Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | MARIA JOÃO AREIAS | ||
Descritores: | RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL DO ESTADO ERRO JUDICIÁRIO INDEMNIZAÇÃO REVOGAÇÃO DA DECISÃO DANOSA | ||
Data do Acordão: | 03/01/2016 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | COMARCA DE VISEU - VISEU - INST. CENTRAL - SECÇÃO CÍVEL - J1 | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | LEI Nº 67/2007 DE 31/12 | ||
Sumário: | 1. O requisito da “revogação da decisão danosa”, previsto no nº2 do art. 13º da Lei nº 67/2007, de 31 de dezembro, significa que a lei exige, como pressuposto da admissibilidade do pedido indemnizatório, que a decisão em causa seja revogada por via dos meios impugnatórios que, no caso, sejam admissíveis. 2. Se o tribunal de recurso, que poderia pronunciar-se em última instância sobre a matéria da causa, manteve o entendimento do tribunal recorrido, não pode dar-se como existente o erro de julgamento para efeitos de responsabilidade civil pelo exercício da função jurisdicional. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (2ª Secção): I - RELATÓRIO R (…) intenta a presente ação declarativa sob a forma de processo ordinário contra o Estado Português, Alegando em síntese: no âmbito do Inquérito nº 555/08.1JACBR foi constituído arguido, tendo sido contra si deduzida acusação imputando-lhe a prática, em coautoria, de um crime de corrupção para ato ilícito p. e p. no art. 372º, nº1, do CP, ed e um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256º, ns. 1, als. a), b), d). e e) do CP, tendo sido promovida a aplicação da medida de coação de suspensão do exercício de funções como administrador de insolvência, promoção que o autor contestou; por despacho do juiz de instrução proferido a 08.03.2010, foi aplicada ao autor tal medida de coação, despacho de que o autor interpôs recurso, julgado improcedente e mantendo a medida de coação aplicada; ambas as decisões fizeram uma errada interpretação da lei aplicável, tanto que o autor foi submetido a julgamento, tendo sido absolvido por acórdão proferido a 25.05.2011, e declarada cessada a referida medida de coação que lhe tinha sido aplicada; defende que houve erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto que conduziram à aplicação da medida de coação referida, existindo assim responsabilidade extracontratual do Estado nos termos do art. 13º da Lei nº 67/2007. em consequência da medida de coação aplicada, o autor foi destituído de funções em todos os processos em que estava nomeado como administrador de insolvência ou liquidatário, deixando de auferir o montante de € 325.022,25, a que acresce o valor de € 112.500,00 que receberia em processos em que deixou de ser nomeado. Invoca ainda ter sofrido vários danos de natureza não patrimonial, que descrimina, contabilizando-os em € 50.000,00. Termina pedindo a condenação do réu: a) A reconhecer que a medida de coação aplicada ao arguido foi desproporcional desadequada e que causou ao autor prejuízos anormais e graves; b) A pagar ao autor a quantia de € 437.522,25, a título de danos patrimoniais; c) A pagar a quantia de € 50.000,00 a título de danos não patrimoniais; d) A pagar ao autor a quantia de € 750,00 mensais, desde a propositura da presente ação e enquanto perdurar o processo da “Planipico”, pendente no Tribunal Judicial do Pico; e e) A pagar os juros vincendos, à taxa de 4% ao ano, desde a citação até integral pagamento, no tocante aos danos de natureza patrimonial, e desde a sentença até integral pagamento sobre a quantia que vier a ser fixada a título de dano não patrimonial. O Réu, representado pelo Ministério Público, apresentou contestação no sentido da improcedência da ação. Foi proferido despacho saneador. Designado dia para audiência de julgamento, a mesma foi dada sem efeito, sendo proferida de imediato sentença a julgar a ação improcedente, absolvendo o réu do pedido. * Não se conformando com a mesma, o autor dela interpõe recurso de apelação, concluindo a respetiva motivação, com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem: 1. O nó górdio do dissenso contido no presente recurso prende-se exclusivamente à interpretação jurídica da norma inserta no n.º 2 do artigo 13º da Lei 66/2007 de 31 de Dezembro. 2. Ora o sobredito inciso legal estatui que “o pedido de indemnização deve ser fundado na prévia revogação da decisão danosa pela jurisdição competente”, 3. Fazendo a douta decisão recorrida (aliás, na esteira da jurisprudência nacional) veemente apologia de que a partícula linguística “revogação” traz imanente a necessidade desta haver operado por decisão de um Tribunal superior. 4. Ora, salvo o devido respeito – que é efetivamente nutrido – tal hermenêutica emerge absolutamente desfasada quer do teor literal da norma, quer de uma leitura conforme à Constituição. 5. Desde logo, a umbilical colagem entre “revogação” e “decisão do Tribunal superior” não se fundamenta em qualquer argumento juridicamente sustentado. 6. Na verdade, etimologicamente “revogar” tem o significado de “anular”, “tirar o efeito”, “rescindir”, “invalidar”, 7. Não se descortinando da leitura das normas que compõem o do Livro IV do Código de Processo Penal (artigos 191º a 228º do CPP, exatamente titulado “Das medidas de coação e de garantia patrimonial) que, nesta concreta sede, o conceito adquira um conteúdo semântico distinto daquele supra referido. 8. Com efeito, do artigo 212º (maxime n.º 1 e 4) ressuma com meridiana e transparente clareza que a revogação de qualquer medida de coação deve ocorrer imediatamente por decisão judicial logo que deixe de se verificar o condicionalismo factual e jurídico em que surgiu no mundo juridicamente significante, ordenada pelo juiz. 9. Ou seja, é manifestamente apodíctico que para que uma medida de coação seja revogada não é necessário existir uma decisão de um tribunal superior… 10. Dizendo o óbvio tal “exigência” colidiria abruptamente com a natureza específica dos meios de coação que na sua qualidade eminentemente conservatória e instrumental dos fins do processo penal (no dizer do Insigne Mestre, Prof. FIGUEIREDO DIAS, realizar a justiça, através da descoberta da verdade material) só devem manter-se enquanto proporcionais, adequadas e estritamente necessárias à teleologia que servem! 11. No entanto, segundo a tese expendida na decisão recorrida o cidadão que, ao abrigo de qualquer uma das alíneas do n.º 1 do artigo 212º do CP Penal, veja revogada pelo juiz da primeira instância a medida de coação que lhe havia sido aplicada mesmo no cado da al. a) do citado inciso, para efeitos de uma indemnização terá uma mão cheia de nada e outra de coisa nenhuma… 12. Com efeito, a “revogação” não vale já que não vem ungida pela sacrossanta posição do Tribunal Superior. 13. Ora, tal construção é manifesta e crassamente violadora da intencionalidade precipitada na Constituição da República Portuguesa, nomeadamente no artigo 22º. 14. Em tal artigo da norma normarum o legislador Constituinte consignou que “o Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis (…) com os titulares dos seus órgãos (…) por ações ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa delas, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem. 15. Ora, in casu, é flagrante a violação dos direitos do autor/recorrente e os prejuízos que dessa violação resultaram. 16. Com efeito, esteve suspenso do exercício funcional de administrador de insolvências entre 19 de Março de 2010 a 25/05/2011, i. é, durante um ano, dois meses e seis dias, em que se viu impedido de obter qualquer rédito dessa sua atividade, que havia transformado em principal ocupação profissional. 17. E esteve submetido a tal estatuto coactivo por força de uma acusação que lhe imputava a prática de um crime de corrupção passiva para acto ilícito e de um crime de falsificação de documentos. 18. Todavia, a imputação da corrupção passiva própria ancorava numa leitura arrevesada (ou interpretação de terceiro grau…) de uma singela e normal conversa telefónica, 19. E a falsificação de documentos não passaria de uma alegada simulação relativa que nem a provar-se reuniria os elementos típicos que permitiriam condenação por tal tipologia criminosa. 20. Foi, pois, naturalmente absolvido dado o ruidoso desmoronamento da tese feita plasmar pelo Ministério Público na acusação (e amplamente acolhida na decisão da Mma. Juiz d Instrução que aplicou a medida). 21. Todavia, diz-se, como Douto Acórdão da Relação de Coimbra sufragou tal entendimento – como acontece quase sempre – a reiteração do erro, além de o “diabolizar”, revestiu-o com a patine de uma inexpugnabilidade hermética. 22. Ou seja, este Estado que nos esmaga (designadamente fiscalmente e que se imiscui como guardião de tudo e mais alguma coisa) quando lhe toca a ele não se mostra disponível para cumprir a Constituição e arrostar com as consequências dos seus actos, ainda que lícitos… 23. De resto, além de desconforme ao Texto Fundamental, na interpretação que se critica, a própria redação da Lei choca com a Jurisprudência europeia. 24. Na verdade, a exigência da prévia “revogação” (e seja por tribunal superior ou por “jurisdição competente”) é inconciliável com a orientação dimanada dos Acórdãos Kobler (C-224/01, de 20 de Setembro de 2003) e Traghetti (C-173/03 de 13 de Junho de 2006) onde foi decidido que a decisão que violava direito comunitário havia sido exarada por um Tribunal Supremo (logo irrecorrível e, como tal, de impossível “prévia revogação”). 25. Na verdade, é justamente nos casos em que há violação de norma comunitária, e já não é possível a obtenção de decisão que a respeite, que se impõe a possibilidade da via indemnizatória. 26. Com efeito, tal via emerge como único meio de o particular obter algum ressarcimento. 27. Ora, a tipologia da procedimentalidade a que foi submetido o recorrente viola a ideia do fair trial, ou due process of law, com arrimo constitucional (artigo 20º da CRP) e na CEDH (artigo 6º). 28. Com efeito ambos os preceitos garantem o direito a um processo equitativo, matricialmente informado pelos princípios materiais da justiça em toda a dinâmica processual. 29. Ora, um circunstancialismo como o descrito – em que avulta o olvido sistemático do “alerta” do recorrente da fragilidade dos meios probatórios em que se estribou a aplicação da medida de coação, bem como dos prejuízos que a manutenção da mesma lhe causava, bem como a sua sustentação num alegado crime (falsificação de documentos) em que nem sequer existiam os elementos normativos típicos – emerge nos antípodas do processo justo. 30. Pelo que violadas se mostram as citadas normas constitucional e da CEDH. 31. Ora, neste conspecto, é patente que a norma do artigo 13º, n.º 2, da Lei 67/2007 irrompe contra norma comunitária, 32. E face ao primado do direito comunitário em face do nacional (defendido desde o acórdão Costa/ENEL (Proc. 6/64 de 15 de Julho de 1964, retomada nos acórdãos Simmenthal (de 9 de Março de 1978, 106/77 e Factortame (de 19 de Junho de 1990, C-213/89) e desenvolvida no acórdão von Colson e Kamann (de 10 de Abril de 1984, 14/83). 33. Ou seja, a primazia do direito comunitário sobre o direito nacional emerge como elemento fundante da autonomia do respetivo ordenamento e como uma obrigação de facere. 34. Exatamente porque radica num acervo de princípios dotados de incontornável espessura e axiologicamente fundados; na verdade, os direitos fundamentais da pessoa informam e estruturam os princípios gerais de direito comunitário, cuja observância é garantida pelo Tribunal de Justiça; a protecção desses direitos deve ser garantida tendo em conta os objetivos da União Europeia e tem como fonte inolvidável as tradições constitucionais comuns aos Estados-Membros, bem como os instrumentos internacionais relativos à proteção dos direitos fundamentais em que os Estados-Membros aderiram, nomeada e especificamente a Convenção Europeia dos Direitos do Homem; 35. Isto é, e consequentemente, na UE são inadmissíveis medidas inconciliáveis com os direitos fundamentais reconhecidos e garantidos nos ditos instrumentos. 36. Assim, a douta decisão recorrida é manifesta e claramente tirada, omitindo a violação do princípio do fair trial ocorrido no processo penal em causa – reconhecido no artigo 6º da CEDH. Termos em que, na procedência do presente recurso deve a Douta decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que ordene a prossecução dos autos para aferir da bondade da pretensão do autor. * O Réu apresentou contra-alegações no sentido da manutenção do decidido. Cumpridos que foram os vistos legais, cumpre decidir do objeto do recurso. 1. O requisito da “revogação da decisão danosa”, previsto no nº2 do art. 13º da Lei nº 67/2007, significa que a lei exige, como pressuposto da admissibilidade do pedido indemnizatório, que a decisão em causa seja revogada por via dos meios impugnatórios que, no caso, sejam admissíveis. 2. Se o tribunal de recurso, que poderia pronunciar-se em última instância sobre a matéria da causa, manteve o entendimento do tribunal recorrido, não pode dar-se como existente o erro de julgamento para efeitos de responsabilidade civil pelo exercício da função jurisdicional.
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