uma indevida duplicação do montante indemnizatório, para mais quando até se procedeu (como na decisão de 1ª Instância) à valoração do dano futuro/perda de ganho (bem como, de certo modo, do dano moral) com base numa pretensa incapacidade permanente absoluta (100%) e por referência à esperança média de vida do A., isto é independentemente da relação causal entre os danos e a duração da actividade profissional e da vida activa;

• A penosidade que afectará o A. por causa das sequelas resultantes do acidente dos autos não pode (salvo melhor opinião), sob pena de duplicação/triplicação e enriquecimento ilícito, ser indemnizada – como sucedeu na sentença aqui posta em crise – no contexto do dano patrimonial futuro, do dano não patrimonial e do dano biológico;

• Por conseguinte, mesmo que se entendesse ser possível – no caso dos autos – ressarcir o “dano biológico” sem duplicar ou triplicar a indemnização pelos mesmos danos (o que se não admite), nunca deveria tal dano ser compensado através de quantia superior a 30.000,00€.

Termos em que deverá dar-se provimento ao recurso, revogando-se a (aliás douta) sentença recorrida, com a consequente alteração da matéria de facto provada e dos montantes indemnizatórios atribuídos ao A./recorrido, assim se fazendo

JUSTIÇA!» (destaques subtraídos).

O A./Recorrido juntou contra-alegação, pugnando pela improcedência do recurso.


***

Tal recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente e com efeito meramente devolutivo, após o que foi ordenada a remessa dos autos a este Tribunal ad quem, onde foram mantidos o regime e o efeito fixados.

Nada obstando, na legal tramitação recursiva, ao conhecimento do mérito da apelação, cumpre apreciar e decidir.


***

II – Âmbito do Recurso

Perante o teor das conclusões formuladas pela parte recorrente – as quais definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso ([2]), nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil (doravante, NCPCiv.), o aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06 –, importa saber:

a) Em matéria de facto, se deve proceder a impugnação empreendida, com alteração do quadro fáctico visado (algum dado como provado, outro como não provado) em conformidade;

b) Em matéria de direito, se devem, ou não, ser alterados os montantes arbitrados em sede indemnizatória, seja quanto ao específico dano patrimonial futuro [aqui se incluindo a perda de capacidade de ganho (conclusão N) e o dano biológico (conclusão Q)], seja quanto ao dano/custo da contratação de terceiros para tarefas agrícolas e auxílio pessoal/doméstico (conclusão O), seja já quanto aos danos não patrimoniais (conclusão P).


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III – Fundamentação

A) Impugnação da decisão relativa à matéria de facto

A Recorrente insurge-se contra a decisão da matéria de facto, pretendendo que a Relação, alterando o decidido pelo Tribunal a quo, considere não provados os factos dos pontos (julgados provados na sentença) 44, 50, 51, 52, 71, 72, 77, 78 e 79.

É o seguinte o teor de tal factualidade questionada:

«44. A atual entidade empregadora não tem outro posto de trabalho disponível onde possa colocar o Autor a trabalhar;

(…)

50. A mulher do Autor teve que abandonar a atividade que exercia para se dedicar à recuperação do marido;

51. A D. BB fazia limpezas em várias casas e, no conjunto, auferia cerca de 400,00€ por mês;

52. Dinheiro esse que deixou de auferir;

(…)

71. Deixou de se envolver nas atividades que a Comissão de Festas de ..., a localidade de residência, à qual pertenceu nos últimos anos, desenvolve, mas a que, com as atuais debilidades físicas, perdeu vontade de pertencer;

72. E deixou de poder exercer determinadas atividades na agricultura, como fazia antes, em terreno cedido pelo sogro, onde plantava batatas, apanhava azeitona, amêndoas, fazia sementeiras de alface e batatas;

(…)

77. As atividades acima descritas que o Autor exercia na agricultura eram para consumo próprio;

78. Perante a impossibilidade de o Autor fazer esse trabalho, foi forçado a contratar terceiros para que o ajudassem nas atividades supra descritas;

79. No que gasta cerca de 1.500,00€ por ano;».

Na sentença procurou justificar-se a convicção positiva, no confronto entre as provas e uma muito longa lista de factos julgados provados (num total de 108) e, por outro lado, 18 enunciados dados como não provados.

Ora, começando por aquele ponto/facto 44, refere a Recorrente que se trata de matéria que “não se encontra fundamentada (…), nada se dizendo, a esse respeito, na sentença recorrida”, sendo que “não existe qualquer prova (…) que corrobore a afirmação em causa”, compreendendo-se que o Tribunal “nada refira acerca das razões que teriam levado a dar como provada a matéria em causa” (cfr. conclusão H).

E, na verdade, lida a motivação da decisão relativa à matéria de facto, não resulta fácil – apesar do esforço do Tribunal recorrido – localizar uma substancial e pormenorizada alusão aos elementos probatórios que permitiram, em concreto, firmar a convicção positiva de que «A atual entidade empregadora não tem outro posto de trabalho disponível onde possa colocar o Autor a trabalhar».

Assim, pareceria, prima facie, ficar sem se saber – não o saberia a Recorrente, tal como não o poderia saber o Tribunal ad quem – em que provas concretas se baseou, nesta parte, o Julgador, para se convencer daquela factualidade, o que poderia deixar inviabilizado, nessa parte, o controlo pela parte desfavorecida por tal facto (a Recorrente) e, na via recursiva, a sindicância pela Relação.

Com efeito, para saber se houve ou não erro de julgamento de facto – sabido que a Relação somente deve alterar a decisão relativa à matéria de facto se, designadamente (e quanto ao que ora importa), a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa (art.º 662.º, n.º 1, do NCPCiv.) –, forçoso será conhecer as provas que serviram de base à convicção adotada, aquela que prevaleceu na mente do Julgador a quo.

Assim não sendo, restaria concluir pela inviabilidade de sindicância recursiva, por não ser possível detetar se houve, ou não, erro de julgamento de facto, caso em que deveria a 1.ª instância fundamentar cabalmente a sua convicção positiva, convocando as concretas provas que valorou como relevantes/decisivas para formar a sua adotada convicção positiva/afirmativa.

Todavia, num exercício mais atento e aprofundado, nota-se que resulta da motivação exarada pela 1.ª instância que a testemunha BB (esposa do A.) se referiu, no seu depoimento, à “incapacidade resultante das lesões sofridas para a exercício de tais atividades” (motorista de pesados e agricultura), “não conseguindo arran[j]ar emprego”, tendo descrito “a vivência familiar e social do autor antes do acidente e a alteração do comportamento e modo de vida do autor em consequência das lesões sofridas, confirmando a factualidade alegada a este respeito” ([3]).

E resulta ainda daquela motivação que foi atendido o “depoimento prestado pelo autor, que, tendo deposto de forma coerente (nomeadamente com os demais depoimentos) e credível, sustentou todos os danos levados aos factos provados” (cfr. depoimento de parte a que alude a ata de 11/05/2021, a fls. 357 e segs. do processo físico).

Tal é quanto basta – perante esta prova por depoimento de parte, na sua conjugação (e corroboração) com o depoimento testemunhal de BB – para se considerar haver suficiente justificação da convicção positiva adotada, com base nesta produzida prova pessoal ([4]).

E, se assim é – o que resulta de uma leitura sistemática e compreensiva da decisão e sua fundamentação –, então cabia à Recorrente cumprir os legais ónus probatórios a cargo da parte impugnante da decisão relativa à matéria de facto, pelo que, fundando-se o Tribunal em prova pessoal, não poderia a Apelante demitir-se de, “sob pena de imediata rejeição do recurso na parte afetada, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes” [art.º 640.º, n.º 2, al.ª a), do NCPCiv.].

Ora, percorrida a peça recursiva da R./Recorrente (incluindo alegação e conclusões), o que se retira é que esta não indicou quaisquer passagens da gravação daquela prova pessoal que, como visto, foi decisiva para formação da convicção exarada na sentença neste segmento fáctico.

Assim, em vez de se remeter à posição cómoda de negar terem sido produzidas quaisquer provas neste âmbito, deveria a Recorrente ter cumprido, quanto àquela convocada prova pessoal, o dito ónus legal, que sobre si impendia, de indicar com exatidão as passagens da gravação implicadas, para que a Relação as pudesse ponderar, assim sindicando o sentido impugnado da decisão.

Ora, o dito preceito legal, pela sua teleologia, tanto colhe aplicação quando é a própria parte recorrente a convocar expressamente determinadas provas gravadas, como quando, embora sem tal expressa invocação, essas provas foram consideradas decisivas para formação da convicção do Julgador a quo.

Num caso ou no outro, a Relação terá de ouvir a gravação, por estar prova pessoal gravada implicada, como tal, incontornável para decisão recursiva, para o que terá de ser cumprido, então, aquele ónus legal de indicação com exatidão das passagens da gravação.

Donde que, inobservado esse ónus, não possa este Tribunal ad quem proceder, para este efeito, à audição do registo/gravação desta prova pessoal, com a consequência da imediata rejeição deste segmento da impugnação da decisão de facto.

Passando aos pontos 50 a 52, refere a Recorrente que o Tribunal recorrido se baseou exclusivamente no depoimento testemunhal de BB, considerando tratar-se de «parte quase tão interessada no desfecho da acção como ele» (o marido, aqui A.), razão pela qual entende que não merece tal testemunha credibilidade, designadamente por desacompanhada de outras provas corroborantes.

Na sentença pode ler-se a seguinte fundamentação:

«- No teor do depoimento prestado pela esposa do autor, a testemunha BB, a qual, não tendo visto o acidente, nos descreveu as lesões sofridas pelo seu marido, a gravidade das mesmas, os tratamentos e deslocações efetuados, a necessidade do auxílio de terceira pessoa (quando teve alta hospitalar: tendo, numa primeira fase, estado acamado e, numa segunda fase, passado a andar em cadeira de rodas), tendo deixado de trabalhar para prestar assistência ao seu marido, tendo os dois ficado sem rendimentos do trabalho (tendo testemunhado, no que lhe diz respeito, que efetuava limpezas em casa particulares, sem contrato de trabalho, auferindo mensalmente cerca de 400,00€); descreveu como eram efetuados os tratamentos de fisioterapia (…), como os bombeiros iam buscar o autor a casa e o transportavam (…); testemunhou que viviam num ..., sem condições para as dificuldades de locomoção do autor, tendo tido necessidade de vender a casa (tendo, numa primeira fase, residido em casa da sua mãe, até que compraram uma nova casa, já sem escadas); testemunhou que a seguradora interveniente lhe pagou o valor da assistência a terceira pessoa até o autor ter tido alta; testemunhou o modo de vida do seu marido antes do acidente (…) e a incapacidade resultante das lesões sofridas (…);

- Nos depoimentos prestados pelas testemunhas CC (cunhado do autor) e DD (amigo do autor), os quais, não tendo testemunhado o acidente, descreveram o modo de vida do autor antes do acidente e, comparativamente, depois do acidente, referindo-se ao autor como pessoa que, antes do acidente, “não tinha qualquer problema”, era pessoa autónoma, independente, que trabalhava, que participava ativamente na comunidade, que jogava futebol e que agora não consegue, que não é autónomo, que tem que ser auxiliado, tem dificuldade em andar e subir e descer escadas, que está a sofrer (…);

(…)

- No depoimento prestado pelo autor, que, tendo deposto de forma coerente (nomeadamente com os demais depoimentos) e credível, sustentou todos os danos levados aos factos provados.

A conjugação de todos estes elementos de prova sustenta a factualidade provada a este respeito (…).» (destaques aditados).

Assim sendo, da conjugação destas provas resulta a necessidade do A., atentas as lesões sofridas, ter assistência no seu tempo de recuperação, assistência essa prestada pela esposa, o que foi relatado, como visto, ao Tribunal e bem se compreende, à luz das regras da lógica e da experiência comum, inserindo-se na normalidade das coisas na vida em casal e no âmbito familiar.

O que a R. essencialmente pretende pôr em causa é, não aquela assistência, mas a atividade da mulher do A. em serviços de limpezas domésticas e os respetivos proventos mensais.

Ora, nesta parte, como a impugnante reconhece, a testemunha BB afirmou, efetivamente, ter deixado de trabalhar para prestar assistência ao seu marido, sendo que, segundo disse, efetuava limpezas em casas particulares, sem contrato de trabalho, auferindo mensalmente cerca de € 400,00, montante que, por isso, deixou de receber.

Acontece que, segundo a justificação do Tribunal recorrido, esta prova resultou sustentada, sendo conforme com o depoimento prestado pelo A., já que este, tendo deposto de forma coerente (nomeadamente com os demais depoimentos) e credível, sustentou todos os danos levados aos factos provados (nos quais, obviamente, tem de incluir-se aquela perda de rendimentos do cônjuge para prestação de assistência em tempo de recuperação das lesões provocadas pelo acidente).

Assim, mais uma vez, não poderia a Recorrente, salvo o devido respeito, demitir-se de proceder à análise crítica de tal depoimento pessoal do A., mostrando que, afinal, o Tribunal se equivocou, por o mesmo não ter sustentado este específico dano levado aos factos provados, para o que teria, obviamente, de cumprir o ónus legal de indicação exata das passagens relevantes da respetiva gravação áudio, o que não fez ([5]).

Donde que também seja de rejeitar esta parte da impugnação.

Mas mesmo que assim não se entendesse, o certo é que – a nosso ver – a testemunha BB foi credível no seu depoimento, sendo compreensível que não possa juntar prova documental corroborante (referiu que efetuava limpezas em casa particulares, sem contrato de trabalho) e afigurando-se razoável aquele montante mensal de cerca de € 400,00, atendendo ao tipo de trabalho em questão e ao que é comum em termos de remuneração respetiva na atualidade em Portugal.

Ouvida, pois, a gravação do respetivo depoimento testemunhal, mormente na parte a que alude a Recorrente (minutos 6.50 e segs., 8.00 e segs. e 27.00 e segs.), fica-se com a convicção de que a testemunha depôs de forma clara e espontânea, bem como pormenorizada e isenta, apesar do grau de parentesco face ao A., relatando os factos – do seu conhecimento direto e pessoal – de forma convincente/persuasiva e credível, não logrando, na forma como o fez e na substância apresentada, o seu depoimento ser contrariado, posto em causa, abalado ou desacreditado.

Daí que, tal como o Julgador a quo – que beneficia, o que é bem consabido, da total imediação perante a prova pessoal, dispondo Relação, diversamente, apenas do respetivo registo áudio –, também este Tribunal de recurso adote a convicção (autónoma) de que a testemunha depôs de forma sincera e credível, de molde a convencer, pelo que nada mostra que tenha ocorrido erro de julgamento de facto, nem que a prova produzida imponha decisão diversa ([6]).

Donde que, e em face dos dados da expericência comum e do normal agir em sociedade (na nossa sociedade atual) – como já mencionado –, nada haja a alterar nesta parte à decisão em crise.

Relativamente ao ponto 71 – ter o A. deixado de se envolver nas atividades da Comissão de Festas de ... (a que pertenceu), devido às atuais debilidades físicas –, pretende também a Recorrente que se julgue «não provado».

É certo que, ouvidos os convocados excertos da gravação da prova, o A. depôs por forma a esclarecer que continuou a fazer parte daquela Comissão, mas limitado, por força do acidente, à «parte escrita; tesourasia, mais nada», ao contrário do que se passava antes em que se integrava nas diversas atividades (cfr. minutos 16.25 e segs.).

E no mesmo sentido depôs a testemunha CC, enfatizando que agora é «só a presença física (…). Vai lá às vezes; orienta», pelo que não se integra nas diversas atividades, contrariamente ao que fazia antes do acidente (cfr. minutos 2.50 e 7.15 e segs.).

Assim, se pode concluir-se que o A., como pretende a Recorrente, não se desvinculou da Comissão (continua a pertencer e a participar), também resulta claro que a sua participação mudou significativamente, por efeito das suas atuais limitações físicas, limitando-se a uma «presença física» e a atividade de «escrita; tesouraria».

Termos em que deverá alterar-se a redação deste ponto em conformidade, o qual passa a ter a seguinte redação:

«71. Deixou de se envolver na generalidade das atividades que a Comissão de Festas de ..., a localidade de residência, à qual vem pertencendo, desenvolve, passando, com as atuais debilidades físicas, a exercer apenas atividade de «escrita/tesourasia».

Quanto, por fim, aos pontos 72 e 77 a 79, põe a Recorrente em causa, essencialmente, que o A. tenha passado a gastar cerca de € 1.500,00 por ano na contratação de terceiros para o ajudarem nas atividades agrícolas que anteriormente desenvolvia por si próprio, com a sua força de trabalho.

Para tanto, invoca a impugnante que apenas foi produzido um elemento de prova a respeito, o depoimento testemunhal da dita BB, o qual não lhe merece qualquer credibilidade.

Todavia – reitera-se ainda –, resulta da motivação da decisão de facto que foi atendido também o “depoimento prestado pelo autor, que, tendo deposto de forma coerente (nomeadamente com os demais depoimentos) e credível, sustentou todos os danos levados aos factos provados” (destaques aditados).

Tal é quanto basta – perante tal prova por depoimento de parte ([7]), na sua conjugação (e corroboração) com o depoimento testemunhal de BB – para se considerar haver suficiente justificação da convicção positiva adotada, com base nesta produzida prova pessoal ([8]).

E, se assim é, então cabia à Recorrente cumprir os legais ónus probatórios a cargo da parte impugnante da decisão relativa à matéria de facto, pelo que, fundando-se o Tribunal em prova pessoal, não poderia a Apelante demitir-se de, “sob pena de imediata rejeição”, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso [art.º 640.º, n.º 2, al.ª a), do NCPCiv.]. O que não fez relativamente ao depoimento pessoal do A., razão pela qual este fica a salvo da sindicância recursiva, com a consequência de não ser apreciada/sindicada uma prova que foi relevante para formação da impugnada convicção probatória da 1.ª instância.

Resta, então, o depoimento da aludida testemunha, posto nesta parte ter a impugnante observado os ditos ónus legais a seu cargo.

Ora, ouvida a gravação do depoimento, constata-se que a testemunha referiu, no relevante, como a própria Apelante extrata, que:

«(…) especificamente a partir do minuto 14.00):

• “ele conduzia; trabalhava nas vinhas com o tractor” (minuto 14.00);

• “fazia o trabalho todo rural; actualmente não faz” (14.07);

• “actualmente tem de pagar a terceiros para o fazer” (minuto 14.10);

• “ele não consegue fazer o trabalho rural” (minuto 14.25);

• “ele fazia vindima, lavrar, deitar herbicida, sulfato, essas coisas todas…” (minuto 14.35);

• “cortar as videiras sou eu que tenho feito; mais algumas pessoas que me ajudam e outras que a gente paga para fazer esse trabalho” (minuto 15.13);

• “actualmente essas pessoas estão a ganhar 40,00€ por dia” (minuto 15.25);

• “quando não é serviços mais complicados; que é entre os 50,00€ e os 60,00€” (minuto 15.45);

• perguntada sobre se as pessoas vão lá mais de 10 dias por ano, respondeu “Ah, mais… mais de 10 dias por ano” (minuto 22.25);

• perguntada “20 dias por ano?”, respondeu “Sim, nesta altura se calhar é o mês todo a fazer o serviço; nas outras alturas não…” (minuto 22.28);

• perguntada “podemos falar em 40 dias por ano?”, respondeu “Ah, mais…” (minuto 22.40);

• perguntada sobre se faz contratos com as pessoas que diz que vão trabalhar para ela e para o seu marido, respondeu que “Não; lá na terra não se faz esse tipo de contrato; são pessoas que trabalham diariamente no campo e não têm contrato” (minuto 28.40).».

Defende a Apelante que este depoimento não é credível, por ser interessado (mulher do A.) e se mostrar aleatório (quanto aos valores pecuniários e dias de trabalho), sobretudo por desacompanhado de prova objetiva, mormente documental, sem esquecer que inexiste outra prova testemunhal.

É claramente de admitir, a nosso ver, que poderia o A. – mesmo não dispondo de documentos sobre os pagamentos/custos, por, como invocado pela esposa, os pagamentos serem a pessoas indiscriminadas, sem qualquer vínculo laboral (contratação informal, ao dia/“jorna”) – ter arrolado como testemunhas os trabalhadores a quem vem recorrendo e pagando, para que estes confirmassem (ou não) a sua versão dos factos, mormente os montantes auferidos ao dia e o número de dias de trabalho (mensal ou anual). O que facilitaria a tarefa probatória do Tribunal.

Não o tendo feito, resta aquele depoimento testemunhal, o qual, todavia, não é destituído de sentido e de razoabilidade, visto ser sabido que, quem tem a seu cargo tarefas agrícolas (manuais ou com máquinas) e deixa de as poder executar, fica na alternativa de desistir delas ou contratar trabalhadores para o fazer (em sua substituição). E estes trabalhadores «à jorna» auferem, obviamente, o seu salário, que tem de lhes ser pago.

O número de dias de trabalho (mensal ou anual) terá de resultar, logicamente e em razoabilidade – na falta de outros elementos (que fossem dotados de exatidão) –, da dimensão da exploração e da decorrente atividade dedicada, não resultando do registo do depoimento que tivesse ficado demonstrado que essa quantificação, tal como apresentada e sustentada, estivesse desfasada da realidade.

Tudo ponderado e atendendo ao referido quanto à insindicabilidade, por inobservancia de ónus legal, de um dos elementos de prova em que se alicerçou a convicção do Tribunal a quo (o dito depoimento pessoal do A., valorado, também neste âmbito, pelo Julgador, sabido ainda, insiste-se, que é este quem beneficia da total imediação face à prova pessoal), resta manter o decidido nesta parte, por não poder, salvo o devido respeito, ter-se por demonstrado erro de julgamento de facto, não se mostrando que as provas convocadas imponham decisão diversa.

Termos em que apenas parcialmente procede a empreendida impugnação da decisão relativa à matéria de facto, com a decorrente alteração, no local próprio, do quadro dos factos provados, sendo essa – e apenas essa – a factualidade apurada a atender para decisão do recurso.

B) Matéria de facto

1. - Operada, então, a sindicância recursiva da Relação, é a seguinte a factualidade julgada provada a atender:

«1. No dia 8/10/2016, pouco antes das 10h00m, o Autor conduzia o veículo de matrícula ...-...-OS, no ..., freguesia ..., no ..., ao km 58,585, sentido .../..., seguindo pela faixa de rodagem que lhe estava destinada, encostado ao lado direito da via;

2. Em sentido contrário seguia o veículo de marca ..., modelo ..., de matrícula ...-QR-..., conduzido por EE, sem atenção ao trânsito, o qual, ao chegar ao referido km 58,585, ao descrever uma curva para a sua direita, invadiu a via de trânsito do sentido oposto, onde circulava o OS, indo, por isso, embater frontalmente com OS, na hemi-faixa de rodagem a este destinada;

3. Do embate resultou a morte do condutor do QR, bem como ferimentos muitíssimo graves no ora Autor, assim como danos materiais em ambos os veículos;

4. A seguir ao acidente, o Autor foi helitransportado para os Hospitais ..., onde foi operado de urgência;

5. O proprietário do QR havia transferido a responsabilidade civil emergente da circulação rodoviária desse veículo para a seguradora ré F..., S.A., através de contrato de seguro titulado pela apólice n.º ...57, válida e eficaz à data do acidente;

6. Em consequência direta do embate, no local do acidente, o Autor foi assistido pelos médicos e enfermeiros do INEM;

7. No local do acidente foi necessária a presença de 2 ambulâncias dos ... (com 4 elementos), uma ambulância dos ... (com 2 elementos), 1 Viatura de Suporte Imediato de Vida dos ... (com 2 elementos), 1 ... (com 2 elementos), 1 viatura de desencarceramento dos ... (com 5 elementos), 1 helicóptero do ... (com 2 elementos), 1 pesado cisterna dos ... (com 1 elementos) e uma ambulância dos ... (com 1 elementos) para transporte do cadáver;

8. O Autor ficou encarcerado no seu veículo durante cerca de 45 minutos, até ser libertado;

9. E teve que ser desencarcerado por uma viatura de desencarceramento dos ... (com 5 elementos);

10. O facto de ter estado preso dentro do seu veículo, com os ferimentos que a seguir se descreverão, provocou ao Autor um sofrimento atroz, tanto físico como psicológico;

11. Nunca perdeu os sentidos;

12. Do referido local foi transportado de helicóptero para os Hospitais ..., local onde foi imediatamente classificado na escala de prioridade como “Vermelho – Emergente”, “Grande Traumatismo” e “Hemorragia Exsanguinante”;

13. E onde chegou consciente e orientado, mas taquicárdico (120), embora não hipotenso;

14. Em consequência do embate, o Autor ficou politraumatizado, com fraturas expostas do braço esquerdo, joelho e perna esquerda;

15. Segundo o relatório resumo de episódio de urgência, no dia 8 de outubro de 2016, o Autor foi sujeito a análises ao sangue, 13 exames de imagem (Rx), com 19 incidências, e TAC abdominal;

16. E, imediatamente a seguir, foi operado por ortopedia, tendo sido colocados fixadores externos nos membros superior e inferior esquerdos;

17. Nessa ocasião, no Serviço de Urgência, teve que ser sujeito a uma transfusão de sangue, com 4 unidades de GV e 2 de plasma;

18. Dia 9 de Outubro, às 12h30, foi registado no processo clínico do Autor o facto de ser necessária a mudança de penso, porque “se encontra cheio de sangue”, tendo sido contactada a Ortopedia da Urgência;

19. Às 18h, foi registado “…fracturas expostas do úmero esquerdo, fémur esquerdo e ossos da perna esquerda e suspeita de fracturas de apófises transversas de vértebras lombares”, tendo sido operado no serviço de urgência;

20. Foi sujeito a “limpezas cirúrgicas, estabilização das fracturas do úmero esquerdo, fémur esquerdo e tíbia esquerda com fixadores externos. Foram feitos pensos na perna e coxa esquerda que estavam repassados, observando-se feridas suturadas nas faces anterior do joelho esquerdo e região posterior e externa do 1/3 proximal da perna, lesão com perda de substância cutânea na face posterior do 1/3 proximal da perna esquerda, com hematomas sem grande tensão das referidas áreas”;

21. No dia 10 de outubro, foi registado, entre o mais: “Análises com valores dentro da normalidade excepto HG 6,9gr (repete hemograma) com perdas importantes do membro com fractura exposta que justificam esta baixa em 24h…”;

22. Por 2 vezes foi forçado a estar em isolamento bacteriano, por causa das bactérias com que foi infetado, 20 dias de cada vez, 40 no total (no Hospital ...);

23. Foi sujeito a operação plástica na perna esquerda;

24. Uma das feridas dos enxertos infetou, tendo sido colocado um dreno para a ir limpando, o que demorou 82 dias - em que foi forçado a estar imobilizado na cama do hospital, sem se poder mexer, na mesma posição;

25. Em 4/11/2016, foi emitido atestado pelo Hospital ... – ..., declarando, entre o mais, que: “Foi submetido a limpeza cirúrgica e reposicionamento de fixadores a 16/10, com aplicação de penso vacum. Isolada bactéria MRSA que motivou tratamento com vancomicina, em internamento de isolamento. Mantem cuidados de penso vacum. Tem programada plastia (retalho ou enxerto) no próximo dia 10, quando se esperam condições. No mesmo tempo operatório está prevista a conversão dos fixadores externos do úmero em fixação interna. Prevê-se ainda, quando encerrada a ferida, necessidade de redução e fixação interna das fracturas do fémur e tíbia”;

26. Em 17/11/2016, foi emitido atestado pelo ... – ..., declarando, entre o mais, que: “Foi submetido a limpeza cirúrgica e reposicionamento de fixadores a 16/10, com aplicação de penso vacum. Isolada bactéria MRSA que motivou tratamento com vancomicina, em internamento de isolamento. Mantem[manteve] penso de vacum até 10/11, data em que foi submetido a enxerto livre de pele e a extracção dos fixadores externos do úmero e encavilhamento bloqueado. Mantém boa evolução da ferida da região gemelar. Prevê-se total integridade cutânea durante a próxima semana, altura em que está planeada redução e fixação interna das fracturas do fémur e tíbia”;

27. Em 23/11/2016, foi emitido atestado pelo ... – ..., declarando, entre o mais, que: “… Está planeada redução e fixação interna das fracturas do fémur e tíbia no dia 24/11. Altura em que existirá total integridade cutânea. No entanto o timing cirúrgico está neste momento ameaçado pela existência de infecção do trato urinário”;

28. Em 02/12/2016, o Autor foi sujeito a TAC articular ao joelho esquerdo, na qual foi observado: “… sinais de fractura cominutiva dos côndilos femorais e região intercondiliana femoral, bem como da região da metáfise distal/ supracondiliana do fémur, e que se estende para a região diafisária, com múltiplas esquírolas ósseas e uma ligeira impactação associada, o fragmento/esquírola maior com 81mm de maior eixo no plano longitudinal, identificando-se material de osteossíntese do tipo placa e parafusos de fixação da referida fractura, a valorizar em função dos antecedentes traumáticos recentes e cirúrgicos. Visualiza-se uma ilhota de compacta nos planos posteriores do côndilo femoral interno, salientando-se que a fractura cominutiva assinalada envolve a superfície articular do fémur. Visualizam-se algumas calcificações milimétricas da gordura subcutânea na região infra e pré-patelar. (…) ligeiro volume de derrame sinovial do joelho esquerdo, com densificação dos tecidos moles nos planos adjacentes aos fragmentos resultantes da fractura femoral assinalada, admitindo-se alguma infiltração hemática concomitante, com densificação da gordura subcutânea e obliteração dos planos da gordura intermiofascial, designadamente na vertente posterolateral do terço proximal da perna esquerda. Visualizam-se agrafos cirúrgicos de abordagem do referido joelho e densificação da almofada adiposa de Hoffa”;

29. Em 21/12/2016, foi emitido atestado pelo ... – ..., declarando, entre o mais, que: “… Em 10/11/2016 – realizado enxerto de pele da região gemelar esquerda + encavilhamento anterogrado do úmero bloqueado “Salgado Implants” Evolução de ferida da região gemelar para cicatrização. Em 29/11/2016 – realizada osteossíntese do fémur distal esquerdo com placa “Stryker” + osteossíntese da tíbia distal com placa “Stryker”. Em 05/12/2016 – infecção de ferida operatória do fémur distal por Klebsiella, a realizar antibioterapia com ertapenem com evolução favorável. Neste momento, fracturas ainda não consolidadas, a realizar cuidados de penso da coxa esquerda e antibioterapia dirigida”;

30. Posteriormente, após a alta hospitalar, o Autor passou a ser seguido e a fazer tratamentos e consultas no Hospital ... para onde se tinha que deslocar desde a sua residência, o que aconteceu, pelo menos, nos dias 11/12/2017, 14/12/2017, 19/12/2017, 27/12/2017 e 29/12/2017;

31. E passou a ser assistido e a fazer tratamentos e operações subsequentes no Hospital ..., no ...;

32. Sempre que tinha uma marcação no ..., o Autor viu-se forçado a ser transportado de Ambulância ou, mais tarde, de táxi, uma vez que deixou de poder conduzir;

33. E isso aconteceu pelo menos nos dias 3/01/2017, 10/01/2017, 7/02/2017, 22/02/2017, 7/03/2017, 4/04/2017, 12/04/2017, 27/04/2017;

34. Em 14 de fevereiro de 2018 a seguradora interveniente atribuiu alta ao Autor, tendo feito constar: “Com Alta Curada Com Desvalorização a 14-02-2018 e pode retomar o trabalho”, sem que do documento constasse a respetiva percentagem ou pontuação da incapacidade;

35. O Autor está totalmente incapacitado para o seu trabalho habitual, que é o de motorista;

36. Perante a “alta” dada pelo médico da seguradora interveniente, o Autor, mas também a sua mulher, ficaram tremendamente apreensivos, porque sabiam ambos que o Autor estava totalmente incapaz para a sua profissão habitual, que é a de motorista;

37. A mulher do Autor, a D. BB, deixou de trabalhar para o apoiar, porque, desde que regressou a casa, o Autor não conseguia executar as suas necessidades mais básicas, como tomar banho, vestir-se ou ir à casa de banho, necessitando de ajuda de terceira pessoa a qual, neste caso, foi a própria mulher;

38. Autor e mulher deixaram de ter rendimentos;

39. Tendo sido observado pelo seu médico de família, este emitiu atestado onde declara: “… Meu parecer como médico de família do utente, que este se encontra incapaz, para todo e qualquer trabalho, visto ter ficado com sequelas de fracturas e andar com apoio, principalmente em situações de declive do chão”;

40. Já mais recentemente, em 21/03/2018, o Autor foi sujeito a exame por conta da Ré, tendo no respetivo relatório sido feito constar que o Autor padecia de: “…báscula da bacia para a esquerda, deformação em valgo no joelho esquerdo, fracturas antigas consolidadas no terço distal da diáfase do fémur esquerdo, no terço superior e inferior do perónio esquerdo e na extremidade distal da diáfase da tíbia esquerda e esta fixada com placa e parafusos. Sinais de gonartrose no joelho esquerdo. Encurtamento do membro inferior esquerdo em cerca de 24mm”;

41. Encurtamento do membro inferior esquerdo de que o Autor nunca padeceu antes do acidente;

42. Mais recentemente, no âmbito do processo que correu termos junto do Tribunal do Trabalho de Vila Real (Processo 1395/17.2T8GRD), o Autor foi sujeito a perícia de avaliação do dano corporal em direito do trabalho, efetuada pelo Gabinete Médico Legal e Forense do Douro, em cujo relatório ficaram a constar as seguintes conclusões:

- A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 14/02/2018;

- Incapacidade temporária absoluta fixável num período total de 494 dias;

- Incapacidade permanente parcial fixável em 50,9650%;

- As sequelas atrás descritas são causa de incapacidade permanente absoluta para a atividade profissional habitual;

43. O Autor não mais vai poder exercer a atividade que exercia, nem na última entidade empregadora, nem em qualquer outra;

44. A atual entidade empregadora não tem outro posto de trabalho disponível onde possa colocar o Autor a trabalhar;

45. A entidade empregadora já não paga ao Autor qualquer vencimento desde a data do acidente;

46. O Autor tem o 7.º de escolaridade;

47. O autor nasceu no dia .../.../1961, tinha 55 anos no momento do acidente;

48. O Autor não tem vindo a receber absolutamente nada da Segurança Social;

49. O Autor e a interveniente C..., S.A., lograram conciliar-se no Tribunal do Trabalho de Vila Real, tendo o Autor recebido daquela entidade diversas quantias, nomeadamente, o montante de 9.643,26€ a título de IT´s; o montante de 70,00€ a titulo de despesas de transporte e alimentação para deslocações ao tribunal; a pensão anual e vitalícia no valor de 5.678,21€, desde 15/02/2018; o valor de 4.719,67€ relativo a subsídio por elevada incapacidade permanente;

50. A mulher do Autor teve que abandonar a atividade que exercia para se dedicar à recuperação do marido;

51. A D. BB fazia limpezas em várias casas e, no conjunto, auferia cerca de 400,00€ por mês;

52. Dinheiro esse que deixou de auferir;

53. O Autor apenas se consegue manter em pé durante cerca de 10 minutos;

54. O Autor apenas consegue andar durante 10 minutos seguidos e se for em terreno plano;

55. Embora já tenha melhorado desde o acidente, a única posição em que consegue estar durante algum tempo é sentado ou deitado;

56. Se o Autor, depois de estar sentado, se levantar, tem que o fazer devagar e com cuidado para não cair por falta de força na perna esquerda;

57. Mesmo a deambular pela sua casa o Autor sente que tem que ter cuidado, pois a sua perna falha constantemente;

58. Com o acidente, o Autor passou a apresentar marcha claudicante, com recurso a ajudas técnicas - o Autor anda mal e tem que o fazer com o apoio de uma bengala ou canadiana que utiliza na mão direita;

59. Em terreno que seja acidentado o Autor não consegue locomover-se ou fá-lo com muita dificuldade;

60. O Autor deixou de poder conduzir;

61. O Autor não consegue cortar as unhas dos pés, tendo de ser a sua mulher a fazer tal tarefa;

62. Demora cerca de 10 minutos a calçar as meias e os sapatos sozinho e ainda mais se os sapatos tiverem cordões;

63. E não consegue subir escadas de uma forma normal, necessitando de mais tempo do que o normal, porque não consegue levantar a perna direita a uma velocidade e forma normais;

64. Apesar dos tratamentos, com as técnicas médicas disponíveis hoje em dia, o Autor continua a padecer das várias consequências a que se fez referência, originadas pelo acidente de que foi alvo;

65. Dói-lhe a perna e o braço quando o tempo muda;

66. Não consegue já levantar pesos com as duas mãos em simultâneo porque, tendo partido a mão esquerda, é impossível levantá-los com a mão esquerda;

67. O Autor, que costumava carregar com as compras, já não o pode fazer como dantes, em que pegava nos sacos com ambas as mãos;

68. O Autor também passou a sentir-se triste, desanimado e sem vontade de viver;

69. Passou a padecer de dores na perna quando permanece sentado muito tempo;

70. O Autor gostava de ir nadar, na praia ou piscina, mas com as cicatrizes que, agora o desfeiam, este sente vergonha de vestir calções de banho;».

71. Deixou de se envolver na generalidade das atividades que a Comissão de Festas de ..., a localidade de residência, à qual vem pertencendo, desenvolve, passando, com as atuais debilidades físicas, a exercer apenas atividade de «escrita/tesouraria» [ALTERADO].

«72. E deixou de poder exercer determinadas atividades na agricultura, como fazia antes, em terreno cedido pelo sogro, onde plantava batatas, apanhava azeitona, amêndoas, fazia sementeiras de alface e batatas;

73. Mas também andava com o trator, punha herbicida e ajudava nas vindimas;

74. O Autor, à data do acidente, era uma pessoa alegre, de boa constituição física para a idade e com saúde;

75. Com muita energia, muito ativo e dinâmico;

76. Muito atencioso com a esposa e demais família;

77. As atividades acima descritas que o Autor exercia na agricultura eram para consumo próprio;

78. Perante a impossibilidade de o Autor fazer esse trabalho, foi forçado a contratar terceiros para que o ajudassem nas atividades supra descritas;

79. No que gasta cerca de 1.500,00€ por ano;

80. O Autor sempre fez a lide doméstica, sendo que quando passou a viver com a sua atual esposa repartia os trabalhos domésticos com ela;

81. Depois do acidente não mais o pode fazer;

82. O Autor passava a ferro, cozinhava refeições, limpava a casa e fazia as compras;

83. Tudo atividades que deixou de fazer por causas das lesões sofridas com o acidente;

84. O Autor reside em ..., sendo que os médicos, seja o Ortopedista, seja um outro médico de outra especialidade têm os seus consultórios em ... ou mesmo no ..., distando, considerando ida e volta, a mais de 80 quilómetros da casa do Autor;

85. A fisioterapia, a realizar em ..., dista cerca de 40 quilómetros de casa do Autor;

86. O Autor, em função direta e necessária do acidente e lesões sofridas, poderá ter que ser sujeito, no futuro, a novas cirurgias, bem como a eventuais tratamentos que se afigurem necessários, levando o Autor a ter que suportar diversas despesas, além do mais, com medicamentos, taxas moderadoras, consultas de ortopedia e fisioterapia, exames, sessões de fisioterapia, medicação analgésica e anti-inflamatória, táxis, substituição de prótese, intervenções cirúrgicas;

87. Para poder voltar a conduzir necessita da substituição da caixa de velocidades do veículo por caixa automática;

88. A data da consolidação médico-legal das lesões sofridas pelo autor em consequência do acidente ocorreu no dia 14/02/2018;

89. Até esta data o autor padeceu de défice funcional temporário total nos primeiros 115 dias após o acidente;

90. E padeceu de défice funcional temporário parcial nos 380 dias subsequentes;

91. Tendo as lesões sofridas tido repercussão temporária na sua atividade profissional total durante 495 dias;

92. Padeceu dores que foram quantificadas pelo INMLCF, numa escala de 7 graus de graduação crescente, no grau 6/7;

93. As sequelas de que ficou portador em consequência das lesões causadas no acidente determinam um défice funcional permanente na integridade físico-psíquica do autor de 31 pontos, sendo de admitir a existência de futuros danos, nomeadamente os decorrentes das necessárias ajudas médicas (com possível intervenção cirúrgica), medicamentosas e ajudas técnicas;

94. As sequelas de que ficou portador, em termos de repercussão permanente na atividade profissional, são impeditivas do exercício da atividade profissional habitual (de motorista), sendo de admitir, como concluem os senhores peritos do INMLCF, a sua compatibilidade com outras profissões da área da preparação técnico-profissional do autor;

95. Tais sequelas determinaram um dano estético que foi quantificado pelo INMLCF, numa escala de 7 graus de graduação crescente, no grau 4/7;

96. Tem ainda repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer, que foi quantificada pelo INMLCF, numa escala de 7 graus de graduação crescente, no grau 3/7;

97. E têm repercussão permanente na atividade sexual do autor, que foi quantificada pelo INMLCF, numa escala de 7 graus de graduação crescente, no grau 2/7;

98. As sequelas de que ficou portador determinam que o autor se socorra de ajudas medicamentosas permanentes, tratamentos médicos regulares e ajudas técnicas permanentes, nomeadamente ajudas medicamentosas (analgésicos e anti-inflamatórios), consultas, tratamentos médicos regulares, tratamentos de fisioterapia, cirurgias (para extração do material de osteossíntese e, eventualmente, ao nível do joelho e tornozelo, para artroplastia/artrodese), canadianas e palmilhas, justificando, ainda, a adaptação a um veículo automóvel com caixa de velocidades automática;

99. A seguradora interveniente, para a qual se encontrava transferida pela entidade empregadora do Autor a responsabilidade infortunistica pelos acidentes de trabalho, pelo contrato de seguro titulado pela apólice n.º ...31, assumiu a transferência de responsabilidade pelo salario base de 600,00€ x 14 + subsídio de refeição 4,27€ x 22 dias x 11 meses;

100. Aquando da participação do sinistro pelo enquadramento legal de acidente de trabalho, a interveniente cuidou de encaminhar, a seu cargo, o autor para os tratamentos necessários junto dos seus Serviços clínicos, onde veio a ser assistido e tratado;

101. A interveniente procedeu ao pagamento ao Autor dos salários respeitantes aos períodos de incapacidade temporária absoluta, tudo com base no salário médio declarado e transferido para a interveniente de 600,00€ x 14 + subsídio de refeição 4,27€ x 22 dias x 11 meses;

102. Em cumprimento da sua obrigação reparadora do acidente de trabalho, enquanto seguradora no seguro de acidentes de trabalho da entidade patronal da A., a seguradora interveniente pagou, até à data em que apresentou o seu articulado de intervenção principal provocada, as seguintes prestações: a) Lista Médicas e 3ª Pessoa – 49.297,32€ (Pagos a clinicas e ao sinistrado); b) Lista Transportes a consultas e Tribunal – 8.068,23€ (Pagos ao prestador RNA e ao sinistrado); c) Lista ITA - 9.248,47€ (Pagos ao sinistrado); d) Lista Prestações pensão (entre 15/02/2018 e 03/12/2018), Subsidio de elevada incapacidade e juros de mora pensão – 9.749,17€ (Pagos ao sinistrado); e) Lista de despesas judiciais (Guias) - 234,60€ (pagos ao Tribunal) – tudo no montante global de 76.597,79€;

103. Relativamente ao valor pago pela assistência de 3ª pessoa, entre 01/02/2017 e 27/009/2017, pagou a quantia global de 2.926,12€;

104. A lista de ITA paga ao autor reporta-se a período de 09/10/2016 a 15/02/2018;

105. As guias referidas em 102.e) foram emitidas no âmbito do processo pendente no Tribunal de Trabalho (processo n.º 1397/17.2T8GRD) e foram emitidas em nome da seguradora interveniente;

106. Tendo a sentença homologatória proferida no âmbito do processo pendente no Tribunal de Trabalho sido proferida no dia 05/07/2018, a interveniente pagou o subsídio de elevada incapacidade, no montante de 4.719,67€, em 13/07/2018;

107. Tendo iniciado o pagamento da pensão anual e vitalícia no mesmo dia, no valor de anual de 5.678,21€, mas com os acertos relativamente ao período decorrido desde o dia 15/02/2018 (a partir da data da consolidação das lesões), a seguradora interveniente pagou ao autor até ao dia 03/12/2018, a título de pensões e acertos, a quantia global de 5.029,50€;

108. Desde a data da entrada do requerimento de intervenção (03/12/2018) e até maio de 2021 a seguradora interveniente pagou ao autor, a título de pensões, a quantia global de 13.653,36€.».

2. - E foi julgado não provado:

«1. O autor circulava com atenção ao trânsito e a uma velocidade adequada às condições da via, por inferior a 50 km/h;

2. Enquanto esteve encarcerado no veículo, o autor só pensava que iria morrer preso no seu próprio veículo, sem nunca mais ver a família;

3. Em 14 de fevereiro de 2018, a Ré atribuiu alta ao Autor;

4. Autor e mulher viram-se forçados a no dia seguinte ao da “alta”, deslocar-se à entidade empregadora para demonstrar in loco que o Autor não podia exercer a sua profissão de motorista;

5. O Autor deslocou-se ao médico de família para obter uma “baixa”;

6. Foi confrontado com várias burocracias para que a “baixa” fosse remunerada;

7. Até à data da alta, a companhia de seguros do trabalho – a interveniente C... – pagava mensalmente ao autor o equivalente a 70% do vencimento do Autor – cerca de 550,00€;

8. Imediatamente a seguir à data da alta, a C... deixou de pagar tal quantia, porque considerou o Autor “curado”, embora com desvalorização, mas apto para o trabalho;

9. Mas ficaram ainda mais apreensivos quando souberam que a C... iria proceder ao cancelamento do pagamento do equivalente a cerca de 70% do vencimento do Autor;

10. O Autor ficou com uma incapacidade permanente nunca inferior a 60%;

11. Após as duas primeiras operações esteve sempre medicado com morfina por causa das dores;

12. O Autor ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de, pelo menos, 60 pontos;

13. O autor fará anualmente cerca de 320 (quatrocentos quilómetros) ou em veículo particular, quando o tiver, ou em táxi enquanto não tiver veículo particular;

14. O custo com essas deslocações nunca será inferior a €1.000,00 (mil euros);

15. Cada canadiana tem o custo médio de €30,00 (trinta euros);

16. Dura, em média, não mais do que 3 anos;

17. Durante esses 3 anos terá de ter manutenção, nomeadamente com substituição de borracha, cada 3 meses, custando cada borracha cerca de 2 euros;

18. A ré já efetuou pagamentos (inclusivamente no âmbito da providência cautelar de arbitramento de reparação provisória intentada pelo A. – Proc. nº 67/18.... – que correu termos pelo Juízo de Competência Genérica ...).».

                                               ***

C) Substância jurídica do recurso

1. - Da indemnização pelo dano futuro, incluindo a perda de capacidade de ganho e o dano biológico

O A. pediu o montante indemnizatório específico de € 220.000,00 pelo seu dano futuro, incluindo o dano da perda de capacidade de ganho (€ 150.000,00) e o dano biológico (70.000,00).

Na sentença em crise arbitrou-se, com recurso à equidade ([9]), indeminização, no quadro do dano patrimonial futuro, projetado especificamente na perda da capacidade de ganho, perspetivada como um autónomo e permanente dano patrimonial, direcionado essencialmente para o futuro, com perda de capacidade geral de ganho do lesado – as sequelas suportadas, com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 31 pontos (sendo de admitir a existência de futuros danos associados), não são compatíveis com o exercício da atividade profissional habitual do A. (motorista), provando-se, pois, que a incapacidade de que é portador deve ser considerada como total e permanente para o desempenho daquela sua atividade profissional (as sequelas sofridas são impeditivas do exercício da atividade de motorista), embora seja de admitir compatibilidade com outras profissões da área da preparação técnico-profissional do lesado, na quantia de final de € 118.167,14 [a considerada “justa indemnização” atingiria o “valor de 136.850,00€”, a que foi deduzido, todavia, o já recebido da seguradora Interveniente (no âmbito laboral), no montante de “18.682,86€”].

Por outro lado, ainda dentro do dano patrimonial futuro, mas agora perspetivado especificamente como dano biológico (ainda um autónomo e permanente dano, no confronto com a perda de capacidade de ganho ou, por outro lado, os danos de cariz não patrimonial), foi fixado o valor indemnizatório de € 70.000,00.

São estes, pois, os montantes indemnizatórios atribuídos, na vertente de danos patrimoniais futuros, com referência à incapacidade anatomo-funcional (de 31 pontos) de que ficou a padecer o A. – considerando que tinha 55 anos de idade ao tempo do acidente, uma esperança média de vida a situar-se nos 78 anos de idade, o seu rendimento anual de € 8.400,00 ([10]) e, bem assim, a conexão entre as lesões sofridas e as exigências próprias de atividades profissionais alternativas, compatíveis com a sua preparação técnico-profissional, sabido, por outro lado, em termos de habilitações, que apenas é detentor do 7.º ano de escolaridade –, quantum com que não se conforma a R./Recorrente, pugnando por uma redução substancial, para € 8.092,77, relativamente à perda de capacidade de ganho e, por outro lado, pela não conceção de indemnização pelo dano biológico (por considerada duplicação na reparação) ou, assim não se entendendo, pela redução para não mais de € 30.000,00.

Esgrime, em qualquer caso, a Apelante que os montantes arbitrados são manifestamente excessivos, por claramente afastados das exigências dos aplicáveis padrões de equidade e da prática jurisprudencial dos nossos tribunais superiores para casos similares.

Considera que não foi devidamente ponderado o facto de ocorrer compatibilidade com outras profissões da área de preparação técnico-profissional do A./Recorrido, sendo de rejeitar a fixação, sem mais, da indemnização por perda de capacidade de ganho em 100%, antes havendo de proceder-se a uma redução “na ordem de um terço”, por força daquela compatibilidade com outras profissões.

Na fundamentação da sentença, expendeu-se assim:

«(…) seguimos o entendimento, que cremos dominante, segundo o qual, não sendo conhecida outra profissão ao sinistrado, tendo o mesmo ficado portador de uma incapacidade permanente absoluta para o trabalho que desenvolvia habitualmente na data do acidente (de motorista), é relativamente a esta profissão que deve ser determinada a perda da capacidade de ganho, assim se considerando a sua incapacidade permanente absoluta (de 100%) para o trabalho habitual – cfr. AcRL de 28-04-2021 (rel. Des. Albertina Pereira), AcSTJ de 25-09-2007 (rel. Cons. Fonseca Ramos) e AcRP de 06-12-2007 (rel. Des. Manuel Capelo).».

Ora, cabe dizer que se concorda com a doutrina deste convocado douto aresto do STJ [Ac. de 25/09/2007, Proc. 07A2727 (Cons. Fonseca Ramos), em www.dgs.pt], em cujo sumário pode ler-se:

«I) - Estando íntegra a aptidão física, em termos laborais, ela corresponde a 100%, ou seja, à total capacidade; daí dever enfocar-se na perspectiva do trabalho habitual – a profissão habitualmente exercida ao tempo do acidente – a incapacidade sofrida, importando avaliar as consequências/repercussões de acto lesivo de terceiro que afecta o exercício dessa profissão habitual (normalmente a grande fatia dos réditos laborais) e também na perspectiva da capacidade residual (indiferenciada) para o exercício de uma profissão, ou actividade compatível com o estado clínico, após a alta ou cura clínica.

II) – A perda de capacidade de ganho – dano emergente e futuro – não deve ser calculada em termos indemnizatórios – com base em 25% de incapacidade permanente parcial geral, quando se considerou provado que, para o exercício da profissão habitual “as lesões sofridas pelo Autor provocam um estado sequelar que determina uma incapacidade permanente absoluta para o exercício da sua profissão habitual de segurança de valores”.

III) Aqueles 25% são, assim, uma mera capacidade residual para o exercício de uma actividade profissional compatível com a actual situação clínica do Autor, – uma capacidade laboral indiferenciada – mas nunca a percentagem de incapacidade que permanentemente afecta alguém que, como o Autor exercia, aos 35 anos de idade, a profissão de segurança com o conteúdo funcional que lhe competia, sendo certo que implicava um elevado grau de destreza e que ficou com as sequelas permanentes que apresenta.».

Sendo em relação à profissão habitual exercida pelo lesado e às consequências do acidente – e não em função de uma capacidade laboral indiferenciada – que o Tribunal deve atender para calcular a perda de capacidade de ganho, como relevante dano directo e futuro, como defendido, na mesma senda, no Ac. TRP de 06/12/2007, também citado na decisão aqui recorrida [Proc. 0736328 (Rel. Manuel Capelo), em www.dgs.pt].

Acresce que, tendo em conta a idade do lesado, o seu grau de escolaridade/quilificações e a falta de condições da entidade patronal para lhe conceder emprego alternativo (cfr. facto provado 44), só pode prognosticar-se como muito difícil, no exigente mercado de trabalho atual, a colocação do A. no exercício efetivo de alguma outra profissão da sua área de preparação técnico-profissional.

Neste âmbito, haverá, então, de reconhecer-se que o défice funcional se prolongará por toda a vida futura do lesado, ao tempo do acidente com 55 anos de idade, deficit esse que, reportado à significativa incapacidade apurada, não deixa de ser muito relevante e condicionador da vida diária do A./Apelado, privando-o até de exercer a sua atividade profissional habitual.

Com efeito, o dano em equação, traduzido naquela incapacidade apurada de 31 pontos, não é compatível com o exercício da atividade profissional do lesado (era motorista), tratando-se, assim, de uma irreversível incapacidade que se constitui como total e permanente para o desempenho da sua profissão.

Resta-lhe, é certo, a possibilidade de exercer outras atividades profissionais, desde que compatíveis, não só com as suas qualificações e experiência, mas também com as graves limitações funcionais inerentes à incapacidade geral de que ficou a padecer, o que, obviamente, lhe deixa seriamente limitada, na prática, a escolha de uma nova profissão, deixando-o muito diminuído, como é por demais manifesto, em termos de concorrência no mercado de trabalho.

Neste âmbito, deve lembrar-se que sofreu as seguintes lesões:

«41. Encurtamento do membro inferior esquerdo de que o Autor nunca padeceu antes do acidente;

(…)

53. O Autor apenas se consegue manter em pé durante cerca de 10 minutos;

54. O Autor apenas consegue andar durante 10 minutos seguidos e se for em terreno plano;

55. (…) a única posição em que consegue estar durante algum tempo é sentado ou deitado;

56. Se o Autor, depois de estar sentado, se levantar, tem que o fazer devagar e com cuidado para não cair por falta de força na perna esquerda;

57. Mesmo a deambular pela sua casa o Autor sente que tem que ter cuidado, pois a sua perna falha constantemente;

58. Com o acidente, o Autor passou a apresentar marcha claudicante, com recurso a ajudas técnicas (…);

59. Em terreno que seja acidentado o Autor não consegue locomover-se ou fá-lo com muita dificuldade;

60. O Autor deixou de poder conduzir;

(…)

64. Apesar dos tratamentos, com as técnicas médicas disponíveis hoje em dia, o Autor continua a padecer das várias consequências a que se fez referência, originadas pelo acidente de que foi alvo;

65. Dói-lhe a perna e o braço quando o tempo muda;

66. Não consegue já levantar pesos com as duas mãos em simultâneo porque, tendo partido a mão esquerda, é impossível levantá-los com a mão esquerda;

67. O Autor, que costumava carregar com as compras, já não o pode fazer como dantes, em que pegava nos sacos com ambas as mãos;

(…)

86. O Autor, em função direta e necessária do acidente e lesões sofridas, poderá ter que ser sujeito, no futuro, a novas cirurgias, bem como a eventuais tratamentos que se afigurem necessários (…);» (itálico aditado).

Consabido, pois, que a vida da pessoa não se esgota na sua atividade profissional – esta, de si, relevantíssima –, havendo todo um conjunto de atividades que nela não se integram, mas que fazem parte essencial da vivência/existência do indivíduo (antes, durante e depois do seu tempo de vida ativa/laboral), com inevitável ponderação em sede indemnizatória, na medida em que afetadas/prejudicadas pelo dano permanente sofrido, certo é que no caso não pode deixar, por outro lado, de valorar-se adequadamente a transposição do dano físico-funcional sofrido para o âmbito daquela atividade profissional do lesado, que o levou a ver-se totalmente impossibilitado, de repente e definitivamente, para a sua profissão, não se vislumbrando, por outro lado, que outra concreta profissão possa agora exercer.

Como referido no Ac. STJ de 09/11/2017, Proc. 2035/11.9TJVNF.G1.S1 (Cons. Maria da Graça Trigo), em www.dgsi.pt, não deve acolher-se, neste tipo de casos, «como critério-base para o cálculo do montante indemnizatório uma das tradicionais fórmulas financeiras criadas para a determinação dos danos patrimoniais resultantes da incapacidade (neste caso parcial) para o exercício da profissão habitual, adoptando a taxa de incapacidade laboral parcial de (…) com base na IGP (Incapacidade Geral Permanente) fixada em (…) pontos.

Este procedimento não pode ser aceite. Os índices de Incapacidade Geral Permanente não se confundem com índices de Incapacidade Profissional, correspondendo a duas tabelas distintas, aprovadas pelo Decreto-Lei nº 352/2007, de 23 de Outubro. Nas palavras do preâmbulo deste diploma legal, na incapacidade geral avalia-se “a incapacidade para os actos e gestos correntes do dia-a-dia”, a qual pode ter reflexos ao nível da incapacidade profissional, mas que com esta não se confunde (…).

No caso dos autos, recorde-se ter sido provado que a A. ficou incapaz para o exercício da profissão habitual de costureira e sem possibilidade de reconversão profissional dentro da empresa em que trabalhava à data do acidente. Resta-lhe a possibilidade de exercer outras actividades profissionais, desde que compatíveis com as suas qualificações, experiência, e, naturalmente, com as limitações funcionais inerentes à sua incapacidade geral (…).

A fixação da indemnização não pode aqui seguir – como se faz no acórdão recorrido – a teoria da diferença (prevista no art. 566º, nº 2, do Código Civil) como se tais danos patrimoniais fossem determináveis, quando aquilo que está em causa é a atribuição de uma indemnização por danos patrimoniais indetermináveis, a qual (segundo o nº 3, do mesmo art. 566º, do CC) deve ser fixada segundo juízos de equidade, dentro dos limites que o tribunal tiver como provados.

Não existindo, no caso sub judice, limites de danos que o tribunal tenha dado como provados, a equidade é o único critério legalmente previsto e não um plus que apenas viria temperar ou completar o resultado obtido pela aplicação de fórmulas financeiras criadas em função da aplicação de taxas de incapacidade laboral permanente.

No caso dos autos relevam a idade da lesada à data do sinistro (42 anos), a esperança média de vida (para as mulheres nascidas em .../.../1966, se situará no ano de 2009 – ano do acidente – entre 70 e 80 anos), o índice de incapacidade geral permanente (17,55 pontos), assim como a conexão entre as lesões físicas sofridas e as exigências próprias de actividades profissionais ou económicas alternativas, compatíveis com as qualificações e competências da A. lesada (…)

Encontrando-se este Tribunal limitado pelo pedido da A. em sede de revista, fixa-se o montante indemnizatório por danos patrimoniais futuros em € 51.965,55, ao qual se tem de deduzir o valor de € 8.608,62, já liquidado pelos RR. (…).

Conclui-se que o montante indemnizatório por danos patrimoniais futuros da A. deve ser fixado em € 43.356,93.».

Já no Ac. STJ de 12/07/2018, Proc. 1842/15.8T8STR.E1.S1 (Cons. Rosa Tching), em www.dgsi.pt, estava em causa um lesado com 45 anos de idade à data do acidente, que exercia a profissão de motorista de pesados e auferia a remuneração anual ilíquida de € 11.199,35, sendo também que as sequelas resultantes do acidente não são compatíveis com a sua profissão como motorista de pesados, nem sendo reconvertível em relação ao posto de trabalho (trata-se de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 39 pontos, sendo de admitir a existência de dano futuro).

Considerou-se que este défice funcional não pode deixar de relevar enquanto  dano biológico, consubstanciado na  diminuição, em geral da qualidade de vida profissional do autor, sendo passível de indemnização, pois acarreta-lhe prejuízos incidentes na sua esfera patrimonial, designadamente a frustração de previsíveis possibilidades de desempenho de quaisquer atividades ou tarefas de cariz económico, mesmo fora da atividade profissional habitual, bem como os custos de maior onerosidade no exercício ou no incremento de quaisquer dessas atividades ou tarefas.

Assim, à luz da equidade e da prática jurisprudencial seguida, considerou-se adequado o montante indemnizatório de € 80.000,00, a este título.

Já, por sua vez, no Ac. STJ de 29/10/2019, Proc. 683/11.6TBPDL.L1.S2 (Cons. Ricardo Costa), em www.dgsi.pt, perante lesada, de 41 anos de idade, com um défice funcional permanente de 53 pontos, cuja consolidação determinou a incompatibilidade para o exercício da sua profissão de enfermeira – âmbito em que auferia o valor mensal bruto de € 1.113,05 –, ocorrendo incapacidade absoluta e permanente para o exercício dessa profissão, ainda que sem obstar à prática de outra profissão ou trabalho, fixou-se o montante indemnizatório de € 250.000,00 para ressarcir os prejuízos quanto à perda de capacidade de ganho/dano biológico patrimonial.

Assim sendo, ponderando os critérios jurisprudenciais seguidos nesta matéria ([11]) e tendo em conta que a indemnização agora a fixar já se encontra atualizada ([12]) e que é apreciável o lapso de tempo entretanto decorrido (acidente ocorrido em outubro de 2016), aqui tido como fator de ponderação, vista, por outro lado, a idade do lesado e os reflexos da incapacidade na sua vida – seja a profissional, seja a extraprofissional –, e adotando a imprescindível bitola da equidade ([13]), não sendo possível proceder a um cálculo aritmético totalmente exato do dano ([14]), parece-nos adequado, sem “duplicação na reparação”, e conforme aos padrões indemnizatórios jurisprudências presentes, o montante (ligeiramente abaixo do fixado em 1.ª instância) de € 180.000,00já objeto, como dito, de atualização –, correspondente a € 110.000,00 pela perda de capacidade de ganho e a € 70.000,00 pelo dano biológico ([15]).

Procedem, pois, parcialmente, neste âmbito, as conclusões da Apelante, com a consequente alteração em conformidade da decisão recorrida.

2. - Da indemnização para contratação de terceiros nos âmbitos agrícola e doméstico

Tendo a 1.ª instância fixado o montante indemnizatório de € 22.500,00 por danos decorrentes das despesas acrescidas do A. na execução de atividades agrícolas (que antes fazia só por si e agora não o consegue), pugna a Recorrente pelo afastamento da reparação, desde logo por não demonstração do dano (invoca a falta de prova quanto aos pontos 72 e 77 a 79 dos factos dados como provados).

Ora, essa materialidade fáctica não sofreu alteração, apresentando o seguinte teor:

«72. E deixou de poder exercer determinadas atividades na agricultura, como fazia antes, em terreno cedido pelo sogro, onde plantava batatas, apanhava azeitona, amêndoas, fazia sementeiras de alface e batatas;

73. Mas também andava com o trator, punha herbicida e ajudava nas vindimas;

(…)

77. As atividades acima descritas que o Autor exercia na agricultura eram para consumo próprio;

78. Perante a impossibilidade de o Autor fazer esse trabalho, foi forçado a contratar terceiros para que o ajudassem nas atividades supra descritas;

79. No que gasta cerca de 1.500,00€ por ano;».

Assim, não pode proceder tal argumentação da Recorrente, visto aquela factualidade permanecer provada, ilustrando a existência do dano invocado (gerador de empobrecimento), a dever ser reparado.

Já quanto ao âmbito doméstico/pessoal, foi fixada indemnização no montante de € 13.400,00, podendo ler-se a respeito na fundamentação jurídica da decisão em crise:

«O autor (…) peticiona uma indemnização pelo auxílio que terceira pessoa tem de lhe dar ao longo da sua vida, quantificando o mesmo em 30.000,00€.

Alegou, para o efeito, que sempre fez a lide doméstica, sendo que quando passou a viver com a sua atual esposa repartia os trabalhos domésticos com ela; depois do acidente não mais o pode fazer; o Autor passava a ferro, cozinhava refeições, limpava a casa e fazia as compras; tudo atividades que deixou de fazer por causas das lesões sofridas com o acidente.

Tais factos resultaram provados.

As sequelas de que o autor ficou portador em consequência do acidente lhe acarretam-lhe, assim, um dano de natureza patrimonial, na medida em que tais tarefas terão que ser realizadas por terceira pessoa, impondo-se contabilizar o custo do trabalho que essa pessoa realizará por conta do autor no decurso da sua vida (…)

Parece-nos justa e equitativa a fixação de um valor mensal de 50,00€ pelos danos emergentes com a necessária assistência de terceira pessoa para atividades domésticas que o autor realizava antes do acidente e que agora, em consequência das sequelas sofridas, não pode realizar, tendo as mesmas de ser realizadas por terceira pessoa.

O autor peticiona tal valor desde a data do acidente de viação. No entanto, temos que ponderar que a seguradora interveniente já lhe pagou a assistência prestada por terceira pessoa com referência ao período de incapacidade absoluta que decorreu entre 01/02/2017 e 27/09/2017, ou seja, durante 8 meses, no valor global de 2.926,12€.

Deste modo, impondo-se contabilizar um valor anual de 600,00€ para a necessária assistência de terceira pessoa, tendo o autor uma esperança média de vida de mais 23 anos (tal como supra decidimos) com referência à data do acidente, impondo-se a dedução dos meses que já foram pagos pela seguradora interveniente (8 meses – embora tenha sido pago valor superior ao que agora se fixa, mas que não foi objeto de discussão), restando 22 anos e 4 meses, obtemos a justa indemnização de tal dano com o valor de 13.400,00€ - improcedendo o pedido relativamente ao demais.».

A Recorrente insurge-se contra esta indemnização, invocando que a assistência é prestada pela esposa do lesado (e não por terceira pessoa assalariada), o que deve afastar a indemnização.

Ora, é certo vir provado que a mulher do A. teve que abandonar a atividade que exercia para se dedicar à recuperação do marido (facto 50) – isto é, durante o tempo de recuperação –, posto que fazia limpezas em várias casas e, no conjunto, auferia cerca de € 400,00 por mês (facto 51), dinheiro esse que deixou de auferir (facto 52).

Quer dizer, a mulher do A., que antes fazia limpezas em várias casas com remuneração (serviços domésticos), teve de deixar essa atividade para prestar assistência ao marido/lesado (durante aquele tempo de recuperação), âmbito em que, como dona de casa, não deixaria de executar as tarefas domésticas da sua própria casa.

Não resulta que o casal (A. e esposa) tenha (ou tivesse) empregada doméstica, mas sim que repartiam entre si os trabalhos domésticos (facto 80).

Bem se compreende, pois, que, após o acidente e no contexto de assistência aludida, tenha sido a esposa a chamar a si (em exclusivo) aquelas atividades domésticas, no que deixou de poder contar com a ajuda do marido.

Ora – como sinaliza a Recorrente –, a jurisprudência vem entendendo que «Não há lugar a indemnização por danos patrimoniais a favor da autora por assistência que lhe foi prestada por familiares de forma gratuita» – assim, o Ac. STJ de 19/06/2014, Proc. 1684/09.0TBSTR.E1.S1 (Cons. Sérgio Poças), em www.dgsi.pt.

  No caso, trata-se de assistência familiar pelo cônjuge mulher ([16]), sabido que este até deixou os serviços domésticos remunerados a que anteriormente se dedicava para prestar assistência gratuita ao marido ([17]).

Por outro lado, como enfatizado na sentença, o A. foi já indemnizado, noutra sede, no montante de € 2.926,12 a este título (a Interveniente pagou-lhe a assistência prestada por terceira pessoa com referência ao período de incapacidade absoluta que decorreu entre 01/02/2017 e 27/09/2017, ou seja, durante 8 meses, naquele valor global de 2.926,12€).

Tudo ponderado, e seguindo – por adequada – a doutrina daquele aresto do STJ, entende-se assistir razão nesta parte à Recorrente, pelo que é de excluir, salvo o devido respeito, a indemnização arbitrada pelo custo decorrente do auxílio de terceira pessoa no âmbito pessoal/doméstico (montante de € 13.400,00, sujeito a revogação).

3. - Da indemnização por danos não patrimoniais

Invoca, por fim, a R./Apelante, já quanto a danos não patrimoniais, ser também excessiva a quantia indemnizatória fixada de € 80.000,00, pugnando, atenta a extensão e consequências danosas neste plano, pela diminuição do valor reparatório para € 40.000,00.

Que dizer?

Quanto à dimensão do dano, o Tribunal recorrido, socorrendo-se da factualidade provada, sempre pressuposta, expendeu e enfatizou assim:

«Tudo isto sopesado, julgando de acordo com a equidade, atendendo às circunstâncias referidas nos artigos 496º/3 e 494º do Código Civil, a idade do autor no momento da ocorrência do acidente (55 anos), o facto de em nada ter contribuído para o acidente, à necessidade de assistência hospitalar recorrente, a clausura hospitalar, os períodos de doença e respetivos períodos de incapacidade, os tratamentos médicos e medicamentosos, os sucessivos exames, os tratamentos de fisioterapia, as deslocações efetuadas, as sequelas de que ficou portador, o défice na integridade física e psíquica, o quantum doloris, o dano estético, a repercussão nas atividades desportivas e de lazer, a repercussão na sua atividade sexual, perante este quadro fáctico, atendendo à prática jurisprudencial, ponderando todas as vertentes do dano não patrimonial (englobando as dores, incómodos, sofrimentos, intervenções médicas e medicamentosas, períodos de incapacidade e todas as sequelas), cremos que é devida a compensação de 80.000,00€ (oitenta mil euros) – improcedendo o pedido relativamente ao demais.».

Ora – excluindo o “o défice na integridade física e psíquica”, por já ponderado no âmbito de outra categoria de danos objeto de indemnização, importando evitar dupla valoração de um mesmo dano e, por consequência repetição/duplicação da indemnização –, vem efetivamente provado, quanto a lesões e sofrimentos suportados pelo A.:

- encarceramento no seu veículo durante cerca de 45 minutos, até ser libertado, em situação de sofrimento atroz, tanto físico como psicológico, nunca tendo perdido os sentidos;

- persistente permanência hospitalar, tendi ficado politraumatizado, com fraturas expostas do braço esquerdo, joelho e perna esquerda;

- cirurgias, tratamentos e deslocações para tratamentos;

- apreensão, após alta médica da seguradora, por o A. estar totalmente incapaz para a sua profissão habitual;

- encurtamento do membro inferior esquerdo;

- impossibilidade de se manter em pé durante cerca de 10 minutos;

- impossibilidade de caminhar durante mais de 10 minutos seguidos;

- só conseguir estar durante algum tempo sentado ou deitado, sem outra posição confortável;

- sentir a sua perna falhar constantemente, apresentando marcha claudicante, com recurso a ajudas técnicas - o Autor anda mal e tem que o fazer com o apoio de uma bengala ou canadiana que utiliza na mão direita;

- em terreno que seja acidentado, não conseguir locomover-se ou fazê-lo com muita dificuldade;

- não poder conduzir;

- estar dependente da mulher para lhe cortar as unhas dos pés;

- demorar cerca de 10 minutos a calçar as meias e os sapatos sozinho e ainda mais se os sapatos tiverem cordões;

- não conseguir subir escadas de uma forma normal;

- sentir dores na perna e no braço quando o tempo muda;

- sentir-se, por tudo isso, triste, desanimado e sem vontade de viver;

- padecendo de dores na perna quando permanece sentado muito tempo;

- ter deixado de fazer as coisas que gostava – nadar, na praia ou piscina – devido às cicatrizes que, agora, o desfeiam e lhe provocam vergonha;

- ter deixado de se envolver na generalidade das atividades que a Comissão de Festas de ... desenvolve, passando, com as atuais debilidades físicas, a exercer apenas atividade de escrita/tesouraria;

- com dores suportadas que foram quantificadas no grau 6/7 e um dano estético de grau 4/7;

- com repercussão permanente na atividade sexual do autor, quantificada no grau 2/7, tudo com os inerentes sofrimentos.

Assim sendo, ficaram significativamente afetadas a saúde e a vida pessoal, familiar e social do A., pelo que, vista a amplitude de tais danos morais sofridos, tal como elencados na sentença e resultantes da factualidade provada, dir-se-á que, mais uma vez, tem de operar aqui – especialmente aqui – o juízo de equidade, de molde a encontrar a justa solução do caso, ressarcindo devidamente o lesado.

Como é consabido, a indemnização por danos não patrimoniais deve ser, em termos de quantum, não irrelevante ou simbólica, mas significativa, visando propiciar compensação adequada quanto ao dano sofrido, com fixação equilibrada e ponderada, de acordo com critérios de equidade, direcionados para as circunstâncias do caso, sem esquecer os padrões jurisprudenciais indemnizatórios atualizados.

E como alerta Menezes Cordeiro ([18]), com alguma pertinência para o caso, haverá de superar-se – o que vem sendo feito – as “deprimidas cifras obtidas nos tribunais” (no campo indemnizatório), não valendo “a pena dispormos de uma Constituição generosa, de uma rica e cuidada jurisprudência constitucional e de largos desenvolvimentos sobre direitos de personalidade quando, no terreno, direitos fundamentais como a vida valham menos de € 60.000.

A defesa do sistema segurador faz-se combatendo os acidentes e não as indemnizações.” (cfr. p. 901).

Concorda-se, quanto à equidade, que pode emergir uma dimensão subjetiva inerente a cada julgador, potenciadora de soluções divergentes para casos similares, razão pela qual a aplicação, em concreto, da equidade obriga a especial ponderação, de molde a, numa perspetiva objetivista do juízo equitativo, evitar soluções que, afetando a certeza e segurança do direito, sejam portadoras de injustiça.

Neste âmbito, parece que os tribunais superiores devem adotar um critério prudencial que apenas considere como censurável e suscetível de revogação uma solução que, de forma manifesta e intolerável, exceda certa margem de liberdade decisória que permite considerar como ainda ajustado e razoável um montante indemnizatório situado dentro de determinados limites.

Haverá, pois, de sindicar-se o critério de equidade concretamente aplicado, pelo que, a situar-se a indemnização fixada no quadro de um exercício razoável do juízo de equidade, designadamente à luz da prática jurisprudencial mais recente do STJ e atendendo às diferenças nas circunstâncias pessoais das vítimas, não será caso de revogar a decisão recorrida ([19]).

A esta luz, portanto, não se vê que o juízo de equidade utilizado pela 1.ª instância mereça censura, antes se conformando com a justiça do caso, pelo que não ocorre, que se veja, motivo para alteração da decisão no sentido pretendido.

Improcedem, pois, as conclusões em contrário da Apelante, com a consequente confirmação, nesta parte, da decisão recorrida.

Tudo ponderado, vista a gravidade e repercussão do dano, afigura-se-nos adequado manter o fixado montante indemnizatório atualizado de € 80.000,00.

Procede, pois, apenas parcialmente a apelação.

                                               ***

IV – Sumário (art.º 663.º, n.º 7, do NCPCiv.):

(…)

***
V – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação, na parcial procedência da apelação, em:
a) Revogar a decisão recorrida quanto ao montante parcelar indemnizatório de € 13.400,00 – por danos referentes ao custo do auxílio de terceira pessoa no âmbito pessoal/doméstico –, com a decorrente absolvição da R./Recorrente nessa parte do pedido;
b) Alterar aquela decisão quanto ao montante indemnizatório pelo dano patrimonial futuro, decorrente da perda de capacidade de ganho e do dano biológico (vertente patrimonial), diminuindo a respetiva indemnização para o montante conjunto de € 180.000,00 (cento e oitenta mil euros), a que acrescem juros moratórios, à taxa supletiva legal, desde a sentença e até efetivo e integral pagamento;
c) Mantendo no mais a sentença apelada.

Custas da ação e do recurso por R./Apelante e A./Apelado, na proporção do respetivo decaimento (dependente de simples cálculo aritmético).

 

Coimbra, 15/02/2022

Escrito e revisto pelo Relator – texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (ressalvadas citações de textos redigidos segundo a grafia anterior).

Assinaturas eletrónicas.

Vítor Amaral (Relator)

         Luís Cravo

                                     

Fernando Monteiro


([1]) Correspondente – como dito no relatório da sentença – «às seguintes quantias: i. 150.000,00€ relativos à incapacidade permanente/perda de capacidade de ganho; ii. 30.000,00€ relativos a danos patrimoniais (despesas resultantes do acidente dos autos artigos 129º a 134º da petição inicial); iii. 70.000,00€ relativos ao dano biológico; iv. 1.000,00€ para deslocação para realização de fisioterapia; v. 1.200,00€ para substituição das canadianas; vi. 90.000,00€ relativos aos danos não patrimoniais; b) a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, previsíveis, mas insuscetíveis de serem contabilizados, e que sejam consequência direta do acidente dos autos, a liquidar em execução de sentença, conforme alegado no 143º da petição inicial.».
([2]) Excetuando questões de conhecimento oficioso, desde que não obviado por ocorrido trânsito em julgado.
([3]) Ora, é a própria R./Recorrente quem reconhece que o demandante alegou na sua petição inicial que «Ao Autor ainda nada foi comunicado pela sua ainda entidade empregadora, mas o seu contrato de trabalho terá que se dar como caducado, naturalmente, dada a incapacidade superveniente do Autor para prestar o respectivo trabalho» (conclusão H).
([4]) Se é certo que a sentença poderia ter sido mais exuberante/pormenorizada a respeito, também é verdade que acabou por expressar, em termos bastantes, os motivos, no campo probatório, decisivos para o firmar da convicção positiva quanto àquele facto objeto de impugnação recursiva.
([5]) Com efeito, é bem sabido que à parte recorrente cabe mostrar/evidenciar o erro de julgamento do Tribunal recorrido, mostrando onde este se equivocou, aduzindo razões para convencer/demonstrar que a decisão deveria ter sido diversa, o que obriga à análise crítica de todas as provas em que se fundou o Julgador, por forma a deixar claro que as mesmas não poderiam conduzir à conclusão/convicção adotada, com comprimento dos ónus legais [cfr. art.ºs 639.º, n.º 1, 640.º, n.º 2, al.ª a), e 662.º, n.º 1, todos do NCPCiv.].
([6]) Note-se que a Recorrente deixou sem impugnação a seguinte factualidade relacionada (dada como provada na sentença): «37. A mulher do Autor, a D. BB, deixou de trabalhar para o apoiar, porque, desde que regressou a casa, o Autor não conseguia executar as suas necessidades mais básicas, como tomar banho, vestir-se ou ir à casa de banho, necessitando de ajuda de terceira pessoa a qual, neste caso, foi a própria mulher; // 38. Autor e mulher deixaram de ter rendimentos;».
([7]) É sabido que, destinando-se a prova por depoimento de parte à obtenção de confissão, são também atendíveis factos ou circunstâncias que impliquem indivisibilidade da declaração confessória (cfr. art.ºs 463.º, n.º 1, do NCPCiv., 352.º e 360.º, estes do CCiv.), âmbito em que a Recorrente nada contraargumentou perante a amplitude probatória e valorativa operada na sentença.
([8]) Na sentença exarou-se que esta testemunha depôs por forma a afirmar que «o autor fazia muitos trabalhos rurais (cultivava batatas, tratava da vinha e das árvores, podava, aplicava herbicidas, vindimava e que agora, não o podendo fazer, tem que pagar a quem faça, despendendo 40€/dia, durante cerca de 40 dias por ano)».
([9]) Declaradamente, “nos termos do artigo 566º/3 do Código Civil”, como dito a fls. 413 v.º do processo físico, correspondente a fls. 54 da sentença em formato de papel.
([10]) Valor que a Apelante não questiona nos diversos pontos da sua conclusão N (dedicada a esta matéria).
([11]) Cfr. também, inter alia, os Acs. STJ de 19/06/2019, Proc. 22392/16.0T8PRT.P1.S1 (Cons. Oliveira Abreu), e de 13/07/2017, Proc. 3214/11.4TBVIS.C1.S1 (Cons. Tomé Gomes), ambos em www.dgsi.pt.
([12]) Atualização quanto a danos patrimoniais futuros e morais, todos eles – apesar da sua diversa natureza – com indemnização alicerçada na equidade, tendo em conta o critério indicado no Ac. de Uniformização de Jurisprudência (do STJ), de 09/05/2002, Proc. 01A1508 (Cons. Garcia Marques), disponível em www.dgsi.pt, que procedeu à seguinte linha de uniformização: “Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806.º, n.º 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação”.
([13]) Nas palavras do Ac. STJ, de 04/04/2002, Proc. 02B205 (Cons. Neves Ribeiro), in www.dgsi.pt, “A equidade que atravessa todo o juízo valorativo para o calculo possível de um dano que corresponde, afinal, à situação virtual da diferença entre o antes e o depois da verificação do evento (artigo 562.º) – a equidade, dizíamos – e para que assuma verdadeiramente essa natureza de justiça do caso, na conhecida definição aristotélica, tem de funcionar nos dois sentidos, como é disso afloramento o que diz o artigo 494.º, do Código Civil. Deve tratar-se igual o que é igual; e diferente o que é diferente!”. E como também já explicitado na jurisprudência, citando doutrina autorizada, «“a equidade é a resposta àquelas perguntas em que está em causa o que é justo ou o que é mais justo. E funciona em casos muito restritos, algumas vezes para colmatar as incertezas do material probatório; noutras para corrigir as arestas de uma pura subsunção legal, quando encarada em abstracto… A equidade, exactamente entendida, não traduz uma intenção distinta da intenção jurídica, é antes um elemento essencial da jurisdicidade… A equidade é, pois, a expressão da justiça num dado caso concreto… não equivale ao arbítrio; é mesmo a sua negação… é uma justiça de proporção, de adequação às circunstâncias, de equilíbrio. Quando se faz apelo a critérios de equidade, pretende-se somente encontrar aquilo que, no caso concreto, pode ser a solução mais justa; a equidade está assim limitada sempre pelos imperativos da justiça real (a justiça ajustada às circunstâncias), em oposição à justiça meramente formal” (Dário Martins de Almeida, Manual de Acidentes de Viação, 2.ª ed., págs. 103/105)» – cfr. Ac. TRL, de 29/06/2006, Proc. 4860/2006-6 (Rel. Carlos Valverde), in www.dgsi.pt.
([14]) Cujo valor indemnizatório, quando indeterminado, deve ser fixado equitativamente, nos termos do disposto no art.º 566.º, n.º 3, do CCiv., como já apontado na sentença.
([15]) Não merece, assim, censura, o montante encontrado, à luz da equidade, para reparação do dano biológico, de per se.
([16]) No âmbito até dos seus deveres conjugais de cooperação e assistência (cfr. art.ºs 1674.º e seg. do CCiv.).
([17]) As perdas remuneratórias do cônjuge do A., de si meramente temporárias (por temporária ter sido a recuperação do marido), constituem um dano/prejuízo próprio (reflexo) da esposa, cuja indemnização não foi pedida nos autos (nem concedida), sabido que esta/cônjuge não figura como parte na causa.
([18]) Em Direito dos Seguros, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 2017, ps. 896 a 901.
([19]) Cfr., neste sentido, o Ac. TRE, de 22/10/2015, Proc. 378/10.8TBGLG.E1 (Rel. Mário Mendes Serrano), em www.dgsi.pt, com o seguinte sumário: “Os tribunais superiores devem apreciar as decisões de 1ª instância sobre a fixação de montantes indemnizatórios com apelo à equidade segundo uma perspectiva de intervenção que assente na aferição da calibragem do critério de equidade concretamente aplicado. Daqui decorre que quando a indemnização fixada se situar ainda dentro do quadro de um exercício razoável do juízo de equidade, não assiste ao tribunal ad quem razão para revogar a decisão da 1ª instância: só o deverá fazer quando haja uma concretização flagrantemente desajustada ou arbitrária do juízo de equidade pelo tribunal a quo.”.