Acordam, em conferência, na 5.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:
I. Relatório:
1. No Tribunal Judicial de santa Comba Dão (3º Juízo), após julgamento em processo comum singular, por sentença de 08-05-2014, o arguido A... , divorciado, comercial, nascido a 15.8.1973, natural de Currelos, Carregal do Sal, filho de (...) e de (...) e residente na Avenida (...) , em Carregal do Sal, foi condenado nos seguintes termos:
(...) pela prática, como autor material, de um crime de desobediência qualificada, p. e p. pelo artigo 348º, n.º 2, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão e por um crime de descaminho ou destruição de objectos colocados sob o poder público, p. e p. pelo art. 355º, do Código Penal na pena de 2 (dois) anos de prisão.
Em cúmulo jurídico, vai o arguido condenado na pena única de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão.
2. Inconformado, o arguido interpôs recurso da sentença, tendo formulado na respectiva motivação as seguintes (transcritas) conclusões:
1. Afigura-se exagerada, desadequada e desproporcional a escolha e a medida da pena aplicação da medida de prisão efectiva ao caso em concreto, crime de desobediência qualificada, p. e p. pelo artigo 348°. n.º 2, do C.P.. condenação na pena de 1 ano de prisão, tanto mais que esta só deve ser aplicada in extremis, e é uma extrema ratio; em detrimento das penas de substituição e ou suspensão da pena.
2. Mais exagerada, desadequada e desproporcional a escolha e a medida da pena, aplicação da medida de prisão efectiva ao crime de descaminho ou destruição de objectos colocados sob o poder público, p. e p. pelo artigo 355°, do Código Penal, condenação na pena de prisão de 2 anos, tanto mais que esta só deve ser aplicada in extremis, é uma extrema ratio, em detrimento das penas de substituição e ou suspensão da pena.
3. Por maioria de razão, desadequado e desproporcional o quantum do cúmulo jurídico e a pena do concurso, fixação da pena única de 2 anos e 4 meses de prisão, repudiando o uso de qualquer substituição ou suspensão da mesma, baseando tal decisão predominantemente nos antecedentes criminais do arguido.
4. O arguido está hoje, inserido social, familiar e profissionalmente,
5. O arguido é comercial e aufere uma média de e 1000,00 mensais.
6. É filho único, vive com os Pais, estando estes na sua dependência afectiva e monetária.
7. O Arguido tem o firme propósito de não voltar a praticar quaisquer factos que de algum modo o possam associar a um passado, presente e futuro de delinquência, tendo-se mostrado colaborante e arrependido.
8. O Arguido aproveitou as oportunidades que lhe foram dadas, sendo hoje um cidadão estimado e respeitado na comunidade onde está inserido.
9. Com a sua condenação na pena de prisão efectiva de 2 anos e 4 meses verá todos os seus esforços frustrados, arruinada a sua vida pessoal, familiar e profissional, não podendo honrar os seus compromissos nem dar apoio ao seu filho menor e Pais. A substituição da pena de prisão ou a sua suspensão não porá em causa a ordem e tranquilidade públicas, porquanto não há perigo da continuação da actividade criminosa e a gravidade dos crimes é diminuta;
10. Deve, pois, aquela medida da pena e a sua escolha ser substituído por outra menos gravosa não privativa da liberdade, designadamente pela prestação de trabalho a favor da comunidade, ou suspensão com regime de prova, ou outra que se entenda,
11. Ou, caso assim não se entenda, pela sua suspensão.
12. Podendo, de igual modo, fazer-se uso da suspensão da pena de prisão, o que em última instância, se requer, medida esta que se afigura mais adequada e suficiente ás exigências cautelares que no caso se impõem e proporcionais à gravidade dos crimes em apreço, praticados pelo arguido.
A Sentença de fls. (...), ora posta em crise, violou o exarado nas normas norteadoras da escolha e da medida da pena, sendo que estas normas deviam ter sido interpretadas, pela Meritíssima Juíza a quo, no sentido de não ser aplicada ao ora recorrente a prisão efectiva, devendo, como tal, ser revogada a Douta Sentença recorrida — com a violação dos artigos 400, 430, 50°, 53°,58°, 70°, 71°, 72°, e 73°, e proferida nova Sentença nos termos acima indicados.
Termos em que, e nos melhores de Direito, deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se o decidido e substituído por outro, nos termos indicados. De todo o modo, sempre farão Vossas Excelências a costumada JUSTIÇA
3. O Magistrado do Ministério Público não respondeu ao recurso.
4. Neste Tribunal da Relação, o Exmº. Procurador-Geral Adjunto, manifestou-se no sentido da confirmação integral da sentença sob recurso, nos seguintes termos (transcritos):
O recorrente A..., aqui recorrente tem legitimidade, está em tempo e nada obsta ao conhecimento do objecto do recurso.
Não poderia ser outra a decisão do Tribunal na perspectiva de defesa da eficácia mínima do ordenamento jurídico-penal português. considerado no caso a total incapacidade revelada pelo Arguido de interiorizar a abstinência em não cometer crimes, que afinal mais não é do que a obrigação imposta a qualquer cidadão. Da panóplia de medidas alternativas à prisão tout já aplicadas nada surtiu efeito positivo.
Justificando a decretada pena de prisão efectiva, disse o Tribunal:
“O arguido A... tem antecedentes criminais por factos de idêntica e diversa natureza, numa sucessão ininterrupta cio factos desde 2001 até 2013, sendo que em relação ao crime de desobediência tem duas condenações pelo mesmo crime, anterior e posterior à data dos factos e quanto ao crime de descaminho muitas das condenações são por crime de natureza similar! aproximada ( falsificação de documento, abuso de confiança fiscal e abuso de confiança à segurança social).
Dada a personalidade do agente manifestada no facto o ao que consta do seu registo criminal, as necessidades de prevenção de prática de futuros crimes e de recuperação social do arguido., não pode concluir-se por um prognóstico favorável de que a simples censura do facto e ameaça da prisão realizem as finalidades da punição. Na verdade, estamos perante um arguido que permanece indiferente aos comandos ético-jurídicos que lhe são dirigidos e alheio ás solenes advertências que cada condenação acarreta, persistindo numa conduta anti-jurídica e delitual, disso sendo notório a prática destes factos em pleno período da suspensão de execução da pena de prisão de 5 anos, suspensa por igual período, em que foi condenado ( no âmbito da decisão de cúmulo jurídico efectuada no processo 11.0 82/06.1IDVIS- o período de suspensão iniciou-se em 11.05.20 10 e terminará e. 11.05.2015), sendo que o arguido não se coibiu de praticar. nesse período, apenas estes factos, mas também os dos autos n.° 295/11.4TASCD (crime de coacção na forma tentada, em Outubro de 2011), os do processo 40/12.7PCLRA ( crime de abuso de confiança, em 09.12.2011) e o processo
186/13.4GCSCD ( crime de desobediência em 13.07.2013). Este comportamento posterior é impressivo no que à indiferença e desconsideração do arguido respeita perante todas as oportunidades que lhe têm sido proporcionadas ( repare-se que, de todas as condenações sofridas, nenhuma o foi em prisão efectiva), violando, sistematicamente, os sucessivos juízos de prognose que lhe têm sido feitos, não sendo possível, neste momento e perante este quadro factual, crer que o arguido, em liberdade, saberá aproveitar para mudar de atitude e comportamento, apesar da sua inserção familiar e profissional actual”.
É na verdade impressionante o quadro traçado pelo Tribunal, que de todo inviabiliza a pretensão da Exma. Advogada do Recorrente, a qual, diga-se sem qualquer desprimor, assume uma postura irrealista ao considerar a decisão do Tribunal “exagerada, desadequada e desproporcional” e reclamando de forma clamorosamente indevida violação das normas dos artigos 40.°. 43.°, 50.°, 53•0, 58.°, 70.°, 71.°, 72.° e 73.°, todas do C. Penal.
A nosso ver o recurso é pois para improceder. Tal é o nosso parecer.
5 - No uso do seu direito de resposta, o arguido reitera a argumentação já expendida na sua motivação de recurso, pugnando pela procedência do mesmo.
Colhidos os vistos, foram os autos submetidos a conferência, cumprindo apreciar e decidir.
II. Fundamentação:
1. Poderes cognitivos do tribunal ad quem e delimitação do objecto do recurso:
Conforme Jurisprudência constante e pacífica, são as conclusões extraídas pelos recorrentes das respectivas motivações que delimitam o âmbito dos recursos, sem prejuízo das questões cujo conhecimento é oficioso, indicadas no art. 410.º, n.º 2 do Código de Processo Penal (cfr. Ac. do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de Outubro, publicado no DR, 1-A de 28-12-1995).
Assim, no caso sub judicie cumpre apreciar:
Medida da pena/substituição/suspensão.
2. Na sentença recorrida, foram considerados provados os seguintes factos:
1. No âmbito do procedimento cautelar que correu termos no 2º Juízo do Tribunal Judicial de Santa Comba Dão sob o n.º 661/11.5TBSCD, que a “Caixa de Crédito Agrícola Mútuo, CRL” moveu contra “B..., Lda.” foi ordenada, por sentença transitada em julgado em 25.10.2011, a apreensão e restituição definitiva à “Caixa de Crédito Agrícola Mútuo, CRL” do veículo automóvel de marca “Opel”, modelo “Astra GTC 1.9 CDTI”, com o n.º de matrícula EF....
2. Em cumprimento de tal decisão o militar da GNR D..., no dia 5 de Outubro de 2011 contactou o arguido A... para proceder à entrega do veículo e dos documentos de tal veículo, ao que o mesmo se recusou.
3. Por tal facto, no dia 21.10.2011 e 13.12.2011 a Sra. Juiz de Direito, no âmbito do referido processo n.º 661/11.5TBSCD proferiu despacho ordenando a notificação do possuidor do veículo (o arguido A...) para, no prazo de 10 dias, proceder à entrega do veículo e respectivos documentos no posto policial da sua área de residência ou, caso dispusesse de título justificativo de não entrega, no mesmo prazo, disso fazendo prova nos autos, sob pena de, não o fazendo, incorrer na prática de um crime de desobediência qualificada, nos termos do artigo 391º, do CPC, por referência ao art. 21º, n.º 8, do DL 149/95, de 24 de Junho.
4. Com efeito, nos dias 8 de Novembro de 2011 e 28 de Dezembro de 2011, o arguido foi pessoalmente notificado pelos militares da Guarda Nacional Republicana C...e D..., respectivamente, que se encontravam devidamente uniformizados no exercício das suas funções profissionais enquanto elementos daquela Guarda do teor da referida sentença emanada e transitada em julgado, bem como dos despachos proferidos pela Sra. Juiz de Direito nos dias 21.10.2011 e 13.12.2011, de que dispunha do prazo de 10 dias, para proceder à entrega do referido veículo e respectivos documentos no posto policial da sua área de residência, sob pena de, não o fazendo, incorrer na prática de um crime de desobediência qualificada, nos termos do artigo 391º, do CPC, o que de tudo o arguido ficou bem ciente, tendo compreendido sempre o teor das referidas notificações e consequências do seu incumprimento.
5. Contudo, o arguido não entregou o referido veículo automóvel nem dentro do prazo fixado, nem posteriormente, tendo sido necessária a intervenção de força policial para o efeito, a qual procedeu à efectiva apreensão do veículo de matrícula EF... no dia 8.3.2012.
6. O arguido actuou com o propósito de desobedecer a uma ordem que sabia ser legítima, regularmente comunicada e emanada de entidade competente.
7. Agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as suas descritas condutas eram proibidas e punidas criminalmente por lei.
8. No âmbito do processo de execução fiscal que correu termos no Serviço de Finanças de Santa Comba Dão que a Fazenda Nacional moveu contra a “ B..., Lda.”, com o NIPC (...), sob o n.º 265820101004689 referente a dívida de IVA no valor de € 51.049,09, acrescidos dos juros de mora no valor de € 1.385,13, foram no dia 12.7.2010, apreendidos os seguintes bens:
- uma frazedura de três membros, de marca “elumatec”, tipo “F”, n.º “20451”, no valor de € 4.600,00;
- um serrote de duas cabeças de marca “elumatec”, modelo “CE-142/E500-SBT”, n.º “80488”, no valor de € 18.800,00;
- uma malhadora da marca “ elementec”, modelo “AF 2231”, n.º “23099”, no valor de € 2.700,00;
- uma prensa modelo “T6 1/202287”, no valor de € 770,00;
- um serrote com uma cabeça, no valor de € 1.100,00;
- um compressor de marca “sevet 2 cabeças”, de 500 lts, no valor de € 650,00;
- três bancadas de trabalho, no valor de 1.800,00.
9. Encontrando-se presente no acto de penhora/apreensão, o arguido foi nesse dia 12.7.2010 constituído fiel depositário dos referidos bens, tendo assinado, pelo seu punho, o auto de penhora/apreensão referido e sido advertido expressamente pelo escrivão e oficial de diligências do Serviço de Finanças de Santa Comba Dão, que nessa qualidade se identificaram ao arguido, de que os bens referidos deixariam de estar na sua disponibilidade, ficando à sua guarda, com obrigação de os conservar em seu poder, devendo apresentá-los quando solicitado, o que ele tudo bem compreendeu.
10. Os referidos bens ficaram guardados no rés-do-chão do edifício situado no Lote 17, na Zona Industrial da Catraia.
11. Os referidos bens foram adjudicados pelo Serviço de Finanças de Santa Comba Dão no dia 24 de Fevereiro de 2012, pela modalidade de leilão eletrónico à sociedade “ F..., Lda.”, tendo o arguido sido notificado para proceder à sua entrega.
12. No dia 28.5.2012, quando os funcionários do Serviço de Finanças de Santa Comba Dão e o legal representante da sociedade F... se deslocaram ao Lote 17, na Zona Industrial da Catraia, nenhum dos bens penhorados se encontrava ali presente.
13. O arguido, desde data não concretamente apurada mas situada entre 24 de Fevereiro de 2012 e 8 de Junho de 2012 esteve impedido, pelo senhorio do espaço onde os bens se encontravam (Lote 17, na Zona Industrial da Catraia) de aceder ao espaço e aos bens.
14. No dia 8 de Junho de 2012 o arguido recebeu, do senhorio ( E...), duas bancadas e um serrote com uma serra circular, bens que estavam apreendidos.
15. O arguido não procedeu, então, à entrega dos bens ao Serviço de Finanças de Santa Comba Dão agindo, assim, com a intenção concretizada de obstar à venda dos bens penhorados, bem sabendo que os subtraía ao poder público, prejudicando as finalidades da penhora e a autoridade do Estado, bem como ao credor exequente – o Estado – Autoridade Tributária.
16. Sabia o arguido que aqueles bens se encontravam penhorados/apreendidos, assim como a sua finalidade.
17. Tal como sabia que a penhora havia sido legitimamente determinada pela Autoridade Tributária, com competência para tal e que a sua efectivação e comunicação haviam sido regular e legitimamente realizadas pelo funcionário com competência para tal, no legítimo exercício das suas funções.
18. O arguido não deduziu qualquer oposição àquela penhora na qualidade de sócio gerente da “ B..., Lda.”.
19. O arguido bem sabia dos deveres em que havia sido investido na sequência da nomeação como fiel depositário dos bens penhorados.
20. O arguido agiu de forma livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
21. Alguns dos restantes bens penhorados encontravam-se, em 8.6.2012, em poder de E....
22. O arguido tem à sua guarda os bens referidos em 14. e exibiu-os ao funcionário do Serviço de Finanças de Santa Comba Dão, no dia 23.4.2014.
23. O arguido trabalha como comercial e aufere, mensalmente, em média, € 1.000,00.
24. Vive com os pais, a quem presta auxílio, quer pessoal, quer económico.
25. Tem um filho menor de idade, o qual vive com a mãe e a quem não presta alimentos com regularidade.
26. O arguido estudou até ao 12º ano, tendo completado o 11º ano de escolaridade.
27. O arguido tem os seguintes antecedentes criminais:
- por factos praticados em 22.6.2001 foi o arguido condenado pelos crimes de emissão de cheque sem provisão, na pena única de 220 dias de multa, no processo n.º 201/01.4TASCD, por decisão proferida em 28.6.2002, transitada em julgado em 15.7.2002;
- por factos praticados em 1.2.2001 foi o arguido condenado pelo crime de abuso de confiança contra a segurança social, na pena de 150 dias de multa, no processo n.º 54/03.8TASCD, por decisão proferida em 6.12.2005, transitada em julgado em 6.1.2006;
- por factos praticados em 13.6.2005 foi o arguido condenado pelo crime de desobediência, na pena de 90 dias de multa, no processo n.º 289/05.9TASCD, por decisão proferida em 14.11.2006 e transitada em julgado em 29.11.2006;
- por factos praticados em 29.6.2005 foi o arguido condenado pelo crime de ofensas à integridade física, na pena de 130 dias de multa, no processo n.º 122/05.1GBSCD, por decisão proferida em 15.1.2007 e transitada em julgado em 30.1.2007;
- por factos praticados em 1.1.2001 foi o arguido condenado pela prática de dois crimes de abuso de confiança fiscal, na pena de 22 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, no processo n.º 80/06.5IDVIS, por decisão proferida em 12.3.2008, transitada em julgado em 21.4.2008;
- por factos praticados entre Fevereiro de 2002 e Agosto de 2004 foi o arguido condenado pela prática de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, na pena de 1 ano de prisão, suspensa na sua execução por 3 anos, no processo n.º 296/06.4TASCD, por decisão proferida em 4.4.2008 e transitada em julgado em 7.5.2008;
- por factos praticados em Agosto de 2004 foi o arguido condenado pela prática do crime de abuso de confiança contra a segurança social na pena de 1 ano e 8 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos, no processo n.º 194/07.4TASCD, por decisão proferida em 26.5.2008 e transitada em julgado em 25.6.2008;
-por factos praticados em 1.6.2002 foi o arguido condenado pela prática de um crime de falsificação ou contrafacção de documento e um crime de burla qualificada, na pena de 250 dias de multa e 3 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 4 anos, no processo n.º 72/06.4TASCD, por decisão proferida em 16.7.2008 e transitada em julgado em 15.9.2008;
- por factos praticados em 1.9.2004 foi o arguido condenado pela prática de um crime de abuso de confiança contra a segurança social na pena de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano, no processo n.º 55/08.0TASCD, por decisão proferida em 28.7.2010 e transitada em julgado em 7.10.2008;
- por factos praticados em 2003 e 2004 foi o arguido condenado pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal na pena de 20 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos e 6 meses, no processo n.º 82/06.1IDVIS, por decisão proferida em 18.3.2009;
- por decisão de cúmulo jurídico proferida em 21.4.2010 e transitada em julgado em 11.5.2010 foi o arguido condenado na pena única de 5 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, a qual englobou os processos n.º: 289/05.9TASCD, 122/05.1GCSCD, 80/06.5IDVIS, 296/06.4TASCD, 72/06.4TASCD, 54/03.8TASCD, 194/07.4TASCD;
- por factos praticados em 2009 foi o arguido condenado pelo crime de abuso de confiança fiscal na pena de 16 meses de prisão, substituída por 480 horas de trabalho, no processo n.º 85/10.1IDCBR, por decisão proferida em 21.11.2011 e transitada em julgado em 4.1.2012;
- por factos praticados em Junho de 2008 foi o arguido condenado pelo crime de abuso de confiança contra a segurança social na pena de 6 meses de prisão, substituída por 180 horas de prestação e trabalho a favor da comunidade, no processo n.º 1046/10.6TACBR, por decisão proferida em 22.5.2012, transitada em julgado em 21.6.2012;
- por factos praticados em Outubro de 2011 foi o arguido condenado pelo crime de coação na forma tentada na pena de 5 meses de prisão, substituída por 150 horas de prestação de trabalho a favor da comunidade, no processo n.º 295/11.4TASCD, por decisão proferida em 12.7.2012 e transitada em julgado em 17.9.2012;
- por factos praticados em 9.12.2011 foi o arguido condenado pelo crime de abuso de confiança na pena de 100 dias de multa, no processo n.º 40/12.7PCLRA, por decisão proferida em 8.3.2013 e transitada em julgado em 8.3.2013;
- por factos praticados em 18.7.2013 foi o arguido condenado pelo crime de desobediência na pena de 1 ano e 2 meses de prisão, no processo n.º 186/13.4GCSCD, por decisão proferida em 4.9.2013 e transitada em julgado em 4.10.2013.
3-Na fundamentação de direito foi considerado o seguinte:
O arguido encontra-se acusado da prática de um crime de desobediência qualificada, p. e p. pelo art. 348º, do Código Penal, que preceitua que:
“1 – Quem faltar à obediência devida a ordem ou a mandado legítimo, regularmente comunicados e emanados de autoridade ou funcionário competente, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias se: a) Uma disposição legal cominar, no caso, a punição da desobediência simples; ou b) Na ausência de disposição legal, a autoridade ou o funcionário fizerem a correspondente cominação.
2 – A pena é de prisão até 2 anos ou de multa até 240 dias nos casos em que uma disposição legal cominar a punição da desobediência qualificada”.
Assim, nos termos do artigo 391º, do Código de Processo Civil (na redacção vigente à data dos factos): “Incorre na pena do crime de desobediência qualificada todo aquele que infrinja a providência cautelar decretada, sem prejuízo das medidas adequadas à sua execução coerciva”.
Tal norma é aplicável à providência cautelar de entrega judicial no âmbito dos contratos de locação financeira, por força da disposição contida no art. 21º, n.º 8, do Decreto-Lei n.º 1459/95, de 24.6
O bem jurídico tutelado pelo legislador com o crime de desobediência é a autonomia funcional do Estado, impondo o artigo 348º, do C.P. um dever de actuação ou de obediência, cuja violação faz incorrer o infractor em responsabilidade criminal.
Quanto aos elementos de que se compõe a estrutura do crime de desobediência aqui em análise são eles os seguintes:
- a existência de uma ordem ou mandado legítimos;
- a comunicação regular dessa ordem ou mandado;
- a violação do dever concretamente emergente do comando por parte do destinatário.
Assim e no que diz respeito ao primeiro elemento citado, definem-no os autores como “ a imposição da obrigação de praticar ou deixar de praticar certo facto”, contendo a ordem uma norma de conduta (Simas Santos e Leal-Henriques, in “Código Penal”, Editora Rei dos Livros, 1996, 2º vol., p.1087 e ss.).
O crime de desobediência é, pois, um crime de dever, como são, grosso modo, os crimes contra a autoridade, encontrando-se ao serviço da eficácia da Administração.
Acresce que a ordem ou o mandado devem revestir-se de legalidade substancial e formal devendo, por conseguinte, fundamentar-se numa disposição legal anterior que permita a sua emissão, atribuindo competência a determinado funcionário para tal.
No que respeita ao segundo dos elementos estruturantes do crime de desobediência acima individualizados, importa referir que é indispensável que o destinatário da ordem possa tomar conhecimento dela, devendo a sua comunicação ser assegurada por meios idóneos.
Se não houver norma específica na matéria, será válida a ordem que for transmitida por uma das formas previstas na lei para a efectivação das notificações.
Quanto ao último dos supra referidos elementos, exige-se naturalmente para o preenchimento do tipo de ilícito em questão, a violação do dever concretamente emergente da ordem ou mandado regularmente emitidos e comunicados pela autoridade ou funcionário, isto é, exige-se o não acatamento da ordem ou mandado, actuando o agente deste crime em contrário do comando que lhe foi dirigido.
No que concerne aos elementos internos do crime de desobediência, apenas há que referir que se trata de um crime necessariamente doloso, exigindo-se para o seu preenchimento a representação pelo agente dos elementos objectivos antes apontados e a sua vontade de actuar (neste caso, de desobedecer, o que se pode traduzir tanto numa acção como numa omissão).
Feitas estas breves considerações, voltemos ao vertente caso e factualidade provada com vista à sua subsunção à tipicidade do ilícito em questão.
Perante esta, cumpre-nos adiantar estarmos, em primeiro lugar, perante uma ordem legítima emanada pelo magistrado judicial para entrega de veículo, no âmbito de uma providência cautelar de entrega de veículo e transmitida pela GNR ao arguido, conforme se aquilata dos factos provados.
De tal obrigação foi o arguido notificado duas vezes, tendo ficado ciente da sua obrigação de entregar, no prazo que lhe foi fixado, o veículo automóvel, bem sabendo que incorria na prática de crime de desobediência qualificada, pois que tal advertência lhe foi feita.
Como assim e analisando a situação vertente, constata-se que o arguido incumpriu a ordem que lhe foi dirigida, não tendo entregue, voluntariamente, o veículo, tendo o mesmo sido objecto de apreensão no dia 8.3.2012, razão pela qual se mostram verificados todos os elementos objectivos e subjectivos do crime de desobediência qualificada.
Relativamente ao crime de descaminho de objectos colocados sob o poder público, p. e p. pelo artigo 355º, do Código Penal que preceitua que: “Quem destruir, danificar ou inutilizar, total ou parcialmente ou, por qualquer forma subtrair ao poder público a que está sujeito, documento ou outro objecto móvel, bem como coisa que tiver sido arrestada, apreendida ou objecto de providência cautelar, é punido com pena de prisão até cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal”.
O bem jurídico tutelado com este tipo legal de crime não é a propriedade mas sim o poder público do Estado, na sua vertente de apreensão e guarda de objectos e documentos, cujo descaminho ou destruição, enquanto sob o poder público, se pretende evitar.
Este tipo de crime consuma-se quando o agente frustra, total ou parcialmente, a finalidade da custódia de determinado objecto sob o poder público do Estado, através de uma das seguintes condutas típicas: destruição, danificação, inutilização ou subtracção.
Existe subtracção sempre que se retira o objecto do local onde se encontra, dele se apoderando o agente de forma a fazê-lo coisa sua. Subtrair é, etimologicamente, tirar ás escondidas, tirar sem consentimento, tirar ilegitimamente, da esfera, não necessariamente patrimonial em que se encontra para fazer entrar na esfera patrimonial do agente, interrompendo a detenção (guarda) alheia da coisa e fundar uma detenção (guarda) própria.
Como bem explicita Cristina Líbano Monteiro, em anotação ao artigo em análise neste caso, in Comentário Conimbricense ao Código Penal, T. III, Coimbra Editora, p. 422: “ caso a subtracção seja levada a cabo pela pessoa oficialmente encarregada da guarda de coisa móvel, o verbo mais apropriado não será este (subtrair), na medida em que não se verifica a quebra do domínio de facto de outrem para constituir um domínio próprio.”
Ora, tendo em conta a factualidade apurada no vertente caso, temos que o arguido, apesar de estar legalmente obrigado a entregar todos os objectos de que foi constituído fiel depositário, não apresentou ou entregou os bens apreendidos no dia 28.5.2012, data em que o comprador e o serviços de finanças se deslocaram ao local para os levantar. Contudo, ficou demonstrado que, nessa data, o arguido não tinha acesso ao local (por o mesmo lhe ter sido vedado pelo senhorio), o que significa que, nessa data, o desaparecimento dos bens não é imputável ao arguido.
Contudo, ficou demonstrado que o arguido, em 8.6.2012, recuperou a posse de três dos bens de que estava constituído fiel depositário e, apesar de os ter guardado, não procedeu à comunicação e entrega dos mesmos ao serviço de finanças. A partir dessa data, tendo o arguido recuperado a guarda de parte dos objectos, subtraiu-os ao poder público por não os ter recolocado à disposição deste (no caso, serviço de finanças).
Desta feita e sabendo o arguido, como sabia, que tais bens estavam penhorados e apreendidos no âmbito do processo de execução fiscal contra a sociedade de que era legal representante e que, como fiel depositário, impendia sobre si a obrigação de os entregar e/ou comunicar a sua localização (depois do desaparecimento alheio à vontade do arguido) ao serviço de finanças, ao guardá-los, agiu voluntária e conscientemente no sentido de os subtrair ao poder público, assim preenchendo os elementos objectivo e subjectivo do crime em apreço.
4-Na medida concreta da pena foi considerado que:
Feito o enquadramento jurídico dos factos, cumpre-nos agora a escolha e determinação da medida da pena a aplicar ao arguido, sendo certo que ao crime de desobediência qualificada, p. e p. pelo artigo 348º, n.º 2, do C.P. corresponde, em abstracto, uma pena de prisão até 2 anos ou multa até 240 dias e ao crime de descaminho ou destruição de objectos colocados sob o poder público, p. e p. pelo art. 355º, do C.P. corresponde, em abstracto, uma pena de prisão até 5 anos.
Dispõe o comando ínsito no artigo 70º, do C.P. que: “Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
Por seu lado, preceitua o artigo 40º, do C.P. que a aplicação de penas tem por finalidade a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, ou seja, presidem à aplicação de uma pena finalidades de prevenção geral e prevenção especial.
No presente caso e para a escolha da pena a aplicar, temos que o arguido tem antecedentes criminais por factos de idêntica natureza ao da desobediência qualificada para além do expressivo número e diversidade de crimes cometidos, antes e depois dos factos, pelo que a pena de multa, no caso em concreto, não se mostra adequada ás finalidades da punição.
Por assim ser, opta-se pela aplicação, ao arguido, de uma pena de prisão relativamente ao crime de desobediência qualificada.
Assim, “a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”, devendo o tribunal ter presente que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”– artsº. 40º, nº 2 e 71º, nº 1 do Cód. Penal.
Por conseguinte, para determinar a exacta medida da pena, temos de partir da sua moldura abstractamente prevista, funcionando a culpa do agente como limite máximo da pena aplicável e inultrapassável em caso algum e representando esta um juízo de censura à conduta desvaliosa do agente manifestada no facto praticado.
As necessidades de prevenção geral fornecem-nos, por sua vez, uma submoldura, a qual tem por limite máximo a medida óptima de tutela dos bens jurídico-penais ofendidos e como limite mínimo a pena abaixo da qual as expectativas comunitárias na validade do direito sofrem abalo.
Finalmente, as exigências de prevenção especial de socialização dão-nos dentro desta sub-moldura a medida exacta da pena concreta aplicável ao agente.
Na ponderação da pena concreta a aplicar tomar-se-ão em conta os critérios consignados nos art. 71º, n.º 2, do Código Penal para a determinação da medida das penas, e, nomeadamente, considerar-se-á:
- o grau de ilicitude do facto é elevado em face do não acatamento da ordem que lhe foi transmitida e do tempo durante o qual teve os bens penhorados na sua posse sem nada comunicar ás finanças;
- a intensidade do dolo foi na sua forma mais grave -dolo directo- o arguido quis praticar os factos, o que implica um grau de censura acrescido;
- o arguido tem antecedentes criminais por factos de idêntica e diversa natureza, numa sucessão ininterrupta de factos desde 2001 até 2013, sendo que em relação ao crime de desobediência tem duas condenações pelo mesmo crime, anterior e posterior aos presentes factos e quanto ao crime de descaminho muitas das condenações são por crime de natureza similar/aproximada (falsificação de documento, abuso de confiança fiscal e abuso de confiança à segurança social);
- a inserção familiar e profissional do arguido;
- a colaboração prestada pelo arguido na exibição dos bens e vontade manifestada em os entregar.
Assim, tudo ponderado e tendo em conta a moldura penal abstracta dentro da qual é punida a conduta para o crime de desobediência qualificada – 1 mês a 2 anos (artigo 348º, n.º 2, do C.P. e art. 41º, n.º 1, do C.P.) entende-se adequado, proporcional e pedagógico fixar a pena concreta cabida ao arguido em 1 ano de prisão e para o crime de descaminho ou destruição de objectos colocados sob o poder público, dentro da moldura penal abstracta dentro da qual a conduta é punida – 1 mês a 5 anos de prisão (artigo 355º do C.P. e art. 41º, n.º 1, do C.P.) entende-se adequado, proporcional e pedagógico fixar a pena concreta cabida ao arguido em 2 anos de prisão.
*
Todavia, como o arguido vem acusado de dois crimes, ter-se-á que determinar a pena do concurso, nos termos do disposto pelo art. 77º, do C.P.. Nos termos desta disposição legal, “1 – Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa pena única. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente. 2 – A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes”.
Desta forma, aplicando os critérios vindos de referir, dentro da moldura abstracta do concurso de 2 anos a 3 anos de prisão entendemos, atento todo o circunstancialismo já referido sobre os factos, a personalidade do arguido, a sua indiferença ante as condenações anteriores, fixar a pena única em 2 anos e 4 meses de prisão, não se fazendo uso de qualquer substituição ou suspensão pois, atendendo à personalidade do agente manifestada no facto e ao que consta já do seu registo criminal, as necessidades de prevenção de prática de futuros crimes e de recuperação social do arguido, não pode concluir-se por um prognóstico favorável de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizem as finalidades da punição. Na verdade, estamos perante um arguido que permanece indiferente aos comandos ético-jurídicos que lhe são dirigidos e alheio ás solenes advertências que cada condenação acarreta, persistindo numa conduta anti-jurídica e delitual, disso sendo notório a prática destes factos em pleno período de suspensão de execução da pena de prisão de 5 anos, suspensa por igual período, em que foi condenado (no âmbito da decisão de cúmulo jurídico efectuada no processo n.º 82/06.1IDVIS - o período de suspensão iniciou-se em 11.5.2010 e terminará em 11.5.2015), sendo que o arguido não se coibiu de praticar, nesse período, apenas estes factos, mas também os dos autos n.º 295/11.4TASCD (crime de coação na forma tentada, em Outubro de 2011), os do processo n.º 40/12.7PCLRA (crime de abuso de confiança, em 9.12.2011) e os do processo n.º 186/13.4GCSCD (crime de desobediência, em 13.7.2013). Este comportamento posterior é impressivo no que à indiferença e desconsideração do arguido respeita perante todas as oportunidades que lhe têm sido proporcionadas (repara-se que, de todas as condenações sofridas, nenhuma o foi em prisão efectiva), violando, sistematicamente, os sucessivos juízos de prognose que lhe têm sido feitos, não sendo possível, neste momento e perante este quadro factual, crer que o arguido, em liberdade, saberá aproveitar para mudar de atitude e comportamento, apesar da sua inserção familiar e profissional actual.
6. Mérito do recurso:
Como referido, em resumo, as questões a conhecer são as seguintes:
Medida da pena.
Substituição.
Suspensão da execução da pena de prisão.
Sem prejuízo do conhecimento do erro de direito cujo conhecimento se impõe oficiosamente.
E vejamos desde já o erro de direito;
Nos presentes autos o arguido foi condenado pela prática de um crime de descaminho (para além da prática de um crime de desobediência).
Quanto a ao citado crime de descaminho, entendeu o tribunal estar o mesmo verificado, com fundamento nos seguintes factos :
8-No âmbito do processo de execução fiscal que correu termos no Serviço de Finanças de Santa Comba Dão que a Fazenda Nacional moveu contra a “ B..., Lda.”, com o NIPC (...), sob o n.º 265820101004689 referente a dívida de IVA no valor de € 51.049,09, acrescidos dos juros de mora no valor de € 1.385,13, foram no dia 12.7.2010, apreendidos os seguintes bens:
- uma frazedura de três membros, de marca “elumatec”, tipo “F”, n.º “20451”, no valor de € 4.600,00;
- um serrote de duas cabeças de marca “elumatec”, modelo “CE-142/E500-SBT”, n.º “80488”, no valor de € 18.800,00;
- uma malhadora da marca “ elementec”, modelo “AF 2231”, n.º “23099”, no valor de € 2.700,00;
- uma prensa modelo “T6 1/202287”, no valor de € 770,00;
- um serrote com uma cabeça, no valor de € 1.100,00;
- um compressor de marca “sevet 2 cabeças”, de 500 lts, no valor de € 650,00;
- três bancadas de trabalho, no valor de 1.800,00.
9-Encontrando-se presente no acto de penhora/apreensão, o arguido foi nesse dia 12.7.2010 constituído fiel depositário dos referidos bens, tendo assinado, pelo seu punho, o auto de penhora/apreensão referido e sido advertido expressamente pelo escrivão e oficial de diligências do Serviço de Finanças de Santa Comba Dão, que nessa qualidade se identificaram ao arguido, de que os bens referidos deixariam de estar na sua disponibilidade, ficando à sua guarda, com obrigação de os conservar em seu poder, devendo apresentá-los quando solicitado, o que ele tudo bem compreendeu.
10-Os referidos bens ficaram guardados no rés-do-chão do edifício situado no Lote 17, na Zona Industrial da Catraia.
11-Os referidos bens foram adjudicados pelo Serviço de Finanças de Santa Comba Dão no dia 24 de Fevereiro de 2012, pela modalidade de leilão eletrónico à sociedade “ F..., Lda.”, tendo o arguido sido notificado para proceder à sua entrega.
12-No dia 28.5.2012, quando os funcionários do Serviço de Finanças de Santa Comba Dão e o legal representante da sociedade F... se deslocaram ao Lote 17, na Zona Industrial da Catraia, nenhum dos bens penhorados se encontrava ali presente.
13-O arguido, desde data não concretamente apurada mas situada entre 24 de Fevereiro de 2012 e 8 de Junho de 2012 esteve impedido, pelo senhorio do espaço onde os bens se encontravam (Lote 17, na Zona Industrial da Catraia) de aceder ao espaço e aos bens.
14-No dia 8 de Junho de 2012 o arguido recebeu, do senhorio (E...), duas bancadas e um serrote com uma serra circular, bens que estavam apreendidos.
15-O arguido não procedeu, então, à entrega dos bens ao Serviço de Finanças de Santa Comba Dão agindo, assim, com a intenção concretizada de obstar à venda dos bens penhorados, bem sabendo que os subtraía ao poder público, prejudicando as finalidades da penhora e a autoridade do Estado, bem como ao credor exequente – o Estado – Autoridade Tributária.
16-Sabia o arguido que aqueles bens se encontravam penhorados/apreendidos, assim como a sua finalidade.
17-Tal como sabia que a penhora havia sido legitimamente determinada pela Autoridade Tributária, com competência para tal e que a sua efectivação e comunicação haviam sido regular e legitimamente realizadas pelo funcionário com competência para tal, no legítimo exercício das suas funções.
18-O arguido não deduziu qualquer oposição àquela penhora na qualidade de sócio gerente da “ B..., Lda.”.
19-O arguido bem sabia dos deveres em que havia sido investido na sequência da nomeação como fiel depositário dos bens penhorados.
20-O arguido agiu de forma livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
21-Alguns dos restantes bens penhorados encontravam-se, em 8.6.2012, em poder de E....
22-O arguido tem à sua guarda os bens referidos em 14. e exibiu-os ao funcionário do Serviço de Finanças de Santa Comba Dão, no dia 23.4.2014.
A decisão condenatória por sue turno entendeu verificado o crime de descaminho com o seguinte fundamento.
Ora, tendo em conta a factualidade apurada no vertente caso, temos que o arguido, apesar de estar legalmente obrigado a entregar todos os objectos de que foi constituído fiel depositário, não apresentou ou entregou os bens apreendidos no dia 28.5.2012, data em que o comprador e o serviços de finanças se deslocaram ao local para os levantar. Contudo, ficou demonstrado que, nessa data, o arguido não tinha acesso ao local (por o mesmo lhe ter sido vedado pelo senhorio), o que significa que, nessa data, o desaparecimento dos bens não é imputável ao arguido.
Contudo, ficou demonstrado que o arguido, em 8.6.2012, recuperou a posse de três dos bens de que estava constituído fiel depositário e, apesar de os ter guardado, não procedeu à comunicação e entrega dos mesmos ao serviço de finanças. A partir dessa data, tendo o arguido recuperado a guarda de parte dos objectos, subtraiu-os ao poder público por não os ter recolocado à disposição deste (no caso, serviço de finanças).
Desta feita e sabendo o arguido, como sabia, que tais bens estavam penhorados e apreendidos no âmbito do processo de execução fiscal contra a sociedade de que era legal representante e que, como fiel depositário, impendia sobre si a obrigação de os entregar e/ou comunicar a sua localização (depois do desaparecimento alheio à vontade do arguido) ao serviço de finanças, ao guardá-los, agiu voluntária e conscientemente no sentido de os subtrair ao poder público, assim preenchendo os elementos objectivo e subjectivo do crime em apreço.
Do direito:
Nos termos do disposto no art.º 355.º do Código Penal,
«Quem destruir, danificar ou inutilizar, total ou parcialmente, ou, por qualquer forma, subtrair ao poder público a que está sujeito, documento ou outro objeto móvel, bem como coisa que tiver sido arrestada, apreendida ou objeto de providência cautelar, é punido com pena de prisão até cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal».
Como é unanimemente considerado e aceite, o bem jurídico protegido com a incriminação deste tipo legal de crime é a autonomia intencional do Estado, através da ideia de inviolabilidade das coisas sob custódia pública [cfr. Cristina Líbano Monteiro, in Comentário Conimbricense ao Código Penal, tomo III, Coimbra Editora, pág. 419], sendo que [idem, pág. 420], uma coisa passa a pertencer ao poder público “no preciso instante em que perde a sua “liberdade”, em que um acto de império (judicial ou administrativo) lhe fixa um destino e se reserva o poder de o garantir guardando-a, real ou simbolicamente. Num tempo futuro, cumprido o desígnio estadual, esses bens virão a ser reentregues aos seus proprietários, expropriados, declarados perdidos a favor do Estado, vendidos para satisfação dos créditos a que serviam de garantia, etc.”
Mais adianta esta autora [ob. cit.] que “o delito em causa configurará um crime de lesão do bem jurídico (de dano), consumando-se tão-só quando o agente frustra total ou parcialmente – finalidade da custódia, através de uma acção directa sobre a coisa: inutilizando-a ou descaminhando-a. Neste a caso, o “dano” coincide com o resultado material previsto no tipo: a “modificação” ou a deslocação definitiva da coisa para fora da custódia.”
A acção típica pode revestir várias modalidades de conduta: destruir, danificar, inutilizar, total ou parcialmente, ou, por qualquer forma, subtrair.
A destruição, a danificação ou a inutilização, total ou parcial, abrangem todos os atentados à substância ou à integridade física da coisa (como no dano) que a tornam inútil do ponto de vista que justificava a sua custódia oficial. Por isso, como salienta Cristina Líbano Monteiro [Ibidem, p. 423], deve considerar-se a inutilização como o conceito chave dos outros tipos de acção sobre a coisa.
No entanto, deve entender-se por subtrair o mesmo que no crime de furto, embora com a precisão de que, caso a “subtracção” seja levado a cabo pela pessoa oficialmente encarregada da guarda da coisa móvel, o verbo mais apropriado não será este (subtrair), na medida em que não se verifica a quebra do domínio de facto de outrem para constituir um domínio próprio. Melhor se falaria nestes casos de descaminho [Cristina Líbano Monteiro, ob. cit., p. 423].
De qualquer modo, terá de tratar-se de uma conduta de apossamento da coisa, com o reverso de o poder público dela ficar desapossada; extraviar a coisa, escondê-la, por exemplo.
Volvendo então ao caso dos autos -e aos factos provados – verificamos que o arguido não entregou os bens de que lhe haviam sido apreendidos, inicialmente porque deles não dispunha, nem resulta que tal disposição lhe fosse imputável ( pelo contrário, conf. factos 12 e 13 ).
Tendo-lhe posteriormente sido entregues alguns dos bens apreendidos(facto 14) sem que os tenha entregue.
Assim, verificamos que os bens existem e sabe-se onde se encontram (factos 14 e 22) .
Ora, de acordo com as considerações de direito referidas, sendo o bem jurídico protegido a “autonomia intencional do Estado, através da ideia de inviolabilidade das coisas sob custódia pública...cumprido o desígnio estadual, esses bens virão a ser reentregues aos seus proprietários, expropriados, declarados perdidos a favor do Estado, vendidos para satisfação dos créditos a que serviam de garantia, etc.” é manifesto que o arguido, com a simples não entrega não impediu tal finalidade pois que os bens existem, sabe-se onde estão provando-se até nos autos a sua disponibilidade cfr. facto 22: O arguido tem à sua guarda os bens referidos em 14. e exibiu-os ao funcionário do Serviço de Finanças de Santa Comba Dão, no dia 23.4.2014.
A censura pela simples não entrega, é punida pelo disposto no art.º348º do C.P.Penal, verificados os seus requisitos não sendo nem podendo ser confundível a não entrega com o conceito de subtracção.
Tanto assim é que o próprio legislador pune de modo muito menos mais grave a não entrega (quando configurada como um crime de desobediência –art.º348 do C.Penal –prisão até dois anos ou multa ) do que a subtracção (configurada como crime de descaminho –art.º 355º do C.Penal, prisão até cinco anos)- Concluindo-se assim que não entrega e subtracção são conceitos e realidades diferentes.
Em suma entendemos que da materialidade objectiva da sentença bem como da própria acusação não constam factos nem se encontra matéria susceptível de preencher o conceito de “subtracção ao poder público”.
O que implica que os factos provados não preencham o tipo objectivo do crime pep pelo art.º 355º do C.Penal.
Sendo indiferente, neste aspecto, que, na caracterização do tipo subjectivo, o tribunal tenha considerada provada uma intenção (“o propósito concretizado de subtrair tal objecto ao poder público do Estado”) pois que não decorre dos factos objectivos provados.
Conclui-se assim, verificar-se um erro de julgamento (erro de direito), impondo-se a absolvição do arguido pela prática do crime de descaminho em que foi condenado.
Importa então agora verificar da adequação da concreta pena aplicada ao arguido no que concerne ao crime de desobediência.(único que ora importa conhecer)
O arguido foi condenado (...)pela prática, como autor material, de um crime de desobediência qualificada, p. e p. pelo artigo 348º, n.º 2, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão
Aceita o arguido, em suma, a aplicação de pena de prisão entendendo, no entanto ter(em) a(s) pena(s) parcelare(s)....., sido exagerada(s) devendo ainda sere(m) substituídas por outra pena não privativa da liberdade(trabalho a favor da comunidade) ou, em último caso, ser suspensa a sua execução.
Considerações gerais:
A aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, não podendo ultrapassar em caso algum a medida da culpa (artigo 40.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal).
Nos termos do artigo 71.º, a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção (n.º 1), atendendo o tribunal a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente, o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; a intensidade do dolo; os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; as condições pessoais do agente e a sua situação económica; a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena (n.º 2).
A culpa (enquanto censura dirigida ao agente em virtude da sua atitude desvaliosa e avaliada na dupla vertente de culpa pelo facto criminoso e de culpa pela personalidade) para além de constituir o suporte axiológico-normativo da pena, estabelece o limite máximo da pena concreta a impor dado que sem ela não há pena e que esta não pode ultrapassar a sua medida (retribuição justa).
Em termos de prevenção geral, a medida da pena é dada pela necessidade de tutela dos bens jurídicos concretos pelo que o limite inferior da mesma resultará de considerações ligadas à prevenção geral positiva ou reintegração, contraposta à prevenção geral negativa, de intimidação do delinquente.
Para além de elemento dissuasor da prática de novos crimes por parte de terceiros, a pena deve neutralizar o efeito negativo do crime na comunidade e fortalecer o seu sentimento de justiça e de confiança na validade das normas violadas.
Em termos de prevenção especial, importa considerar as necessidades de ressocialização do arguido e de advertência para que não volte a delinquir (devendo ser especialmente considerado um factor que, de certo modo, também toca a culpa: a susceptibilidade de o agente ser influenciado pela pena).
“Se, por um lado, a prevenção geral positiva é a finalidade primordial da pena e se, por outro, esta nunca pode ultrapassar a medida da culpa, então parece evidente que — dentro, claro está, da moldura legal —, a moldura da pena aplicável ao caso concreto (“moldura de prevenção”) há-de definir-se entre o mínimo imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias e o máximo que a culpa do agente consente: entre tais limites, encontra-se o espaço possível de resposta ás necessidades da sua reintegração social”; “o modelo de determinação da medida da pena é aquele que comete à culpa a função (única, mas nem por isso menos decisiva) de estabelecer o limite máximo e inultrapassável da pena; à prevenção geral (de integração) a função de fornecer uma “moldura de prevenção”, cujo limite máximo é dado pela medida óptima de tutela dos bens jurídicos — dentro do que é consentido pela culpa — e cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico; e à prevenção especial a função de encontrar o quantum exacto da pena, dentro da referida “moldura de prevenção”, que melhor sirva as exigências de socialização (ou, em casos particulares, de advertência ou de segurança) do delinquente” – Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 19 de Janeiro de 2000 (processo n.º 1193/99) e de 19 de Outubro de 2000 (processo n.º 2803/00-5ª), citados no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 18 de Janeiro de 2009, disponível na base de dados do ITIJ (www.dgsi.pt), processo 2926/06.9TAVIS.C1
Nos autos encontra-se fundamentada quer a opção pela pena de prisão quer a sua dosimetria dentro da moldura penal abstracta, situando-se na média de tal moldura o que, nos autos, ponderando as elevadíssimas necessidades de prevenção especial –face aos antecedentes criminais do arguido - só pode levar à conclusão de que o tribunal, ainda assim, agiu com benevolência.
Na verdade, o arguido, há mais de 13 anos a esta parte, vem sofrendo sucessivas condenações, pela prática de tipos de crime diversos, sem que se denote capacidade ou vontade de arrepiar caminho.
Mantendo-se assim a pena de prisão fixada.
Substituição da pena ora imposta.
A nova redacção do Código Penal veio diversificar as penas alternativas e/ou substitutivas da pena de prisão e da sua execução, alargando o âmbito das já existentes, desde que verificados os seus pressupostos, o que pode contribuir, de forma efectiva, para uma melhor reinserção do condenado.
Assim, o legislador deu um passo no sentido de viabilizar a execução, na prática judiciária, do princípio da preferência pelas reacções não detentivas.
Em termos abstractos, uma pena de prisão não superior a dois anos pode ser suspensa na sua execução (art.50.º do Código Penal), v.g sujeita ao cumprimento de obrigações e/ou regras de conduta ou até complementada com regime de prova (arts.50.º a 54.º do Código Penal) ou ser substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade.
*
Assim cumpre, neste momento, ponderar sobre a aplicação in casu de uma pena de substituição, designadamente a substituição da prisão por prestação de trabalho a favor da comunidade, nos termos do disposto no art.58.º do Código Penal.
Com efeito, “o tribunal não é livre de aplicar ou deixar de aplicar tal pena de substituição, pois não detém uma faculdade discricionária; antes, o que está consagrado na lei é um poder/dever ou um poder vinculado, tal como sucede com a suspensão da execução da pena” Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 21 de Junho de 2007, proferido no âmbito do processo n.º07P2059, disponível in www.dgsi.pt..
Nos termos do disposto no art.58.º, n.º1 do Código Penal, o tribunal “se ao agente dever ser aplicada pena de prisão não superior a dois anos, o tribunal substitui-a por prestação de trabalho a favor da comunidade sempre que concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”, adiantando o n.º5 do mesmo dispositivo legal que “a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade só pode ser aplicada com aceitação do condenado”.
Esta pena é uma pena substitutiva da pena prisão que necessita do consentimento do condenado para poder ser equacionada pelo tribunal.
Para além do preenchimento daquele requisito de natureza formal, manda o preceito em análise que se atente na verificação de um outro requisito de natureza substancial: que essa forma de cumprimento da pena de prisão ainda se mostre adequada e suficiente para realizar as finalidades da punição, ou seja, apta a reforçar a confiança da comunidade na ordem jurídica violada, e bem assim a promover a reintegração do agente na sociedade (art.40.º, n.º1 do Código Penal).
Para tanto, teremos que atentar na natureza desta medida. De facto, a substituição da pena de prisão por trabalho a favor da comunidade encontra-se configurada pelo legislador, no art.58.º do Código Penal, como uma forma de cumprimento da pena de prisão aplicada a título principal, e não como uma pena de substituição, podendo ser considerada na fase de execução da pena.
Deste modo, há que ponderar, in casu, se as necessidades preventivas impedem a substituição da pena de 12 meses de prisão por prestação de trabalho a favor da comunidade.
Para esta apreciação são especialmente relevantes os seguintes factores:
- os antecedentes criminais do arguido, resultando, a este nível, que o mesmo foi já condenado anteriormente pela prática de vários crimes mormente de abuso de confiança, demonstrando, de forma reiterada, uma conduta claramente desconforme ao direito, designadamente no que concerne ao desrespeito pelo cumprimento das penas e sanções que lhe são impostas
Tanto mais se tivermos em consideração que o arguido já beneficiou deste instituto – embora por factos praticados posteriormente aos dos presentes autos - sem que tal tenha surtido efeito na sua ressocialização e afastamento de cometimento de novos crimes pois que resulta provado que:
- Por factos praticados em Outubro de 2011 foi o arguido condenado pelo crime de coação na forma tentada na pena de 5 meses de prisão, substituída por 150 horas de prestação de trabalho a favor da comunidade, no processo n.º 295/11.4TASCD, por decisão proferida em 12.7.2012 e transitada em julgado em 17.9.2012;
E, por factos praticados em 18.7.2013 foi o arguido condenado pelo crime de desobediência na pena de 1 ano e 2 meses de prisão, no processo n.º 186/13.4GCSCD, por decisão proferida em 4.9.2013 e transitada em julgado em 4.10.2013.
Há assim que concluir que a pena ora aplicada não deve ser substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade.
Vejamos então a pretensão do recorrente quanto à suspensão da execução da pena.
Como define a Prof. Maria João Antunes, in Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra 2007/2008, pág. 9, “são penas de substituição as que são aplicadas e executadas em vez de uma pena principal”.
O art. 50 do CP mantém os pressupostos de que depende essa suspensão: que a personalidade do agente, as condições da sua vida, conduta anterior e posterior aos factos, circunstâncias destes, se concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (se necessário com imposição de deveres).
Todas estas circunstâncias hão-de ser ponderadas em face dos factos provados e não constituir em si facto a provar.
Não é facto a provar, as circunstâncias que podem determinar a suspensão da execução da prisão.
Não se pode perguntar, a fim de ser feita prova: a personalidade do agente, as condições da sua vida, a conduta anterior e posterior aos factos, as circunstâncias destes, permitem concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição?
Aquelas circunstâncias hão-de resultar dos factos provados e então aplica-se a pena de substituição, ou não resultam e mantém-se a pena principal.
Há que ponderar a gravidade do crime, a repercussão social e necessidade de prevenção geral e especial.
A suspensão da execução da pena de prisão (art. 50 do CP), é uma medida penal de conteúdo reeducativo e pedagógico que deve ser decretada nos casos em que é aplicada pena de prisão não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, ás condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e ás circunstâncias deste, o julgador concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada as finalidades da punição, isto é, a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, tal como se aponta no art. 40 do CP. (Maia Gonçalves, “Código Penal Português”, Anotado e Comentado, Almedina, 14ª edição, 2001, pág. 191).
Trata-se de um poder-dever que vincula o julgador, que terá de decretar a suspensão da execução da pena, na modalidade que se afigurar mais conveniente para a realização daquelas finalidades, sempre que se verifiquem os citados pressupostos. (Ac. do TR Coimbra de 20-11-1997, CJ, 1997, 5, 53).
O Prof. Figueiredo Dias, in RLJ, Ano 124, pág. 68, referindo-se ao pressuposto material de aplicação do instituto diz que é necessário que “o tribunal, atendendo à personalidade do agente e ás circunstâncias do facto, conclua por um prognostico favorável relativamente ao comportamento do delinquente”, no sentido de que a pena suspensa baste para afastar o delinquente da criminalidade, acrescentando que, “para a formulação de um tal juízo – ao qual não pode bastar nunca a consideração ou só da personalidade ou só das circunstâncias do facto – o tribunal atenderá ás condições de vida do agente e à sua conduta anterior e posterior ao facto”.
Ora nos autos basta atentar que se provou que:
Por decisão de cúmulo jurídico proferida em 21.4.2010 e transitada em julgado em 11.5.2010 foi o arguido condenado na pena única de 5 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, a qual englobou os processos n.º: 289/05.9TASCD, 122/05.1GCSCD, 80/06.5IDVIS, 296/06.4TASCD, 72/06.4TASCD, 54/03.8TASCD, 194/07.4TASCD;
- por factos praticados em 2009 foi o arguido condenado pelo crime de abuso de confiança fiscal na pena de 16 meses de prisão, substituída por 480 horas de trabalho, no processo n.º 85/10.1IDCBR, por decisão proferida em 21.11.2011 e transitada em julgado em 4.1.2012;
- por factos praticados em Outubro de 2011 foi o arguido condenado pelo crime de coação na forma tentada na pena de 5 meses de prisão, substituída por 150 horas de prestação de trabalho a favor da comunidade, no processo n.º 295/11.4TASCD, por decisão proferida em 12.7.2012 e transitada em julgado em 17.9.2012;
- por factos praticados em 9.12.2011 foi o arguido condenado pelo crime de abuso de confiança na pena de 100 dias de multa, no processo n.º 40/12.7PCLRA, por decisão proferida em 8.3.2013 e transitada em julgado em 8.3.2013;
- por factos praticados em 18.7.2013 foi o arguido condenado pelo crime de desobediência na pena de 1 ano e 2 meses de prisão, no processo n.º 186/13.4GCSCD, por decisão proferida em 4.9.2013 e transitada em julgado em 4.10.2013.
Ou seja o arguido, embora condenado em cúmulo jurídico numa pena de cinco anos de prisão suspensa, continuou a praticar novos crimes, obrigando à conclusão de que as advertências feitas ao arguido quando das suas condenações anteriores (e estas) não constituíram oportunidade de ressocialização do arguido, e este não soube, ou não quis, aproveitar.
Mais ponderando a data da prática dos factos os autos com as condenações posteriores(- por factos praticados em Outubro de 2011 foi o arguido condenado pelo crime de coação na forma tentada na pena de 5 meses de prisão, substituída por 150 horas de prestação de trabalho a favor da comunidade, no processo n.º 295/11.4TASCD, por decisão proferida em 12.7.2012 e transitada em julgado em 17.9.2012;
- por factos praticados em 9.12.2011 foi o arguido condenado pelo crime de abuso de confiança na pena de 100 dias de multa, no processo n.º 40/12.7PCLRA, por decisão proferida em 8.3.2013 e transitada em julgado em 8.3.2013;
- por factos praticados em 18.7.2013 foi o arguido condenado pelo crime de desobediência na pena de 1 ano e 2 meses de prisão, no processo n.º 186/13.4GCSCD, por decisão proferida em 4.9.2013 e transitada em julgado em 4.10.2013.)
Não resulta pois, como pretende o recorrente, nenhuma possibilidade de juízo de prognose favorável e que permita poder o Tribunal concluir pela possibilidade da suspensão.
Na verdade, não resultam provados factos demonstrativos de que a suspensão da pena realiza as finalidades da punição, de forma adequada e suficiente e que apontem para a viabilidade de concessão do benefício da suspensão da execução da pena, mesmo com condições.
Nada permite ao julgador formular o juízo de prognose favorável e necessário à aplicação desta pena de substituição.
A suspensão da execução da pena é uma medida penal de conteúdo reeducativo e pedagógico que deve ser decretada se (e somente se), o julgador concluir que a simples censura do facto e ameaça da pena realizam de forma adequada as finalidades da punição, isto é a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, tal como aponta o art. 40 nº 1 do Cód. Penal.
Como salienta o Ac. desta Relação, de 20-11-1997, "a suspensão da execução da pena não é uma mera faculdade do tribunal, mas antes um poder-dever ou um poder funcional dependente da verificação dos pressupostos formal e material fixados na lei" (sublinhado nosso).
A aplicação, desta medida de excepção (suspensão), não é automática, sendo essencial a demonstração de que das circunstâncias que acompanharam a infracção, se não induza perigo da prática de novos crimes, sempre sem olvidar os fins das penas e nomeadamente as necessidades da prevenção.
No caso presente, tais pressupostos, como referido, não se verificam, pelo que a suspensão não poderá ser decretada.
Sendo assim improcedente a pretensão do recorrente.
III – Dispositivo:
Em face do exposto, acordam na 5.ª Secção deste Tribunal da Relação de Coimbra em revogar a sentença recorrida na parte em que condenou o recorrente pela prática de um crime de descaminho p. e p. pelo artigo 355º do C.Penal, mantendo-a em relação ao restante,
Nesta medida, absolve-se o arguido recorrente da prática de um crime de descaminho p. e p. pelo art.º 355º do C.Penal.
Mantêm-se a condenação imposta ao recorrente pela prática como autor material, de um crime de desobediência qualificada, p. e p. pelo artigo 348º, n.º 2, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão.
Sem custas.
(O presente acórdão compõe-se de 26 folhas com os versos em branco e foi processado e revisto pela relatora, a primeira signatária).
Coimbra 28 de Janeiro de 2015
(Fernanda Ventura - relatora)
(Luís Coimbra - adjunto)