Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | FERNANDO MONTEIRO | ||
Descritores: | CASO JULGADO DECISÃO PROFERIDA NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS ACTO DO CHEFE DE FINANÇAS PENHORA FISCAL DEFESA DO DIREITO DE PROPRIEDADE | ||
Data do Acordão: | 03/14/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | JUÍZO LOCAL CÍVEL DE POMBAL | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 193.º; 580.º, 581.º E 619.º, CPC ARTIGOS 97.º; 98.º, 4 E 134.º DO CPPT ARTIGO 32.º DA CCA ARTIGO 130.º DO CIMI ARTIGOS 319.º E 355.º DO CPT ARTIGOS 9.º; 10.º, 1 E 97.º, 3 DA LGT | ||
Sumário: | I. Não se impõe aqui o caso julgado inerente a uma decisão do tribunal administrativo, que terminou com uma decisão de absolvição da instância, não invalidando o ato do chefe das Finanças e a penhora fiscal, por entender que ocorreu um erro na forma do processo, num dos segmentos porque não houve prévia reclamação graciosa e, noutro, porque os embargos de terceiro, que seriam possíveis, tinham o seu prazo esgotado. II. Ainda que o ato do chefe das Finanças (e a matriz predial) e a penhora tivessem ali permanecido, por razões formais tributárias, a defesa da propriedade, aqui, mantém-se em discussão. III. A segurança e a certeza jurídicas decorrentes do trânsito em julgado da primeira decisão, que são limitadas, não obstam a que se discuta aqui o reclamado direito de propriedade. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra: AA e BB propuseram ação contra o Estado Português, CC e DD, pedindo: i) Seja declarado nulo, e destituído de qualquer valor, o acto de desafetação do prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo ...10, através da declaração modelo 129, apresentada no dia 13 de Junho de 1990, na 2.ª Repartição de Finanças ...; ii) Seja, consequentemente, declarada nula a escritura de compra e venda celebrada no dia 11 de Junho de 1996, no Cartório Notarial ...; iii) Seja declarado nulo o registo e ordenado o seu cancelamento e de todas as inscrições em vigor, do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o n.º ...73; iv) Os Réus sejam condenados a reconhecer que o prédio identificado no artigo 25.º desta petição inicial, pertence ao prédio identificado no artigo 1.º da mesma petição, que é propriedade do Autor BB; v) Os Réus condenados a restituírem definitivamente ao Autor BB a propriedade e à Autora AA a posse da parcela correspondente ao prédio identificado no artigo 25.º, desta p.i., que é parte integrante do prédio descrito no artigo 1.º desta petição, livre de pessoas e coisas. Para tanto, alegaram, em síntese: Até 22.10.1993, a Autora AA foi proprietária e possuidora de 7/16 do imóvel inscrito na matriz rústica sob o artigo n.º ...10 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...94. Naquela data, a fração foi objecto de doação ao Autor BB, com reserva de usufruto a favor da Autora AA. Existia nesse prédio uma eira e um barracão sem autonomia económica em face do restante imóvel. Não obstante o mesmo prédio ser bem próprio da Autora AA, o seu então cônjuge EE operou, em 13 de junho de 1990, a inscrição do aludido barracão como autónomo na matriz predial urbana da freguesia ... em nome da sociedade por quotas «A...». O barracão passou a estar inscrito na matriz sob o artigo n.º ...82 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...73, o que foi materializado à revelia da Autora, a qual nunca deu autorização ou consentimento para tal; esta operação não lhe foi na altura comunicada, pois que não tinha intervenção na maioria dos atos praticados por EE por reporte à sociedade «A...». O barracão foi penhorado pela Fazenda Nacional e pela Segurança Social, tendo vindo a ser vendido no âmbito do Processo de Execução Fiscal n.º ... aos Réus CC e mulher por negociação particular. Contestaram os Réus CC e mulher, em síntese: O era a fábrica têxtil da A.... A gerência desta sociedade, integrada pela Autora, inscreveu aquele imóvel urbano nas Finanças como sendo bem da pessoa coletiva. O ato foi desejado e concretizado também pela, atuando na qualidade de gerente. O Réu Estado contestou, além do mais excecionando a incompetência do tribunal, em razão da matéria. Foi proferido despacho saneador, no qual o Tribunal se julgou incompetente, em razão da matéria, para conhecer dos pedidos ii), iii) e v). Entretanto, foi suspensa a instância até sobrevir pronúncia do Tribunal Administrativo. Essa pronúncia veio a ser materializada no âmbito do processo n.º 551/11...., no qual foi proferida sentença de absolvição da instância. Ouvidos os interessados sobre as consequências daquela decisão nestes autos, o Tribunal decidiu julgar a ação improcedente, absolvendo os Réus dos pedidos. * Inconformados, os Autores recorreram e apresentam as seguintes conclusões: 1) No dia 13/06/1990, a Recorrente AA era única e legítima proprietária da parcela (7/16) do prédio rústico composto de terreno de cultura com oliveiras e videiras, sito em ..., com a área de 3680 m2, a confrontar de norte e nascente com FF, do sul com estrada nacional e do poente com GG, inscrito na respectiva matriz rústica sob o artigo nº ...10, da freguesia ... e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...20. 2) Fazia parte integrante deste prédio um barracão, constituído por pilares e telhado - casa da eira - onde os pais da recorrente guardavam as alfaias agrícolas. 3) A Recorrente foi casada com EE, no regime da comunhão de adquiridos. 4) Este, no dia 13 de junho de 1990, apresentou uma declaração modelo 129, na 2ª Repartição de Finanças ..., o que lhe permitiu inscrever aquele barracão na matriz urbana da freguesia ... e nome da sociedade por quotas A..., Lda.”, pessoa coletiva nº ..., com sede em ... – ... – .... 5) Desta operação, resultou um novo prédio que passou a ter o seguinte teor matricial: barracão de rés-do-chão, destinado a indústria, com a área coberta de centos e sessenta e um metros quadrados e logradouro com cento e setenta metros quadrados, sito em ..., da freguesia ..., confrontando do norte com HH, nascente e poente com “A..., Lda.” e sul com estrada nacional nº ...37, inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo nº ...82 - .... 6) O que redundou na alteração quer a sua finalidade - de rústico para urbano - quer a sua situação jurídica. 7) Com tal manifestação, a realidade fiscal foi radicalmente alterada de modo a dar lugar a um prédio urbano autónomo e distinto. 8) O documento que deu lugar à criação e autonomização daquele prédio urbano não teve qualquer intervenção da Recorrente, sua única proprietária. 9) Este prédio foi desafetado daqueles 7/16 avos. 10) Foi assim criado um prédio autónomo e distinto por quem não era seu titular e sem qualquer legitimidade para o efeito. 11) O que se mostra bem evidenciado pela referência feita no Modelo 129 quanto ao proprietário do prédio rústico que deu origem ao prédio urbano, constando exatamente que “o terreno é propriedade de AA e será futuramente da firma”. 12) Permitiu a criação do prédio urbano a favor de uma entidade (sociedade) que não era sua proprietária. 13) O prédio era um bem próprio da Recorrente, tenta a data da doação feita pelos seus pais e o regime de bens do casamento – comunhão de bens adquiridos. 14) O acto concreto de inscrição do barracão como prédio urbano foi um acto abusivo, ilegítimo e danoso para o património dos Recorrentes. 15) Não ocorreu qualquer acto idóneo de transmissão da propriedade da Recorrente para aquela sociedade. 16) O acto praticado pelo gerente da sociedade e ex-marido da A. é totalmente inválido, ineficaz, em relação aos Recorrentes. 17) A venda pelos serviços fiscais incidiu sobre um bem que não pertencia à sociedade devedora. * Não foram apresentadas contra-alegações. * Questões a decidir: A improcedência nestes autos, decorrente da decisão do Tribunal Administrativo. A venda de bem alheio. * Os factos a considerar provados são os seguintes (sem que tenha havido julgamento dos incluídos na base instrutória): a) Por escritura pública de 2 de Junho de 1982, celebrada no Cartório Notarial ..., lavrada a fls. 69 verso a 73 do livro de notas para escrituras diversas n.º 313-B, II, também conhecida por JJ, viúva, declarou ser dona e legítima possuidora, entre outros, do prédio rústico inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...10.º, composto por terra de semeadura e um poço, sito nos ..., a confrontar do Norte com HH, do Sul com estrada e o prédio inscrito na matriz urbana sob o artigo ...23.º, do Nascente com servidão de inquilinos e HH e do Poente com KK (verba n.º 2); mais declarou, por conta das respectivas legítimas e com reserva do usufruto para si, enquanto viva, fazer doação de 9/16 do prédio referido a LL, casado no regime da comunhão de adquiridos com MM, e 7/16 do prédio referido a AA, casada com EE no regime da comunhão de adquiridos, sendo as diferenças de valor a computar na quota disponível; declarou ainda que as doações são feitas com a condição de os donatários a tratarem e manterem enquanto viva, podendo resolver a doação do que não cumprir. LL e AA declararam aceitar as doações [documento de fls. 175 a 183]; b) II faleceu em .../.../1987 no estado de viúva de LL [documento de fls. 133]; c) A Autora AA e EE contraíram casamento católico, sem convenção antenupcial, em .../.../1982, que foi dissolvido por divórcio decretado por sentença de 6 de abril de 1999, transitada em julgado em 16 de abril de 1999 [documento de fls. 31] d) O Autor BB nasceu em .../.../1982, e está registado como filho da Autora AA e EE [documento de fls. 42]; e) Por escritura pública de 22/10/1993, celebrada no Cartório Notarial ..., lavrada de fls. 22 a 24 verso do livro de notas para escrituras diversas n.º 371-C, AA, declarou ser dona e legítima possuidora há mais de 20 anos, sem oposição de quem quer que seja, sem interrupção e ostensivamente com conhecimento de todos, entre outros, de 7/16 do prédio rústico inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...10.º, composto por terra de cultura com oliveiras e videiras, sito em ..., a confrontar do Norte e Nascente com FF, do Sul com estrada nacional e do Poente com GG (verba n.º 13); mais declarou que, reservando o usufruto, doa pela quota disponível a seu filho BB, tal fracção; NN, OO e PP declararam serem exatas as declarações de posse; EE declarou prestar a sua mulher o necessário consentimento para a inteira validade do acto [documento de fls. 16 a 26]; f) Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...94 e inscrito na matriz predial ... prédio rústico, sito em ..., composto por terra e cultura com oliveiras e videiras, com a área de 1.680m2, a confrontar do Norte e Nascente com FF, do Sul com Estrada Nacional e do Poente com GG [documento de fls. 28 a 30]; g) No escrito, datado de 13/06/1990, intitulado «Declaração para inscrição ou alteração de inscrição de prédios urbanos na matriz» do ano 1990, consta como titular do rendimento «A..., Lda.», com o n.º de pessoa coletiva ..., estando descrito o prédio como barracão destinado a indústria de confeções, composto de rés-do-chão, a confrontar do Norte com HH, do Sul com estrada, do Nascente com LL e do Poente com casa de habitação, com a área coberta de 180m2 e descoberta de 170m2, constando como ampliada e como data de conclusão das obras 12/06/1990, estando nas observações que «o terreno é propriedade de AA e será futuramente da firma», constando do mesmo uma assinatura com o nome de EE, com o NIF ..., com o cargo de sócio-gerente [documento de fls. 32 a 34]; h) Por escritura pública de 11/06/1996, celebrada no Cartório Notarial ..., lavrada de fls. 7 a 8 verso do livro de notas para escrituras diversas n.º 55-C, QQ, na qualidade de sócio-gerente da «Agência de Leilões B..., Lda.», em representação da Fazenda Nacional, declarou que pelo preço de um milhão e oitocentos mil escudos, que já recebeu de DD, casada com CC, a esta venda um prédio urbano composto por barracão de rés-do-chão destinado a indústria, com a área coberta de 161m2, e logradouro com 170m2, sito nos ..., freguesia ..., inscrito na matriz respectiva sob o artigo ...82.º, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...73, da freguesia ...; mais declarou que a venda é feita por negociação particular, conforme despacho proferido pelo ..., no dia 29/06/1994. DD declarou aceitar a venda [documento de fls. 36 a 40]; i) Em 20/05/1993, no âmbito do processos de execução fiscal n.º ... a apensos, que a Fazenda Nacional moveu contra «A..., Lda.», para pagamento da quantia de Esc. 755.527$00, foi penhorado um barracão de rés-do-chão, construído a tijolo e coberto a telha marselha, ocupado com indústria de confeções e malhas, tendo 2 assoalhadas, 3 casas de banho e refeitório, com a área coberta de 161m2 e logradouros de 170m2, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...82.º, sendo nomeada depositária a Autora AA [documento de fls. 56]; j) Foi anunciada no jornal «...», de 5/03/1994 e 20/03/1994, a venda judicial por meio de propostas em carta fechada do barracão referido em I, no âmbito da execução fiscal ali mencionada, a ter lugar em 20/04/1994, pelas 10horas, na 2.ª Repartição de Finanças ... [documentos de fls. 57 e 58]; k) Por escritos intitulados de «notificação» foi dado conhecimento da data de abertura de propostas referida em j) à Autora AA, vindo as cartas devolvidas como «Não Reclamadas» [documentos de fls. 59 a 62]; l) Por escritura pública de 23/03/1990, lavrada no Cartório Notarial ..., de fls. 48 verso a 49 do livro de notas para escrituras diversas n.º 18-E, EE e mulher AA declararam constituir uma sociedade comercial por quotas «A..., Lda.», que se regerá pelas cláusulas do documento complementar à mesma, constando nele que a gerência será exercida por todos os sócios [documento de fls. 84 a 85]; m) Está descrita na Conservatória do Registo Comercial ... sob a matrícula n.º 996/900405 a sociedade comercial por quotas denominada «A..., Lda.», Pessoa Coletiva n.º ..., estando registada a gerência de ambos os sócios, EE e AA, sendo a forma de obrigar a assinatura de um gerente, estando registada também a renúncia à gerência da Autora AA pela Ap. ...93 [documento de fls. 90]; n) Foi afixado edital na porta da 2.ª Repartição de Finanças ..., citando credores desconhecidos bem sucessores de credores preferentes para reclamarem créditos, no processo de execução fiscal referido em i), referindo-se a venda descrita em h) [documento de fls. 98]; o) Foi anunciada no jornal «...», de 20/04/1995 e 05/05/1995, a citação referida em n) [documento de fls. 99]; p) Está descrito na Conservatória do Registo Predial ... e inscrito na matriz predial ... prédio urbano composto de barracão de rés-do-chão, com a superfície coberta de 161m2 e logradouros de 170m2, a confrontar do Norte com HH, Nascente e Poente com «A..., Lda.», do Sul com Estrada Nacional n.º ...37 [documento de fls. 145 a 150]; q) Os Autores AA e BB deram entrada de acção contra os Réus ESTADO PORTUGUÊS, CC e DD no Tribunal Administrativo e Fiscal ... em 7 de junho de 2011, peticionando, nessa senda e em conformidade com a certidão de fls. 373, que: i) Seja declarada a nulidade do despacho do ..., porque ilegal, acto esse que incidiu sobre o pedido (modelo 129) apresentado no dia 13 de Junho de 1990, naquela Repartição de Finanças, o qual deu origem ao prédio urbano inscrito na matriz respectiva sob o artigo ...82, da freguesia ...; ii) Sejam consequentemente declarados nulos, e sem qualquer efeito, todos os actos daí decorrentes, praticados sobre tal realidade predial, nomeadamente, a realização da penhora efectuada pela Repartição de Finanças ..., escritura de compra e venda, celebrada no dia 11 e Junho de 1996, no Cartório Notarial ..., no âmbito do Processo de Execução Fiscal n.º ... e apensos, e todos os actos de registo predial daí resultantes. r) Em 23 de Março de 2022 transitou em julgado a sentença proferida no processo n.º 551/11...., dela constando, em conformidade com a certidão de fls. 460, designadamente o seguinte: Com relevância para a apreciação e decisão da excepção suscitada pela Entidade Demandada, importa ter presente a seguinte factualidade que se encontra provada face ao teor dos documentos constantes dos autos: 1) Em 13/06/1990, pelo ex-marido da 1.ª Autora, EE, foi entregue na 2.ª Repartição de Finanças ..., uma declaração modelo 129, através da qual foi inscrito na matriz urbana da freguesia ..., sob o artigo ...82, um barracão destinado a indústria de confeções, composto de rés do chão, situado no lugar dos ..., da freguesia ..., com a área coberta de 180 m2 e descoberta de 170m2, confrontando do Norte com HH, sul com estrada, nascente com LL e a poente com casa de habitação – (facto não controvertido; cfr. documentos n.º ... e ... juntos com a petição inicial); 2) A 1.ª Autora foi pessoalmente citada em 20/05/1993, no âmbito do processo de execução fiscal (PEF) n.º ..., na qualidade de sócia-gerente da executada “A..., Lda.” – (cfr. documento de fls. 8 do PEF apenso aos autos); 3) Em 20/05/1993, no PE referido no ponto anterior e no seguimento do mandado de penhora emitido pelo Chefe de Finanças da 2.ª Repartição de Finanças ... em 14/04/93, foi elaborado «Auto de penhora» sobre o prédio identificado em 1) deste probatório, penhora registada na Conservatória do Registo Predial ... sob a Ap. ...93, sendo a 1.ª Autora nomeada fiel depositária do bem penhorado – (cfr. fls. 9ª 16 do PEF junto aos autos); 4) Por escritura pública de compra e venda datada de 11/06/1996, na sequência do despacho proferido pelo Chefe de Finanças da 2.ª Repartição de Finanças ... de 29/06/1994, a Fazenda Nacional vendeu a DD e marido, CC, o prédio identificado em 1), também descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...73, pelo preço de 1.800.00$00 – (facto não controvertido; cfr. documento n.º ... junto com a petição inicial; cfr. documento de fls. 69 a 72 do PEF junto aos autos); 5) No ano de 2001, a Autora intentou no Tribunal Judicial ..., acção declarativa de condenação sob a forma ordinária, contra o Estado Português e os aqui Contrainteressados, instaurada sob o n.º 632/2001, formulando, a final, os seguintes pedidos: i) Seja declarado nulo, e destituído de qualquer valor, o acto de desafetação do prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo ...10 – freguesia ... da parcela e benfeitoria que deram origem ao prédio urbano inscrito na matriz respectiva sob o artigo ...82 – ..., através da declaração modelo 129, apresentada no dia 13 de Junho de 1990, na 2.ª Repartição de Finanças ...; ii) Seja, consequentemente, declarada nula a escritura de compra e venda celebrada no dia 11 de Junho de 1996, no Cartório Notarial ...; iii) Seja declarado nulo o registo e ordenado o seu cancelamento e de todas as inscrições em vigor, do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o n.º ...73 – freguesia ..., relativo ao prédio mencionado no artigo 25.º da p.i.; iv) Os Réus ESTADO PORTUGUÊS e OUTROS sejam condenados a reconhecer que o prédio identificado no artigo 25.º desta petição inicial, pertence ao prédio identificado no artigo 1.º da mesma petição, que é propriedade do Autor BB; v) Os Réus ESTADO PORTUGUÊS e OUTROS condenados a restituírem definitivamente ao Autor BB a propriedade e à Autora AA a posse da parcela correspondente ao prédio identificado no artigo 25.º, desta p.i., que é parte integrante do prédio descrito no artigo 1.º desta petição, livre de pessoas e coisas – (facto não controvertido); 6) Por despacho saneador de 14/05/2008, no âmbito da acção referida no ponto anterior, o Tribunal Judicial ... declarou-se incompetente, em razão da matéria, para conhecer dos pedidos formulados em II, III e V supra transcritos – (facto não controvertido); 7) A presente acção foi remetida a este Tribunal, por correio eletrónico datado de 29/04/2011 – (cfr. fls 1 do SITAF). (…) No que concerne ao 1.ª pedido, à data dos factos, o artigo 32.º do Código da Contribuição Autárquica (CCA) estabelecia que o sujeito passivo ou qualquer titular de um interesse direto, pessoal e legítimo poderiam, a todo o tempo, reclamar de incorreções matriciais na repartição de finanças da área em que o prédio se situava, norma que se manteve no actual Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), no artigo 130.º. Por sua vez, o artigo 155.º do Código de Processo Tributário (CPT) estabelecia, para o que ora interessa, o seguinte: 3 - As incorreções nas inscrições matriciais dos valores patrimoniais podem ser objecto de impugnação judicial no prazo de 30 dias, desde que o contribuinte tenha solicitado previamente a correção da inscrição junto da entidade competente e esta a recuse ou não se pronuncie no prazo de 90 dias a partir do pedido. 4 - O pedido de correção da inscrição nos termos do número anterior pode ser apresentado a todo o tempo. 5 - O prazo da impugnação referida no n.º 3 conta-se a partir da notificação da recusa ou do termo do prazo para apreciação do pedido. 6 - A impugnação referida neste artigo não tem efeito suspensivo e só poderá ter lugar depois de esgotados os meios graciosos previstos no processo de avaliações. As normas referidas no preceito normativo em epígrafe, mantiveram-se no CPPT, no artigo 134.º. Da leitura das normas transcritas resulta que, perante qualquer incorrecção na inscrição da matriz de um prédio, pode o sujeito passivo ou qualquer titular de um interesse direto, pessoal e legítimo, a todo o tempo, reclamar da referida incorrecção, junto do Chefe do Serviço de Finanças da área onde se situa o prédio, sendo que apenas é possível recorrer aos meios judiciais depois de esgotados os meios administrativos/graciosos reclamados por lei para o efeito. Volvendo ao caso dos autos, não concordando os Autores (a Autora, por si e como legal representante do 2.ª Autor) com a inscrição matricial aqui sindicada, tinham ao seu dispor o meio administrativo/gracioso de reclamação para o chefe de finanças, previsto no artigo supra transcrito, o que não fizeram, sendo a decisão que viesse a ser proferida passível de recurso para o Tribunal Tributário. Note-se que, conforme resulta do acervo probatório, a primeira Autora teve conhecimento da existência fiscal do prédio, pelo menos aquando da citação no âmbito do PEF ...83-93/100227.9 e da sua nomeação como fiel depositária, em 20/05/1993 (cfr. pontos 2 e 3 do probatório). Face ao exposto, o meio próprio e adequado para os Autores impugnarem a inscrição na matriz do prédio em causa nos autos, era a reclamação administrativa prevista no artigo 32º. do CCA, não sendo o meio processual usado na presente acção o meio próprio para o efeito pretendido pelos Autores. E não tendo os Autores efetuado a referida reclamação administrativa, cuja competência para dela conhecer e decidir pertence ao chefe do Serviço de Finanças competente, não pode o Tribunal conhecer de tal pedido, sob pena de se estar a imiscuir na competência própria daquele órgão, em violação do princípio da separação de poderes, princípio esse que, consequentemente, invalida qualquer possibilidade de convolação no meio próprio e adequado, já que a competência para a sua apreciação é de um órgão administrativo-tributário, e não judicial, não sendo, pois, a presente acção ou qualquer dos meios processuais previstos nos artigos 101.º a Lei Geral Tributária (LGT) ou 97.º do CPPT, o meio adequado para a sua decisão. Destarte, quanto ao primeiro pedido formulado pelos Autores, verifica-se o erro na forma de processo, insuscetível de convolação em meio judicial próprio para o efeito, nos termos supra expendidos. (…) Relativamente ao 2.ª pedido (…), é manifesto o erro na forma de processo, sendo que o acto de realização de penhora apenas pode ser sindicado em sede de execução fiscal. Efectivamente, pretendendo pôr em causa a legalidade da penhora efectuada, podiam os Autores lançar mão de 2 meios processuais: - ou a reclamação junto do órgão de execução fiscal, com possibilidade de recurso para o Tribunal Tributário da eventual decisão desfavorável que viesse a ser proferida, reclamação essa a apresentar no prazo de 8 dias após a sua notificação, nos termos do n.º 1 do artigo 355.º do CPT então em vigor; - ou os embargos de terceiro, previsto e regulado no artigo 319.º o mesmo CPT, a deduzir no prazo de 20 dias contado desde o dia em que foi praticado o acto ofensivo da posse ou daquele em que o embargante teve conhecimento da ofensa, mas nunca depois de os respectivos bens terem sido vendidos. (…) Certo é que, decorridos os prazos que dispunham para o efeito, 8 dias num, e 20 no outro, os Autores nada fizeram. Assim, em face dos fundamentos invocados pelos Autores, é forçoso considerar verificado o erro na forma do processo, pois estes usaram o meio processual «acção administrativa especial» para colocar em causa a penhora efectuada sobre o bem cuja propriedade invocam, quando poderiam eventualmente ter empregue o meio de reclamação do acto do órgão de execução fiscal, com subsequente reclamação para o Tribunal Tributário, ou deduzido embargos de terceiro, sendo este o meio processual que se afigura mais adequado a dirimir as questões colocadas pelos Autores (…) No caso dos autos, não se encontrando preenchido o pressuposto processual relativo à forma de processo, cabe indagar, então, da viabilidade de convolação da presente acção administrativa especial em embargos de terceiro, atendendo ao disposto nos artigos 98.º, n.º 4 do CPPT, e 97.º, n.º 3 da LGT, e, também, no artigo 193.º do CPC, que determinam ser o erro na forma de processo corrigível. (…) Sobre a adequação do pedido e da causa de pedir, para efeitos de convolação, pode-se considerar que o pedido de anulação da penhora formulado pelos Autores é adequado à acção de embargos de terceiro, sendo o tribunal competente, à data, o mesmo. Haverá, então, que apreciar da tempestividade dos embargos de terceiro. (…) Assim, quer quando deu entrada no Tribunal Judicial ... da acção declarativa de condenação sob a forma ordinária n.º 632/2001 (cfr. ponto 5 do probatório), quer quando a presente acção administrativa especial deu entrada neste TAF, em 29/04/2011 (cfr. ponto 7 do probatório), há muito que se encontrava esgotado o prazo de 20 dias de que dispunham para o efeito, nos termos do artigo 319.º do CPT (e, por maioria de razão, o de 8 dias conferido pelo artigo 355.º do mesmo Código). Além do que, conforme alegam os Autores, esse próprio urbano foi vendido através de negociação particular, por escritura lavrada no Cartório Notarial ..., em 1996/06/11, no âmbito do Processo de Execução Fiscal n.º ... e apensos (Cfr. ponto 4 do probatório), o que, nos termos do n.º 2, in fine, do artigo 319.º do CPT, inviabiliza definitivamente a propositura da ação de embargos de terceiro, já que os mesmos nunca podem ser deduzido depois de os respectivos bens terem sido vendidos. Donde, sendo indiscutível que a presente acção foi apresentada muito para além dos referidos 20 dias e ainda para mais, após a venda do bem penhorado, resulta manifesto que a convolação para o meio processual adequado já não é possível, atenta a sua intempestividade. * Nos termos do n.º 1, do artigo 619, do Código de Processo Civil, transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580 e 581, sem prejuízo do disposto nos artigos 696 a 702. O caso julgado material forma-se mediante uma sentença de mérito que conheça da relação jurídica substancial e que declara os direitos e obrigações respectivos. É a esta sentença que pretende garantir-se estabilidade e segurança jurídicas, o que se faz por via da força e autoridade do caso julgado, isto é, pela afirmação de que a sentença não poderá ser mais alterada nem desrespeitada. O caso julgado constitui uma excepção dilatória que tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer uma decisão anterior (artigo 580, nº 2, da mesma lei). O seu artigo 581 prevê os requisitos do caso julgado: (…) Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico. Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico. Mas o alcance e autoridade do caso julgado não se limita aos estreitos contornos definidos nestes artigos para a exceção do caso julgado, antes se estendendo a situações em que, apesar da ausência formal da identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir, o fundamento daquela autoridade está notoriamente presente. A sentença constitui caso julgado nos precisos termos em que julga. Tem-se entendido que a determinação dos limites do caso julgado e da sua eficácia passam pela interpretação do conteúdo da sentença e, concretamente, dos fundamentos que se apresentem como antecedentes lógicos necessários à parte dispositiva do julgado. (ver acórdão do STJ, de 20.6.2012, no processo 241/07.0TTLSB.L1.S1, em www.dgsi.pt.) Vejamos o caso concreto. Apesar da “amputação” dos pedidos 2, 3 e 5, remetidos para o Tribunal Administrativo, esta ação não deixou de ter natureza real, conforme já assinalava o despacho saneador de 14.5.2008 (cfr. página 6). Aqui permaneceu um pedido de reconhecimento da propriedade, com valor autónomo. Depois, a análise e o ataque ao ato de desafetação, realizado pelo ex-marido da Autora, não depende da prévia mobilização dos meios administrativos. Na ação administrativa, que terminou com uma decisão de absolvição da instância, julgou-se o ato do Chefe das Finanças e a penhora fiscal, entendendo-se que ocorreu um erro na forma do processo, no primeiro caso porque não houve prévia reclamação graciosa e, no segundo caso, porque os embargos de terceiro, que seriam possíveis, tinham o seu prazo esgotado. Ainda que o ato do Chefe das Finanças (e a matriz predial) e a penhora tivessem permanecido, por razões formais tributárias, a defesa da propriedade mantém-se em discussão, também, mas não só (ver o questionário), por força da análise do ato de quem (ex-marido), pretensamente, não podia agir como agiu. Estamos perante incidências diferentes: O ponto de vista fiscal, no qual os prazos estariam esgotados; O ponto de vista civil, no qual a defesa da propriedade não tem prazo. No primeiro, a decisão foi apenas de absolvição da instância. No segundo, ainda que seja claro que não estão em causa os atos da execução fiscal, resta sempre a conferência da propriedade desconsiderada, com a discussão também do ato base de desafetação. Ter-se decidido que o ato do Chefe das Finanças não é possível de declaração de invalidade, não arreda o julgamento de toda a realidade anterior e o eventual reconhecimento da propriedade. Não ocorre caso julgado e a decisão do Tribunal administrativo não se impõe por forma a declarar desde já que os pedidos são improcedentes. Porém, também não é possível decidir já pela procedência de tais pedidos, já que o processo está dependente do julgamento, no qual responder-se-á ao questionário formulado no processo. * Decisão. Julga-se o recurso parcialmente procedente, revoga-se a decisão recorrida e ordena-se o prosseguimento dos autos. Custas pelos Recorrentes e Recorridos, em partes iguais. Isento o Ministério Público, na representação do Estado. Coimbra, 2023-03-14 (Fernando Monteiro) (Carlos Moreira) (Rui Moura) |