Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2134/09.7TBCTB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: TELES PEREIRA
Descritores: REGULAÇÃO DO PODER PATERNAL
ALTERAÇÃO
ALTERAÇÃO DAS CIRCUNSTÂNCIAS
PERIGO
MENOR
Data do Acordão: 11/16/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CASTELO BRANCO – 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 182º DA OTM; 1918º DO C.CIVIL
Sumário: I – Assenta o artigo 182º da OTM, respeitante à alteração do regime das responsabilidades parentais anteriormente estabelecido, em dois pressupostos: o incumprimento; a alteração das circunstâncias.

II – Configura uma alteração das circunstâncias a superveniente detecção de uma situação de perigo para o menor, quando tal elemento se apresente como induzido por algum aspecto da regulação das responsabilidades parentais em vigor, designadamente pelo direito de visita.

III – Face a tal circunstancialismo, entendendo-se não ser caso de inibição das responsabilidades parentais, funcionará (no processamento previsto no artigo 182º da OTM) a previsão do artigo 1918º do CC, podendo a “alteração de regime” funcionar como “providência adequada” a afastar a situação de perigo detectada.

IV – Uma situação de perigo é aquela que tem a potencialidade de gerar um dano, aferindo-se a sua existência pela circunstância de se criar para o bem ou valor protegido um estado de insegurança existencial, em função do qual já não se pode confiar, totalmente, na ausência de dano.

V – A indiciação de uma situação de abuso sexual de uma menor, temporal e situacionalmente associada ao regime de visitas ao progenitor não guardião, consubstancia um elevado perigo para a menor, justificando amplamente a restrição desse direito de visitas até ao ponto de estar totalmente garantido o afastamento desse perigo.

Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

I – A Causa


            1. Em 22 de Dezembro de 2009[1], A… (Requerente e Apelada) instaurou, contra o seu ex-marido, P… (Requerido e neste recurso Apelante), nos termos do artigo 182º da Organização Tutelar de Menores (OTM[2]), o presente processo visando a alteração do regime de visitas respeitante à “regulação das responsabilidades parentais” (empregamos aqui a terminologia actual, v. o artigo 3º da Lei nº 61/2008, de 31 de Outubro) relativas à menor, filha de ambos, E…, nascida a 22 de Setembro de 2006 (tem esta, ao tempo da decisão deste recurso, 4 anos de idade).

            Alegou a Requerente, suportando a pretensão de mudança do regime de visitas ao pai, que, por acordo extra-judicial concomitante ao divórcio por mútuo consentimento, que decorreu na Conservatória do Registo Civil de … e teve lugar em Dezembro de 2008[3], o exercício das responsabilidades parentais respeitantes à menor foi regulado, no que à presente alteração interessa, nos seguintes termos (trata-se da enunciação feita pela Requerente no requerimento inicial da presente alteração e não da reprodução do texto desse acordo):


“[…]
3 – Como consta daquele acordo a menor ficou a residir com a mãe […], podendo o pai […], vê-la sempre que quiser, sem prejuízo dos períodos de descanso da menor.
4 – Foi ainda acordado que o pai terá consigo a menor em fins-de-semana alternados, desde as 18:00 horas de sexta-feira até às 18:00 horas de Domingo.
[…]”
            [transcrição de fls. 2/3]

            Fundando a pretensão de alterar este regime, indicou a Requerente no mesmo requerimento inicial:


“[...]
5 – Sucede que, em consequência de conversas da menor, para diversas pessoas, levantou-se a suspeita de que o pai terá molestado sexualmente a menor.
6 – Tal foi comunicado à Comissão de Protecção de Menores, delegação em … que está a acompanhar esta questão.
7 – Em consequência está em curso um processo de inquérito que corre pela Delegação do Ministério Público dessa Comarca, com o nº […], que está a ser investigado pela Delegação da Polícia Judiciária em […].
8 – A Requerente nunca suspeitou que o pai da menor a tenha molestado e sempre as visitas correram com toda a regularidade.
9 – Contudo, em face das suspeitas suscitadas, entende a Requerente que, por cautela, a menor não deverá permanecer em casa do pai nos fins-de-semana e que este deve ver a menor, mas em circunstâncias que não permitam que o pai moleste a menor.
[…]”
            [transcrição de fls. 3]

            Assim, conclui a Requerente propondo – expressando a alteração pretendida introduzir no regime de visitas – que “[…] transitoriamente, e até à conclusão do Inquérito [crime], o pai da menor possa ver a menor quando quiser, sem prejuízo  da saúde e descanso da menor, em casa da mãe, acompanhada por outro adulto” [transcrição de fls. 4][4].

            1.1. A fls. 15/16 o Requerido negou a situação relatada, pugnando pela manutenção do regime de visitas fixado aquando do divórcio.

            1.2. Prosseguindo o processo, realizou-se a conferência documentada na acta de fls. 23/24, tendo os pais produzido as respectivas alegações (o Requerido a fls. 26/27, a Requerida a fls. 41/43), realizando o Instituto da Segurança Social os inquéritos a que se referem os relatórios de fls. 56/60 (Requerente) e fls. 61/64 (Requerido).

            1.2.1. Tendo a Requerida solicitado a inquirição de testemunhas – e só ela o fez[5] –, procedeu-se à audição destas (acta de fls. 70/74, tendo sido gravados os depoimentos respectivos).

            1.3. Decidindo o pedido de alteração, foi proferida a Sentença de fls. 75/85 – esta constitui a decisão objecto do presente recurso –, dispondo o seguinte quanto à alteração da regulação das responsabilidades parentais:


“[…]
[O] Tribunal decide julgar procedente o pedido formulado pela Requerente […] com vista à alteração da RPP relativa à menor […], mantendo-se o regime de exercício das responsabilidades parentais relativos à menor homologado por decisão da Conservatória do Registo Civil de … no que concerne à guarda, responsabilidades parentais e alimentos, com excepção do regime de visitas, que passará a processar-se do seguinte modo:
O progenitor da menor […], poderá visitar a filha aos fins-de-semana, sem prejuízo dos períodos de convalescença, descanso e estudo da mesma, em casa da mãe, acompanhado por outro adulto de confiança da menor […].
[…]”
            [transcrição de fls. 84/85]   

           

1.4. Inconformado, interpôs o Requerido o presente recurso (fls. 89), motivando-o a fls. 90/107, formulando a rematar as conclusões que aqui se transcrevem:

(…)

            A esta motivação responderam, ambos pugnando pela manutenção da decisão, a Requerente (fls. 114/118) e a Exma. Magistrada do Ministério Público (fls. 121/129).


III – Fundamentação


            2. Indicados os elementos caracterizadores do desenvolvimento do processo até à presente instância de recurso, importa dar conta que o objecto deste foi delimitado pelo teor das conclusões do Apelante [v. os artigos 684º, nº 3 e 685º-A, nº 1 do Código de Processo Civil (CPC), aqui aplicáveis ex vi do disposto no artigo 161º da OTM]. Esta delimitação induzida pelo Apelante, que estrutura uma obrigação primária de pronúncia do Tribunal (nos termos do artigo 660, nº 2 do CPC), actua no presente recurso, dada a especial natureza do processo (v. artigos 150º da OTM e 1440º do CPC[6]), em sobreposição com a possibilidade de um acesso alargado à decisão impugnada, sempre que no entendimento do Tribunal de recurso isso se justifique[7].

Com efeito, a específica lógica de acesso desta instância de recurso a uma decisão que respeite à regulação do exercício das responsabilidades parentais (ocorra tal acesso num quadro de controlo de uma fixação inicial ou, como aqui sucede, de uma alteração) assenta no assumir pleno de uma estrutura de recurso de substituição (é a causa que se julga no recurso, através da apreciação global da decisão recorrida), encarando essa decisão como um todo, como expressão compaginada e articulada de um determinado critério geral de decisão, que se impôs ao Tribunal a quo, critério este que, como que transitando para o Tribunal ad quem, se vem a impor a todos os julgadores nesta espécie de processos. É neste sentido que não pode deixar de se propiciar um acesso total da segunda instância ao conteúdo da decisão recorrida.

Só esta compreensão alargada da abrangência temática de um recurso nesta espécie de processos – nas diversas espécies processuais referidas à regulação das responsabilidades parentais –, propicia a actuação, em qualquer dos planos jurisdicionais, do critério de decisão estabelecido para estas situações (regulação das responsabilidades parentais de harmonia com os interesses do menor, cfr. artigo 180º, nº 1 da OTM).

Com efeito, trata-se aqui – nestas situações – de adjectivar a protecção do superior interesse da criança num quadro de compaginação equilibrada e proporcional de tal interesse (autónomo e, por definição, “superior”[8]) com o respeito pelos direitos individualizados dos pais. Aos direitos destes, com efeito – importa não o esquecer –, a heterodeterminação do exercício da parentalidade, como a que é realizada por um Tribunal tendo como pano de fundo uma situação de oposição de interesses, não pode deixar de atender. Trata-se aqui, pois, como sucede em todas as situações deste tipo – e citamos o Acórdão referido na nota 9, supra –, de considerar a “[…] parentalidade enquanto direito-dever subjectivo dos seus titulares, sujeito à modelação das circunstâncias concretas em que o seu exercício se processa, e a procura do «superior interesse do menor», enquanto modelo decisório geral sempre presente nestas situações […]”.

            2.1. Sendo este o alcance do recurso, definido em termos gerais, tenha-se presente referir-se ele, no concreto, à alteração do regime, adrede estabelecido aquando do divórcio, de visitas da menor ao pai (ao Requerido e neste recurso Apelante), em função da valoração de determinadas incidências de facto relatadas pela Requerente ao Tribunal e investigadas, no sentido de procura do seu esclarecimento, no decurso do processo. Essa é, pois, e as conclusões do recurso acima transcritas confirmam este entendimento, a incidência temática da apelação, a saber: (a) o controlo do processo de fixação dos factos que a Sentença assumiu como provados; (b) o controlo da valoração do conjunto dos factos fixado, determinando a correspondência destes – e parafraseamos o artigo 182º, nº 1 da OTM – a circunstâncias supervenientes que tornem necessário alterar, conforme foi entendido pela primeira instância, o que por acordo se estabeleceu quanto aos direitos de visita e convivência do Requerido relativamente à menor sua filha, enquanto progenitor não detentor da guarda desta.

            2.1.1. (a) Caracterizada a incidência do recurso – julgar-se-á aqui a modelação dos direitos de visita do Requerido, em função da superveniência do conhecimento de determinados factos –, importa referirmo-nos, precisamente, a estes factos (ao processo de fixação e expressão dos mesmos na Sentença), enquanto elementos determinantes do pronunciamento decisório que o Apelante ataca.

Sublinha-se que o controlo dos factos por esta Relação decorreu, no quadro amplo atrás traçado de acesso ao julgamento na instância precedente, da ponderação de todos os elementos documentais constantes do processo (v. concretamente fls. 33/37, 46, 48, 50/54, 55/60 e 61/64) e da audição integral do registo áudio dos depoimentos das cinco testemunhas inquiridas. Vale isto pela afirmação, com a qual se responde em termos gerais à crítica do Apelante aos factos, de que se aceita plenamente a descrição factual alcançada na primeira instância, pois não entendemos que essa descrição atraiçoe, nas asserções fácticas de que se compõe, minimamente, o sentido da prova produzida.

Com efeito, a Exma. Julgadora, sublinhando-se a grande delicadeza da matéria ajuizada, foi particularmente rigorosa na valoração da prova e foi, sublinhar-se-á também, especialmente cuidadosa na expressão verbal do resultado dessa valoração, descrevendo sempre, no caso da prova testemunhal, a realidade relatada pelas testemunhas, fundamentando exaustivamente – diríamos mesmo, modelarmente – (vale aqui o trecho de fls. 79/81) o porquê das afirmações dessas testemunhas terem conduzido à expressão daquelas asserções fácticas. Este Tribunal ouviu integralmente esses depoimentos e deseja consignar a sua completa adesão à descrição fáctica exarada na Sentença.

Assim, as críticas do Apelante a este respeito não têm qualquer fundamento, sendo até intuitiva essa falta de razão.

Com efeito, detalhando essas críticas, não tem qualquer sentido – é até absurdo – pugnar neste recurso pela audição de uma menor de três anos sobre factos da jaez dos aqui em causa, apresentando esse procedimento como diligência probatória adequada ao esclarecimento de uma situação deste tipo, como se de omissão de uma diligência imprescindível se tratasse. E isto, para além de tudo o mais, quando o próprio Apelante não indicou ou sugeriu a realização de tal audição durante o processo. Sublinhando a evidência da inadequação dessa diligência – e as evidências valem por si, não necessitando de nenhum atributo a garanti-las –, não deixará de se chamar a atenção para as circunstâncias que alicerçam essa evidência: a idade da menor (3 anos, aquando da instrução do processo); o carácter profundamente traumático da situação indiciada e pretendida esclarecer.

Interessa-nos frisar aqui, a respeito da produção de prova, fundamentalmente, a relevância que apresenta a percepção da realidade investigada respeitante à menor por parte de terceiros, no quadro do “ambiente natural” (chamemos-lhe assim, na falta de uma melhor designação) em que a manifestação dessa realidade ocorreu por parte da própria menor (primeiramente junto dos familiares e da educadora e, posteriormente, da psicóloga e do médico que a observou). A questão central é aqui, portanto, a da credibilidade da transmissão dessa realidade ao Tribunal, por parte dos terceiros envolvidos (o relato do que estes afirmam ter observado), sendo que a tal respeito, nada de relevante, em desabono dessa credibilidade, indica o Apelante, acrescentando-se que nenhuma dúvida nos suscitou, tal como sucedeu com a primeira instância, a circunstância de todas as testemunhas inquiridas terem transmitido, com particular objectividade (e isto vale também para a tia e a avó da menor, ambas inquiridas), manifestações e actuações da menor por elas (testemunhas) directamente presenciadas e percepcionadas[9]. Para além da evidência da inadequação da audição de uma criança de três anos de idade – parece-nos efectivamente evidente –, sublinharemos, enquanto critério de decisão, com inegável vocação de generalidade, quanto à possível audição de menores em processos judiciais deste tipo, o que estabelece o nº 3 do artigo 1901º do Código Civil (CC). Este estabelece que “[…] o tribunal ouvirá o filho, antes de decidir, salvo se circunstâncias ponderosas o desaconselharem”[10]. A idade e a natureza das situações envolvidas neste caso constituem, ostensivamente, circunstâncias ponderosas que desaconselham – neste caso até bloqueiam como diligência susceptível de surtir efeito útil – a audição da menor agora – só agora, em sede de recurso – aventada pelo Apelante.

Da mesma forma, e continuamos a apreciar o acto de julgamento consubstanciado na fixação dos factos provados, não é razoável falar, enquanto suposto desvalor desse acto (ver a conclusão XX do recurso), de qualquer relação de dependência entre este processo, exclusivamente respeitante à alteração do regime de exercício das responsabilidades parentais, e o inquérito aberto pelo Ministério Público (rectius, o processo-crime) que contra o Apelante penderá pelas mesmas situações. Com efeito, sendo evidente a radical diferença de objectos, de princípios e de valores procedimentais estruturantes, entre as duas situações, sempre seria de convocar, já que o Apelante fala numa suposta “litispendência” (v. artigo 497º do CPC), o carácter não condicionante, no quadro adjectivo em que aqui nos movemos, de quaisquer decisões penais condenatórias ou absolutórias (definitivas que fossem as mesmas), proferidas em processo penal (artigos 674º-A e 674º-B do CPC, ex vi do disposto no artigo 161º da OTM). E este carácter estanque de ambos os campos adjectivos funciona nos dois sentidos, já que o radicalmente distinto objecto deste procedimento, no confronto com qualquer forma ou fase próprias de uma acção penal, tornam inapto ao uso nesta última, com qualquer valor particular, das asserções decisórias aqui estabelecidas. Estas asserções – o que aqui se decide quanto às responsabilidades parentais –, esgotam-se nisso mesmo: a determinação, em função das concretas incidências da situação, do regime mais adequado ao exercício das responsabilidades parentais no quadro, caracteristicamente fluido, de uma projecção prospectiva do interesse do menor[11].

Interessam todas as anteriores considerações tecidas neste item, para sublinhar a inconsistência das críticas do Apelante à dimensão do julgamento consubstanciada na fixação dos factos. Tenha-se presente, numa espécie de resumo do que antes se justificou, que o Tribunal foi cuidadoso e preciso na descrição dos factos apurados, cingindo-se ao que apresentava relevância para o objecto deste processo, não correspondendo a uma crítica minimamente consistente falar (como o faz o Apelante, v. conclusão VIII do recurso, acima transcrita) numa omissão de pronúncia[12].  

2.1.2. (a) Assente isto – assente a correcção dos factos fixados pelo Tribunal a quo – aqui se transcreve a matéria de facto considerada na decisão apelada:


“[…]
I – A menor E… nasceu em 22 de Setembro de 2006, tendo, portanto, [presentemente, 4 anos de idade].
II – Foi regulado o poder paternal relativo à menor por acordo na Conservatória do Registo Civil de …, no processo de divórcio dos seus progenitores [Requerente e Requerido], nos termos do qual a menor ficou a residir com a mãe, podendo o pai, ora Requerido, vê-la sempre que quiser, sem prejuízo dos períodos de descanso da menor.
III – Foi ainda acordado que pai terá consigo a menor em fins-de-semana alternados, desde as 18:00 horas de sexta-feira até às 18:00 horas de Domingo.
IV – Em consequência de conversas da menor, para diversas pessoas, levantou-se a suspeita de que o pai terá molestado sexualmente a menor.
V – Tal foi comunicado à Comissão de Protecção de Menores, delegação de ....
VI – Em consequência está em curso um processo de inquérito que corre pela Delegação do Ministério Público dessa comarca, com o nº …, que está a ser investigado pela Delegação da Policia Judiciária em ...
VII – A menor, em diversas ocasiões, referiu à mãe, tia e avó materna, que o pai é mau e lhe fazia «dói dói no pipi».
VIII – Após passar os fins-de-semana na companhia do pai a menor apresentava-se perturbada e agressiva, apresentando um sono agitado e acordando aos gritos a meio da noite, bem como episódios de enurese durante o sono diurno ou nocturno, o que não acontecia nos restantes dias.
IX – A menor, no passado dia do pai, recusou-se a desenhá-la dizendo que «o pai é mau».
X – A menor para se deixar dormir necessita de estimular a zona genital, em movimentos reiterados e sucessivos, de cariz masturbatório.
XI – A partir do momento que a mãe da menor E… deixou de permitir que a filha pernoitasse com o pai nos fins-de-semana que lhe cabiam, cessaram os terrores nocturnos, o sono agitado, a enurese, passando a menor a apresentar-se calma e serena.
[…]”
            [transcrição de fls. 77/78]

            2.2. (b) Sendo estes os factos apurados, interessa agora proceder à sua valoração, quanto ao elemento decisório contestado pelo Apelante.

            Está em causa a introdução de uma alteração a um aspecto particular do regime regulatório das responsabilidades parentais, antes consensualmente estabelecido entre os pais aquando do divórcio, em função da superveniência do conhecimento de circunstâncias que, no entender do Tribunal (entendimento que acolheu a pretensão manifestada pela Requerente), tornaram adequada a introdução dessa modificação de sentido limitativo da extensão e conteúdo do direito de visita do pai. Valeu aqui, pois, face ao “ambiente processual” em que o Tribunal actuou (trata-se de um processo de alteração de regime), o funcionamento de um dos critérios de modificação da regulação previstos no nº 1 do artigo 182º da OTM[13].

            Ora, captando a ratio decidendi da Sentença – determinando, portanto, que circunstância superveniente levou o Tribunal a alterar o acordo anteriormente estabelecido entre os pais quanto a visitas –, verificamos ter o Tribunal formulado, implicitamente, uma prognose de perigo para o equilíbrio físico e emocional da menor, em função da detecção de “[…] que o convívio da menor com o pai se mostra[va] traumatizante e desestabilizante para esta, tudo indicando que o pai tem comportamentos de cariz sexual que perturbam a menor e fazem-na rejeitar o convívio com este” (fls. 83).

            Como se disse, refere-se a alteração aos direitos de visita, no particular aspecto em que o exercício destes pelo pai implicava a permanência da menor, em fins-de-semana alternados, na casa do pai, aí pernoitando com ele duas noites seguidas (sexta/sábado; sábado/domingo). A prognose de perigo que induziu a alteração refere-se a uma consistente indiciação de que esses convívios com o pai terão induzido os comportamentos detectados na criança e que a Sentença descreveu nos itens IV, VII, VIII, IX e X do respectivo elenco fáctico.

            2.2.1. (b) Está em causa, enquanto direito (do pai) afectado pela alteração introduzida pela Sentença apelada, o que se qualifica, no seio das responsabilidades parentais exercidas fora de uma comunidade conjugal entre os pais, como “direito de visita”. Poderemos caracterizar este direito – citando um Estudo de Hélder Roque –, na dupla vertente que usualmente lhe é associada, nos seguintes termos:


“[…]
[I]mporta distinguir o direito de visita stricto sensu, na acepção consagrada pela doutrina, enquanto direito social de relação do progenitor não guardião com o menor, o direito de manter relações pessoais com o mesmo, de comunicar e relacionar-se com ele, que consiste no direito de ver o menor na residência deste, de o receber no domicilio do visitante ou de sair com ele para qualquer local, à escolha do não guardião, durante apenas algumas horas e de acordo com uma certa periodicidade, do direito de visita lato sensu, que a jurisprudência acolheu, onde se inclui o direito de alojamento, o direito de estadia, durante fins-de-semana ou parte das férias […]” (sublinhado acrescentado)[14]

            Neste caso verifica-se que a alteração introduzida afectou, tão-só, esta segunda vertente do direito (a que se chama de direito de visita lato sensu), retirando apenas o direito de estadia prolongada, com pernoita durante todo o fim-de-semana, mantendo, todavia, a vigência, apenas condicionado pela presença ou proximidade de uma terceira pessoa, do direito de visita stricto sensu, concretizado este através do acesso directo do pai à menor (à possibilidade de a ver e de estar com ela) e da possibilidade de interacção com ela através destas visitas (direito de a visitar e de estar com ela no decurso do dia, desfrutando, nesses termos, da companhia um do outro). Com efeito, importará sublinhar que a Sentença, no que não hesitamos em qualificar como procura de um ponto de equilíbrio entre a prevalência do interesse da menor e a efectivação do direito do pai, manteve intocado, no essencial, este último elemento integrador do direito de visita.

            Estamos, pois, através da decisão apelada, perante uma limitação – uma reconfiguração de sentido restritivo – dessa particular modalidade do direito de visita do pai, aqui realizada no quadro adjectivo fornecido pelo artigo 182º da OTM, através da alteração da regulação das responsabilidades parentais anteriormente estabelecida. Traduzindo a decisão recorrida uma limitação ao exercício dessas responsabilidades parentais por banda do pai, está ela sujeita, como tal, à verificação do requisito de perigo previsto no artigo 1918º do CC[15]. Este contém, independentemente da forma adjectiva observada, o critério geral que preside, quando “[…] não seja caso de inibição do exercício das responsabilidades parentais […]”, à introdução de limitações ao exercício destas, através da adopção das providências que se entendam adequadas a afastar a situação de perigo detectada.

            Assim sendo, o controlo da decisão aqui em causa, pressupondo esta no seu sentido a verificação do elemento perigo, traduz-se na – rectius, implica a – aferição da efectiva presença desse elemento, sendo que isso pressupõe, obviamente, a sua prévia caracterização.

            2.2.2. (b) Fala-se de perigo – e afigura-se-nos adequado partir do seu sentido etimológico comum – para expressar uma situação de ameaça ou de risco para alguém ou algo, referindo-se àquilo que provoca essa circunstância ou desencadeia uma situação ou eventualidade em que pode ocorrer um dano[16].

            Esta última acepção – eventualidade de ocorrência de um dano – é a preponderante no mundo do Direito, sempre que se trata de caracterizar a presença de uma realidade que se expressa através da ideia de perigo, quando este (o perigo) integra a previsão de alguma norma (é o que sucede com o artigo 1918º do CC) e funciona como elemento desencadeador de uma estatuição contida nessa norma (neste artigo 1918º a estatuição consiste na introdução de limitações ao exercício das responsabilidades parentais).

É neste sentido que podemos distinguir na previsão de muitas normas, com particular ênfase no Direito Penal (desde logo na estruturação dos tipos de crimes), mas também no âmbito do Direito Civil, uma contraposição, em termos de resultado, entre um “desvalor danoso” (o que está presente, por exemplo, no artigo 483º, nº 1 do CC) e um “desvalor perigoso”, presente, por exemplo, na situação que nos ocupa, na previsão do artigo 1918º do CC (“[q]uando a segurança, a saúde, a formação moral ou a educação de um menor se encontrem em perigo […]”).

Existe na ideia de perigo – aquela que aqui nos interessa – uma essência profunda que o Direito Penal assume, desde logo, na estruturação de determinados tipos de crime (os crimes de perigo) e que não deixa de expressar um critério geral aferidor da presença desse elemento (perigo) em situações exteriores à construção de tipos em Direito Penal[17]. A este podemos, pois, e é disso e só disso que se trata neste caso, ir buscar relevantes elementos interpretativos possibilitadores de uma caracterização (jurídica) do elemento perigo, sempre que este seja utilizado na previsão de uma norma como elemento desencadeador de uma estatuição – de uma estatuição decorrente da verificação de uma situação de perigo.

É neste sentido que nos interessa, interpretativamente – e sublinha-se esta condicionante: a de se tratar aqui, tão-só, da convocação de um argumento interpretativo –, numa caracterização da ideia de perigo com vocação de generalidade e, por isso, com aplicação à situação que nos ocupa, definições de “perigo concreto” ligadas à probabilidade de ocorrência de uma lesão, sendo que o perigo em Direito é sempre associado, como vimos na nota 17 supra, à indução da eventualidade de produção de um dano[18], assentando num juízo objectivo de prognose. É neste sentido que apresenta grande interesse interpretativo, não obstante referir-se ao “dolo de perigo” em Direito Penal, uma caracterização do elemento “perigo” como a que aqui – partindo de um Estudo de Rui Carlos Pereira – transcrevemos:


“[…]
De um modo muito mais expressivo [refere-se o Autor ao critério da probabilidade preponderante na produção de um dano na caracterização do perigo concreto], uma parte da doutrina alemã tem-se servido da ideia de acaso para caracterizar o conceito de perigo concreto. Haverá perigo concreto quando a segurança do bem jurídico é posta em causa de tal modo que a sua lesão ou não lesão depende do acaso. Esta visão […] tem como precursor Binding, para quem o perigo concreto estava associado a uma situação de incerteza da existência […] do bem jurídico. Produzir o perigo consistirá, assim, em criar uma situação de insegurança existencial […] para o bem jurídico. O perigo como resultado típico será identificável com uma situação em que se não pode já confiar totalmente na ausência de dano.
[…]”[19] [sublinhados acrescentados]

            2.2.3. (b) Ora, tomando por base interpretativa que a ideia de perigo decorre da indução, por referência à possibilidade de ocorrer um dano – no caso do artigo 1918º do CC, de um dano para a segurança, a saúde, a formação moral ou a educação de um menor –, de uma situação de insegurança existencial quanto a esses elementos, tomando isto por base, dizíamos, verificamos, através do cotejo desta ideia de perigo com os factos concretos cuja verificação o Tribunal a quo determinou, a consistência da projecção de uma situação de perigo efectivo para o processo formativo da menor, sendo correcta, por isso mesmo, a associação desse desvalor de perigo ao particular aspecto do regime de visitas alterado – suprimido, se quisermos expressar assim a realidade – pela decisão da primeira instância ora apelada.

            Convocamos aqui a evidência[20], apoiada em inúmeros estudos psicológicos, do carácter profundamente traumatizante do abuso sexual sobre crianças[21], para anteciparmos, face à situação aqui detectada, a existência de um muito significativo perigo concreto para a menor, suficientemente caracterizado e subjectivamente referenciável ao Apelante, em termos que apoiam inteiramente a asserção decisória estabelecida pela Sentença.

            Tal asserção, consistente na introdução de uma alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais no que concerne ao direito de visita, por existência de um fundado receio de produção de um dano, tal asserção decisória, dizíamos, deve, assim, por absolutamente adequada à situação, ser confirmada, com a consequente improcedência do presente recurso.

            Mantém-se, pois, decidindo nesse sentido o recurso, que as visitas do Apelante à menor sua filha, mesmo as que venham a ter lugar aos fins-de-semana, passam a excluir a possibilidade de pernoita e devem ocorrer em casa da mãe, ou em local por esta designado, e decorrerem sempre sob a supervisão e o acompanhamento desta ou de um adulto por ela (a mãe) indicado.

            2.3. É o que aqui se determinará, depois de deixar nota, em sumário imposto pelo nº 7 do artigo 713º do CPC, dos traços principais do antecedente percurso argumentativo:


I – Assenta o artigo 182º da OTM, respeitante à alteração do regime das responsabilidades parentais anteriormente estabelecido, em dois pressupostos: o incumprimento; a alteração das circunstâncias;
II – Configura uma alteração das circunstâncias a superveniente detecção de uma situação de perigo para o menor, quando tal elemento se apresente como induzido por algum aspecto da regulação das responsabilidades parentais em vigor, designadamente pelo direito de visita;
III – Face a tal circunstancialismo, entendendo-se não ser caso de inibição das responsabilidades parentais, funcionará (no processamento previsto no artigo 182º da OTM) a previsão do artigo 1918º do CC, podendo a “alteração de regime” funcionar como “providência adequada” a afastar a situação de perigo detectada;
IV – Uma situação de perigo é aquela que tem a potencialidade de gerar um dano, aferindo-se a sua existência pela circunstância de se criar para o bem ou valor protegido um estado de insegurança existencial, em função do qual já não se pode confiar, totalmente, na ausência de dano;
V – A indiciação de uma situação de abuso sexual de uma menor, temporal e situacionalmente associada ao regime de visitas ao progenitor não guardião, consubstancia um elevado perigo para a menor, justificando amplamente a restrição desse direito de visitas até ao ponto de estar totalmente garantido o afastamento desse perigo. 


III – Decisão


            3. Face ao exposto, na improcedência da apelação, decide-se confirmar a Sentença recorrida[22].

            Custas pelo Apelante.

           
J. A. Teles Pereira (Relator)
Manuel Capelo
Jacinto Meca


[1] Esta indicação evidencia tratar-se de processo iniciado posteriormente à entrada em vigor (em 01/01/2008) do Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, sendo-lhe aplicáveis, por isso, as alterações ao regime dos recursos introduzidas por este último Diploma (v. os respectivos artigos 11º, nº 1 e 12º, nº 1). Isto significa que qualquer disposição do Código de Processo Civil que venha a ser citada ao longo do presente Acórdão, sê-lo-á na versão introduzida pelo citado DL nº 303/2007.
[2] Neste Diploma, referimo-nos às disposições subsistentes contidas no Decreto-Lei nº 314/78, de 27 de Outubro.
[3] Tratou-se de divórcio adjectivado nos termos do artigo 14º do Decreto-Lei nº 272/2001, de 13 de Outubro (v. também artigos 271º e 272º do Código de Registo Civil), valendo, quanto ao “acordo sobre o exercício do poder paternal”, o nº 4 do citado artigo 14º: “[q]uando for apresentado acordo sobre o exercício do poder paternal relativo a filhos menores, o processo é enviado ao Ministério Público junto do tribunal judicial de 1ª instância competente em razão da matéria no âmbito da circunscrição a que pertença a conservatória […], para que este se pronuncie sobre o acordo no prazo de 30 dias”. Foi o que aqui sucedeu, consolidando-se nesses termos o acordo ora pretendido alterar, sendo esta circunstância que justifica o carácter autónomo deste processo (v. artigo 182º, nº 2, in fine).
[4] Nesse mesmo requerimento inicial anunciou a Requerente que “[…] em face da suspeita e como medida cautelar […] não permitiu que o pai levasse a menor nos dois últimos fins-de-semana, permitindo-lhe, contudo, que esteja com a menor na residência da Requerente acompanhada por familiar seu” (transcrição de fls. 3).
[5] O Requerido não indicou qualquer prova nem solicitou a realização de qualquer diligência.
[6] Estabelece este último que “[n]as providências a tomar o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adoptar em caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna”.
[7] Estamos a caracterizar, em termos gerais, o critério de acesso desta instância à decisão recorrida e não a adiantar se a adopção desse critério determinará neste caso concreto uma apreciação em sede de recurso que extravase do específico objecto decorrente da modelação temática através das conclusões formuladas pelo Recorrente.
[8] V. a aproximação a uma caracterização operante do “superior interesse do menor” intentada no Acórdão desta Relação de 30/10/2007, proferido pelo ora relator no processo nº 4-D/1997.C1, disponível na base do ITIJ na pesquisa pelos campos ora indicados ou, directamente, através do seguinte endereço: http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/c585ee574051ca5880257394005bc9f0.
[9] Sublinha-se o particular cuidado que a Exma. Juíza a quo teve de despistar, particularmente nos depoimentos (mais distanciados e de pendor mais técnico) da psicóloga, da educadora e do médico, a existência de indícios de uma situação com aptidão de corresponder ao chamado “síndroma da alienação parental”, tendo a psicóloga indicado a incapacidade de indução de uma sugestão numa criança daquela idade. A audição da prova testemunhal forneceu-nos a convicção – tal como à primeira instância – de que a fonte de conhecimento primário da situação foi sempre o comportamento da menor e não qualquer construção elaborada pela mãe ou pelos familiares próximos desta. Aliás, a manifestação do indicado “síndroma” ocorre geralmente num ambiente de exacerbamento de conflito entre os núcleos familiares opostos (o da mãe e o do pai), situação esta que, neste caso, nos parece não ter correspondido à realidade.
[10] Vale aqui, quando às disposições aplicáveis do Código Civil, tendo em vista que a presente acção teve início em Dezembro de 2009, a redacção introduzida pela Lei nº 61/2008, de 31 de Outubro (v. o respectivo artigo 9º).
[11] Como adiante veremos, o particular objecto da averiguação aqui (neste processo de alteração) empreendida, estrutura-se em função de um juízo visando a aferição de circunstâncias que tornem necessário alterar um regime estabelecido quanto ao exercício de responsabilidades parentais, nisso se esgotando. Mesmo situando a questão aqui colocada em termos de aferição da existência de elementos de perigo para o menor – como entendemos adequado e justificaremos na ulterior exposição –, e mesmo que essa situação de perigo apareça subjectivamente referenciada ao ora Apelante, esse plano indagatório esgota-se na projecção, relativamente ao menor, de uma situação de incerteza (nisso se traduz o perigo) geradora de receio de que um resultado danoso possa, eventualmente, produzir-se relativamente ao menor. Simplificando as coisas, diremos que é a probabilidade de algo acontecer, a manter-se determinada situação, o que aqui se averigua, e não a circunstância de algo ter efectivamente ocorrido. A decisão aqui não assume, pura e simplesmente, o risco da dúvida, decidindo, independentemente dela, no sentido de a esconjurar. Contrariamente, no processo penal, a dúvida não ultrapassada só funda uma decisão negativa quanto à verificação dos factos ajuizados.    
[12] Aliás, tendo presentes as conclusões VII e VIII do recurso, onde se indica o que teria traduzido essa suposta omissão, dir-se-á não corresponder à verdade a pretensão de atribuir ao ofício da CPCJ de … de fls. 53 um sentido de desmentido formal da existência de perigo para o menor. O que notoriamente aí se indica, tendo presente o âmbito subsidiário da intervenção da CPCJ (v. artigo 4º, alínea j) da Lei nº 147/99, de 1 de Setembro), é que a comunicação (transmissão) da situação ao (para o) Ministério Público deslocou para o plano da intervenção deste o tratamento do problema e, enfim, a cessação das visitas isoladas com o Apelante (facto este transmitido pela mãe à Comissão), terá feito cessar, em termos práticos, o elemento indutor do perigo.
[13] “Quando o acordo ou a decisão final não sejam cumpridos por ambos os pais, ou quando circunstâncias supervenientes tornem necessário alterar o que estiver estabelecido […]” (sublinhado acrescentado). A norma assenta, pois, na previsão de duas situações: incumprimento; alteração das circunstâncias.
[14] “Regulação do Exercício do Poder Paternal. A Situação do Progenitor não Detentor da Guarda ou a Outra Face do Poder Paternal”, in Volume Comemorativo dos 10 Anos do Curso de Pós-Graduação «Protecção de Menores – Prof. Doutor F. M. Pereira Coelho», Coimbra, 2008, p. 135.
[15] Este integra-se na Subsecção V (“Inibição e limitações ao exercício das responsabilidades parentais”) – artigos 1913º a 1920º-A – da Secção II (“Responsabilidades parentais”) do Capítulo II (“Efeitos da filiação”) do Título II (“Da filiação”) do Livro IV (“Direito da Família”) do Código Civil.
Estabelece a disposição indicada:

Artigo 1918º
Perigo para a segurança, saúde, formação moral e educação do filho
Quando a segurança, a saúde, a formação moral ou a educação de um menor se encontrem em perigo e não seja caso de inibição do exercício das responsabilidades parentais, pode o tribunal, a requerimento do Ministério Público ou de qualquer das pessoas indicadas no nº 1 do artigo 1915º, decretar as providências adequadas, designadamente confiá-lo a terceira pessoa ou a estabelecimento de educação ou assistência.
[16] Cfr. a entrada “Perigo” no Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, Tomo V, Lisboa, 2003, p. 2835. Sintomaticamente, esta obra particulariza, como acepção “jurídica” da palavra, a “situação ou eventualidade em que pode ocorrer um dano”.
[17] É neste sentido que José Francisco de Faria Costa refere que “[…] a comunidade humana realiza-se e forma-se por meio de uma teia de cuidados, em que o cuidado individual, isto é, o cuidado do «eu» sobre si mesmo, só tem sentido se se abrir aos cuidados para com os outros, porque também unicamente desse jeito, unicamente nessa reciprocidade, se encontra a segurança, a ausência de cuidado, a carência de perigo” (O Perigo em Direito Penal, Coimbra, 1992, p. 319).
[18] Vale como dano (como a realização efectiva de um dano), equivalendo à definição jurídica deste, “[a] supressão ou diminuição duma situação favorável, reconhecida ou protegida pelo Direito” (António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, II, Direito das Obrigações, Tomo III, Coimbra, 2010, p. 511).
[19] O Dolo de Perigo, Lisboa, 1995, p. 32.
[20] “Intuitivamente, apresenta-se como obvio que o abuso sexual de crianças produz nestas um dano psicológico profundo [deep psychological harm]” (Richard A. Posner, Sex and Reason, Cambridge, Massachusetts, Londres, 1997, p. 396).
[21] “De facto, um grande número de estudos psicológicos do abuso sexual de crianças foram realizados, e a conclusão geral e invariável de todos eles é a de que esse tipo de abuso é psicologicamente nocivo para a criança, determinando graves problemas comportamentais, afectando negativamente o sucesso escolar [depressing school achievement] desta; que esse dano persiste indelevelmente na idade adulta, como memória traumática produtora de sofrimento, manifestado em ansiedade e outras neuroses, induzindo comportamentos promíscuos […], abuso de drogas, depressão, dificuldades de relacionamento e de estabelecimento de laços afectivos e diminuição muito acentuada da auto-estima no plano sexual e geral. A isto acresce que esse dano – todos esses estudos o demonstram – é tanto mais intenso e severo nas suas consequências, quanto mais próxima for a relação entre o abusador e o abusado e maior a diferença das respectivas idades […]” (Richard A. Posner, Sex and Reason, cit., p. 396; cfr. a indicação de um grande número dos Estudos citados na nota 39, pp. 396/397).
[22] Expressa-se aqui essa confirmação, por razões de precisão na definição da regulação estabelecida quanto ao regime de visitas, na reafirmação do entendimento dessa decisão destacado a sublinhado no final do item 2,2.3. (b), supra no texto do presente Acórdão. Não se trata, portanto, de alterar a decisão recorrida, mas, tão-só, de tornar mais preciso e apreensível para os destinatários o seu conteúdo.