Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
334/23.6JACBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA TERESA COIMBRA
Descritores: FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
CRIME DE ROUBO AGRAVADO
ARMA APARENTE OU OCULTA
Data do Acordão: 09/25/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - JUÍZO CENTRAL CRIMINAL DE COIMBRA - JUIZ 1
Texto Integral: N
Meio Processual: RECURSO DECIDIDO EM CONFERÊNCIA
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO
Legislação Nacional: ARTIGO 374.º, N.º 2, ALÍNEA B), DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
ARTIGO 204.º, N.º 2, ALÍNEA F), DO CÓDIGO PENAL
Sumário: I - O artigo 374.º, n.º 2, alínea b), do C.P.P. não exige a explicitação e valoração de cada meio de prova em relação a cada elemento de facto dado como assente, interpretação que o Tribunal Constitucional já afirmou não ser violadora dos artigos 205.º, n.º 1, e 32.º, n.º 1 e 5, da Constituição da República Portuguesa, no acórdão 258/01, de 30-5-2001.

II - Para que opere a agravação do crime de roubo pela circunstância da alínea f) do n.º 2 do artigo 204.º do Código Penal, conjugada com a alínea b) do n.º 2 do artigo 210.º do mesmo código, é necessário que se prove que o agente trazia, no momento do crime, uma arma apta a produzir um resultado letal, quer ela seja exibida à vítima, quer permaneça oculta durante a execução do crime, porque se trata de uma qualificativa de ordem objectiva, sendo irrelevante a impressão da vítima, o seu receio subjectivo.

III - Quer ao nível da legislação comunitária, quer ao nível da legislação interna, para efeitos criminais não deve ser equiparada uma arma usada para fins recreativos a uma arma verdadeira com capacidade de matar ou ofender a integridade física de alguém.

Decisão Texto Integral:

            Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra.

            I.

            No processo comum coletivo que com o nº 334/23.6JACBR corre termos pelo Juízo Central Criminal de Coimbra foi decidido:

i Condenar o arguido … pela prática de um crime de roubo agravado, …, na pena de 4 (quatro) anos e 9 (nove) meses de prisão (334/23.6JACBR);

ii Condenar o arguido … pela prática de um crime de roubo agravado, …, na pena de 4 (quatro) anos e 9 (nove) meses de prisão(401/23....);

iiiCondenar o arguido … pela prática de um crime de roubo agravado, … na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão (542/23....);

Em cúmulo, em englobando as descritas nos pontos I.a III., vai o arguido … condenado na pena única de 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão.

Vai ainda o arguido condenado na sanção acessória de expulsão do território nacional, ficando proibido de entrar e permanecer em território nacional pelo período de 5 (cinco) anos.
Absolver o arguido da prática do crime de coação por que vinha acusado.
Declaro perdidos a favor do Estado todos os objetos apreendidos nos autos.

(…)

*

            Inconformado com a condenação recorreu o arguido para este tribunal, concluindo assim o seu recurso (transcrição):

B.        - Da análise da sentença resulta um alheamento referente aos boletins de ocorrência juntos com a Contestação, apresentada via CITIUS em 11/04/2024, com a Ref.ª 8803814, e quanto ao teor do DVD na contracapa, vilipendiando-se cabalmente o preceituado no n.º 2 do art. 374.º do C.P.P..

C.        Entende o Recorrente que o venerável Tribunal a quo, não terá procedido em  estrita observância das imposições legais, nomeadamente, por não ter proferido uma sentença suficientemente fundamentada, abstendo-se de revelar o          seu juízo de valoração de prova quanto aos elementos probatórios juntos com a contestação e aqueles que constam do DVD na contracapa (fls. 528), para o qual, aliás, remete a Contestação

D.        As mensagens com as ameaças que “alegadamente recebia” foram efetivamente recebidas, encontrando-se algumas, junto aos autos (em formato de áudio e texto) e foram extraídas do telemóvel do Recorrente, pela Polícia Judiciária no dia da sua detenção, tendo no passado motivando várias queixa-crime apresentadas às Autoridades Brasileiras

E.        Sempre se imporia uma (ainda que breve) referência atinente ao valor probatório conferido aos supracitados elementos, nada se referindo quanto a estes.

F.         O denominado exame crítico da prova realizada pelo Tribunal recorrido, omitiu os elementos probatórios contantes da Contestação e do DVD da contracapa, não revelando qualquer indício de que tenha procedido ao seu exame.

G.        Pugna o recorrente pela nulidade da sentença ex vi alínea a) do n.º1 do art. 379.º do C.P.P., por força da ausência das menções preceituadas no n.º 2 do art. 374.º do C.P.P., designadamente pela carenciada exposição dos motivos de facto.

I.         A douta sentença não analisa todas as questões suscitadas pela defesa, reiterando o aqui Recorrente, pela nulidade da sentença nos termos do art. 379.º, nº 1, alínea), com referência ao art. 374.º, nº 2, ambos do C.P.P.

J.         Não resulta das suas declarações nem de qualquer elemento dos autos, que que

tenha ficado com dívidas (pessoais) referentes ao trabalho que exercia no Brasil para o Estado.

M.        O Recorrente Tinha, à data da prática dos crimes, 26 anos de idade, era primário, não tendo antecedentes criminais nem em Portugal nem no Brasil.

N.        50 - Admitiu sempre os seus actos, assumindo o Recorrente que as suas condutas deviam ser punidas, considerando, não obstante, que a pena única em que foi condenado, deveria atender cabalmente, não só aos concretos factos que praticou, bem como a sua motivação e à sua postura após o cometimento.

O.        Resulta dos autos terem ocorrido actos demonstrativos de arrependimento sincero e consciencialização crítica do Recorrente, repercutidos, em concreto, na sua confissão e colaboração coma investigação, osquais deverão ser valoradosnos termos deverão ser considerados atos de arrependimento sincero, nos termos e para os efeitos das alíneas a) e c) do n.º 2 do art. 72.º, suscitando-se ao Venerável Tribunal ad quem que proceda à revisão e alteração da pena aplicada.

P.         Ressalve-se que a confissão, arrependimento, e cooperação com os OPC surge desde o primeiro momento em que toma contacto com a investigação, muito antes de tomar conhecimento do acervo probatório já constante da investigação e também antes de ter sido submetido aos reconhecimentos.

            …

T.         Ademais, várias testemunhas não ficaram convencidas que se tratasse de uma arma real, cfr. Auto de Notícia do Crime fls. 12.

U.        O tempo de duração dos roubos, efetuados em horas de menor movimento, é confirmado através da supervisão das imagens de videovigilância das dependências bancárias:

Y.         Pelo que, afigura-se, salvo melhor opinião, que a pena aplicada ao Recorrente

“peca” por excesso, devendo ser revogada e aplicada, uma pena que se aproxime dos limites mínimos.


*

            O Ministério Público em primeira instância respondeu o recurso pugnando pelo seu não provimento.

*

Remetidos os autos a este Tribunal, de novo, o Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

*

Foi cumprido o dispositivo no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal (CPP).

*

Após os vistos realizou-se conferência.

II.

Cumpre a apreciar e decidir tendo em conta que são as conclusões do recurso que balizam a apreciação a fazer por este Tribunal, - sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso - e que, analisando-as, se impõe apreciar, tal como o arguido começa por elencar:

-Nulidade da sentença por falta de fundamentação;

-Erro de julgamento da matéria de facto;

-Atenuação especial da pena;

-Determinação da medida da pena aplicada.

                                               *

É a seguinte a matéria de facto e respetiva fundamentação apurada em primeira instância (transcrição).

Da audiência de julgamento resultaram provados, com interesse para a decisão da causa, os seguintes factos:
1. Em data não concretamente apurada, mas anterior a 8 de março de 2023, o arguido …, elaborou um plano no sentido de se dirigir a estabelecimentos bancários e apropriar-se dos valores que obrigasse os funcionários a entregar-lhe, por meio de intimidação dos mesmos e dos presentes, contra a vontade daqueles e dos legítimos proprietários, não se coibindo de para tal usar uma reprodução de arma de fogo, arma em tudo aparentando uma pistola real.
2. Para o efeito, procedeu a um estudo prévio relativamente às agências bancárias que pretendia assaltar, procedeu ao reconhecimento do interior e o exterior das agências bancárias e das suas proximidades.
3. Adquiriu, através da plataforma OLX, uma reprodução de arma de fogo, consciente de que se, no momento da prática dos factos, fizesse uso de tal objeto seria mais bem sucedido nos seus intentos apropriativos, designadamente:
· um dispositivo com a configuração visual de uma arma de fogo, reprodução grosseira de uma pistola Glock, com o comprimento aproximado de 19cm, 13cm de altura e 3cm de espessura, em material plástico verde, apta a disparar esferas plásticas de 6mm BB, que carrega a pressão de cada movimento completo da corrediça, com respetivo carregador, dispositivo ao qual o arguido aplicou fita isoladora de cor preta na metade posterior do dispositivo adiante do guarda-mato e no punho e pintou com cor preta a parte remanescente do corpo da arma, a fim de apresentar maiores semelhanças a uma pistola.
4. A referida reprodução de arma de fogo, pelas semelhanças que apresenta com a pistola real de fogo e face às modificações efetuadas pelo arguido, era passível de fazer crer a quem a visse de que se tratava de verdadeira arma de fogo.

Inquérito n.º 334/23....
5. No dia 8 de março de 2023, cerca das 11h50, na sequência do plano previamente elaborado, o arguido …, envergando um casaco preto, um boné de pala na cabeça e, no rosto, uns óculos com lentes fotocromáticas, por forma a dificultar a sua futura identificação e munido da arma supra descrita, a reprodução de arma de fogo em tudo aparentando uma pistola, dirigiu-se à agência … da Caixa Geral de Depósitos, …
6. Aí chegado, entrou nas instalações, retirou a senha de atendimento e aguardou a sua vez, mantendo-se de pé na zona de espera, enquanto observava o local e as pessoas que se encontravam no interior da agência, …
7. Quando chegou a sua vez de ser atendido, avançou para a única caixa que estava de serviço, tendo sido atendido pela funcionária …
8. Sem proferir qualquer palavra, o arguido … entregou a … um papel de tamanho A5 onde se encontravam manuscritos os dizeres: “ASSALTO! PASSE TODO DINHEIRO OU ATIRO” e fez-lhe sinal, com o dedo na boca, para que permanecesse em silêncio.
9.  De seguida, entregou a … um saco de plástico branco, de asas, para esta colocar o dinheiro.
10. Ao ler o que estava escrito no papel, … tentou avisar os seus colegas através do chat interno, momento em que o arguido, …, sacou da reprodução de arma suprarreferida, em tudo aparentando uma arma de fogo, e apontou-a a …, a menos de um metro da mesma.
11. De imediato, com receio, a funcionária soltou um grito e colocou-se em fuga para as traseiras do balcão de atendimento.
12. Nessa altura, o arguido voltou-se para todos os presentes e, empunhando e exibindo a reprodução de arma na mão direita, com o braço levantado, enquanto gesticulava com a mesma, disse em voz alta: “Isto é um assalto! Baixem-se e mantenham-se quietos! Tudo no chão, ninguém se vai magoar!”, ao mesmo tempo que exigia que a “moça da caixa” voltasse e que lhe viessem entregar o dinheiro da caixa.
13. De seguida, ao ver que a funcionária … se encontrava ao telefone, apontou-lhe a reprodução de arma de fogo e ordenou-lhe que desligasse o telefone e que se deitasse no chão, o que aquela acatou, crendo que se tratava de uma verdadeira arma de fogo e que o arguido estaria disposto a disparar, caso não o fizesse.
14. … por diversas vezes apontou a reprodução de arma de fogo aos clientes e funcionários presentes, dizendo: “vou disparar, tudo no chão”.
15. A certo momento, AA …, cliente da instituição, abriu a porta da agência bancária, tendo o arguido … lhe apontado a reprodução de arma de fogo, altura em que AA …, com receio pela sua vida e integridade física, por acreditar que se tratava de uma verdadeira arma de fogo e que o arguido estaria disposto a disparar, fechou a porta e recuou para a rua.
16.
17. Enquanto a gerente colocava as notas no saco, o arguido mantinha igualmente os funcionários e clientes sob vigilância, voltando a apontar a reprodução de arma de fogo a alguns dos presentes e dizendo que ia disparar.
18. Já na posse do saco com dinheiro, … dirigiu-se à porta de saída e tentou abri-la, puxando-a, ao invés de empurrá-la.
19. Julgando que alguém havia trancado a porta, o arguido, …, dirigiu-se a …, com 66 anos de idade, que se encontrava junto à saída, agarrou-a com força por um braço, puxando-a para junto de si e apontou-lhe a reprodução de arma de fogo à cabeça, e dizendo que lhe abrisse a porta ou a matava.
20. Nessa altura, um dos presentes, acreditando que se tratava de uma verdadeira arma de fogo e que o arguido estaria disposto a disparar …, temendo pela vida e integridade física daquela, disse-lhe que a porta abria para fora, tendo o arguido…, se dirigido de novo à porta e conseguiu abri-la, empurrando-a, assim saindo da agência bancária.
21. Ato contínuo, colocou-se em fuga, levando consigo o montante global de quatro mil, oitocentos e setenta euros (€ 4.870,00), em notas do Banco Central Europeu, que pertencia à Caixa …, cuja guarda incumbia aos funcionários e que fez seu.

Inquérito n.º 401/23.... apenso
22. Na sequência do plano previamente elaborado, no dia 20 de março de 2023, cerca das13h32, o arguido, …, entrou na agência bancária …envergando um casaco de cor escura, um boné de pala e uns óculos com lentes fotocromáticas, por forma a dificultar a sua futura identificação, trazendo consigo a reprodução de arma de fogo pintada de preto, supra descrita, em tudo aparentando uma pistola, arma de fogo.
23. Após entrar na agência, dirigiu-se a BB … única funcionária que se encontrava no atendimento ao público, e disse-lhe: “Isto é um assalto!”.
24. Julgando tratar-se de uma brincadeira, BB … respondeu “Ah pois!”, momento em que o arguido … empunhou a referida reprodução de arma de fogo e a apontou, a fim de a intimidar, forçando-a a ceder às suas demandas, repetindo: “Isto é um assalto!” e dizendo ainda: “Se tocar o alarme eu sei logo…”, “Bota as mãos para cima…”.
25. Ato contínuo, o arguido, …, entregou a BB … um saco de plástico de cor branca, que retirou do bolso traseiro das calças que envergava e ordenou à mesma que ali colocasse todo o dinheiro, exigindo notas.
26. Por recear pela sua vida e integridade física, acreditando que, caso não colaborasse, o arguido seria capaz de a agredir ou utilizar a arma para a ferir ou matar, que pensava ser verdadeira arma de fogo, BB …entregou em numerário a quantia de total de vinte mil, quatrocentos e oito euros e sessenta cêntimos (€ 20.408,60), que ia colocando num saco.
27. Enquanto BB … colocava o dinheiro no saco, sempre com a reprodução de arma de fogo apontada pelo arguido, chegou junto a ambos o funcionário …, vindo das traseiras da agência, que tentou acalmar o arguido, sendo que este de imediato lhe apontou a reprodução de arma de fogo, ordenando-lhe que colocasse as mãos para cima, o que aquele fez, por crer que se tratava de uma arma de fogo real e que o arguido estaria disposto a disparar, temendo pela sua vida e integridade física.
28. De seguida, o arguido … pegou no saco com o dinheiro e dirigiu-se à porta, mantendo a reprodução de arma de fogo apontada aos dois funcionários.
29.

Inquérito n.º 542/23.... apenso

49.No dia 15 de maio de 2023, pelas 9h30, o arguido detinha da sua habitação, … bens que tinha utilizado na preparação e execução dos assaltos, designadamente:

52.No mesmo dia 15 de maio de 2023, cerca das 10h10, arguido transportava na sua viatura Rover, de matrícula ..-..-FR, bens que tinha utilizado na preparação e execução dos assaltos, designadamente:
ü um telemóvel Xiaomi Redmi, modelo ...33...;
ü a reprodução de arma de fogo e respetivo carregador de esferas, supra descritos;
ü


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Factos não provados

           


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Motivação da decisão de facto



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Fundamentação de direito

Apurados os factos, importa proceder ao seu enquadramento jurídico-penal.

Para que um agente possa ser jurídico-penalmente responsabilizado, é necessário que pratique um facto típico, ilícito, culposo e punível.

O facto consubstanciará um ilícito típico quando a conduta do agente preencha objetiva e subjetivamente os elementos do tipo legal de crime.

Dos crimes de roubo

O arguido está acusado da prática de:

  •  Dois crimes de roubo, …
  •  Um crime de roubo agravado, …

Refere o artigo 210.º do Código Penal que:

“1. quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair, ou constranger a que lhe seja entregue, coisa móvel ou animal alheios, por meio de violência contra uma pessoa, de ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física, ou pondo-a na impossibilidade de resistir, é punido com pena de prisão de um a oito anos.

2. A pena é a de prisão de 3 a 15 anos se:

(…)

b) Se verificarem, singular ou cumulativamente, quaisquer requisitos referidos nos n.os 1 e 2 do artigo 204.º, sendo correspondentemente aplicável o disposto no n.º 4 do mesmo artigo.”.

Por sua vez, o artigo 204.º refere que:

(…)2 - Quem furtar coisa móvel ou animal alheios:
a) De valor consideravelmente elevado;

(…)

f) Trazendo, no momento do crime, arma aparente ou oculta;

punido com pena de prisão de 2 a 8 anos”.

Conforme refere Conceição Ferreira da Cunha, “o crime de roubo é um crime complexo que ofende quer bens jurídicos patrimoniais – o direito de propriedade e de detenção de coisas móveis – quer bens jurídicos pessoais – a liberdade individual de decisão e ação (…) e a integridade física (…)”[1].

Por seu turno, no que ao presente caso interessa, por subtração tem-se entendido a violação da posse exercida pelo lesado e a integração da coisa na esfera patrimonial do agente ou de terceira pessoa, contra a vontade daquele[2].

Por outro lado, encontramos tipificados os meios utilizados para a subtração ou para o constrangimento à entrega: violência contra uma pessoa, a ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física ou a colocação da vítima na impossibilidade de resistir[3].

No que toca ao conceito de violência, esta pode ser física ou moral. 

Não se exige que esta violência assuma uma certa intensidade. Basta, para preenchimento do tipo legal in casu, que seja suficiente para que o agente se apodere do bem, mesmo que a vítima não esgote a sua capacidade de resistência[4].

Também não se exige que tenham de ser provocadas lesões no ofendido[5].

Assim sendo, sufraga Conceição Ferreira da Cunha que “a intromissão, ainda que indireta (v.g. o caso do esticão) no corpo de uma pessoa deve considerar-se violência”[6].

Com a ameaça ofende-se a liberdade de decisão e de ação, o que também acontece quando o agente se encontra impossibilitado de resistir.

A ameaça tem de ser com perigo eminente para a vida ou para a integridade física.

O crime de roubo surge, assim, como um crime de dano e de resultado, exigindo-se a efetiva subtração de coisa móvel alheia ou a entrega constrangida da mesma mas também que, para se conseguir esse resultado, se tenha utilizado violência, ameaça ou se tenha colocado outrem na impossibilidade de resistir[7].

Analisemos, agora, a conduta dos arguidos.

Nos dias 8 de março de 2023, 20 de março de 202 e 18 de abril de 2023, o arguido, na execução de um plano por si delineado, entrou nas agências bancárias acima identificadas e, por meio de ameaças contra a vida dos visados e intimidação, usando, para o efeito, uma réplica de uma arma de fogo, que os visados acreditaram ser verdadeira, apropriou-se de quantias monetárias que não lhe pertenciam e a que não tinha direito.

            Face a esta factualidade dada como provada, resulta, então, evidente que o arguido, por três vezes, através da intimidação e ameaças com perigo eminente para a vida ou integridade física, apropriou-se de dinheiro, fazendo-o seu, contra a vontade dos visados. Assim, não subsistem dúvidas que se encontram preenchidos os elementos objetivos do crime de roubo simples.

Mas também ocorrem os elementos subjetivos, já que se apurou que o arguido atuou sempre de forma livre e voluntária, com o propósito concretizado de retirar as referidas quantias e obrigar os funcionários a entregarem as mesmas por receio pela sua vida e integridade física e dos demais presentes e assim fazer suas tais quantias, que sabia não lhe pertencerem, o que fez contra a vontade dos funcionários e contra a vontade e em prejuízo das instituições bancárias visadas, o que representou. Sabia ainda que as suas condutas eram proibidas por lei.

            Analisemos, a este passo, se o arguido praticou estes três dos crimes de roubo na forma qualificada, tal como vem acusado.

            De acordo como o disposto no artigo 210.º, se o roubo ocorrer verificando-se uma ou mais circunstâncias previstas no artigo 204.º do Código Penal então a pena será de 3 a 15 anos de prisão.

            Uma das circunstâncias é – de acordo com o disposto no artigo 204.º, n.º 2 alínea a) do Código Penal – que a coisa tenha valor consideravelmente elevado e é o artigo 202.º, alínea b) do Código Penal que define que “valor consideravelmente elevado: aquele que exceder 200 unidades de conta avaliadas no momento da prática do facto. Sabendo nós que a unidade de conta, à data dos factos, tinha o valor de € 102.00, há que concluir que se considera valor elevado aquele que exceder o montante de € 20,400,00.

            Temos, assim, de concluir que o roubo ocorrido na agência … tem de ser qualificado nos termos que temos vindo a fundamentar.

Responde outrossim o arguido pela agravante prevista no artigo 204.º, n.º 2, alínea f) aplicável ao crime de roubo por forma da remissão do artigo 210.º, n.º 2, alínea b) do Código Penal, ou seja, por trazer, no momento do crime, arma aparente (ou oculta).

Sobre como se deve interpretar o conceito de arma aparente ou oculta pode ler-se no Ac. da RE de 23.03.202, disponível em www.dgsi.pt, “Se o agressor trouxer consigo um instrumento (arma de alarme tipo pistola em tudo idêntica à arma de fogo Glock 19 utilizada pelas forças e serviços de segurança e forças armadas) no momento do roubo ameaçando utilizá-lo como arma contra a vítima, conquanto esta se sinta impossibilitada de, perante a ameaça, reagir contra o ataque aos bens que se encontrem na sua disponibilidade, a qualificativa da alínea b), do n.º 2 do artigo 210.º estará preenchida.

Sob este ponto de vista o instrumento utilizado pelo agressor não carece, assim, de tratar-se de uma arma suscetível de realizar disparos com projéteis.

Para além deste argumento utilizado para interpretar o artigo 210.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a) e b) do CP, a essa conclusão também se chega se na análise do artigo 204.º, n.º 2 alínea f) do CP atentarmos ao verdadeiro significado das palavras “arma aparente e oculta”, vocábulos já utilizados no artigo 426.º, n.º 1 do CP de 1886 e no artigo 297.º, n.º 2, alínea g) do CP de 1982.

A expressão “aparente” significa não só “evidente, manifesto, visível” como o que “parece real ou verdadeiro, mas não o é”, o que é “falso, fictício, fingido” o contrário de “real, verdadeiro”.

O conceito de “arma” não se cinge apenas aos instrumentos expressamente elencados no artigo 2.º, n.º 1 do RJAM.

A razão da qualificação do crime de roubo (alínea b), n.º 2 do artigo 210.º do CP), com a consequente agravação da moldura penal abstrata, assenta que, em todas as situações descritas, a utilização da “arma” potencia uma menor defesa para a pessoa detentora do bem patrimonial de que o agente do crime se pretende apropriar”.

Não deixa de ser interessante lembrar que a Lei n.º 5/2006, de 23.02, classifica como armas a réplica utilizada pelo arguido conforme resulta da leitura do artigo 2.º, alíneas ag) e aaa).

Aqui chegados, dúvidas não existem que os três crimes de roubo perpetrados pelo arguido também têm de ser qualificados pela alínea b) do n.º 2 artigo 204.º do Código Penal por referência ao artigo 210.º, n.º 2, alínea b) do mesmo diploma.

Não existem causas de exclusão da ilicitude ou da culpa.


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Apreciação do recurso.

A primeira questão invocada pelo recorrente tem a ver com o que identifica como falta de fundamentação do acórdão recorrido por não terem sido atendidas pelo tribunal recorrido, ou por terem sido insuficientes, as referências às razões subjacentes à atuação v.g. os registos de conversas de whatsapp entre o recorrente e os utilizadores … e, bem assim, os boletins de ocorrência e o teor do DVD na contracapa.

Entende assim o recorrente que, porque não foi feito um exame crítico das provas que apresentou, o acórdão carece de fundamentação e está ferido de nulidade.

É incontroverso que as decisões judiciais não se impõem apenas em razão da autoridade de quem as profere, mas sobretudo pela razão que lhes subjaz. Significa isto que a sentença há-de conter, fundamentadamente e sem necessidade de ir além do seu texto, as razões pelas quais alguém é condenado ou absolvido, porque só assim o poder judicial se mostra legitimado. Como ensina G. Marques da Silva in Curso de Processo Penal, I, Verbo, 211, a exigência da motivação das decisões judiciais exclui o caráter voluntarístico e subjetivo do exercício da atividade jurisdicional, possibilita o conhecimento da racionalidade e coerência da argumentação do juiz e permite aos interessados invocar perante as instâncias competentes os eventuais vícios e desvios das decisões dos juízes e ao público em geral fiscalizar a justiça das decisões. E acrescenta citando Taruffo: os destinatários da motivação não são somente as partes, os seus advogados e o juiz da impugnação, mas também a opinião pública entendida em seu complexo quisque de populo

A fundamentação da sentença com o inerente exame crítico das provas é, então, a explicitação dos motivos de facto, - isto é, das provas e da forma como foram atendidas ou rejeitadas - e de direito – isto é, da enunciação das normas que foram aplicadas-, feita de forma a que não fiquem quaisquer dúvidas sobre o percurso racional que levou à decisão final.

Mas é evidente que a garantia de que ficam exteriorizadas as razões da decisão e o processo lógico racional e intelectual que lhes serviu de suporte, não invalidam que o rigor e a suficiência do exame crítico tenha de ser aferido por critérios de razoabilidade (Ac. STJ 19/05/2010 proferido no processo 459/05.0GAFLG.G1.S1),

            É que é entendimento pacífico que o artigo 374º, nº 2, alínea b) do CPP não exige a explicitação e valoração de cada meio de prova em relação a cada elemento de facto dado como assente, interpretação que o Tribunal Constitucional já afirmou não ser violadora dos artigos 205º, nº 1 e 32º, nº 1 e 5 da Constituição da República Portuguesa (Ac. TC 258/01 de 30.05.2001 in www.dgsi.pt), sob pena de se transformar o ato de decidir numa tarefa impossível.

O que se pretende com a fundamentação é que os cidadãos em geral e o arguido em particular compreendam o porquê da decisão à luz das regras da experiência, das normas da lógica e/ou ciência, num texto que se imponha pela clareza e de fácil compreensão, sem esquecer que, como é dito no Acórdão da Relação de Guimarães de 22/03/2015, uma sentença só não estará fundamentada se não for possível entender o porquê do seu conteúdo e não também se forem incoerentes ou passíveis de censura as conclusões a que o juiz chegou.

Ora, na situação sub iudice constata-se que o arguido, ora recorrente, no julgamento, à semelhança do que fizera desde o 1º interrogatório, confessou os factos imputados na acusação e fê-lo de forma a que o tribunal atribuiu total credibilidade ao ponto de considerar que a parte da factualidade típica não confessada, não resultou provada.

Perante esta atitude processual – que ficou até projetada na condenação das custas, como confissão integral – é evidente que a necessidade de concatenar provas, equacionar alternativas razoáveis para hipóteses de atuação, valorar indícios, ficou muito atenuada.

Improcede, assim, a primeira questão invocada no recurso.


*

            Entende também o recorrente que o tribunal errou na apreciação da matéria de facto, porque não entendeu corretamente a que dívidas é que o recorrente se referiu em julgamento, …

            Ora, como decorre do já anteriormente dito, a existência de dívidas e o tipo de dívidas não podem constituir causa justificativa do comportamento do arguido. Por outro lado, quando ocorre um erro na apreciação da matéria de facto, é a própria factualidade fixada que tem de ser avaliada e não a forma como a convicção é expressa, que é o que o recorrente pretende. Não põe em causa qualquer facto provado ou não provado, põe em causa a forma como o tribunal se expressou relativamente às justificações que apresentou, o que é irrelevante na medida em que as próprias justificações também o são, como se disse.

            Improcede também neste segmento a pretensão do recorrente.

            A terceira questão invocada pelo recorrente tem a ver com o facto de entender que o tribunal deveria ter aplicado na condenação o instituto da atenuação especial da pena. Assim defende, por não ter antecedentes criminais … ter 26 anos à data da prática dos crimes, ter admitido todos os factos, ter demonstrado arrependimento sincero e consciencialização critica, conforme repercutido na confissão e colaboração com a investigação, …

            De acordo com o artigo 72º, nº 1 do Código Penal o tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena.

            Antes de mais impõe-se dizer que a confissão integral e sem reservas não implica automaticamente que se convoque o instituto da atenuação especial da pena (cfr. Ac. RG de 11/11/2019 proferido no processo 639/19.0PBBRG.G1). Depois, tendo em conta as circunstâncias pela lei elencadas, ainda que exemplificativamente, como significativas no nº 2 do artigo 72º do CP : …, é forçoso concluir que nenhuma delas se verifica. Depois ainda, como ensina o Professor Figueiredo Dias a atenuação especial da pena corresponde a uma válvula de segurança do sistema que só pode ter lugar em casos extraordinários ou excecionais em que a imagem global do facto resultante da atuação da(s) circunstância(s) atenuante(s) se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respetivo  (Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, 306 §454).

Ora, olhando para a atuação do arguido no seu conjunto não se pode afirmar que a ilicitude se encontre mitigada, que a culpa do agente seja diminuta e que a necessidade da pena se mostre esbatida.

Não há, pois, lugar à atenuação especial da pena imposta.


*

            Passemos agora à avaliação da medida concreta das penas parcelares e única aplicadas, que o recorrente entende serem excessivas.

            Mas antes impõe-se tecer algumas considerações sobre a arma que o arguido usou na prática dos crimes, quer porque o recorrente a ela se refere (conclusões R) e T), quer porque das suas caraterísticas não se retira qualquer capacidade de ser letal, mesmo que se constate o efeito intimidatório pretendido.

            A arma usada pelo recorrente na perpetração dos roubos é assim descrita:

            “Um dispositivo com a configuração visual de uma arma de fogo, reprodução grosseira de uma pistola Glock, com o comprimento aproximado de 19cm, 13cm de altura e 3cm de espessura, em material plástico verde, apta a disparar esferas plásticas de 6mm, BB, que carrega a pressão de cada movimento completo da corrediça, com respetivo carregador, dispositivo ao qual o arguido aplicou fita isoladora de cor preta na metade posterior do dispositivo adiante do guardamato e no punho e pintou com cor preta a parte remanescente do corpo da arma a fim de apresentar maiores semelhanças a uma pistola”.

            Considerou o tribunal a quo que não obstante as suas características a posse e uso de arma pelo arguido durante a prática dos roubos é suscetível de integrar a agravante prevista na alínea f) do nº 2 do artigo 204 do Código Penal, aplicável ao roubo por força da remissão do artigo 210º, nº 2 alínea b) do CP, isto é, por trazer no momento do crime arma aparente (ou oculta).

            Fundamenta o tribunal a quo tal entendimento no Acórdão da Relação de Évora que cita, e que, em resumo, defende que para que possa funcionar a agravante legal não carece o instrumento de realizar disparos com projéteis.

            Mais entende que o vocábulo “aparente” não significa só evidente, manifesto e visível, mas também que parece real ou verdadeiro, mas não o é, concluindo que o conceito de “arma” previsto no artigo 204º, nº 2, alínea f) do Código Penal engloba tanto a arma verdadeira ou real como a que o não seja, porque ambas potenciam uma menor defesa da pessoa que delas seja vítima.

            Este entendimento não é unânime e é cada vez menos defendido jurisprudencialmente, quer quanto à forma como deve ser interpretado o termo “aparente”, quer quanto à necessidade de se identificar no objeto utilizado como arma, um perigo objetivo, emergente das caraterísticas da arma como instrumento de agressão.

            Veja-se, a título de exemplo, o que diz o Ac. STJ de 10/05/2006 in www.dgsi.pt:

            “I. A expressão “arma aparente” contemplada na alínea f) do nº 2 do artigo 204º do CP nada tem a ver com o que “aparenta” ser uma arma; surge, em contraposição a “arma oculta”, como aquela que aparece, que se pode ver.

            II. A apontada circunstância qualificativa pressupõe um perigo objetivo emergente das caraterísticas de arma como instrumento de agressão, sendo irrelevante que tenha sido, ou não, criado qualquer receio à pessoa lesada com o crime. Aliás, a vítima pode nem se aperceber da detenção da arma pelo agente”.

Assim, se o crime é agravado quando o agente é portador, de forma oculta e desconhecida da vítima do roubo, de uma arma verdadeira, então, parece evidente que não se poderá justificar com a sensação da vítima a agravação do crime, no caso de a arma ser falsa e inofensiva.

            Resumindo os entendimentos que se encontram na jurisprudência a propósito da qualificativa em análise nos crimes de furto e roubo, consta do Ac. STJ de 13/12/2007 proferido no processo 07P3210 in www.dgsi.pt:

            (…)

            V - A propósito da qualificativa dos crimes de furto e de roubo «porte de arma aparente ou oculta» têm-se desenhado na jurisprudência duas correntes.

VI - Uma, actualmente e desde há cerca de uma década, apresentando-se como dominante, que considera que a arma como agravativa dos crimes de furto e de roubo tem de revestir-se de efectiva perigosidade, defendendo que o que está na base da agravação prevista na al. f) do n.º 2 do art. 204.º do CP é o perigo objectivo da utilização da arma, determinando uma maior dificuldade de defesa e maior perigo para a vítima, do mesmo passo que permite que o agente se sinta mais confiante e audaz e para que isto aconteça é necessário que esteja munido de uma arma eficaz. Trata-se, em suma, de uma qualificativa de ordem objectiva. E, sendo assim, é irrelevante, para efeitos da existência dessa qualificativa, o receio subjectivo da vítima de poder ser lesada na sua integridade física por desconhecer que não se trata de uma arma verdadeira.

VII - Na concepção desta tese de perigosidade objectiva atende-se à susceptibilidade de integrar a ameaça, mas esgotando-se aí a função da arma, sem aptidão para integrar a qualificativa, pois, como se refere no CP Anotado de Leal-Henriques e Simas Santos (1996, 2.º vol., pág. 443), «o conceito de arma só abrange a que possa ser usada como meio eficaz de agressão, quer sejam armas ditas próprias destinadas normalmente ao ataque ou defesa e apropriadas a causar ofensas físicas, quer as impróprias, todas as que têm aptidão ofensiva, se bem que não sejam normalmente usadas com fins ofensivos ou defensivos. Uma imitação de arma não é um meio eficaz de agressão, mas um meio eficaz de ameaça, na qual se esgota.»

VIII - A jurisprudência tem dado por afastada essa qualificação, em variados enquadramentos factuais, relativamente a pistolas de alarme, tidas como facto atípico para efeitos de actuar como qualificação, consideradas apenas como requisito bastante para integrar a ameaça de perigo a que se refere o n.º 1 do art. 210.º do CP.

(…)

X - Para outra corrente, para se verificar a agravante qualificativa da al. f) do n.º 2 do art. 204.º do CP, basta que a arma tenha a virtualidade de o homem médio ou comum pensar que o agente da infracção está na posse de uma verdadeira arma, causando-lhe um justo receio de poder vir a ser atingido e lesado corporalmente. Nesta concepção a qualificativa é de ordem subjectiva e enraíza-se na maior intimidação da vítima, porque o temor resultante da ameaça exercida com arma, verdadeira ou não, é tal que anula a capacidade de resistência da vítima.

XI - Nesta linha insere-se o acórdão de 27-06-1996 (CJSTJ 1996, tomo 2, pág. 201, e BMJ 458.º/196, citado no Comentário Conimbricense do Código Penal, tomo II, pág. 81), e, dez anos volvidos, o acórdão do STJ de 25-10-2006 (Proc. n.º 3042/06 - 3.ª), onde, seguindo aquele, se refere: «Arma, para os fins do preceito legal em apreço, será todo o instrumento com virtualidade para provocar nas vítimas um justo receio de serem lesadas, independentemente de saberem se a mesma se acha municiada e pronta a disparar, pois se mostra de todo irrazoável, desproporcionado mesmo, do ponto de vista da sua protecção legal, exigir-se esse prévio conhecimento, que lhe podia ser inacessível, impraticável, até, não obstante ter sido, em nexo causal com a exibição da arma, que a entrega da coisa teve lugar, relevando a impressão, analisada à luz de um normal destinatário, de perigo, que àqueles bens representa. A lei não exige um intimorato destinatário, pessoa de excepcional valentia, mas uma pessoa normal, que, como tal, em regra, se deixa impressionar pelo risco que representa uma arma de fogo, quando lhe é apontada.»
         XII - Acolhendo esta orientação podem ver-se vários arestos deste STJ, em que estava em causa a utilização de pistola de alarme, pistola que não estava em condições de disparar, isqueiro em forma de pistola, pistola de fulminantes, pistola cujas características não foram apuradas, facas, spray, arma de pressão de ar, objecto com lâmina cortante e perfurante em tudo semelhante a outro, retratado nos autos, pistola não municiada encostada à cabeça, sendo os mais recentes os Acs. de 23-02-2005, Proc. n.º 4443/04 - 3.ª, de 25-10-2006, Proc. n.º 3042/06 - 3.ª, já referido, e de 10-01-2007, Proc. n.º 4082/06 - 3.ª.”

            Não obstante não ser ainda unânime o entendimento de que a agravação punitiva repousa na maior perigosidade que para a vítima representa o porte da arma no momento do crime, entendemos que o instrumento capaz de fazer acionar a agravação há-de ter aptidão para produzir um resultado letal, porque se a não tiver serve como meio de coação ou intimidação, mas no domínio da objetividade e legalidade não pode ser considerado uma arma de agressão (cfr. Ac. STJ de 27/10/2010 e Ac. STJ de 25/08/2023 in www.dgsi.pt)).

            No caso dos autos, o arguido utilizou uma “arma de airsoft” (fls. 296) de plástico, propulsionada através de pressão de ar apta a disparar projeteis de plástico de 6mm, não letais, usada habitualmente em práticas recreativas, em que ele colocou fita adesiva preta e pintou também de preto para melhor a disfarçar, mas que, pelo menos para algumas das vítimas, não deixou de parecer falsa como da fundamentação da sentença se retira.

 Note-se que de acordo com a Diretiva EU 2017/853 do Parlamento Europeu e do Conselho de 17/05/2017 que altera a Diretiva 91/477/CEE do Conselho relativo ao controlo da aquisição e da detenção de armas é dito no ponto (26): Os objetos fisicamente semelhantes a uma arma de fogo (“réplicas”) mas que sejam fabricados de modo a não poderem ser modificados para disparar tiros, projetar balas ou projéteis através da ação de uma propulsora de combustão, não deverão ser abrangidas pela Diretiva 91/477/CEE.

            E no ponto (27) acrescenta: (…) A Diretiva 91/477/CEE não se deverá aplicar a outros objetos, como dispositivos de airsoft, que não correspondem à definição de arma de fogo, não sendo, portanto, regulados por essa diretiva”.

            Isto é, quer ao nível da legislação comunitária quer ao nível da legislação interna, para efeitos criminais, não deve ser equiparada uma arma usada para fins recreativos a uma arma verdadeira com capacidade de matar ou ofender a integridade física de alguém.

            Assim sendo, o tipo de arma utilizada não permite que o crime seja agravado pela posse da arma. Isto é, para que opere a agravação pela circunstância da alínea f) do nº 2 do artigo 204º do Código Penal é necessário que se prove que o agente trazia, no momento do crime, uma arma com aptidão ofensiva, quer ela seja exibida à vítima, quer permaneça oculta durante a execução do crime. Trata-se de uma qualificativa de ordem objetiva, donde resulta ser irrelevante a impressão da vítima, o seu receio subjetivo, porque incompatível com a objetividade e legalidade que se espera das normas penais.

Portanto e em conclusão, não releva para efeitos de agravação do roubo pela referida circunstância qualificativa, o facto de ser exibido um objeto com aparência de arma, se não se provar que se tratava, efetivamente, de objeto com aptidão ofensiva.

            Aqui chegados é forçoso concluir que a arma usada pelo arguido não possui a virtualidade de agravar os crimes de roubo, pelo que se impõe corrigir a qualificação jurídica constante do acórdão recorrido, uma vez que o recorrente deverá ser punido por dois crimes de roubo simples p.p. artigo 210º, nº 1 do CP e um agravado, nos termos do artigo 210º, nºs 1 e 2, alínea b) por referência ao artigo 204º, nº 2 a) do mesmo código.

            Estamos agora em condições de entrar no último ponto do recurso do arguido, qual seja o de aferir se as concretas penas impostas são excessivas.

            Os crimes de roubo, p.p. artigo 210º, nº 1 do CP são punidos com pena de prisão de 1 a 8 anos; o crime de roubo agravado p.p. artigo 210º, nºs 1 e 2, alínea b) por referência ao artigo 204º, nº 2, alínea a) do CP é punido com pena de prisão de 3 a 15 anos.

            O recorrente foi condenado nas penas parcelares de 4 anos e 9 meses (roubos na agência da CGD … e na agência da CCAM …) e 4 anos e 6 meses (na agência da CCAM …). Em função do acima dito, uma vez que a agravação só opera com uma agravante relativamente ao crime ocorrido na agência … atento o valor (superior a 200 uc) nos termos sobreditos, as penas concretas têm de ser reavaliadas.

            …

           

            O tribunal a quo na determinação da pena concreta considerou as exigências de prevenção geral muito elevadas, sublinhando a necessidade de rigor punitivo para desincentivar a prática destes ilícitos; classificou como muito graves as circunstâncias que rodearam a prática dos três crimes, num curto espaço de tempo, tendo o arguido um plano prévio e meticulosamente planeado, o elevado grau de ilicitude dos factos, considerando o valor dos roubos e a violência usada em cada uma das situações, que se refletiram nas medidas das penas parcelares; o dolo direto, a ausência de antecedentes criminais, a inserção familiar e a confissão, vindo a impor, como se disse, a pena de 4 anos e 9 meses de prisão pelo roubo na agência de …; 4 anos e 9 anos de prisão na agência de … e 4 anos e 6 meses de prisão pelo roubo na agência de …. Em cúmulo jurídico, numa moldura entre 4 anos e 9 meses e 14 anos de prisão, veio a ser aplicada a pena única de 8 anos e 6 meses de prisão.

            …

            Antes de mais impõe-se dizer que os elencados fatores foram considerados (com exceção das invocadas ameaças) na medida das penas, nos termos sobreditos, tendo o tribunal dado especial relevo aos que favorecem o arguido, o que é constatável pelo facto de todas as penas terem sido fixadas perto do limite mínimo das molduras encontradas pelo tribunal a quo, não se percebendo que, por essa via, careça de correção o critério utilizado, uma vez que não viola regras de experiência, nem se mostra desproporcionado.

            Mas, como se viu, uma vez que em todas as situações é eliminada a agravação resultante do uso de arma, em dois dos roubos a moldura a ter em conta não é a de pena de prisão de 3 a 15 anos, mas de 1 a 8 anos, e no crime que continua agravado há apenas um fator de agravação ( o valor do roubo), pelo que há que encontrar as penas concretas dentro das novas molduras. Assim sendo, observando e respeitando o critério orientador utilizado pelo tribunal a quo - e sem necessidade de repetir as considerações feitas, mas considerando a muito elevada ilicitude decorrente quer do modo de atuação, quer dos valores obtidos, muito próximos do montante que a lei considera para fazer atuar a agravação pelo valor (art. 204 nº 1 a), ex vi art. 210 nº 2 b ) ambos do CP)-, resulta que para o primeiro roubo perpetrado deve ser imposta a pena de 3 anos e 3 meses de prisão, para o segundo, a pena de 4 anos e 6 meses e para o terceiro, a pena de 3 anos de prisão.

            A moldura do cúmulo jurídico oscila agora entre 4 anos e 6 meses de prisão e 10 anos e 9 meses de prisão. De acordo com o artigo 77º do Código Penal devem ser considerados em conjunto os factos e a personalidade do agente. Isto é à visão atomística inerente à determinação da medida das penas singulares, sucede uma visão de conjunto, em que se consideram os factos na sua totalidade, como se de um facto global se tratasse de modo a detetar a gravidade desse ilícito global, enquanto referido à personalidade unitária do agente.

            Na formação da pena única o Supremo Tribunal de Justiça tem adotado maioritariamente um critério de acordo com o qual a pena única se há-de encontrar em função dos factos e da personalidade do agente, fazendo acrescer à pena mais grave o produto de uma operação que consiste em comprimir a soma das restantes penas vindo a fixar o remanescente que pode variar na maior parte das situações entre 1/3 e 1/6, embora possa haver casos que imponham fixação diversa.

            Assim, tendo em conta as penas parcelares a aplicar ao arguido, a necessidade de proteção de bens jurídicos e de reintegração do agente, o juízo global sobre a atuação em avaliação que o tribunal a quo também fez, apesar de não se poder afirmar uma personalidade com tendência criminosa, atento o seu passado, mas sem esquecer a gravidade dos crimes em causa, afigura-se justa e equitativa aplicar ao recorrente a pena única de 6 anos e 9 meses de prisão.


*

            III.

DECISÃO.

            Em face do exposto e na parcial procedência do recurso decide-se:

1)Revogar o acórdão recorrido na parte em que condenou o arguido pela prática de um crime de roubo agravado …

1.1) Substituir a referida condenação pela condenação do arguido pela prática de um crime de roubo simples p.p. art. 210 nº 1 do Código Penal na pena de 3 (três) anos e 3 (três) meses de prisão.

2) Revogar o acórdão recorrido na parte em que condenou o arguido pela prática de um crime de roubo agravado …

2.1) Substituir a referida condenação pela condenação do arguido pela prática de um crime de roubo agravado p.p. art. 210 nº 1 e 2 b) do Código Penal por referência ao art. 204 nº 2 a) do mesmo Código na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão.

3) Revogar o acórdão recorrido na parte em que condenou o arguido pela prática de um crime de roubo agravado …

3.1) Substituir a referida condenação pela condenação do arguido pela prática de um crime de roubo simples p.p. art. 210 nº 1 do Código Penal na pena de 3 (três) anos de prisão.

            4) Revogar o acórdão recorrido na parte em que condenou o arguido na pena única de 8 anos e 6 meses de prisão;

            4.1) Substituir a referida condenação pela condenação do arguido na pena única de 6 anos e 9 meses de prisão.

            Manter, no mais, o acórdão recorrido.

            Sem custas.

            Notifique.


Coimbra, 25/09/2024

                                                   Maria Teresa Coimbra

                                                    Maria José Guerra         

                                                    João Abrunhosa

 


[1] CONCEIÇÃO FERREIRA DA CUNHA, Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo II, 1999, Coimbra Editora, pág.160.
[2] BELEZA DOS SANTOS, Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 58, pág. 252.
[3] Para maiores desenvolvimentos, vide CONCEIÇÃO FERREIRA DA CUNHA, ob. cit., págs. 166-167.
[4] Neste sentido, vide MANUEL LOPES MAIA GONÇALVES, Código Penal Português Anotado e Comentado, 17.ª Ed., 2005, pág. 714.
[5] Com este entendimento, vide Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 27 de Março de 1984, B.M.J., 337, pág. 427
[6] CONCEIÇÃO FERREIRA DA CUNHA, ob. cit., pág. 167
[7] Idem, págs. 171-172