Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | JOSÉ EDUARDO MARTINS | ||
Descritores: | ALTERAÇÃO DA QUALIFICAÇÃO JURÍDICA COMUNICAÇÃO ARGUIDO FURTO QUALIFICADO ESPAÇO FECHADO | ||
Data do Acordão: | 10/30/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DA LOUSÃ | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | RECURSO CRIMINAL | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGO 358.º, N.ºS 1 E 3, DO CPP; ARTIGO 204.º, N.º 1, ALÍNEA F), E N.º 2, ALÍNEA E), DO CP | ||
Sumário: | I - A comunicação referida no artigo 358.º, n.º 3, do CPP, não é necessária quando a alteração da qualificação jurídica redunda na imputação ao arguido de um crime que representa um minus em relação ao da acusação ou da pronúncia, porquanto, neste caso, o arguido teve conhecimento de todos os elementos típicos da infracção penal e a possibilidade de os contraditar. II - Verifica-se a descrita situação quando o arguido, acusado ou pronunciado de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo artigo 204.º, n.º 2, alínea e), do CP, vem a ser condenado pela prática de um crime de furto, qualificado no quadro da alínea f) do n.º 1 do mesmo artigo. III - O que caracteriza e justifica a qualificativa do artigo 204.º, n.º 1, alínea f), do CP, não é o facto de o agente se introduzir num espaço fechado, mas sim a circunstância de o espaço fechado estar conexionado com a habitação ou com certo estabelecimento comercial ou industrial. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes da 5ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra: I. Relatório: A) No âmbito do processo comum (tribunal singular) n.º 440/11.0GBLSA.C1 que corre termos no Tribunal Judicial da Lousã, Secção Única, em 19/2/2013, foi proferida Sentença, cujo Dispositivo é o seguinte: “Nestes termos o tribunal decide: 1. Absolver os arguidos do crime de furto qualificado, na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 2, alínea e), por referência à alínea d) do artigo 202.º, e artigos 22.º, 23.º e 73.º, todos do Código Penal; 2. Condenar os arguidos A...e B... pela prática, em co-autoria material e na forma tentada, de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 1, alínea f), 22.º, 23.º e 73.º, todos do Código Penal, nas penas, respectivamente, de: - um ano de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeita a regime de prova, assente num plano de reinserção social, executado com vigilância e apoio dos serviços de reinserção social durante o período de suspensão da pena e adaptado à actual situação de reclusão do arguido; - 150 dias de multa, à razão diária de € 5,00, num total de € 750,00. 3. Condenar os arguidos nas custas, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC. ** Deposite (artigo 372.º, n.º 5, do Código de Processo Penal. ** Após trânsito, solicite à DGRS, remetendo cópia da presente sentença, a elaboração, no prazo de 30 dias, de plano de reinserção social a aplicar ao arguido A.... **** B) Inconformada com a decisão , dela recorreu, em 12/3/2013, a arguida A..., extraindo da motivação as seguintes conclusões: 1. Sem desprimor para o tribunal a quo, consideramos que foi proferida uma decisão incorrecta tanto na valoração da prova produzida, mas principalmente na aplicação do direito, pois, na nossa modesta opinião, existe errada aplicação do direito, quando se efectuou a qualificação jurídica do crime de furto, pelo qual os arguidos foram condenados em co-autoria material e na forma tentada, p. e p. pelos artigos 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 1, af. F), 22.º, 23.º e 73.º, todos do Código Penal. 2. Na verdade, tal qualificação encontrou a sua única justificação no seguinte: “Não obstante, resulta da matéria apurada que os arguidos se introduziram em espaço fechado que não lhes pertencia. Na verdade, pese embora o estabelecimento em questão não esteja em funcionamento, é do conhecimento funcional da signatária que o mesmo pertence à massa falida de M..., Lda.”, pelo que se trata de espaço vedado e não abandonado.” 3. Contudo, conforme resulta da própria fundamentação do factualismo não provado, é expressamente referido que “o estado de degradação das instalações não milita a favor da tese de arrombamento recente”. Na verdade, no estado em que as instalações se encontravam à data dos factos, não se poderia atribuir às mesmas qualquer utilidade concreta, seja para habitação, seja para estabelecimento comercial, seja para estabelecimento industrial ou para outra finalidade específica. 4. Ora, a jurisprudência já fixada, bem como a doutrina especializada nesta matéria revela que o conceito “espaço fechado” desta disposição legal deve ser interpretado com o restrito sentido de lugar fechado dependente de casa. 5. Como se escreveu a propósito de situação semelhante, no Ac. STJ, de 05.02.23, CJSTJ 1/2005, pág. 209, “…o assalto ao estaleiro, mesmo enquanto espaço fechado…não configura arrombamento de espaço fechado dependente de qualquer casa, dependência de que não pode abdicar-se porque a tutela penal pressuposta no tipo qualificado de furto, nos termos do artigo 204.º, n.º 2, al. e), do CP, não pode desprender-se daquela acessoriedade: acessorium principale sequitor”. 6. No conteúdo da presente decisão, em concreto, na qualificação jurídica dos factos em questão, admite-se considerar o imóvel abandonado como um lugar vedado e não acessível ao público pelo facto de aparentemente existir um muro à volta, mas não é exequível, em face do exposto e das circunstâncias de espaço e lugar referidos, como um “espaço fechado” para os efeitos previstos na al. e) do n.º 1 do artigo 202.º, do CP. 7. Deste modo, não preenche a comprovada conduta da arguida o crime de furto qualificado na forma tentada por que foi condenada, mas sim o crime de furto simples na forma tentada, do artigo 203.º, n.º 1, do CP, devendo assim substituir-se a Douta decisão por outra que não qualifique o crime de furto, com a respectiva redução da medida da pena aplicada, de acordo com o estipulado pelo artigo 73.º, n.º 1, do CP. 8. O crime de furto possui natureza semi-pública, isto é, para que o MP possa exercer a respectiva acção penal (possa accionar o respectivo procedimento criminal), o ofendido terá que apresentar queixa, conforme assim resulta expressamente do disposto no artigo 203.º, do CP, e do disposto nos artigos 48.º e 49.º, n.º 1, do CP. 9. Dispõe o artigo 113.º, n.º 1, do CP, que “quando o procedimento criminal depender de queixa, tem legitimidade para apresentá-la, salvo disposição em contrário, o ofendido, considerando-se como tal o titular dos interesses que a lei quis especialmente proteger com a incriminação”. 10. Pelo que o direito de queixa deveria ter sido exercido pela massa falida da M..., o que não aconteceu. 11. Assim, considerando que o interesse protegido pela norma jurídica do furto é a propriedade, deve-se considerar que os devidos titulares do interesse protegido nunca exerceram nos autos o respectivo direito de queixa (nada consta nos autos), verificando-se assim que o MP careceu de legitimidade para o exercício da acção penal, designadamente para deduzir acusação. 12. O que implica, quanto ao crime em apreço, a nulidade do processo (Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª ed., pág. 34), nulidade esta insanável e consequentemente invocável por qualquer interessado e do conhecimento oficioso até ao trânsito da decisão final – cfr. artigo 119.º, al. b), do CPP. 13. E a ser assim, deverá ser declarado extinto o presente procedimento criminal instaurado contra os arguidos, por ilegitimidade do MP em deduzir acusação, por inexistência de queixa. 14. Normas violadas: artigos 113.º, al. e), do n.º 1, do artigo 202.º, 203.º e 204.º, n.º 1, al. f), 22.º, 23.º e 73.º, do CP, e 48.º e 49.º, n.º 1, do CPP. **** C) Inconformado com a decisão , dela recorreu, em 13/3/2013, o arguido A..., extraindo da motivação as seguintes conclusões: 1. A douta Sentença recorrida encontra-se ferida de nulidade, nos termos do disposto no n.º 1 da al. b) do artigo 379.º, do CPP, por violação do disposto no n.º 3, do artigo 358.º, do CPP. 2. Verifica-se, ainda, a existência de insuficiência notória para a decisão da matéria de facto e de direito dada por provada, contradição insanável entre a fundamentação e a decisão e erro de julgamento, pois a prova produzida em Audiência de Discussão e Julgamento não poderia ter conduzido àquela fixação de matéria de facto dada como provada – cfr. artigo 410.º, n.º 2, als. a) e b), e artigo 412.º, n.º 3, do CPP. 3. O arguido vinha acusado da prática, em co-autoria com a arguida A..., …., p. e p. pelas disposições combinadas dos artigos 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 2, al. e), por referência à al. d) do artigo 202.º e artigos 22.º, 23.º e 73.º, todos do CP. 4. A decisão recorrida condenou-o pela prática, …, dos artigos 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 1, al. f), e artigos 22.º, 23.º e 73.º, todos do CP. 5. De acordo com o preceituado no n.º 3 do artigo 358.º, do CPP, em conjugação com o n.º 1 do mesmo preceito legal, ao alterar a qualificação jurídica dos factos descritos na acusação, o Tribunal a quo deveria ter comunicado tal alteração ao arguido e conceder-lhe, se o mesmo o requeresse, prazo para preparação da defesa. 6. O tribunal a quo nem comunicou a alteração da qualificação jurídica dos factos, nem concedeu ao arguido a possibilidade de requerer prazo para defesa. 7. O arguido só tomou conhecimento de que fora alterada a qualificação jurídica dos factos durante a leitura da douta Sentença. 8. O incumprimento do preceituado no referido n.º 3 do artigo 358.º, do CPP, constitui nulidade, de acordo com o prescrito no n.º 1 da al. b) do artigo 379.º, do CPP, e n.º 1 do artigo 118.º, do CPP, que expressamente se argúi. 9. Termos em que deve ser declarada NULA a douta Sentença recorrida. Sem prescindir, caso assim se não entenda, o que não se admite e se equaciona apenas por mera cautela de patrocínio, então: 10. (…) 11. Andou mal o tribunal a quo ao dar como provado que os arguidos amontoaram e juntaram barras de alumínio, com o peso total de 103Kg, no valor de 154,50 euros. 12. Não foi produzida qualquer prova de onde resulte que, efectivamente, o arguido intencionou apropriar-se da totalidade das barras de alumínio, com o peso total de 103Kg. 13. Do auto de notícia de fls. 3 e 4 dos autos, resulta apenas que “(…)”. 14. Dos depoimentos das testemunhas C... e D... , resulta apenas, de acordo com a motivação da decisão de facto plasmada na douta Sentença que “(…). 15. Dos depoimentos das testemunhas E... e F... , resulta apenas, de acordo com a motivação da decisão de facto plasmada na douta Sentença que “(…). 16. Dos depoimentos supra referidos o Tribunal apenas poderia dar como provado que o arguido intencionou apropriar-se de apenas uma ou duas caixas contendo alumínio, conforme o depoimento das testemunhas E...e F...o, pois, em rigor, os arguidos só foram vistos a transportar uma ou duas caixas. 17. (…). 18 (…). 19. Conforme resulta da motivação de facto, a testemunha D... referiu que a fábrica em causa já havia sido assaltada anteriormente. 20. (…). 21. (…). 22. Os arguidos apenas foram vistos na posse de uma ou duas caixas. 23. (…). 24. (…). 25. (…). 26. Inexiste qualquer prova quanto ao peso das barras de alumínio existentes numa ou duas caixas. 27. Inexiste qualquer prova quanto ao valor das barras de alumínio existentes nessas caixas. 28. Inexiste qualquer prova de quantas caixas havia no local. 29. (…). 30. (…). 31. (…). 32. (…). 33. (…). 34. (…). 35. Pelo que, sempre o valor dos materiais que o arguido intencionou apropriar-se é inferior à unidade de conta. 36. Termos em que, ao abrigo do disposto nos artigos 204.º, n.º 4 e 202.º, al. c), ambos do CP, nunca deveria o crime ter sido qualificado, por a coisa tentada furtar ser de valor diminuto. 37. Estando-se, assim, perante, unicamente, a prática de, na forma tentada, de um crime de furto simples, p. e p. pelo artigo 203.º, do CP. 38. Violou, desta forma, o Tribunal a quo o disposto nos artigos 204.º, n.º 1, al. f), 204.º, n.º 4, e 202.º, al. c), 203.º, todos do CP. Sem prescindir, (…) 39. (…). 40. (…). 41. Andou mal, mais uma vez, o Tribunal a quo ao qualificar o crime em apreço. 42. (…). 43. (…). 44. As instalações onde o arguido se introduziu dizem respeito a uma antiga fábrica de malhas, inactiva há anos, da empresa M...”, declarada insolvente, conforme consta da douta Sentença. 45. É inquestionável que não estamos perante um espaço fechado conexionado com uma habitação, nem com um estabelecimento comercial, pois um estabelecimento comercial caracteriza-se pela diversidade dos elementos que o compõem (elementos corpóreos, incorpóreos, aviamento e clientela) com o objectivo da prática do comércio, o que não é o caso. 46. Estaremos perante um espaço fechado conexo com um estabelecimento industrial? Salvo o devido respeito, parece-nos que não. 47. (…). 48. (…). 49. (…). 50. Nas instalações em causa nos presentes autos, não se exerce qualquer actividade há anos. 51. (…). 52. Não existindo qualquer actividade nas referidas instalações, nunca poderemos falar em estabelecimento industrial, nem, consequentemente, em espaço fechado conexionado com estabelecimento industrial. 53. (…). 54. Assim, e pelas razões aduzidas, nunca poderia o crime ter sido qualificado. 55. (…). 56. (…). 57. Estando em causa, como está, (…), apenas um crime de furto simples, o procedimento criminal depende de queixa, de acordo com o preceituado no n.º 3 do artigo 203.º, do CP. 58. A verdade é que não foi exercido qualquer direito de queixa nestes autos. 59. (…). 60. (…). 61. (…). 62. (…). 63. (…). 64. Mais, tendo precludido, há muito, o prazo para exercer o direito de queixa, deverão os autos ser arquivados, o que desde já se requer. 65. Caso assim se não entenda, (…), então, deverá o arguido ser condenado, apenas, pela prática, (…), do crime de furto simples, p. e p. pelo artigo 203.º, do CP. **** D) os recursos, em 22/4/2013, foram admitidos. **** E) O Ministério Público, no dia 9/5/2013, respondeu conjuntamente aos dois recursos, defendendo a sua improcedência e, sem apresentar conclusões, argumentou, em resumo, o seguinte: 1. Existe um desejo inequívoco de procedimento criminal a fls. 19, por parte do Administrador de Insolvência da empresa em questão, pelo que não é correcto afirmar que não existe queixa (esta não está dependente de fórmulas sacramentais). 2. As instalações em causa não estão devolutas, mas sim desactivadas (há um processo de insolvência e as instalações fazem parte da massa falida, tendo valor, tendo dono e tendo nas suas instalações bens com valor). 3. Não há que confundir local desactivado com falta de propriedade e, consequente, acesso livre. 4. Está, pois, correcta a qualificação jurídica efectuada pelo Tribunal a quo. 5. Não existe a nulidade prevista no artigo 379.º, n.º 1, al. b), do CPP. **** Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, em 26/6/2013, emitiu douto parecer no qual defendeu a improcedência dos recursos, acompanhando os argumentos usados na resposta do Ministério Público. Foi cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, não tendo sido exercido o direito de resposta. Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos, teve lugar a legal conferência, cumprindo apreciar e decidir. **** II. Decisão Recorrida: “II – FUNDAMENTAÇÃOFactos provados Discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos: 1. No dia 24.11.2011, pelas 03h30m, os arguidos A... e A..., fazendo-se transportar num veículo automóvel, ligeiro de mercadorias, marca Opel, modelo Kadett e Combo, com a matrícula X..., dirigiram-se às instalações fabris da empresa denominada M..., Lda., sita no lugar do (...), Lousã. 2. Uma vez aí chegados, entraram de forma não concretamente apurada nas instalações vedadas da empresa, amontoaram e juntaram barras de alumínio, com o peso total de 103 kg, no valor de € 154,50, que colocaram em caixas, com o propósito de os levar consigo. 3. Nas circunstâncias supra mencionadas, os arguidos foram surpreendidos pelos soldados da GNR da Lousã, Miranda do Corvo e Góis, que se encontravam de serviço de patrulha às ocorrências e que haviam sido chamados ao local. 4. Ao actuarem da forma descrita, os arguidos, em conjugação de esforços e em execução de um plano previamente acordado entre ambos, tiveram o propósito de fazer seus os bens referidos em 2, não ignorando que os mesmos, bem como o local em que se encontravam, não lhes pertenciam e que actuavam contra a vontade do legítimo dono, o que não lograram concretizar em razão da intervenção policial. 5. Agiram conjunta, deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo serem as suas condutas proibidas e punidas por lei. 6. O arguido A... é solteiro, tem quatro filhos, todos menores, tem o 9.º ano de escolaridade e, antes de estar a cumprir pena de prisão, era vendedor de automóveis. 7. A arguida A... é solteira, vive em casa da mãe com esta e as duas filhas, também menores, tem o 12.º ano de escolaridade e está desempregada há dois meses, sendo que antes trabalhava num lar de idosos e auferia € 550,00 por mês. 8. O arguido A... já foi alvo das seguintes condenações: a) Pela prática, em 28.11.2000, de um crime de tráfico de estupefacientes, por sentença proferida em 18.06.2001, já transitada em julgado, na pena de dois anos de prisão, suspensa pelo período de quatro anos; b) Pela prática, em 20.07.2000, de um crime de condução sem habilitação legal, por sentença proferida em 28.03.2003, transitada em julgado em 07.04.2003, na pena de 120 dias de multa; c) Pela prática, em 03.09.2001, de um crime de condução sem habilitação legal, por sentença proferida em 30.09.2003, transitada em julgado em 15.10.2003, na pena de 80 dias de multa, já declarada extinta pelo cumprimento; d) Pela prática, em 24.07.2004, de um crime de ofensa à integridade física simples, por sentença proferida em 09.03.2006, transitada em julgado em 29.03.2006, na pena de 230 dias de multa; e) Pela prática, em 10.01.2005, de um crime de tráfico de estupefacientes, por acórdão proferido em 22.03.2006, transitado em julgado em 06.04.2006, na pena de 5 anos de prisão; f) Pela prática, em 10.11.2004, de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, por sentença proferida em 15.05.2006, transitada em julgado em 30.05.2006, na pena de 120 dias de multa, convertida em 80 dias de prisão subsidiária; g) Em cúmulo jurídico entre as penas referidas em d), e) e f), na pena única de 5 anos de prisão e 190 dias de prisão subsidiária, por sentença proferida em 04.12.2008, transitada em julgado em 06.01.2009; h) Pela prática, em 11.03.2003, de um crime de detenção ilegal de arma, por acórdão proferido em 24.03.2010, transitado em julgado em 22.04.2010, na pena de um ano de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com sujeição a regime de prova, assente em regime de prova a elaborar pela DGRS, já declarada extinta pelo cumprimento; i) Pela prática, em 02.01.2011, de um crime de violação de imposições, proibições ou interdições, por sentença proferida em 14.11.2011, transitada em julgado em 10.01.2012, na pena de 200 dias de multa; j) Pela prática, em 17.05.2011, de um crime de violação de imposições, proibições ou interdições, por sentença proferida em 29.03.2012, transitada em julgado em 09.05.2012, na pena de 13 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período; l) Por sentença proferida em 08.10.2012, transitada em julgado em 05.11.2012, foi determinada a acumulação material das penas referidas em i) e j); m) Pela prática, em 26.05.2011, de um crime de violação de imposições, proibições ou interdições, por sentença proferida em 02.05.2012, transitada em julgado em 28.05.2012, na pena de 7 meses de prisão; n) Pela prática, em 26.05.2011, de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, por sentença proferida em 25.06.2011, transitada em julgado em 17.09.2012, na pena de 18 meses de prisão. 9. A arguida A... não tem antecedentes criminais. 10. Ambos os arguidos aguardam julgamento pela prática do crime de tráfico de menor gravidade. * Não se provou que os arguidos destruíram o cadeado do portão de acesso ao pátio interior da empresa identificada em 1. * Motivação da decisão de facto A convicção probatória do tribunal fundou-se nas declarações dos arguidos, nos depoimentos das testemunhas e nos documentos constantes dos autos, como se passa a expor. Os arguidos exerceram o seu direito ao silêncio quanto aos factos que lhes são imputados. C... e D..., ambos militares da GNR, a exercer funções no Posto Territorial da Lousã, relataram que, na sequência de um telefonema recebido cerca das 03h30m, dando conta da existência de luzes e ruídos anormais nas instalações da empresa M..., Lda., se deslocaram ao local, onde observaram o veículo descrito em 1, estacionado nas traseiras, junto ao portão, bem como vultos e luzes de lanterna reflectindo no telhado e ouviram sons metálicos, indiciadores de remoção/desmontagem de alumínio e transporte de ferro e material afim. Mais detectaram a presença, em várias zonas da fábrica, nomeadamente junto aos seus acessos, de caixas contendo alumínio, assim como molhos de alumínio atados com fita-cola, prontos a serem carregados. Relataram que, passados alguns minutos, os arguidos, os únicos, como, após vistoria das instalações, viriam a confirmar, presentes no local, saíram da fábrica pelas traseiras, usando lanternas de mineiro e com o corpo e vestuário sujos. C...referiu, ainda, ter observado janelas cujo alumínio fora removido e asseverou que as instalações da fábrica, pese embora desactivadas, estavam vedadas. De resto, é do conhecimento funcional da signatária que as mesmas integram a massa falida da empresa supra identificada. E... e F..., militares da GNR, à data, a exercer funções no Posto Territorial de Góis, que, na sequência de um pedido de reforços, se dirigiram ao local, corroboraram, no essencial os relatos dos anteriores depoentes e acrescentaram que, encontrando-se posicionados junto à fachada da fábrica, puderam ouvir sons metálicos, compatíveis com a remoção de alumínio, e vislumbrar luzes de lanterna, bem como dois vultos, um dos quais a transportar uma ou duas caixas contendo alumínio, material que depois foi apreendido. Confirmaram a presença nas instalações de outras caixas com o mesmo conteúdo e molhos de alumínio atado com fita-cola, dispostos de forma a serem carregados e que também foram apreendidos. F...esclareceu que a forma de acondicionamento das caixas de alumínio era idêntica. Foram depoimentos prestados de forma séria, objectiva, circunstanciada e, no essencial, coincidentes entre si (divergindo apenas, como adiante melhor se verá, quanto à existência ou não de arrombamento) e com a prova documental junta aos autos, pelo que lograram convencer o tribunal. O tribunal considerou, ainda, o auto de notícia de fls. 3-4, o auto de apreensão de fls. 15, os autos de avaliação de fls. 16-18 e o relatório fotográfico de fls. 81-86. Todos estes elementos, conjugadamente ponderados e com apelo às regras do normal acontecer, permitem imputar aos arguidos a prática dos factos em apreço. Com efeito, se é certo que nenhuma das testemunhas ouvidas presenciou plenamente a subtracção, não é menos verdade que a inexistência de prova directa da autoria do furto não obsta à condenação, uma vez que esta se pode fundamentar apenas em prova indiciária ou indirecta, devidamente valorada e desde que os indícios sejam fortes, precisos e concordantes. Como bem se assinala no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.09.2007, proc. 07P4588, em www.dgsi.pt, “A prova indiciária é suficiente para determinar a participação no facto punível se da sentença constarem os factos-base (requisito de ordem formal) e se os indícios estiverem completamente demonstrados por prova directa (requisito de ordem material), os quais devem ser de natureza inequivocamente acusatória, plurais, contemporâneos do facto a provar e, sendo vários, estar inter-relacionados de modo que reforcem o juízo de inferência”, o que, atento o acima exposto, se verifica no caso que nos ocupa. Em suma, atendendo ao que se deixou dito e às regras de experiência comum, não é verosímil que os arguidos tenham sido alheios aos factos descritos na acusação, tudo apontando, ao invés, no sentido de terem sido eles os seus autores. Por seu turno, a prova da matéria vertida em 4 e 5 resulta da conjugação entre a factualidade objectiva apurada e as regras de experiência comum. Com efeito, tendo em conta a conduta dos arguidos, outra intenção não poderiam estes ter senão entrarem nas instalações da empresa e fazerem seus os objectos descritos em 2. É igualmente manifesto que os arguidos agiram de forma voluntária e com conhecimento das consequências que da sua conduta podiam advir. No que respeita às condições pessoais e sócio-económicas dos arguidos, consideraram-se as declarações por estes prestadas, que mereceram a credibilidade do tribunal. Por fim, tiveram-se em conta os certificados de registo criminal juntos a fls. 217-232 e 233. O factualismo não provado resulta da ausência de prova bastante, desde logo porque nenhuma das testemunhas soube explicar, com a necessária certeza, a forma como os arguidos entraram nas instalações da empresa. Depois, como acima se deu conta, foram detectadas a este respeito divergências entre os relatos (mas, tendo em conta a dinâmica e circunstancialismo em torno dos eventos, não ao ponto de infirmar a sua credibilidade). Com efeito, enquanto C...e D... aludiram à presença de vestígios de arrombamento recente em dois portões, que descreveram, as demais testemunhas não conseguiram afastar a hipótese de o(s) arrombamento(s) ter(em) ocorrido em momento anterior ao dos factos em apreço, tendo, inclusive, E...dito que um dos portões exibia sinais de ter sido arrombado há algum tempo. Por outro lado, apenas C...e E...mostraram não ter conhecimento de anteriores queixas de arrombamento no local, sendo que D... referiu que, ao que julga, a fábrica já havia sido assaltada. Acresce que o estado de degradação das instalações não milita a favor da tese de arrombamento recente. Por último, a circunstância de todas as testemunhas terem afirmado, de forma unânime, que o portão por onde os arguidos saíram antes de serem surpreendidos e junto ao qual haviam estacionado o seu veículo foi forçado (explicando que, de resto, só assim se lograva a entrada nas instalações pelas traseiras), não é suficiente para considerar demonstrada a introdução por meio de arrombamento. * Enquadramento jurídico- penal Vêm os arguidos acusados da prática, em co-autoria material e na forma tentada, de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 2, alínea e), por referência à alínea d) do artigo 202.º, e artigos 22.º, 23.º e 73.º, todos do Código Penal. Nos termos daquele primeiro normativo, “Quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair coisa móvel alheia, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa”. De acordo com o disposto na alínea e) do citado artigo 204.º, n.º 2, é punido com prisão de 2 a 8 anos quem furtar coisa móvel alheia penetrando em estabelecimento comercial ou outro espaço fechado por arrombamento, conceito que a alínea d) do referido artigo 202.º define como “o rompimento, fractura ou destruição, no todo ou em parte, de dispositivo destinado a fechar ou impedir a entrada, exterior ou interiormente, de casa ou de lugar fechado dela dependente”. Sujeito passivo do crime pode ser tanto o proprietário da coisa, como o seu detentor. Objecto da acção é a coisa móvel alheia. São elementos constitutivos do crime de furto: a subtracção, de coisa móvel alheia e a ilegítima intenção de apropriação. A subtracção pode ser definida como a “passagem da coisa móvel da esfera de domínio do detentor para nova esfera de domínio, contra a vontade daquele” (cfr. Conceição Ferreira da Cunha, “Comentário Conimbricense do Código Penal – Parte Especial”, Tomo II, Coimbra Editora, p.166). A subtracção não se esgota com a mera apreensão da coisa alheia, essencial é que o agente a subtraia da posse alheia e a coloque à sua disposição ou à disposição de terceiro (vide Maia Gonçalves, “Código Penal Português, Anotado”, 6.ª edição, p.651). A coisa móvel é toda a substância corpórea, susceptível de apreensão, pertencente a alguém e que tenha um valor qualquer, mas juridicamente relevante. No tocante ao tipo subjectivo de ilícito, o crime em causa pressupõe uma actuação com dolo (em qualquer das modalidades previstas no artigo 14.º do Código Penal), pelo que “o agente terá de ter o conhecimento correcto da factualidade típica, sob pena de não se preencher o elemento intelectual do dolo” (Conceição Ferreira da Cunha, ob. cit., p.173). Exige-se, ademais, uma específica intenção de apropriação, que Faria Costa define como “a vontade intencional do agente se comportar, relativamente, a coisa móvel, que sabe não ser sua, como seu proprietário, querendo, assim, integrá-la na sua esfera patrimonial ou na de outrem” (animus sibi rem habendi) – cfr. “Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial”, Tomo II, Coimbra Editora, p.33. A ilegítima intenção de apropriação mais não é do que o dolo específico, traduzido na intenção de o agente, contra a vontade do proprietário ou detentor da coisa furtada, a haver para si ou para outrem, integrando-a na sua esfera patrimonial (assim, Leal Henriques e Simas Santos, “O Código Penal de 1982”, vol. 4, p.17). Esta intenção constitui um elemento subjectivo especial deste tipo de crime que acresce ao dolo entendido como elemento subjectivo geral e, como tal, não tem correspondência com o tipo objectivo de ilícito. No caso dos autos, provou-se que, nas circunstâncias descritas na acusação, os arguidos entraram de forma não concretamente apurada nas instalações vedadas da empresa denominada M..., Lda. e amontoaram e juntaram barras de alumínio, com o peso total de 103 kg, no valor de € 154,50, que colocaram em caixas, com o propósito de os levar consigo, o que apenas não lograram graças à intervenção policial. Ora, perante esta factualidade, temos que os arguidos, com ilegítima intenção de apropriação para si ou outra pessoa, tentaram subtrair coisa móvel alheia. Todavia, não ficou demonstrado que os mesmos tenham destruído o cadeado do portão de acesso ao pátio interior da empresa, ou seja, que tenham penetrado nas instalações desta por meio de arrombamento, pelo que não é possível considerar verificada a circunstância qualificadora prevista na alínea e) do citado artigo 204.º, n.º 2. Não obstante, resulta da matéria apurada que os arguidos se introduziram em espaço fechado que não lhes pertencia. Na verdade, pese embora o estabelecimento em questão não esteja em funcionamento, é do conhecimento funcional da signatária que a mesma pertence à massa falida de M..., Lda., pelo que se trata de espaço vedado e não abandonado. Ora, de acordo com o disposto na alínea f) do citado artigo 204.º, n.º 1, é punido com prisão até cinco anos ou com pena de multa até 600 dias quem furtar coisa móvel alheia introduzindo-se ilegitimamente em habitação, ainda que móvel, estabelecimento comercial ou industrial ou espaço fechado, ou aí permanecendo escondido com intenção de furtar. Mais se provou que, ao actuarem da forma descrita, os arguidos, em conjugação de esforços e em execução de um plano previamente acordado entre ambos, tiveram o propósito de fazer seus os bens referidos em 2, não ignorando que os mesmos, bem como o local em que se encontravam, não lhes pertenciam e que actuavam contra a vontade do legítimo dono, o que não lograram concretizar em razão da intervenção policial. Verifica-se, ainda, que os arguidos não actuaram ao abrigo de qualquer causa de justificação da ilicitude ou de exclusão da culpa. Tinham igualmente consciência da ilicitude dos factos que praticaram, pois sabiam que as suas condutas eram proibidas por lei penal. Face à factualidade provada e aos elementos típicos acima explicitados, conclui-se pela verificação de todos os elementos – objectivos e subjectivos – do crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 1, alínea f), 22.º, 23.º e 73.º, todos do Código Penal, ou seja, na forma tentada, uma vez que os arguidos não chegaram a alcançar o resultado típico. * Da medida concreta da pena Devidamente subsumida a conduta dos agentes, cumpre agora proceder à determinação da medida das sanções a aplicar aos arguidos. Nos termos do artigo 203.º, n.º 1, do Código Penal, “Quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair coisa móvel alheia, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa”. E, como se disse, de acordo com o disposto na alínea f) do citado artigo 204.º, n.º 1, é punido com prisão até cinco anos ou com pena de multa até 600 dias quem furtar coisa móvel alheia introduzindo-se ilegitimamente em habitação, ainda que móvel, estabelecimento comercial ou industrial ou espaço fechado, ou aí permanecendo escondido com intenção de furtar. Por sua vez, o artigo 41.º, n.º 1, do Código Penal estabelece que a pena de prisão tem a duração mínima de um mês. Por sua vez, o artigo 47.º, n.º 1, do mesmo diploma legal prescreve que a pena de multa tem, em regra, o limite mínimo de 10 dias. No caso vertente, o crime em apreço foi praticado na forma tentada. Ora, prescreve o n.º 2 do artigo 23.º do Código Penal que a tentativa é punível com a pena aplicável ao crime consumado especialmente atenuada. Os termos dessa atenuação especial fazem-se de acordo com o estipulado pelo artigo 73.º, n.º 1. Assim, o limite máximo da pena de prisão é reduzido de um terço e o seu limite mínimo é reduzido a um quinto se for igual ou superior a 3 anos e ao mínimo legal se for inferior e o limite máximo da pena de multa é reduzido de um terço e o limite mínimo reduzido ao seu mínimo legal. Por conseguinte, a moldura penal abstracta do crime é de um mês a 3 anos e 4 meses de prisão e 10 a 400 dias de multa. Existindo dois tipos de sanção em alternativa, a primeira operação a realizar é a da escolha entre pena de prisão ou pena de multa. Dispõe o artigo 70.º do Código Penal que, se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dará preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. De acordo com o artigo 40.º daquele diploma legal, tais finalidades consistem na tutela de bens jurídicos e na socialização do agente. Esta orientação é a mais consentânea com o objectivo político-criminal de aplicação preferencial de medidas não privativas da liberdade e com a consideração, decorrente dessa finalidade, da prisão subsidiária como ultima ratio, atentos os efeitos criminógenos e estigmatizantes que lhes estão comprovadamente associados. Cabe, também, realçar que na “Introdução” do Código Penal de 1982 é inequívoca esta opção pelas reacções penais não detentivas, mormente nos nºs 9 e 10, onde a prisão surge como “um mal que deve reduzir-se ao mínimo necessário” e se “depositam as melhores esperanças” nas medidas não privativas da liberdade. No caso vertente, cabe ponderar que, atenta a frequência da prática deste ilícito típico e o sentimento de insegurança que gera na população, são prementes as necessidades de prevenção geral, reclamando o fortalecimento do sentimento de justiça no seio da comunidade. No plano da prevenção especial, importa distinguir entre os dois arguidos. No caso do arguido A..., considerando o elevado número de condenações que já regista, pode afirmar-se que existe uma acentuada carência de socialização. Por conseguinte, e pese embora a clara preferência político-criminal pelas medidas não privativas da liberdade, neste caso, a aplicação de uma pena de multa não realizaria de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, razão pela qual o tribunal entende condenar o arguido em pena de prisão. Contrariamente, no que concerne à arguida A..., tendo em conta a sua boa inserção familiar e a ausência de antecedentes criminais, é nosso entendimento que a aplicação de uma pena de multa representa uma censura suficiente do facto e, simultaneamente, é idónea a repor as expectativas comunitárias na validade da norma violada. Para determinação da medida concreta da pena, o julgador serve-se do critério global contido no artigo 71.º do Código Penal, atendendo à culpa do agente e às exigências de prevenção geral e especial, ponderando, ainda, todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente. Assim, há que ter em conta, desde logo, o artigo 40.º do Código Penal, que dispõe que a aplicação de uma pena visa a protecção de bens jurídicos, no sentido de tutela da confiança da comunidade na ordem jurídico-penal e a reintegração do agente na sociedade (n.º 1), não podendo a pena ultrapassar a medida da culpa, a qual funciona como pressuposto e limite máximo daquela (n.º 2). Seguindo o modelo proposto por Jorge de Figueiredo Dias, a prevenção geral positiva fornece uma “moldura de prevenção”, que tem como limite máximo a medida óptima de tutela dos bens jurídicos e como limiar mínimo o ponto abaixo do qual ficam irremediavelmente comprometidas as funções de tutela da ordem jurídica e da paz social. Dentro dessa moldura, deverão actuar as exigências de integração do agente na sociedade. Na determinação da medida concreta da pena, atender-se-á a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente e contra ele, nomeadamente as elencadas no n.º 2 do artigo 71.º do Código Penal, ou seja: a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; b) A intensidade do dolo ou da negligência; c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica; e) A conduta anterior ao facto e posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; e f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena. Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.04.2008, em www.pgdlisboa.pt, remetendo para o Acórdão do mesmo tribunal de 28.09.2005, CJSTJ 2005, Tomo 3, p.173, “na dimensão das finalidades da punição e da determinação em concreto da pena, as circunstâncias e os critérios do artigo 71.º do Código Penal têm a função de fornecer ao juiz módulos de vinculação na escolha da medida da pena; tais elementos e critérios devem contribuir tanto para codeterminar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõem maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação de valores), como para definir o nível e premência das exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente”. No caso sub iudice, vejamos o que de relevante nesta sede se apurou relativamente aos arguidos: - A ilicitude é baixa, atenta a natureza e valor dos objectos de que os arguidos se tentaram apropriar; - O dolo é directo, logo, intenso, pelo que a culpa é elevada; - O arguido A... é solteiro, tem quatro filhos, todos menores, possui o 9.º ano de escolaridade e, antes de estar a cumprir pena de prisão, era vendedor de automóveis; - A arguida A... é solteira, vive em casa da mãe com esta e as duas filhas, também menores, tem o 12.º ano de escolaridade e está desempregada há dois meses, sendo que antes trabalhava num lar de idosos e auferia € 550,00 por mês; - O arguido A... já foi alvo das seguintes condenações: a) Pela prática, em 28.11.2000, de um crime de tráfico de estupefacientes, por sentença proferida em 18.06.2001, já transitada em julgado, na pena de dois anos de prisão, suspensa pelo período de quatro anos; b) Pela prática, em 20.07.2000, de um crime de condução sem habilitação legal, por sentença proferida em 28.03.2003, transitada em julgado em 07.04.2003, na pena de 120 dias de multa; c) Pela prática, em 03.09.2001, de um crime de condução sem habilitação legal, por sentença proferida em 30.09.2003, transitada em julgado em 15.10.2003, na pena de 80 dias de multa, já declarada extinta pelo cumprimento; d) Pela prática, em 24.07.2004, de um crime de ofensa à integridade física simples, por sentença proferida em 09.03.2006, transitada em julgado em 29.03.2006, na pena de 230 dias de multa; e) Pela prática, em 10.01.2005, de um crime de tráfico de estupefacientes, por acórdão proferido em 22.03.2006, transitado em julgado em 06.04.2006, na pena de 5 anos de prisão; f) Pela prática, em 10.11.2004, de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, por sentença proferida em 15.05.2006, transitada em julgado em 30.05.2006, na pena de 120 dias de multa, convertida em 80 dias de prisão subsidiária; g) Em cúmulo jurídico entre as penas referidas em d), e) e f), na pena única de 5 anos de prisão e 190 dias de prisão subsidiária, por sentença proferida em 04.12.2008, transitada em julgado em 06.01.2009; h) Pela prática, em 11.03.2003, de um crime de detenção ilegal de arma, por acórdão proferido em 24.03.2010, transitado em julgado em 22.04.2010, na pena de um ano de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com sujeição a regime de prova, assente em regime de prova a elaborar pela DGRS, já declarada extinta pelo cumprimento; i) Pela prática, em 02.01.2011, de um crime de violação de imposições, proibições ou interdições, por sentença proferida em 14.11.2011, transitada em julgado em 10.01.2012, na pena de 200 dias de multa; j) Pela prática, em 17.05.2011, de um crime de violação de imposições, proibições ou interdições, por sentença proferida em 29.03.2012, transitada em julgado em 09.05.2012, na pena de 13 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período; l) Por sentença proferida em 08.10.2012, transitada em julgado em 05.11.2012, foi determinada a acumulação material das penas referidas em i) e j); m) Pela prática, em 26.05.2011, de um crime de violação de imposições, proibições ou interdições, por sentença proferida em 02.05.2012, transitada em julgado em 28.05.2012, na pena de 7 meses de prisão; n) Pela prática, em 26.05.2011, de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, por sentença proferida em 25.06.2011, transitada em julgado em 17.09.2012, na pena de 18 meses de prisão. - A arguida A... não tem antecedentes criminais; - Ambos os arguidos aguardam julgamento pela prática do crime de tráfico de menor gravidade. Tudo ponderado e tomando ainda em consideração as necessidades de prevenção acima analisadas, reputa-se como justo e adequado condenar o arguido A... na pena de um ano de prisão e a arguida A... na pena de 150 dias de multa. Em conformidade com o estatuído no n.º 2 do artigo 47.º do Código Penal, cada dia de multa corresponde a uma quantia entre € 5,00 e € 500,00, a fixar em função da situação económica e financeira do arguido e dos seus encargos pessoais, considerando, nomeadamente, a totalidade dos seus rendimentos próprios, a que serão deduzidos os gastos e despesas que tenha de suportar. Neste contexto, importa realçar que a pena de multa só cumprirá a sua finalidade político-criminal, se constituir um verdadeiro sacrifício para o condenado (salvaguardando-se o indispensável para garantir um nível existencial mínimo). No caso em análise, atendendo aos factos provados sobre a situação económico-financeira da arguida A..., nomeadamente a ausência de rendimentos, fixa-se o quantum diário em € 5,00, o que perfaz a quantia global de € 750,00. * Apesar de a medida da pena de prisão ora determinada permitir, em abstracto, a aplicação de qualquer uma das penas de substituição previstas na lei, atento o que se deixou dito a propósito das exigências de prevenção geral e especial suscitadas no caso concreto, maxime o passado criminal do arguido, o qual já foi alvo de pena de prisão efectiva, é nosso entendimento que cumprirá somente aferir da possibilidade de aplicação da pena de substituição prevista no artigo 50.º do Código Penal, cujo n.º 1 dispõe que “O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”. O período de suspensão tem duração igual à da pena de prisão determinada na sentença, mas nunca inferior a um ano (n.º 5 do aludido normativo). Conforme se decidiu no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31.01.2008, Proc. 07P4573, em www.dgsi.pt, “face a este texto, deve entender-se, e tem-se entendido, que a suspensão da execução da pena se insere num conjunto de medidas não institucionais, que, não determinando a perda da liberdade física, importam sempre uma intromissão mais ou menos profunda na condução da vida dos delinquentes, pelo que, embora, funcionem como medidas de substituição, não podem ser vistas como formas de clemência legislativa, pois constituem autênticas medidas de tratamento bem definido, com uma variedade de regimes aptos a dar resposta adequada a problemas específicos”. Na suspensão da execução da pena não estão em causa considerações de culpa, mas apenas de prevenção geral, sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico, e de prevenção especial. Perante um prognóstico favorável nos termos do artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal, são considerações de prevenção especial que determinam a socialização do arguido em liberdade, por assim se lograr alcançar a finalidade reeducativa e pedagógica, pela ameaça da pena, e ser adequada e suficiente às finalidades da punição (vide o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21.03.2007, Proc. 07P797, em www.dgsi.pt). Ora, sendo o grau de ilicitude reduzido e respeitando as condenações anteriores do arguido a crimes diversos daquele que ora se aprecia, entende-se que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Tomando de préstimo as palavras de Leal-Henriques e Simas Santos, em anotação ao artigo em análise, “o tribunal deverá correr um risco prudente”, uma vez que a esperança de que o arguido não voltará a cometer nenhum crime no futuro “não é seguramente certeza”, sendo que, apenas em caso de “sérias dúvidas sobre a capacidade do arguido para compreender a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, a prognose deve ser negativa”. Por tudo quanto foi exposto, decide-se suspender a execução da pena de um ano de prisão aplicada ao arguido A... por igual período. Nos termos do disposto no artigo 53.º, nºs 1, e 2, do Código Penal, o tribunal pode determinar que a suspensão da execução da pena de prisão seja acompanhada de regime de prova, se o considerar conveniente e adequado a promover a reintegração do condenado na sociedade, assentando tal regime num plano de reinserção social, executado com vigilância e apoio dos serviços de reinserção social durante o período de suspensão da pena. O n.º 3 do mesmo preceito legal determina a sujeição a regime de prova sempre que o condenado não tiver completado, ao tempo do crime, 21 anos de idade ou quando a prisão cuja execução for suspensa tiver sido aplicada em medida superior a 3 anos. Tendo em conta as condições pessoais e passado criminal deste arguido, decide-se sujeitar a suspensão da execução da pena de prisão a regime de prova, assente num plano de reinserção social, executado com vigilância e apoio dos serviços de reinserção social durante o período de suspensão da pena e adaptado à actual situação de reclusão do arguido.” **** III. Apreciação dos Recursos: O objecto de um recurso penal é definido pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso – artigos 403.º e 412.º, n.º 1, ambos do C.P.P. Na realidade, de harmonia com o disposto no n.º1, do artigo 412.º, do C.P.P., e conforme jurisprudência pacífica e constante (designadamente, do S.T.J. – Ac. de 13/5/1998, B.M.J. 477/263, Ac. de 25/6/1998, B.M.J. 478/242, Ac. de 3/2/1999, B.M.J. 477/271), o âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelos recorrentes da motivação apresentada, só sendo lícito ao tribunal ad quem apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente por obstativas da apreciação do seu mérito, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410.º, n.º 2, do mesmo diploma, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (Ac. do Plenário das Secções do S.T.J., de 19/10/1995, D.R. I – A Série, de 28/12/1995). São só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões, da respectiva motivação, que o tribunal ad quem tem de apreciar – artigo 403.º, n.º 1 e 412.º, n.º1 e n.º2, ambos do C.P.P. A este respeito, e no mesmo sentido, ensina Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, Vol. III, 2ª edição, 2000, fls. 335, «Daí que, se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões». As questões a conhecer são as seguintes: 1. Saber se o Tribunal incorreu na nulidade prevista no artigo 379.º, n.1, al. b), do CPP, por violação do disposto no n.º 3, do artigo 358.º, do CPP (recurso do arguido A...). 2. Saber se a sentença recorrida padece dos vícios a que aludem os artigos 410.º, n.º 2, als. a) e b), 412.º, n.º 3, ambos do CPP (recurso do arguido A...). 3. Saber se existe uma qualificação jurídica errada dos factos apurados, devendo estes integrar apenas a prática de um crime de furto simples, na forma tentada, daí decorrendo, na ausência de queixa, a ilegitimidade do Ministério Público para o exercício da acção penal (comum aos dois recursos). **** 1) Da nulidade prevista no artigo 379.º, n.1, al. b), do CPP, por violação do disposto no n.º 3, do artigo 358.º, do CPP: O recorrente A... defende que o Tribunal a quo, ao alterar a qualificação jurídica dos factos descritos na acusação e ao não comunicar essa alteração ao arguido, cometeu a nulidade agora em causa. Não há muito a dizer quanto a esta questão. Na verdade, é pacífica a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça no sentido de que a comunicação ao arguido a que alude o artigo 358.º, n.º 3, do CPP, não é necessária quando a alteração da qualificação jurídica redunda na imputação ao arguido de uma infracção que representa um minus relativamente à da acusação ou da pronúncia, pois o arguido teve conhecimento de todos os seus elementos constitutivos e possibilidade de os contraditar – cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Setembro de 2007, proferido no processo n.º 07P2596, disponível na base de dados do IGFEJ (www.dgsi.pt), cuja actualidade se mantém. Este entendimento é afirmado, nomeadamente, por Maia Gonçalves (“Código de Processo Penal Anotado”, 17.ª edição, página 815, em anotação ao artigo 358.º). Ainda a este propósito, Paulo Pinto de Albuquerque expressa o entendimento de que não há necessidade de comunicação da alteração não substancial dos factos e da alteração da qualificação jurídica dos factos em diferentes casos que explicita e onde se inclui a alteração derivada da posição da defesa e a condenação por um crime menos grave do que o da acusação por força da redução da matéria de facto na sentença, se esta redução não constituir uma alteração substancial dos factos da acusação (“Comentário da Código de Processo Penal”, 2.ª edição, página 908, em anotação ao artigo 358.º). E essa é a nossa situação (convolação de furto qualificado, p. e p. pelo artigo 204.º, n.º 2, al. e), do Código Penal, para furto qualificado, p. e p. pelo artigo 204.º, n.º 1, al. f), do mesmo diploma legal). Em síntese, quando, como no caso presente, a prova produzida não permite a condenação pelo tipo mais grave, a defesa do arguido em nada é prejudicada ou surpreendida com a condenação pelo tipo de crime-base integrante. Por conseguinte, entendemos que a não notificação do arguido da alteração da qualificação jurídica dos factos não impediu a possibilidade de uma defesa eficaz e, como tal, não determina a arguida nulidade da sentença. **** 2) Dos vícios a que aludem os artigos 410.º, n.º 2, als. a) e b), 412.º, n.º 3, ambos do CPP: Na sua Motivação, a fls. 313, o recorrente A... coloca esta questão nos seguintes termos: “II – Da existência de insuficiência notória para a decisão da matéria de facto e de direito dada por provada, contradição insanável entre a fundamentação e a decisão e erro de julgamento, pois a prova produzida em Audiência de Discussão e Julgamento não poderia ter conduzido àquela fixação de matéria de facto dada como provada (cfr. arts. 410.º, n.º 2, als. a) e b), e 412.º, n.º 3, do CPP).” Impõe-se deixar claro, para que fique clarificada a abordagem a esta questão suscitada no recurso, qual o tipo de impugnação trazido aos autos. O recorrente pretende invocar um dos vícios oficiosos do artigo 410º, do CPP, assim impugnando a matéria de facto dada como provada, ou pretende reapreciar a matéria dada como provada, nos termos do artigo 412º, n.º 3 do CPP? Não há que confundir estas duas formas de impugnação da matéria factual – por um lado, a invocação dos vícios previstos no artigo 410º, n.º 2, alíneas a). b) e c), e por outro, os requisitos da impugnação – mais ampla - da matéria de facto a que se refere o artigo 412º, n.º 3, alíneas a), b) e c), todos do CPP. **** Estabelece o art. 410.º, n.º 2, do CPP, que, mesmo nos casos em que a lei restringe a cognição do tribunal, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; c) Erro notório na apreciação da prova. Saliente-se que, em qualquer das apontadas hipóteses, o vício tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para o fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento (cf. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 10. ª ed., 729, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª ed., 339 e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., 77 e ss.), tratando-se, assim, de vícios intrínsecos da sentença que, por isso, quanto a eles, terá que ser auto-suficiente. A “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”, vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea a), ocorrerá quando a matéria de facto provada seja insuficiente para fundamentar a decisão de direito e quando o tribunal não investigou toda a matéria de facto com interesse para a decisão – diga-se, contudo, que este vício se reporta à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito e não à insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova, que é insindicável em reexame restrito à matéria de direito. A “contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão”, vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea b), consiste na incompatibilidade, insusceptível de ser ultrapassada através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão. Tal ocorre quando um mesmo facto com interesse para a decisão da causa seja julgado como provado e não provado, ou quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si, de modo a que apenas um deles pode persistir, ou quando for de concluir que a fundamentação conduz a uma decisão contrária àquela que foi tomada. Finalmente, o “erro notório na apreciação da prova”, a que se reporta a alínea c) do artigo 410.º, verifica-se quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente percebe que o tribunal violou as regras da experiência ou de que efectuou uma apreciação manifestamente incorrecta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios. O erro notório também se verifica quando se violam as regras sobre prova vinculada ou das legis artis (sobre estes vícios de conhecimento oficioso, Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em processo penal, 5.ª edição, pp.61 e seguintes). Esse vício do erro notório na apreciação da prova existe quando o tribunal valoriza a prova contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum ou, talvez melhor dito, ao juiz “normal”, ao juiz dotado da cultura e experiência que deve existir em quem exerce a função de julgar, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente (cf. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª Ed., 341). Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, e que consiste basicamente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido (cf. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Ed., 74). Não se verifica tal erro se a discordância resulta da forma como o tribunal teria apreciado a prova produzida – o simples facto de a versão do recorrente sobre a matéria de facto não coincidir com a versão acolhida pelo tribunal não leva ao ora analisado vício. O erro de julgamento, por seu turno, consagrado no artigo 412º, nº 3, do CPP, ocorre quando o tribunal considere provado um determinado facto, sem que dele tivesse sido feita prova pelo que deveria ter sido considerado não provado ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado. Aqui, nesta situação de erro de julgamento, o recurso visa reapreciar a prova gravada em 1ª instância, havendo que a ouvir em 2ª instância. Neste caso, a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos n.º 3 e 4 do art. 412.º do CPP. Nos casos de impugnação ampla, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, agora com base na audição de gravações, antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente. E é exactamente porque o recurso em que se impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não constitui um novo julgamento do objecto do processo, mas antes um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir, cirurgicamente, erros in judicando ou in procedendo, que o recorrente deverá expressamente indicar, é que se impõe a este o ónus de proceder a uma tríplice especificação, estabelecendo o artigo 412.º, n.º3, do C.P.P.: «3.Quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar: a)- Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b)-As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c)-As provas que devem ser renovadas». A dita especificação dos «concretos pontos de facto» traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorrectamente julgados, só se satisfazendo tal especificação com a indicação do conteúdo especifico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas «provas» impõem decisão diversa da recorrida. Além disso, o n.º 4, do citado artigo 412.º contempla o seguinte: “Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.” Ora, no caso em apreço, ainda que aluda a vícios previstos no artigo 410.º, do CPP, o recorrente está, claramente, no âmbito do disposto no artigo 412.º, do CPP, na medida em que faz apelo a elementos exteriores à sentença (depoimentos de testemunhas). **** Pois bem, ao alegar o que consta da sua Motivação, em boa verdade, o recorrente está, simplesmente, a impugnar a convicção adquirida pelo tribunal a quo sobre determinados factos, em contraposição com a que sobre o mesmo aquele adquiriu em julgamento, esquecendo-se da regra da livre apreciação da prova inserida no artigo 127.º, do C.P.P. Assim sendo, é manifesto que o ora recorrente nada traz aos autos que possa impor uma alteração da matéria de facto. Na realidade, o recorrente, quando coloca em crise a apreciação da prova produzida em audiência, deve explicitar por que razão essa prova “impõe” decisão diversa da recorrida. Este é o cerne do dever de especificação. Acontece que, no nosso caso, o recorrente limita-se a trazer aos autos a sua própria valoração da prova, mais consentânea com o momento das alegações orais em sede de julgamento de 1ª instância, em vez de indicar em que medida os depoimentos das testemunhas por si elencadas poderiam impor uma decisão diversa daquela que foi tomada pelo Tribunal a quo. Em sede de valoração da prova, o tribunal de recurso só pode exercer censura crítica se ficar demonstrado que o caminho de convicção trilhado ofende patentemente as regras da experiência comum. Ora, não é esse o caso. Os arguidos não quiseram prestar declarações quanto aos factos a eles imputados. Face ao que foi referido pelos militares da GNR (testemunhas), em conjugação com a restante prova (directa e indiciária), não se vislumbra que a opção do julgador possa ser vista como ilógica e irracional, pelo que não tendo sido trazida outra versão aos autos, de modo assertivo, que a possa infirmar, não há que alterar a matéria de facto. **** 3) Da qualificação jurídica dos factos apurados: Os dois recorrentes defendem que a sua conduta deve ficar integrada na prática de um crime de furto simples, na forma tentada. Recorde-se que a sentença recorrida, quanto a esta questão, considerou o seguinte: “(…) Não obstante, resulta da matéria apurada que os arguidos se introduziram em espaço fechado que não lhes pertencia. Na verdade, pese embora o estabelecimento em questão não esteja em funcionamento, é do conhecimento funcional da signatária que a mesma pertence à massa falida de M..., Lda., pelo que se trata de espaço vedado e não abandonado. Ora, de acordo com o disposto na alínea f) do citado artigo 204.º, n.º 1, é punido com prisão até cinco anos ou com pena de multa até 600 dias quem furtar coisa móvel alheia introduzindo-se ilegitimamente em habitação, ainda que móvel, estabelecimento comercial ou industrial ou espaço fechado, ou aí permanecendo escondido com intenção de furtar.” Dispõe o artigo 204.º, n.º 1, alínea f), do Código Penal: “1 - Quem furtar coisa móvel alheia: (…) f) Introduzindo-se ilegitimamente em habitação, ainda que móvel, estabelecimento comercial ou industrial ou espaço fechado, ou aí permanecendo escondido com intenção de furtar; (…) é punido com pena de prisão até cinco anos ou com pena de multa até 600 dias (…).” A doutrina e a jurisprudência têm sustentado que o que carateriza e justifica esta agravante qualificativa do furto não é o facto de o agente se introduzir num espaço fechado, mas sim, a circunstância de o espaço fechado estar conexionado com a habitação ou com o estabelecimento comercial ou industrial – ver o recente Acórdão do TRP, datado de 7/11/2012, Processo n.º 81/10.9GAVFR.P1, relatado pelo Exmo. Desembargador Joaquim Gomes (citado pelo Ministério Público, na resposta aos recursos), in www.dgsi.pt. O que verdadeiramente reclama uma tutela penal reforçada é a habitação e o estabelecimento comercial ou industrial, conceitos que, para este efeito, incluem os espaços fechados limítrofes, anexos ou a eles agregados. Há um reduto de mais-valias ligado ao espaço físico dedicado à habitação e ao estabelecimento comercial ou industrial e suas dependências contíguas e fechadas que o legislador entendeu ser merecedor de uma tutela acrescida do bem jurídico. Dito isto, e salvo o devido respeito, estamos perante um equívoco, com origem na própria sentença ora em crise, ao empregar o conceito de “espaço fechado”. A conduta dos arguidos não teve lugar “num espaço fechado”, sem nenhuma conexão com as outras realidades aludidas na citada alínea f), antes ocorreu nas próprias instalações da fábrica (estabelecimento industrial) identificada nos autos. Na verdade, consta dos factos dados como provados que os arguidos se dirigiram “às instalações fabris da empresa denominada M..., Lda., sita no lugar do (...), Lousã” e que “entraram de forma não concretamente apurada nas instalações vedadas da empresa”. As referidas instalações não estão votadas ao ostracismo. Longe disso. Estão, simplesmente, desactivadas. A circunstância de não haver actividade na empresa não pode servir para deixar de considerar como instalações fabris o local em que os arguidos foram interceptados. Como bem é referido pelo Ministério Público, na resposta ao recurso, “há um processo de insolvência e as instalações fazem parte da massa falida, tendo valor, tendo dono e tendo, no seu interior, bens com valor, como a intenção e acção dos arguidos deixou muito clara”. A intervenção nos autos do respectivo Liquidatário Judicial, datada de 24/11/2011, a fls. 19, é disso bem elucidativo. Assim sendo, ainda que por um motivo diferente daquele que consta da sentença recorrida, a conduta dos arguidos integra a prática de um crime de furto qualificado, na forma tentada. Fica prejudicado, pois, o conhecimento da falta de legitimidade do Ministério Público para o exercício da acção penal. **** IV – DECISÃO: Nestes termos, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a 5ª Secção deste Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso. Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça, para cada um deles, em três UC **** Coimbra, 30 de Outubro de 2013(José Eduardo Martins - Relator) |