Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | VÍTOR AMARAL | ||
Descritores: | COMPRA E VENDA DE MOTOCICLO NOVO OCORRÊNCIA DE AVARIA NO PRAZO DE GARANTIA ÓNUS DA PROVA FALTA DE ÓLEO LUBRIFICANTE ACÇÃO CULPOSA/NEGLIGENTE DO LESADO | ||
Data do Acordão: | 11/12/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | JUÍZO LOCAL CÍVEL DA GUARDA | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 615.º, 1, C); 639.º, 1 E 662.º, 2, C), DO CPC ARTIGO 570.º, 1 E 2, DO CÓDIGO CIVIL | ||
Sumário: | 1. - Em contrato de compra e venda de motociclo novo, com garantia de bom funcionamento, ocorrida uma avaria no prazo de garantia e reclamada esta, cabe aos demandados (fabricante e vendedor) mostrar que o evento não decorreu de qualquer vício/desconformidade da coisa vendida (defeito de fabrico ou de funcionamento que lhe seja imputável), mas que a causa do mau funcionamento é posterior à entrega da coisa vendida e imputável ao comprador/utilizador, afastando a responsabilidade daqueles.
2. - Ocorrida a avaria do motociclo em viagem, por deficit de óleo de lubrificação no motor, com o nível de óleo a situar-se abaixo do limite mínimo indicado nos manuais do utilizador e de manutenção e garantia do veículo, fonte de risco de danos no motor, não pode imputar-se causalmente o evento aos demandados se, após perícias ao veículo e ao motor, não foram detetadas fugas de óleo, nem anomalia no sensor de pressão de óleo, nem defeitos de fabrico, afastando qualquer anomalia/vício no concernente à retenção e ao consumo de óleo. 3. - Apurado que a avaria e os danos foram causados por falta ou insuficiência de óleo lubrificante, cujo nível cabia ao autor/comprador verificar, mediante observação do óculo/visor do nível de óleo existente no motociclo, é de concluir que não foi a conduta das rés (quanto a qualquer defeito/desconformidade da coisa vendida), mas a conduta do autor, ao persistir na utilização naquela situação de deficit e decorrente perigo para o motor, assim faltando à observância, objetivamente, das prescrições emanadas pela marca nos seus manuais aludidos, o que traduz descuido/negligência, mesmo que de forma inconsciente, a ocasionar o evento lesivo. 4. - Num tal quadro ocorre ação culposa/negligente do lesado, afastando o nexo causal e a operância da garantia (art.º 570.º, n.ºs 1 e 2, do CCiv.). | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra: *** AA, com os sinais dos autos, move ação declarativa de condenação, com processo comum, contra 1.ª - “A..., LDA.” e 2.ª - “B..., LTD., SUCURSAL EM PORTUGAL”, ambas também com os sinais dos autos, pedindo que: a) Seja declarado que o motociclo em causa – de marca “Honda”, modelo “SC80”, denominação comercial “CB 1000RA”, com matrícula “..-VJ-..” – «apresenta falta de conformidade (defeito) ao nível do motor»; b) Sejam ambas as RR. «solidariamente condenadas a reconhecer o defeito e, em consequência, entregar ao Autor, em ..., veículo de iguais características ao identificado»; c) Sejam ambas as RR. «solidariamente condenadas a pagar ao Autor a quantia de € 20,00 por cada fim-de-semana que a partir de 21 de Outubro de 2019 o Autor estiver privado do uso do veículo», valor que à data de 17/12/2019 ascendia a € 160,00 (até efetiva entrega); d) Sejam ambas as RR. «solidariamente condenadas a pagar ao Autor a quantia de € 500,00 a título de danos morais». Para tanto, alegou, em síntese: - a aquisição à 1.ª R., em 18/09/2018, do motociclo identificado, em estado de novo, com garantia de dois anos, pelo preço de € 15.055,00, o qual se destinava a ser utilizado pelo A. para lazer; - ter este, cerca de um ano após a compra, sentido um barulho no motor, perante o que, levado o motociclo à 1.ª R., esta informou que o respetivo motor se encontrava gripado; - então, o A. comunicou àquela R. que pretendia que a mesma substituísse o veículo por outro, novo, de igual marca, modelo e caraterísticas, nos termos do art.º 4.º, n.º 1, do DLei n.º 67/2003, de 08-04, o que lhe foi recusado, sob invocação de que a gripagem do motor era consistente com falta de óleo, refletindo um incumprimento das verificações recomendadas no manual de utilizador, o que o A. refuta; - ter a situação causado danos ao A., que se encontra privado de utilizar o veículo, tendo sofrido desgosto, tristeza e desilusão, sentimento de injustiça e revolta, tudo danos a merecerem a tutela do direito. Ambas as RR. contestaram (separadamente), invocando, quanto ao que ora importa, que: - os problemas de funcionamento no motor do motociclo vendido tiveram origem no seu mau manuseamento/utilização e não em qualquer defeito do produto; - por isso, nada terão a pagar ao A., razão pela qual pedem a sua absolvição do peticionado. Observado o contraditório e saneado o processo, com enunciação do objeto do litígio e dos temas da prova, procedeu-se à audiência final, com produção de prova pessoal. Após o que foi proferida sentença (datada de 01/10/2023), julgando a ação em parte procedente, nos seguintes termos: «a) Condenar, solidariamente, a Ré A..., Lda. e a Ré B... Limited - Sucursal Em Portugal na obrigação de entregar ao Autor um motociclo novo, de marca Honda, denominação CB 1000RA, na sua morada, em ..., nos termos do artigo 512.º do Código Civil, artigos 2.º, 3.º 4.º, 6.º do Decreto-Lei 67/2003, de 08/04 e 12.º da Lei n.º 24/96, de 31/07. b) Condenar a Ré A..., Lda. a pagar ao Autor o montante de € 300,00, a título de compensação por danos não patrimoniais, nos termos do artigo 12.º, n.º 1 da Lei n.º 24/96, de 31/07 e do artigo 496.º, n.º 1, do Código Civil. c) Condenar a Ré A..., Lda., no pagamento ao Autor do valor de € 7,50, resultante da privação de uso do motociclo em causa, por cada fim-de-semana desde a data constante do pedido (21-10-2019) até à data da presente decisão (que corresponde até ao momento a 206 fins-de-semana de paralisação (€1.545,00 – mil quinhentos e quarenta e cinco euros) e até efectivo e integral cumprimento do determinado nesta sentença, nos termos dos artigos 4.º, alínea a) e 566.º, n.º 3, ambos do Código Civil. d) Absolver a Ré B... Limited - Sucursal Em Portugal do demais peticionado pelo Autor.». É de tal sentença que ambas as RR., inconformadas, interpõem recurso (separadamente), apresentando a 1.ª R. alegação e as seguintes Conclusões ([1]): «1-Começando pela principal condenação, ou seja, a entrega de um veículo novo ao autor, logo se dirá que tal dispositivo não é legitimo e mesmo inaceitável, isto porque o autor tinha um veículo já com cerca de 6.000 km percorridos (cfr ponto 17 dos factos provados). 2-Fazendo-o, o Tribunal Recorrido está a violar completamente o principio da restauração natural plasmado no artº 914 do C. Civil, sendo certo e sabido que o motociclo não tem seguramente natureza fungivel, pelo que, sempre será possivel a sua reparação, mormente substituindo o motor. 3-voltando a montante, importará averiguar se as rés podem ser condenadas a reparar o motociclo, uma vez que proceder à entrega de um novo é completamente ilegal e mesmo imoral sendo legitimo perguntar como pode legalmente entregar-se um veículo novo em substituição de um usado com cerca de 6.000 km, e um ano na posse do autor, uma vez que o veículo foi comprado e entregue em 18/09/2018, e a ocorrência do dano teve lugar em 20/09/2019. 4-Foi julgado provado que a) o motor do motociclo é passivel de reparação (sublinhado nosso) b) com a quantidade de 2,3 litros de óleo no motor, sem os 700 ml adicionados pela aqui apelante, a circulação com o respetivo nível não é causador de gripagem do motor (sublinhado nosso) c) ainda que a circulação do veículo com os niveis de óleo inferior aos preconizados noa manuais de utilização podem fazer gripar as peças móveis do motor por falta de lubrificação adequada e inexistência de proteção ao atrito entre os componentes do motor, provocando sobreaquecimento e danificação do mersmo (sublinhado nosso) d) o problema do motor do motociclo do autor foi causado por falta ou insuficiência de óelo lubrificante, num determinado período de funcionamento do motor (sublinhado nosso) 5-Com base nestes factos julgados provados e não provados, entende a aqui apelante que não poderia nunca ter sido proferida a sentença condenatória das rés, desde logo porque, tendo sido dado por provado que o motor do motociclo é passivel de reparação, jamais o Tribunal Recorrido poderia ter condenado as rés a fazerem entrega de um veículo novo ao autor, sob pena de violação do disposto no art 914 do C.Civil, na medida em que o motociclo não tem natureza fungivel. 6-além de que, existe contradição flagrante entre os factos 12 por um lado e 13 e 14 por outro, todos da nossa numeração. 7- Ou seja, reporta-nos o Tribunal Recorrido que com a quantidade de 2,3 litros de óleo no motor, sem os 700 ml adicionados pela aqui apelante, a circulação com o respetivo nivel não é causador de gripagem do motor, 8- e de seguida julga provado que a circulação do veículo com os níveis de óleo inferior aos preconizados nos manuais de utilização podem fazer gripar as peças móveis do motor por falta de lubrificação adequada, e inexistência de proteção ao atrito entre os componentes do motor, provocando sobreaquecimento e danificação do mersmo, 9- acabando por julgar provado que o problema do motor do motociclo do autor foi causado por falta ou insuficiência de óelo lubrificante, num determinado período de funcionamento do motor. 10- Salvo o devido respeito, estamos perante manifestas e graves contradições que geram inevitavelmente a anulação da sentença nos termos do disposto no artº 615 nº 1 al c) do C.P.C., o que determina a anulação do julgamento, e a descida dos autos à 1ª instância para a dissipação das mesmas. 11- o Tribunal Recorrido teve ao seu inteiro dispor pelo menos três relatórios periciais, sendo que o terceiro é o que consideramos o mais fiável por ter sido executado e elaborado após desmontagem do motor, e esclarece cabalmente a questão em causa nos autos. 12- O Sr perito BB, após desmontagem do motor, respondeu com clarividência que uma chumaceira pode gripar/desfazer-se com o óleo do motor ao nivel recomendado, mormente existindo um defeito de fabrico da chumaceira/capa, contudo os vestígios encontrados na chumaceira/capa do motodiclo peritado, foram originados por falta de óleo lubrificante e não por qualquer outra razão (sublinhado nosso) 13- Tal facto, só por si, é suficiente para que o Tribunal considerasse que a avaria do motor teve origem numa insuficiente lubrificação do motor, esta exclusivamente imputável ao autor que, antes do regresso de Lisboa a ..., não verificou o nivel do óleo no motor como lhe competia. 14- E, o mesmo perito esclareceu que “quando existe ausência de óleo lubrificante é consentânea com a chumaceira do terceiro cilindro estar danificada/desfeita, criando limalhas, e as outras três sómente riscadas, porventura por essas mesmas limalhas”. 15 - Este mesmo Sr Perito, conclui que, “embora desconhecendo qual a quantidade de óleo existente no motor aquando da avaria, tendo por base a análise técnica dos componente danificados (capas das bielas, cabeça do motor, moentes das bielas, cilindro, pistão, arvore de cames etc, o perito pode afirmar inequivocamente que a origem dos danos no motor do motociclo presente nos autos, foi provocada por falta de lubrificação nos componente mecânicos do motor, ou seja, por um determinado período de funcionamento do motor, existiu insuficiência de óleo lubrificante”. 16- Ora, o Tribunal Recorrido teria que equacionar a quem é imputável a insuficiente lubrificação do motor e não temos qualquer dúvida de que tal insuficiência de lubricação dos componentes mecânicos do motor se ficou a dever à falta ou insuficiência de óleo no motor, e esta insuficiência é exclusivamente imputável ao autor quando, no regresso de Lisboa a ..., não cuidou de fazer tal verificação do nível do óleo no óculo do motor. 17- Como se sabe e os Srs Peritos o referem, um motociclo trabalha em regime de elevadas rotações, importando necessariamente consumo de mais ou menos óleo consoante as mesmas, o que obriga a uma permanente inspeção do nivel do óleo no motor antes de iniciar uma viagem, e mesmo, se ela for longa, durante o percurso. 18- Ainda se questionou este Sr Perito BB, engenheiro automóvel, no sentido de esclarecer se o motociclo, tendo uma quantidade reduzida de óleo que possa determinar o sobreaquecimento e a gripagem do motor, a luz avisadora de pressão do óleo acende ou não, isto porque já havia sido referido que o motociclo tinha e tem uma luz avisadora da pressão do óleo. 19- O Sr perito esclareceu que uma coisa é a pressão do óleo que acende se não houver pressão; outra é a insuficiência de óleo no motor. 20 - como bem refere o Sr Perito, em esclarecimento ao autor, sempre que a luz de advertência da pressão do óleo acender, mesmo que de forma intermitente, deverá o condutor imobilizar o motociclo o mais rápido possvel, na medida em que um motor com baixa pressão de óleo pode ser gravemente danificado em questão de segundos. 21- significa isto que logo que acenda tal luz, bastarão segundos para a gripagem do motor, bastando que o condutor não se aperceba por segundos do acendimento de tal luz de pressão. 22-não subsiste qualquer dúvida de que a gripagem e danificação do motor ocorreu porque o autor não verificou o nivel do óleo no óculo do motor antes de iniciar a viagem de Lisboa para ..., e, consequentemente, não o acrescentou como devia até porque se trata de uma viagem com mais de 300 km. 23- O Tribunal Recorrido deveria ter atentado no facto dado como provado no ponto 48, para concluir que a insuficiência de óleo lubrificante num determinado periodo de funcionamento do motor, levou à sua gripagem, facto que é da exclusiva responsabilidade do autor ao não verificar o nível do óleo em Lisboa e ao circular nas circunstâncias de insuficiência de óleo. 24- Ficou provado que a aqui apelante opera comercialmente como intermediária na venda de veículos Honda S A, ou seja é uma sua concessionária, pelo que, tendo a sentença recorrida concluído, a nosso ver e salvo o devido respeito, erradamente, pela responsabilização conjunta na entrega de um motociclo novo, tais alegados danos paralelos ou circunstanciais sempre deveriam sê-lo conjuntamente. 25- o Tribunal recorrido condenou as rés a entregarem ao autor um motociclo novo da marca Honda denominação CB 1000RA, não referindo o que fazer com o veículo danificado, o qual, à partida, tudo parece indicar que ficaria na posse e propriedade do autor, o que constituiria um verdadeiro locupletamento à custa das rés. 26- Sendo o veículo reparável, nomeadamente com a aplicação de um motor novo, jamais o Tribunal recorrido poderia condenar as rés a entregarem um motociclo novo em substituição de um usado com um ano na posse do autor 27- Acresce que, e trata-se de um facto superveniente atendível, o autor, que no entender do Tribunal Recorrido, até estaria “magoado” com a ré A..., veio em 26/07/2023 comprar-lhe outro veículo motociclo novo da marca Honda modelo NT 1100 A, o que demonstra que não quebrou a confiança na aqui apelante, tanto assim que lhe comprou novamente outro motociclo, o que, bem vistas as coisas, com esta sentença recorrida, o autor viria em pouco tempo a ficar com três motociclos, um o danificado, outro que as rés lhe entregariam por força da condenação, e outro novo que agora comprou à aqui apelante A.... Por outro lado, não tendo o autor autorizado a aqui apelante a abrir o motor para aferição da causa da avaria, não será responsável pela paralisação que o Tribunal Recorrido decretou. 28- Sem embargo do exposto, sempre se dirá que, e trata-se de um facto superveniente atendível, o autor, que no entender do Tribunal Recorrido, até estaria “magoado” ou aborrecido com a ré A..., veio em 26/07/2023 a comprar-lhe outro motociclo em subsituição do danificado, o que demonstra que a aqui apelante fez tudo o que estava ao seu alcance para a solucionação da questão, não só junto do autor, como da co-ré Honda S A, não se percebendo a sua condenação isolada nos danos não patrimoniais e paralisação, sendo que, esta última sempre seria só devida até à data da aquisição de outro motociclo, o que aconteceu em 26/07/2023. 27 – O Tribunal Recorrido violou entre outros, o disposto nos arts 615 nº 1 al c) do C.P.C.,473 e ss do C. Civil e 914 do C. Civil. TERMOS EM QUE, Anulando a sentença recorrida com remessa dos autos à 1ª Instância para sanação de contradições nos factos julgados provados e não provados, Ou, revogando-a e substituindo-a por outra que absolva as rés dos pedidos, Ou subsituindo a condenação na entrega de um veículo novo substituindo-a por reparação do mesmo, Ou subsidiariamente, em caso de condenação nos danos não patrimoniais e paralisação, ambos indevidos, sempre a mesma deveria ser conjunta, V/s Exªs VENERANDOS DESEMBARGADORES ESTARÃO A FAZER VERDADEIRA E INTEIRA JUSTIÇA». Por sua vez, a 1.ª R. apresentou alegação culminada com as seguintes Conclusões ([2]): «A. O facto provado 28 foi incorretamente julgado pelo Tribunal a quo, o que resulta dos meios de prova juntos aos autos (documento n.º 3 junto com a Contestação da Recorrente; depoimentos das testemunhas CC, DD, EE, FF e GG) requerendo-se, assim, e nestes termos, que o Tribunal ad quem revogue o julgamento efetuado pelo Tribunal a quo e, em sua substituição, julgue como provado que “Quando o motociclo chegou às instalações da Ré A..., Lda. B. Por consequência, e na ótica de silogismo jurídico, o facto não provado II. encontra-se igualmente erroneamente julgado pelo Tribunal a quo, o que resulta dos meios de prova citados supra (documento n.º 3 junto com a Contestação da Recorrente; depoimentos das testemunhas CC, DD, EE, FF e GG) requerendo-se, assim, que o Tribunal ad quem revogue a decisão proferida pelo Tribunal a quo e julgue como provado que “O nível do óleo do motociclo identificado em 1. encontrava-se abaixo do limite mínimo visível através do óculo.” C. O facto provado 42 foi incorretamente julgado pelo Tribunal a quo, o que resulta dos meios de prova juntos aos autos (Segundo Relatório elaborado por parte do segundo Perito designado nos presentes autos, bem como os esclarecimentos prestados por este; facto provado 44.) requerendo-se, assim, que o Tribunal ad quem revogue o julgamento efetuado pelo Tribunal a quo e, em sua substituição, julgue como provado que “A quantidade efetiva de óleo no motor, sem os 700 ml adicionados pela Ré A..., Lda., foi causadora de gripagem do motor do veículo identificado em 1.” D. O facto não provado III. encontra-se erroneamente julgado pelo Tribunal a quo, o que resulta dos meios de prova juntos aos autos (Segundo Relatório elaborado por parte do segundo Perito designado nos presentes autos, bem como os esclarecimentos prestados por este; depoimento da testemunha HH) requerendo-se, assim, que o Tribunal ad quem revogue a decisão proferida pelo Tribunal a quo e julgue como provado que “A falta ou insuficiência de lubrificante que causou o problema do motor resultou da omissão, por parte do Autor, em acrescentar atempadamente óleo ou ter conduzido o motociclo sem verificar se o nível de óleo estava abaixo do limite mínimo”. E. Nestes termos, em função da decisão sobre a matéria de facto que se impunha ter sido proferida e que supra se identifica, conclui-se que o Tribunal a quo errou ao apreciar o caso em apreço, pelo que a Sentença de que ora se recorre deve ser revogada pelo Tribunal ad quem com as inerentes consequências legais de tal revogação. F. Em particular ficou demonstrado nos presentes autos que o motociclo circulava com níveis de óleo insuficientes para a correta lubrificação do motor e que tal insuficiência não se ficou a dever a qualquer defeito do motociclo, fuga de óleo ou a qualquer outro facto, ato ou omissão imputável à ora Recorrente, pelo que inexiste qualquer fundamento factual ou legal que sustente a condenação da ora Recorrente na obrigação de proceder à substituição do motociclo do Autor por um novo. G. Assim, a sentença recorrida está igualmente ferida de um erro de julgamento quanto à matéria de direito, devendo a mesma ser revogada e, por consequência, ser a ora Recorrente absolvida do pedido contra si apresentado. H. Subsidiariamente, tendo sido dado como provado que o motociclo é passível de reparação, nunca poderia a Recorrente ser condenada na sua substituição por um motociclo novo ao invés de proceder à reparação do modelo atual, sob pena de a Sentença de que ora se recorre ser manifestamente abusiva e contrária ao Regime Jurídico da Venda e Garantia de Bens de Consumo. I. Por fim, a condenação das Rés na “obrigação de entregar ao Autor um motociclo novo”, não se poderá manter nos exatos termos em que foi proferida pelo Tribunal a quo, porquanto tal decisão constitui para o Recorrido um manifesto enriquecimento sem causa uma vez que as Rés são condenadas na simples “entrega de motociclo novo” e não na efetiva “substituição por motociclo novo”, o que sempre implicaria a obrigação de o Autor entregar o seu atual motociclo antes de receber o novo. Nestes termos, e nos demais de Direito aplicáveis que V.Exas. doutamente suprirão, deverá o presente recurso de apelação ser julgado procedente por provado e, em consequência, ser a sentença do Tribunal a quo revogada, com todas as legais consequências. Ao julgardes assim, Venerandos Juízes Desembargadores, estareis uma vez mais a fazer JUSTIÇA!». *** O A. contra-alegou, pugnando pela total improcedência de ambos os recursos. Tais recursos foram admitidos ([3]) como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, tendo neste Tribunal ad quem sido mantidos o regime e o efeito fixados. Cumpridos os vistos e nada obstando, na legal tramitação, ao conhecimento do mérito dos recursos, cumpre apreciar e decidir. *** II – Âmbito recursivo Perante o teor das conclusões formuladas pelas RR./Recorrentes – as quais, como é sabido, definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso ([4]), nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil em vigor (doravante, NCPCiv.) –, importa saber ([5]): a) Se ocorre contradição entre factos, gerando a nulidade da sentença; e b) Obrigando à anulação da decisão impugnada para repetição do julgamento nessa parte; c) Se deve proceder a impugnação da decisão da matéria de facto empreendida pela 2.ª R. (quanto aos factos provados 28 e 42 e aos não provados II e III); bem como aditar-se nova factualidade (superveniente), perante o pretendido pela 1.ª R.; d) Se, em matéria de direito, deve, na procedência das impugnações, considerar-se que: 1. - Os danos são imputáveis ao próprio A., que devia ter verificado tempestivamente o nível do óleo, evitando o ocorrido; 2. - O motor podia ser substituído, devendo condenar-se na sua substituição, em vez da (mais onerosa) entrega de um motociclo novo (perante um já usado), incorrendo-se em condenação abusiva; 3. - O motociclo danificado devia ser entregue pelo A., com o recebimento de um novo, sob pena de enriquecimento sem causa; 4. - A condenação no remanescente devia ser conjunta (quanto a ambas as RR. e não apenas a 1.ª R.); 5. - Perante facto superveniente (compra ulterior de um novo motociclo), deve alterar-se a condenação em indemnização.
*** III – Fundamentação A) Vícios invalidantes da sentença 1. - Nulidade da sentença Invoca a 1.ª R./Recorrente que foi cometida a nulidade da sentença a que alude o art.º 615.º, n.º 1, al.ª c), do NCPCiv., por via de contradição/oposição entre fundamentos de facto da decisão recorrida (cfr. conclusões 6.ª a 10.ª da sua apelação). E, como a mesma refere, foi, efetivamente, julgado provado que: «41. O motor do veículo identificado em 1. é passível de reparação. 42. Com a quantidade de 2,3 l de óleo no motor, sem os 700 ml adicionados pela Ré A..., Lda., a circulação com o respectivo nível de óleo não é causador de gripagem do motor do veículo identificado em 1. (…) 44. A circulação de veículo com níveis de óleo inferior aos preconizados nos manuais de utilização podem fazer gripar as peças móveis do motor por falta de lubrificação adequada e inexistência de protecção ao atrito entre os componentes do motor, provocando sobreaquecimento e danificação do mesmo. (…) 48. O problema do motor do veículo identificado em 1. foi causado por falta ou insuficiência de óleo lubrificante, num determinado período de funcionamento do motor.» (destaques aditados). Quer na sua alegação/motivação, quer nas subsequentes conclusões recursivas, esta Recorrente limita-se a concluir que este enunciado fáctico encerra “manifestas e graves contradições” ou “contradição flagrante”, sem explicitar em que se consubstancia tal contradição/oposição entre factos. E devia fazê-lo, posto ser sabido que compete ao recorrente indicar os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão (art.º 639.º, n.º 1, do NCPCiv.). Refere a respeito o Tribunal recorrido: «(…) o facto provado adstrito a 42. reporta-se à situação concreta aferida no motor e viatura em crise, e não infirma, fragiliza ou obnubila o teor dos factos plasmados em 44. e 48., referentes à possibilidade também aquilatada e que, em abstracto, poderia ocorrer. A verificação de um, não coloca em crise a constatação dos outros dois e vice-versa. E isto, considerando especialmente os factos qualificados como não demonstrados em II. e III. e fundamentação insista e igualmente expendida na sentença em causa.». Ora, apreciando, cabe começar por dizer que o facto 48 não se reporta a uma situação abstrata ou hipoteca, ao contrário – com todo o respeito devido – do que parece referir, prima facie, a 1.ª instância. De tal facto consta, afirmativamente – e perentoriamente – que o problema do motor daquele veículo foi causado por falta ou insuficiência de óleo lubrificante (num determinado período de funcionamento do motor). Ou seja, aquela específica avaria, com o inerente dano, foi causada por uma causa concreta/apurada/exata: a falta ou insuficiência de óleo lubrificante. E também foi dado como concretamente apurado (dito facto 42) que com a quantidade de 2,3 l de óleo no motor – antes de adicionamento – a circulação não é causadora de gripagem do motor. Mais se apurou que: - a capacidade de óleo do motor daquela viatura é de 3 litros (facto 27), correspondendo, assim, ao respetivo máximo; - quando o motociclo chegou às instalações da R. “A...” o nível de óleo encontrava-se perto do limite mínimo (facto 28), mas sem se provar que estivesse abaixo do mesmo (facto não provado II); - antes da viagem de 20/09/2019 de ... para Lisboa, o A. verificou o nível de óleo da mota e viu que o mesmo estava acima do mínimo (facto 30); - o preconizado pelo fabricante é verificar se/que o nível do óleo se encontra entre as linhas de nível inferior e superior na janela de inspeção do óleo, só sendo de adicionar óleo do motor caso esteja abaixo ou próximo da marca de nível mínimo (facto 26); - em data não concretamente apurada mas após o veículo ter chegado às suas instalações, a R. “A...” introduziu óleo no motor, tendo-lhe sido adicionados 700 ml para ficar entre o nível mínimo e o nível máximo do óculo (facto 20). Ou seja, deste último facto – dado como provado – depreende-se que somente com o adicionamento dos 700 ml (introduzidos, a posteriori, pela 1.ª R.) é que se ficou num ponto situado entre o nível mínimo e o nível máximo do óculo. O que significa que anteriormente tal não ocorria, isto é, que se estava, efetivamente, abaixo desse ponto intermédio. Mas se a quantidade existente, antes de adicionamento, era de 2,3 litros de óleo no motor e se foram adicionados os ditos 700 ml, então perfez-se um total – após adicionamento – de 3 litros. Ora, tais 3 litros correspondem à plenitude (máximo/total) de capacidade de óleo do motor daquela viatura. Levando à conclusão de que somente nessa esfera de plenitude se logrou atingir, em concreto, o desejável/preconizado intervalo entre o nível mínimo e o nível máximo do óculo (intervalo de segurança). De qualquer forma, o ponto mais baixo alcançado foi quando o nível de óleo se encontrava perto do limite mínimo, sem descer abaixo do mesmo, de acordo com a lógica da decisão da matéria de facto. Ora, se assim é, então não se logra descortinar a alegada contradição. Deu-se como provado que o A., antes de iniciar a viagem daquele dia (à saída, em ...), tratando-se de viagem de ida e regresso, verificou o nível do óleo no visor e constatou que se encontrava “acima do mínimo”, ou seja, em montante ainda adequado (dentro da zona intermédia), tanto quanto se pode perspetivar. E, quando regressava (em viagem), ocorrido abaixamento, veio a verificar que o nível de óleo se situava já perto (mas acima) do limite mínimo – embora se estivesse 700 ml abaixo da capacidade/quantidade máxima, de 3 litros, no pressuposto, correto ou não, o que não importa agora, de ainda estarem então disponíveis 2,3 litros de óleo do motor (no veículo) –, sabido que é nessas circunstâncias que é recomendado adicionar óleo do motor (“Se o óleo do motor estiver abaixo ou próximo da marca de nível mínimo”). Donde que, salvo sempre o respeito devido, não se veja contradição ao ser dado também como provado que, com a quantidade de 2,3 litros de óleo no motor (sem os 700 ml adicionados pela R. “A...”), a circulação com o respetivo nível de óleo não era causadora de gripagem do motor. Questão diversa – reitera-se – é a que consiste em saber se deveria dar-se como provado, ou não, haver ainda tais 2,3 litros de óleo do motor, o que importará, a jusante, em sede de impugnação da decisão de facto. Acresce que a contradição a que alude o art.º 615.º, n.º 1, al.ª c), do NCPCiv. tem de verificar-se entre os fundamentos (mesmo que de facto) e a decisão, entendida esta como o “dispositivo” (parte decisória/impositiva) da sentença, no caso, o dispositivo condenatório proferido. Ora, não se vê que haja qualquer dimensão conflitual (oposição) entre tais fundamentos de facto e a condenação proferida, antes concorrendo os invocados factos, na sua conjugação – contextualizada – com os demais, para o juízo condenatório adotado. Em suma, improcede a invocada nulidade da sentença.
2. - Fundamento para anulação da sentença e repetição parcial do julgamento Mas haverá fundamento para anulação da sentença, por contradição sobre pontos determinados da matéria de facto, à luz já do disposto no art.º 662.º, n.º 2, al.ª c), do NCPCiv.? A resposta, perante o já exposto, só poderá ser negativa. Com efeito, como visto, não se descortina a invocada oposição/contradição entre factos, seja quanto ao elenco dos dados como provados, seja dos não provados, designadamente aqueles a que se reporta a 1.ª R./Recorrente. Não se surpreendendo tal contradição, por preencher fica a previsão normativa da lei processual aplicável, o segmento pertinente da dita al.ª c) do n.º 2 do art.º 662.º do compêndio adjetivo, motivos não havendo, por isso, para anulação da decisão e repetição, ainda que parcial, do julgamento. A questão de facto essencial referente à existência dos aludidos 2,3 litros de óleo do/no motor (antes de adicionamento) haverá de ser cuidada em sede de impugnação da decisão de facto, com vista a verificar se ocorreu, ou não, erro de julgamento de facto. Improcede, pois, a argumentação desta Recorrente em contrário.
B) Impugnação da decisão da matéria de facto Importa agora verificar da procedência da impugnação da decisão da matéria de facto, tal como visada pela 2.ª R./Apelante, estando em questão os factos provados 28 e 42 e aos não provados II e III. 1. - Pretende esta Apelante, desde logo, que tal ponto 28 seja julgado pela seguinte forma: «Quando o motociclo chegou às instalações da Ré A..., Lda. o nível de óleo encontrava-se abaixo do limite mínimo». Na sentença julgou-se, diversamente, que: «28. Quando o motociclo chegou às instalações da Ré A..., Lda. o nível de óleo encontrava-se perto do limite mínimo.». É a seguinte a justificação da convicção da 1.ª instância nesta parte: «(…) a convicção deste Tribunal assentou desde logo no testemunho de CC, que explanou ter aferido, quando a mota chegou às instalações da sua oficina, que o nível de óleo estava no fundo do visor, ou seja, perto do limite mínimo, assegurando, contudo, que ainda o conseguia ver, pese embora tenha sido gasto algum. DD também afirmou ao Tribunal que o nível de óleo do motor relativo ao motociclo em causa se encontrava baixo quando o veículo entrou nas instalações da A..., não se recordando especificamente se estaria junto do mínimo ou abaixo do mínimo, mas assegurando que foi necessário colocar aproximadamente 700 ml de óleo para que o mesmo ficasse balizado entre o nível mínimo e o nível máximo. A testemunha EE assegurou que o nível de óleo estava baixo e que nem sequer conseguia vislumbrar o nível de óleo através do óculo existente para o efeito, tanto mais que, corroborando o relatado por DD, assinalou que tiveram que acrescentar 700 ml de óleo para o colocar entre o nível máximo e mínimo. FF confirmou a colocação de 700 ml de forma a que o óleo ficasse “a nível”, explanando que esta última expressão significa que o nível se encontrava no intermeio entre o limite máximo e o limite mínimo e que configura o nível óptimo. GG afirmou que o óleo existente no motor do motociclo do Autor quando o mesmo chegou às instalações da A... se encontrava nivelado na marca do mínimo, e que com o acrescento de 700 ml realizado pelos funcionários da primeira Ré se percepcionou a subida do nível para o meio entre os 2 limites. Além disso, foi filmado o acrescento dos 700 ml de óleo, por parte da Ré A..., sem que o Autor tenha estado presente, não se conseguindo perceber qual o nível de óleo existente antes da colocação do lubrificante adicionado. Tudo conjugado, afigura-se-nos que, ainda que não concretamente apurado, o nível de óleo estava próximo do mínimo, mas não especificadamente em limite inferior a ele.» (destaques aditados). Contrapõe a 2.ª R./Recorrente – a quem compete mostrar/evidenciar o erro de julgamento de facto, por as provas haverem de impor decisão diversa (cfr. art.º 662.º, n.º 1, do NCPCiv.) – que, não devendo este facto ser dissociado do ponto II dos factos dados como não provados ([6]), não foram devidamente ponderados/valorados os depoimentos testemunhais de CC e EE, embora em conjugação com as demais provas produzidas ([7]). Assim, afirmando que CC foi o primeiro profissional a inspecionar o motociclo após a sua avaria (dono da oficina onde o A. o levou, antes da entrada nas instalações da 1.ª R.), este ter-se-ia pronunciado no sentido de ter visto o nível do óleo abaixo do limite mínimo. Nesse âmbito, a ora Apelante oferece transcrição da gravação áudio do depoimento ([8]) nos seguintes termos essenciais: «(18m00s) CC: Não, eu não medi óleo nenhum porque eu não lho tirei, a única coisa que eu constatei foi que a mota estava a fazer a barulho, não é? Que a mota estava a fazer barulho, (…) eu disse logo assim ao AA “olha esta mota, este motor está gripado, não vale a pena a gente estar aqui a fazer nada (…). (…) (06m02s) “Mandatário do Autor: Olhe, mas quando a moto esteve nas suas instalações, verificou o nível do óleo? CC: Sim, verificámos o nível de óleo, ele não estava, portanto, vamos dizer, ele estava ali a chegar ao mínimo, mais ou menos. Portanto, não lhe vou dizer que o óleo estava totalmente no máximo, vamos dizer, no sítio recomendado, aliás a mota gastou óleo, algum óleo, mas isso também é normal que um motor novo possa gastar algum óleo. (…) (19m28s) Senhora Juiz de Direito: Pronto, mas a questão é, como é que chegou a essa conclusão? CC: Porque o óleo estava (…) no fundo do visor, o que quer dizer que não estava no máximo, portanto há uma falta de óleo.» (destaques aditados). Em conjugação, é oferecida transcrição da gravação áudio do depoimento da testemunha EE ([9]) nos moldes que se seguem: «(05m10s) “Mandatário da 1.ª Ré: Você falou, há bocadinho, que verificou que o nível do óleo estava baixo. EE: Sim. Mandatário da Ré A...: Ora, vamos lá centrar-nos no óleo baixo. O que é que o Senhor entende por óleo baixo? EE: Estar abaixo do nível que a marca recomenda. Mandatário da Ré A...: Estar abaixo do nível que a marca recomenda. E qual é o nível que a marca recomenda? EE: Entre o mínimo e o máximo. Mandatário da Ré A...: E como é que se vê isso na moto? Que está entre o mínimo e o máximo? EE: Neste caso, desta mota tem um óculo. Há várias motas que têm varetas, mas neste caso específico, tem um óculo. Mandatário da Ré A...: Tem um óculozinho… EE: Tem um traço do mínimo e um traço do máximo. Mandatário da Ré A...: E o senhor quando olhou para o óculo, quando chegou lá a moto e olhou para a mota, o senhor via óleo ou não via óleo? EE: Não.”» (destaques aditados). Convocado foi ainda o depoimento da testemunha FF ([10]) nos seguintes termos: «(5m01s) “FF: Este caso era um caso específico porque o concessionário não sabia como deveria proceder, uma vez que a mota tinha entrado com um ruído anormal e apresentava limalhas no óleo, e uma das questões que coloquei foi qual era o nível de óleo que tinha na altura da entrada porque o ruído era consistente com os sintomas de uma gripagem, quando os elementos mecânicos trabalham com falta de óleo, daí eu ter questionado. E o DD [leia-se DD, funcionário da Ré A...], na altura, respondeu-me que a mota tinha o óleo, tinha o óleo abaixo do normal, ou seja, nem era visível no óculo e por isso estava a contactar.”» (destaques aditados). Por fim, reporta-se a impugnante ao depoimento da testemunha DD ([11]), aduzindo o seguinte excerto/transcrição da gravação áudio: «(04m57s) “DD: O que é que acontece, o veículo chegou, pôs-se o veículo a funcionar e detetou-se que o veículo estava a fazer ruído anómalo e há necessidade de testar o veículo. O que é que acontece? O mecânico antes de testar o veículo tem de reunir uma série de condições, certo? Ok, não pode puxar o veículo… o veículo chegou lá, a gente nem sabe em que estado é que chega o veículo e vai para a estrada com o veículo?! O mecânico vai ver pressão de pneus, ver se está tudo ok para experimentar o veículo em condições normais, (…) (05m46s) Entretanto o mecânico vai verificar para pôr a mota em pleno estado de funcionamento e detetou-se que o nível de óleo estava baixo (…)”» (destaque aditado). Por último, a impugnante convoca o “documento n.º 3” junto com a sua contestação, referente à necessidade de «acrescentar cerca de 700ml de óleo para colocar o óleo a nível», sendo que já consta dos factos dados como provados que, após o veículo ter chegado às suas instalações, a 1.ª R. (“A...”) introduziu óleo no motor, tendo-lhe sido adicionados 700 ml para ficar entre o nível mínimo e o nível máximo do óculo (facto 20). Trata-se do documento junto a fls. 69 e seg. do processo físico, contendo comunicação de email, datada de 02/10/2019, de “A... Peças” para FF, referente a “PEDIDO APOIO TÉCNICO”, mencionando ter sido necessário, após recebimento do veículo, acrescentar cerca de 700 ml de óleo para colocar o óleo a nível. A contraparte defende que o juízo sobre a prova foi o correto, sem aditamento, em substância, de outras considerações ou argumentação e não pondo em dúvida a fidedignidade e representatividade dos apresentados excertos da transcrição da gravação áudio. Apreciando. É certo, desde logo, vir provado, como visto, que (facto 20): «Em data não concretamente apurada mas após o veículo ter chegado às suas instalações, a Ré A..., Lda. introduziu óleo no motor, tendo-lhe sido adicionados 700 ml para ficar entre o nível mínimo e o nível máximo do óculo.» (destaques aditados). Esta factualidade está conforme com o sentido dos depoimentos testemunhais supra aludidos, que aludem à circunstância de que, efetivamente, o nível de óleo estava baixo, situando-se abaixo do normal, ou seja, nem era visível no óculo – olhando para o óculo, não se via óleo –, por isso, abaixo do “traço do mínimo” do óculo de visualização, numa situação, pois, de óleo “no fundo do visor”, havendo, assim, “uma falta de óleo”. Logicamente, houve que acrescentar, nesta perspetiva, 700 ml de óleo e, se apenas com esse adicionamento se logrou ficar entre o nível mínimo e o nível máximo do óculo, então isso significa que, anteriormente, se estava abaixo do limite mínimo. E, por ter sido constatada essa situação de deficit – o óleo abaixo do limite mínimo marcado no óculo de observação – é que se adicionou a quantidade referida de óleo, que teve a consequência, já sinalizada, de levar o nível de óleo a subir para um ponto (intermédio) entre os níveis mínimo e máximo. O que bem se compagina com a seguinte factualidade, também julgada como provada: «44. A circulação de veículo com níveis de óleo inferior aos preconizados nos manuais de utilização pode fazer gripar as peças móveis do motor por falta de lubrificação adequada e inexistência de protecção ao atrito entre os componentes do motor, provocando sobreaquecimento e danificação do mesmo. (…) 46. Se o motociclo apresentar quantidade de óleo que determine sobreaquecimento e gripagem do motor, a luz avisadora de pressão do óleo deverá acender, caso não exista nenhuma anomalia do sensor de pressão de óleo existente no motociclo. 47. O motociclo identificado em 1. não apresentava qualquer anomalia no sensor de pressão de óleo. 48. O problema do motor do veículo identificado em 1. foi causado por falta ou insuficiência de óleo lubrificante (…).». E ainda com a prova de que: «29. O motociclo pode circular com o nível de óleo no nível mínimo, porém tal não é recomendável, por poder danificar o motor por falta de lubrificação. 37. No filtro de óleo do motor da viatura (…) foram detectadas partículas/limalhas douradas. (…) 43. Após a abertura do motor (…) verificou-se que se encontravam desfeitas ou desgastadas capas de bielas, cabeço do motor, moentes das bielas, cilindro, pistão, árvore de cames, entre outras peças.» (itálico aditado). Ou seja – e com todo o respeito devido –, a prova convocada (seja pela parte impugnante, seja pela sentença) aponta consistentemente, uma vez criticamente analisada e conjugada, no sentido de que o óleo de lubrificação do motor se encontrava, efetivamente, abaixo do limite mínimo do óculo de observação existente no veículo, sendo, pois, neste sentido – divergente do da 1.ª instância – que se forma a autónoma convicção desta Relação. Tal obriga, então, à alteração da impugnada factualidade nos moldes pretendidos pela 2.ª R./Recorrente, sendo ainda de referir que é dúbio/impreciso/ambíguo o escolhido termo “perto” (no sentido de o nível de óleo se encontrar perto do limite mínimo), tal como vertido no questionado ponto 28 dos factos dados como apurados. Assim, o ponto fáctico 28 passará a assumir a seguinte redação: «28. Quando o motociclo chegou às instalações da Ré A..., Lda. o nível de óleo encontrava-se abaixo do limite mínimo sinalizado no óculo de observação existente no veículo.». O que implicará, obviamente, por outro lado, a eliminação do ponto II do elenco dos factos dados como não provados. 2. - Questiona ainda a impugnante a seguinte factualidade dada como provada, que pretende ver julgada de outro modo: «42. Com a quantidade de 2,3 l de óleo no motor, sem os 700 ml adicionados pela Ré A..., Lda., a circulação com o respectivo nível de óleo não é causador de gripagem do motor do veículo identificado em 1.». Na verdade, pugna por apenas dever ser julgado provado que: «A quantidade efetiva de óleo no motor, sem os 700 ml adicionados pela Ré A..., Lda., foi causadora de gripagem do motor do veículo identificado em 1.». Na correlação deste ponto fáctico com o também impugnado ponto III dos factos dados como não provados ([12]), cumpre apreciar. O pressuposto da decisão em crise é, claramente, o de que havia, todavia, “2,3 l de óleo no motor” e, assim, o nível de óleo não desceu abaixo do limite mínimo marcado no óculo de observação do motociclo. Pode ler-se na justificação da convicção do Tribunal recorrido: «O facto em 42. resulta do testemunho de CC, que o garantiu quando ouvido em juízo; com efeito, apesar de afirmar que o motor não estava com o óleo no seu nível ideal, tal não era suficiente para causar qualquer tipo de problema, designadamente a gripagem do motor. Segundo o mesmo, nem que faltasse um litro abaixo do normal haveria a possibilidade de o motor gripar. Expressou tal opinião aludindo aos mais de 35 anos de experiência na profissão de mecânico, com conhecimento de causa. FF, outrossim afirmou que se o motor tivesse 2 litros de óleo não deveria gripar, de acordo com as regras da profissão. Note-se que o valor de 2,3 litros tem por referência os 700 ml adicionados pela Ré A..., Lda., para atingir o valor intermédio entre o limite mínimo e o limite máximo, considerado o valor adequado de óleo que deve lubrificar o motor, e a capacidade de reservatório que o mesmo apresenta. De resto, ambos os relatórios periciais afirmam que o nível de óleo do motor que percepcionaram ou de que tiveram conhecimento existir no respectivo reservatório não era motivo para gripagem do mesmo, considerando os dados supra assinalados. Na verdade, do último relatório pericial (e respectivo aditamento/esclarecimento) junto resulta o seguinte: «podemos verificar que o visor permite aferir aproximadamente a falta de 700 ml de óleo da totalidade dos 3 litros que o motor tem capacidade. Assim, os supostos 0,700 ml de óleo em falta no motor que não são visíveis no visor de inspecção do nível de óleo não provocam a gripagem do motor, em condições normais de circulação, condução e de velocidade». Como resulta claramente de todo o processo (e da filmagem já aludida), o trecho que se transcreveu supra menciona, por lapso manifesto de escrita, a falta de 700 ml de óleo, quando em verdade o seu conteúdo é, em alternativa, 0,700 l ou 700 ml, o que em nada influi no julgamento da causa e na consignação de factos – provados e não provados – que aqui levamos a cabo. Cumpre salientar que a prova pericial, em processo civil, visa a percepção ou apreciação de factos que reclamem conhecimentos especiais que o julgador (normalmente) não domina (cfr. artigo 388.º do Código Civil) baseando-se em juízo técnico ou científico que, pela própria natureza, e sem prejuízo do princípio da livre apreciação da prova pelo Tribunal (subjacente aos artigos 389.º do Código Civil e 607.º, nº. 5 do NCPC), só deverá ser infirmado ou colocado em crise perante argumentos de igual jaez (…). Além disso, repete-se, falamos de pareceres e juízos formulados e expressos por profissionais do foro, com competências específicas nesse domínio, que aferiram presencialmente os vectores que foram quesitados para análise. Não se olvida nem escamoteia que em alguns desideratos os resultados das perícias se mostram, ao menos numa primeira análise e em abstracto, contraditórios (até na medida em que num deles se procedeu à abertura do motor, o que permitiu uma análise mais detalhada das questões); contudo, no que diz respeito à possibilidade de o nível de óleo que o motor apresentava (com ou sem os 700 ml adicionais) fazerem gripar o engenho ou danificar os seus componentes, ambas as perícias concluíram de igual feição: que o óleo existente no motor não era suficientemente baixo para o fazer gripar. Por outro lado, a conclusão do último relatório quanto à causa da gripagem do motor afigura-se, também em abstracto, paradoxal com a conclusão anterior; todavia, em concreto, poderemos afirmar que aquela quantidade de óleo verificada não era causadora de gripagem, mas apenas que em dado momento que o óleo que lubrificava o motor foi insuficiente, sem especificar de onde adveio essa circunstância que, em rigor, nenhuma testemunha, com ou sem conhecimentos de mecânica, soube responder com rigor. Aliás, as testemunhas DD, EE e FF aquilataram várias hipóteses para a origem do problema, desde defeitos de fabrico, excesso de rotação ou falta de óleo por danificação de componentes ou ausência de adição de lubrificante. Nenhuma das testemunhas foi suficientemente concludente para que se pudesse determinar, em concreto, a causa da ausência de lubrificação que gerou a gripagem do motor.». E, quanto ao ponto III, aduziu a 1.ª instância: «Reportando-nos agora ao facto tido por não assente em III., diremos que o mesmo é resultado de ausência de prova nesse sentido, pois que nenhuma das perícias o declarou – pelo contrário, referenciam ambas que a quantidade existente na mota, segundo o apurado nunca seria causa da avaria – no que se mostram corroboradas, aliás, pela testemunha CC, mecânico de profissão. Note-se que não foi despiciendo ao Tribunal que outras testemunhas directamente ligadas às funções e até com motores, engenhos e formas de trabalhar da mesma natureza e marca tenham assinalado que era sua convicção que o problema daquela máquina em concreto adveio da falta de lubrificação, por sua vez causada por incúria do Autor em diligenciar por tal ou, pelo menos, verificar a sua possível ocorrência antes de utilizar a mota. Isto, até porque justificam-no de forma lógica, com não terem localizado qualquer outro problema subjacente. Todavia, nenhuma das demais testemunhas ouvidas o disse com toda a certeza, tanto mais, conforme referenciaram, outras causas podiam originar o problema, apenas não foram aquilatadas, como não foi aquilatado que o Autor circulava com nível de óleo passível de fazer gripar o motor. Todas as hipóteses estavam em aberto, segundo os seus depoimentos. De resto, a testemunha II asseverou que viu, assim como o Autor, o nível de óleo no visor/óculo do motor do motociclo antes do início da viagem a Lisboa, e o mesmo encontrava-se em situação regular. Todas as testemunhas declararam que a viagem de ida e volta a Lisboa não seria causa, numa situação normal, de gastar óleo capaz de fazer gripar o motor. Tudo conjugado, entende-se que tal facto deve se qualificado como não demonstrado.». Como visto, refere o Tribunal a quo ter GG testemunhado que, com 2,3 l de óleo, repostos após despejo do depósito, numa primeira fase, o óleo era visível na marca do mínimo, o que ainda se poderia compreender, de algum modo, tendo em conta que a capacidade máxima do respetivo depósito era de 3 litros. Porém, já se viu que é de ter como provado que, quando o motociclo chegou às instalações da 1.ª R., o nível de óleo se encontrava abaixo do limite mínimo sinalizado no óculo de observação, tal como existente no veículo. O que inculca a ideia de que, então, haveria menos de 2,3 l de óleo no respetivo depósito. E somente com o adicionamento de 700 ml (pela 1.ª R., “A...”) se atingiu o nível intermédio/recomendado/preconizado (entre os limites mínimo e máximo, tal como marcados naquele óculo de observação). Ou seja, se houvesse 2,3 l de óleo no depósito e lhe fossem adicionados 700 ml, atingir-se-ia o máximo de capacidade do depósito, os aludidos 3 litros – situação de depósito totalmente cheio. Daí a dúvida sobre o fundamento de se dar como apurado que subsistiam 2,3 l de óleo no depósito, antes de serem adicionados os 700 ml e ao tempo da avaria. Por isso, importa atentar, pelo seu caráter técnico/especializado, na prova pericial produzida. O primeiro relatório de perícia – que consta de fls. 304 e segs. do processo físico, sendo perito o Eng.º JJ, que procedeu à observação pericial em 30/11/2021, nas instalações da 1.ª R. – enfatiza que o perito verificou «o nível do óleo do motor com a adição dos 0,7 litros que já estavam colocados antes de ter iniciado a Perícia. Os 0,7 litros foi a quantidade de óleo colocada aquando da avaria e que estava em falta para atingir a capacidade máxima de óleo que é de 3,0 litros, que consta do Manual». Acrescentou que, verificando então o nível do óleo através do respetivo visor, o mesmo «estava ao nível recomendado pelo fabricante» (cfr. fls. 304 v.º e também 316 e segs.). Ora, para além de este perito não ter procedido, como reconhecido, à abertura do motor, verifica-se que o mesmo alicerça a sua apreciação (e argumentação) no pressuposto de que, aquando da avaria, o óleo que se encontrava no motociclo perfazia 2,3 litros – tendo em conta que a viatura tem uma capacidade (total) de 3 litros e «na altura do acidente foram adicionados 0,7 litros» –, chegando, por isso, à conclusão de que esses 2,3 litros implicavam um nível de óleo «dentro dos parâmetros recomendados pelo fabricante», termos em que toda a viagem de ida e regresso a Lisboa teria decorrido com os níveis de óleo «dentro dos valores recomendados pelo fabricante Honda» e, bem assim, que «a causa da avaria não se deveu a falta de óleo» (cfr. fls. 305 e v.º e 316 e segs.). Seria assim se com o adicionamento, sem mais, dos 0,7 litros – o que ocorreu em data anterior à perícia e sem a presença do perito – ficasse cheio o depósito do óleo, de molde a perfazer a capacidade máxima de 3 litros. Porém, apenas se sabe, com segurança, que foram, em certo momento, adicionados esses 0,7 litros; mas não que, desse modo, e sem mais, o depósito do óleo tenha ficado cheio, ou seja, perfazendo os 3 litros. Com efeito, o perito não verificou, manifestamente, qual a quantidade de óleo existente quando ocorreu a avaria, nem quando foram adicionados os 0,7 litros (nem se encontrava então presente), nem se existiu, ou não, qualquer outro adicionamento, embora das fotos 22 e 23 juntas com o relatório pericial (cfr. fls. 328) pareça resultar terem sido extraídos cerca de 3 litros de óleo do motor. O que foi depois confirmado pelo perito em sede de esclarecimentos escritos de fls. 339 v.º do processo físico, onde responde que a quantidade de óleo retirada do motor e colocada em recipiente (fotos 22 e 23) foi a de “3 litros” ([13]). Em suma, não tem cabal sustentação técnica – correspondendo a uma presunção, salvo o devido respeito – o pressuposto de que o motociclo se encontrava, ao tempo da avaria, com os ditos 2,3 litros de óleo no motor (a apenas 0,7 litros da capacidade máxima), o que não se compagina bem com a observação feita por CC (experiente dono de oficina, que prestava assistência ao A., logo, pessoa da confiança deste, que mostrou conhecimento direto e pessoal nesta parte) e outras testemunhas, que foram claros/inequívocos no sentido de o nível de óleo se encontrar, após a avaria, “no fundo do visor” ([14]). O que deixa de algum modo posta em causa, obviamente, a conclusão pericial no sentido de, ao tempo da avaria, o nível de óleo estar dentro dos parâmetros recomendados pelo fabricante, com a viagem de ida e regresso a Lisboa a decorrer com observância desses níveis de óleo preconizados, ao ponto de afastar totalmente a falta de óleo como causa dessa ocorrida avaria. Aliás, a própria sentença deu como provado, em contraposição a tal perícia, que o problema no motor foi causado por falta ou insuficiência de óleo lubrificante (facto 48). Foi, então, efetuada segunda perícia (cfr. relatório de fls. 348 e segs. do processo físico), respondendo o respetivo perito – Eng.º BB – que a circulação com menos 700 ml não determina, necessariamente, a “gripagem” do motor ([15]), exemplificando com um teste que realizou (no âmbito da perícia), em que, inicialmente, não era visível qualquer óleo lubrificante no visor, após o que foram colocados 119 ml de óleo, começando a ser visível no visor de inspeção, seguido da adição de (mais) 524 ml, o que levou a que o nível de óleo ficasse “praticamente a meio do visor” (cfr. fls. 351). No seu “Relatório Complementar”, o mesmo perito, tendo procedido à abertura do motor, esclareceu (cfr. fls. 367 do processo físico): - desconhecer a quantidade de óleo existente no motor aquando da ocorrência da avaria; - analisados os componentes danificados do motor, ser de concluir, inequivocamente, que os danos foram provocados por falta de lubrificação (funcionamento do motor em situação de insuficiência/falta de óleo lubrificante). Em novos esclarecimentos (fls. 379 e segs. do processo físico), o mesmo perito referiu que, «para condições normais de circulação, condução e velocidade de rotação do motor, este não deverá estar em funcionamento com menos de 2,3 litros» de óleo. Acrescentou, por outro lado, que «não foi visualizado nenhum defeito de fabrico» do motor avaliado (fls. 380 v.º). Resulta claro, assim, que, partindo de uma situação de falta de óleo, em que não seja visível qualquer óleo lubrificante no visor, a colocação de cerca de 700 ml de óleo lubrificante implica que o nível de óleo fique praticamente a meio do visor ([16]). Quadro este que corresponde, no essencial, ao que foi relatado pelas ditas testemunhas que aludiram a uma situação de nível de óleo no fundo do visor (na oficina da testemunha CC) e a que, após a colocação de 700 ml nas instalações da 1.ª R., o nível de óleo subiu para a zona intermédia do visor (depoimentos das testemunhas DD, EE, FF e GG, nos moldes supra aludidos). Ademais, está provado (reitera-se), sem controvérsia, que: - a circulação de veículo com níveis de óleo inferiores aos preconizados nos manuais de utilização pode fazer gripar as peças móveis do motor por falta de lubrificação adequada e inexistência de proteção ao atrito entre os componentes do motor, provocando sobreaquecimento e danificação do mesmo (facto 44); - o motociclo pode circular com o nível de óleo no nível mínimo, porém tal não é recomendável, por poder danificar o motor por falta de lubrificação (facto 29); - o problema do motor deste veículo foi causado por falta ou insuficiência de óleo lubrificante (facto 48). Acresce que, como também já visto, a testemunha CC – o primeiro profissional a inspecionar o motociclo após a sua avaria, ocorrida no regresso da deslocação do A. a Lisboa (por isso, antes da entrada nas instalações da 1.ª R.) – disse, sem ser contraditada (ou o seu depoimento abalado) que «o AA» (A.), após a avaria, levou a «mota» à sua oficina pelos seus próprios meios, ou seja, com o veículo «a andar», a circular (pelas suas próprias rodas, com o motor «a trabalhar inclusive»). Daqui não pode deixar de retirar-se que o A. persistiu em circular com o veículo, pelos seus próprios meios – com o motor em funcionamento –, depois da ocorrência da avaria, ocorrência essa (enquanto sintoma) que bem conhecia (embora não conhecesse o diagnóstico), levando-o (fazendo-o circular) até à oficina daquela testemunha, como a mesma expressamente relatou, quando anteriormente, devido ao ocorrido, interrompera a marcha, no regresso de Lisboa, e transportara, prudentemente, o veículo numa carrinha até à sua casa em ... (factos 14 e 15). Só posteriormente levou o veículo às instalações da 1.ª R.. Assim sendo, a autónoma convicção desta Relação terá de divergir da formada pela 1.ª instância, impondo-se, por ocorrido erro de julgamento de facto, a alteração deste segmento fáctico da sentença. Com efeito, não pode dar-se como provado que o motociclo fosse portador de 2,3 litros de óleo no motor aquando da respetiva avaria, nem, do mesmo modo, aquando da entrada nas instalações onde foi levado depois (a oficina de CC), sendo convicção desta Relação que o nível de óleo lubrificante correspondia, por então, ao fundo do respetivo visor, só subindo para o nível intermédio do visor após a colocação de 700 ml que teve lugar nas instalações da 1.ª R.. Assim, procedendo – segundo a livre e autónoma convicção da Relação – às necessárias alterações, o ponto 42 dos factos provados passará a ter a seguinte redação: «42. - A quantidade existente de óleo lubrificante no motor, sem os 700 ml depois adicionados pela 1.ª R., causou os danos ocorridos no motor do veículo identificado em 1.». Dando-se ainda como provado – em vez de não provado (ponto III) – que: «50. - Perante a insuficiência de lubrificante – que causou o problema do motor –, o A. não acrescentou atempadamente óleo, tendo conduzido o motociclo sem verificar se o nível de óleo estava abaixo do limite mínimo.». E resultando não provado que: «III - Aquando da avaria ocorrida o veículo circulava com a quantidade de 2,3 litros de óleo lubrificante no motor». Resta dizer que não será de aditar, como provada, nova factualidade (superveniente), perante o pretendido pela 1.ª R., posto esta se ter baseado em prova documental que pretendeu juntar na fase recursiva, com referência a invocado facto superveniente – ter o A., em 26/07/2023, comprado outro veículo motociclo novo da marca Honda modelo NT 1100 A à 1.ª R./Recorrente, o que demonstraria que não quebrou a confiança na mesma (cfr. conclusão 27.ª respetiva) –, o qual, porém, não foi alegado em articulado superveniente, razão pela qual tal prova foi objeto de despacho de rejeição, proferido pelo Relator (em 09/09/2024), nada mais havendo, por isso, a valorar e/ou decidir no âmbito da matéria de facto relevante. Com o que procede, em parte, a empreendida impugnação recursiva da decisão da matéria de facto.
C) Quadro fáctico a considerar 1. - Após as alterações realizadas na sede recursiva, provou-se a seguinte factologia: “1. Por acordo estabelecido entre o Autor e a Ré A... Lda., o primeiro adquiriu à segunda, em 18-09-2018, o motociclo de marca Honda, modelo SC80, denominação comercial CB 1000 RA, no estado de novo, a que foi atribuída a matrícula ..-VJ-.., pelo valor de € 15.055,00. 2. O veículo identificado em 1. destinava-se a ser utilizado pelo Autor na sua actividade particular, de lazer, aos fins-de-semana, feriados e dias santos. 3. A Ré A..., Lda. é uma pessoa colectiva que se dedica à comercialização e reparação de motos e é concessionária da Ré Honda, S.A., funcionando como intermediária na venda de veículos da marca desta última. 4. A Ré B... Limited, tem como escopo a comercialização e distribuição de motociclos e veículos todo-o-terreno Honda, peças e acessórios, bem como a prestação de serviços conexos, incluindo serviços de garantia e a gestão e desenvolvimento da respectiva rede de concessionários para a venda, distribuição e serviços de produtos, peças e acessórios da Honda. 5. A primeira revisão ao motociclo identificado em 1. deveria ter sido feita aos 1.000 km ou 12 meses após a aquisição. 6. O Autor efectuou a primeira revisão ao motociclo aos 1.079 km numa oficina de ... denominada CC, em 19/11/2018. 7. No dia 19/11/2018, foi colocada no motociclo identificado em 1. a quantidade de três litros de óleo motor Honda, o que foi realizado na oficina de CC. 8. A segunda revisão do motociclo identificado em 1. deveria ocorrer aos 12.000 km percorridos pelo mesmo. 9. O motociclo identificado em 1. não tem qualquer luz de aviso de insuficiência de óleo, tendo um óculo onde é possível verificar o nível do mesmo. 10. O nível óptimo de óleo do motociclo identificado em 1. situa-se entre a linha de nível mínimo e a linha de nível máximo, ambas visíveis através do óculo. 11. O motociclo identificado em 1. tem uma luz de aviso da pressão do óleo. 12. No dia 20/09/2019, o Autor fez uma viagem de ... com destino a Lisboa, utilizando o veículo identificado em 1. 13. Na viagem aludida em 12. o Autor fez-se acompanhar de outro passageiro na mota. 14. No dia 20/09/2019, no regresso da viagem identificada no artigo 12., e na zona de ..., o Autor sentiu um barulho anómalo no motor do motociclo, sentindo que o motor trabalhava mas não puxava. 15. Na sequência do descrito em 14., o Autor interrompeu a marcha e transportou o veículo para sua casa em ..., o que fez em carrinha sua. 16. O barulho no motor não foi antecedido de qualquer aviso de avaria nem de acendimento de quaisquer luzes. 17. Em 20/09/2019, após a viagem de Lisboa até ..., o motociclo tinha percorrido, desde a aquisição, cerca de 6.000 km. 18. No dia 23/09/2019, o Autor levou o motociclo para as instalações da Ré A..., Lda. 19. O Autor não permitiu que a Ré A... procedesse à abertura do motor para aferição da causa da avaria. 20. Em data não concretamente apurada mas após o veículo ter chegado às suas instalações, a Ré A..., Lda. introduziu óleo no motor, tendo-lhe sido adicionados 700 ml para ficar entre o nível mínimo e o nível máximo do óculo. 21. No dia 30/09/2019, a Ré A..., Lda. comunicou à Ré Honda, S.A. os problemas reportados pelo Autor. 22. Através de carta remetida pelo Autor à Ré A..., S.A., datada de 11/10/2019, o primeiro comunicou a esta última, entre o mais, o seguinte: “A avaria registada evidencia a falta de conformidade, legalmente presumida, do veículo, especialmente porque se trata de veículo com cerca de um ano de utilização e apenas 6000 quilómetros percorridos, sempre cuidadosamente tratado e estimado, tal como o seu estado geral o permite confirmar. No uso da faculdade conferida pela lei, o n. representado vem optar e requerer que se dignem proceder à sua substituição do veículo por um outro de igual marca, modelo e características, decisão que se aguarda até ao dia 25 do presente mês de Outubro de 2019, data a partir da qual, na ausência de uma resposta, nos veremos obrigados a resolver o contrato, tal como previsto no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, com todas as consequências legais, tudo sem prejuízo de o facto poder ser reportado directamente ao produtor”. 23. Através de e-mail remetido pela Ré Honda ao Autor, datado de 19/11/2019, a mesma comunica-lhe o seguinte: “Fazendo referência aos contactos que V. Exa, nos dirigiu, e que mereceram a nossa melhor atenção, motivando nova troca de informações com o Concessionário A... e a Direção Pós-venda da Honda Portugal, em relação ao assunto em epígrafe vimos reiterar a posição transmitida anteriormente. O sintoma apresentado é devido a um incumprimento das verificações indicadas no Manual do Utilizador. Em relação à assistência, a Honda apenas recomenda que a mesma seja feita no Concessionário da rede, não sendo esse o motivo de recusa deste pedido de garantia. O Manual do Utilizador e o Manual de Manutenção e Garantia, que são entregues com o veículo novo, estipulam que, para além da manutenção regular, é responsabilidade do proprietário efetuar a inspeção do estado da moto, seguindo os procedimentos preconizados pelo fabricante. Nomeadamente verificar o nível do óleo, conforme o procedimento descrito no Manual do Utilizador na Secção sobre Manutenção. A utilização do óleo do motor conforme ao que é preconizado pelo fabricante, é determinante para a preservação do bom funcionamento e do estado do motor. Como representantes do fabricante, somos compelidos a seguir as condições de garantia por ele preconizadas, como poderá verificar no Manual de Manutenção e Garantia da sua moto”. 24. Na página 9 do manual do utilizador do veículo identificado em 1. consta o seguinte: “O consumo do óleo do motor varia e a qualidade do óleo deteriora-se de acordo com as condições de condução e o tempo decorrido. Inspecione o nível do óleo do motor regularmente e adicione o óleo recomendado para o motor, se necessário. O óleo sujo ou velho deve ser trocado logo que possível”. 25. No manual do utilizador do veículo identificado em 1. consta o seguinte: Inspeção pré-condução Para garantir a segurança, o condutor tem a responsabilidade de efetuar uma inspeção pré-condução e de se certificar de que todos os problemas encontrados são corrigidos. A inspecção pre-condução é uma necessidade obrigatória, não apenas por motivos de segurança, como também porque a ocorrência de avarias ou mesmo de um pneu furado pode constituir um enorme inconveniente. Verifique os pontos seguintes antes de conduzir a sua moto: (…) Nível do óleo do motor - adicionar óleo de motor, se necessário. Verificar se não há fugas”. 26. No manual do utilizador do veículo identificado em 1. consta o seguinte: Óleo do motor Verificar o óleo do motor 1. Se o motor estiver frio, deixe-o ao ralenti durante 3 a 5 minutos. 2. Coloque o interruptor da ignição na posição O (Desligado) e aguarde 2 a 3 minutos. 3. Coloque a sua moto em posição vertical e em piso firme e nivelado. 4. Verifique se o nível do óleo se encontra entre as linhas de nível inferior e superior na janela de inspeção do óleo. Adicionar óleo do motor Se o óleo do motor estiver abaixo ou próximo da marca de nível mínimo, adicione óleo recomendado para o motor. P. 91. P.165”. 27. A capacidade de óleo do motor da viatura identificada em 1. é de 3 litros. «28. Quando o motociclo chegou às instalações da Ré A..., Lda. o nível de óleo encontrava-se abaixo do limite mínimo sinalizado no óculo de observação existente no veículo.» [ALTERADO]. 29. O motociclo pode circular com o nível de óleo no nível mínimo, porém tal não é recomendável, por poder danificar o motor por falta de lubrificação. 30. Antes da viagem de 20/09/2019 de ... para Lisboa, o Autor verificou o nível de óleo da mota e viu que o mesmo estava acima do mínimo. 31. A Ré B... Limited recusou proceder à reparação ou substituição do veículo identificado por outro em accionamento da garantia da dita viatura, por considerar que o problema do veículo resultou da conduta do ora Autor. 32. Desde 23/09/2019 o Autor não mais utilizou o motociclo. 33. Desde 23/09/2019 o motociclo permanece nas instalações da Ré A..., Lda., sendo que aquela última nunca impediu o Autor de levantar a referida viatura. 34. A impossibilidade de utilização decorrente do problema do motociclo causou ao Autor desilusão, tristeza e revolta. 35. Não foram detectadas fugas de óleo no motociclo identificado em 1. 36. De acordo com o manual de instruções e utilização da viatura identificada em 1., o óleo do motor deve ser substituído a cada 12.000km ou a cada 12 meses. 37. No filtro de óleo do motor da viatura identificada em 1. foram detectadas partículas/limalhas douradas. 38. Apesar de solicitada pelas Rés, o Autor não deu autorização para a abertura do motor do veículo identificado em 1. 39. Os custos pelo procedimento de abertura do motor seriam a cargo da Ré B... Limited, caso se verificasse que o problema do motor dizia respeito a um defeito do veículo. 40. Os custos pelo procedimento de abertura do motor seriam a cargo do Autor, caso se verificasse que o problema do motor não dizia respeito a um defeito do veículo. 41. O motor do veículo identificado em 1. é passível de reparação. «42. - A quantidade existente de óleo lubrificante no motor, sem os 700 ml adicionados pela 1.ª R., causou os danos ocorridos no motor do veículo identificado em 1.» [ALTERADO]. 43. Após a abertura do motor do veículo identificado em 1. verificou-se que se encontravam desfeitas ou desgastadas capas de bielas, cabeço do motor, moentes das bielas, cilindro, pistão, árvore de cames, entre outras peças. 44. A circulação de veículo com níveis de óleo inferior aos preconizados nos manuais de utilização podem fazer gripar as peças móveis do motor por falta de lubrificação adequada e inexistência de protecção ao atrito entre os componentes do motor, provocando sobreaquecimento e danificação do mesmo. 45. A mota identificada em 1. aparenta estar bem cuidada, sem sinais externos de riscos ou mazelas. 46. Se o motociclo apresentar quantidade de óleo que determine sobreaquecimento e gripagem do motor, a luz avisadora de pressão do óleo deverá acender, caso não exista nenhuma anomalia do sensor de pressão de óleo existente no motociclo. 47. O motociclo identificado em 1. não apresentava qualquer anomalia no sensor de pressão de óleo. 48. O problema do motor do veículo identificado em 1. foi causado por falta ou insuficiência de óleo lubrificante, num determinado período de funcionamento do motor. 49. Aquando da aquisição do veículo identificado em 1., o mesmo foi entregue pela Ré A... na Rua ..., em ....”. «50. - Perante a insuficiência de lubrificante – que causou o problema do motor –, o A. não acrescentou atempadamente óleo, tendo conduzido o motociclo sem verificar se o nível de óleo estava abaixo do limite mínimo.» [ADITADO]. 2. - E persiste julgado como não provado: «I. O Autor verificou o nível de óleo do motociclo identificado em 1. antes da viagem de regresso de Lisboa para ....». II. [SUPRIMIDO]. «III.- Aquando da avaria ocorrida o veículo circulava com a quantidade de 2,3 litros de óleo lubrificante no motor» [ALTERADO].
D) Aspeto jurídico do recurso Com uma autónoma e desenvolvida impugnação de direito no seu acervo alegatório e conclusivo – certamente confiada a 2.ª R. na total procedência da sua impugnação da decisão da matéria de facto, com inevitáveis repercussões no plano jurídico, tornando manifesto, a seu ver, um veredito que lhe desse ganho de causa –, vieram as RR./Apelantes afirmar que a avaria ocorrida no motor do motociclo é exclusivamente imputável ao próprio A. (lesado), pela forma como utilizou a viatura, e não a qualquer das RR., por via de algum eventual defeito de fabrico ou funcionamento do bem/“moto”, já que a causa da avaria reside em falta/insuficiência de óleo lubrificante do motor, ocorrida durante a circulação do motociclo (em viagem), mas não derivada de defeito deste, que só teve lugar por incúria do A., que não observou as regras constantes do manual de utilizador e do manual de manutenção e garantia, omitindo a verificação do nível do óleo, motivo pelo qual empreendeu a circulação com um nível de óleo deficitário, o que ocasionou os danos sobrevindos no motor. Perspetiva diferente teve a 1.ª instância, entendendo, perante a matéria que julgou provada, que não se demonstrou aquela circulação com um nível deficitário de óleo lubrificante do motor. Assim, pode ler-se, em matéria de venda de coisa defeituosa a consumidor, na fundamentação de direito da decisão em crise: «(…) ao consumidor/comprador incumbe somente fazer a prova da falta de conformidade e que constitui facto base da presunção, mas sobre si não impende os ónus de alegar e provar a causa concreta da origem do mau funcionamento e a sua existência à data da entrega (cfr artigo342.º, n.º 1, 349.º e 350.º,n.º 1,do Código Civil). Será, por conseguinte, ao vendedor e/ou produtor, que compete ilidir a presunção de não conformidade, através da demonstração de que a mesma resulta de facto imputável ao consumidor – designadamente por incorrecta utilização do bem – ou que, eventualmente, o defeito não existia na data da entrega. (…) ficou provado que a quantidade de óleo cuja existência se aferiu no motor não era suficiente para o fazer danificar, gripando-o; outrossim, quedou demonstrado que a ausência dos 700 ml acrescentados após a ocorrência do problema não causaria tal gripagem. Não resultou assente que o Autor não tenha acrescentado oportunamente óleo ao motor ou diligenciado tempestivamente nesse sentido, tendo agido à revelia do prescrito no manual de utilização do veículo. Não resultou assente que o Autor tenha efectivamente circulado com a mota com níveis de óleo que pudessem fazer gripar o motor. (…) Certo é que não se deu por provado que o Autor verificou o óleo na viagem de regresso de Lisboa, o que poderia constituir uma necessidade face ao constante no Manuel de instruções; contudo, tal queda prejudicado pelo demais provado – mormente que não conduzia com quantidade de óleo capaz de fazer gripar o motor. No mais, e para o que releva, o manual de utilização do veículo alude a uma pré-inspecção antes de iniciar a condução – e a viagem realizada foi precedida dessa diligência –sendo discutível que no regresso a obrigação de verificação do óleo fosse a mesma ou com igual acuidade, pois poder-se-ia então considerar que a cada paragem numa mesma deslocação – após pequeno ou grande trajecto – forçasse a verificar sempre todos os aspectos da mota porque a condução se iria reiniciar. (…) A gripagem do motor em consequência de falta de lubrificação por um determinado período de tempo não é o mesmo que dizer que o Autor não actuou, dentro das suas possibilidades, de forma correcta e de acordo com o que lhe era exigível. Por outro lado, temos que, desconhecendo-se o que causou a falta de lubrificação do motor, a hipótese de ter sido por negligência do Autor com o incumprimento das regras e boas práticas de utilização da mota, surge em paralelo com as de defeito de fabrico ou concepção ou rotações em excesso, ou outra qualquer, sendo que a lei fornece o critério para o dirimir, precisamente através da presunção constante do artigo 2.º, 2, d) e 3.º, n.º 2 do DL n.º 67/2003, de 08 de Abril. Da falta de qualidades que aludimos resultou, efectivamente, a avaria do veículo, que carece de conserto para circular, ficando patente que a falta de qualidades não era meramente incidental ou inócua, contendendo com a própria função (de circulação) do bem em causa que, nos termos que supra aludimos, responsabiliza ambas as Rés. E assim, verificando-se a responsabilidade de ambas as Rés, nos termos e com base nos normativos supra aludidos, cumpre aferir da concreta viabilidade dos pedidos formulados pelo Autor.». Ex adverso, entendem as RR./Apelantes que a causa do mau funcionamento é posterior à entrega do motociclo vendido e imputável ao próprio A. (comprador), afastando a responsabilidade daquelas. Cumpre, pois, analisar a etiologia da ocorrida avaria, à luz dos factos que agora se mostram provados, de molde a concluir se o problema de funcionamento, comprometendo o desempenho do bem, é imputável ao A./Recorrido. Ora – revisitada a matéria de facto relevante, por força da sindicância operada pela Relação –, é de considerar, desde logo, a especificidade do motociclo em causa. Com efeito, este não tem qualquer luz de aviso de insuficiência de óleo, tendo, ao invés, um óculo onde é possível verificar o nível do mesmo, pelo que o nível ótimo de óleo se situa entre a linha de nível mínimo e a linha de nível máximo (zona intermédia), ambas visíveis através do óculo (factos 9 e 10). É certo que o motociclo tem uma luz de aviso da pressão do óleo (facto 11), a qual, por isso, não dá indicação quanto ao nível do óleo (designadamente, insuficiência do mesmo), mas quanto à respetiva pressão (intensidade e não quantidade). Por isso, é indubitável que o nível do óleo de lubrificação do motor tem de ser aferido, periódica e cautelarmente, no respetivo visor/óculo, e só nesse. Embora também se prove que, se o motociclo apresentar quantidade de óleo que determine sobreaquecimento e gripagem do motor, a luz avisadora de pressão do óleo deverá acender, caso não exista nenhuma anomalia do sensor de pressão de óleo existente no motociclo (facto 46). A avaria ocorreu no dia 20/09/2019 – um ano após a aquisição –, quando o A. regressava, ao comando do motociclo, de uma viagem de ... a Lisboa, fazendo-se acompanhar de outro passageiro, traduzindo-se o evento no produzir de um barulho anómalo no motor, transmitindo a impressão de que este trabalhava mas não puxava (facto 14), o que ocorreu sem aviso de avaria ou acendimento de quaisquer luzes (facto 16). Levado o motociclo às instalações da 1.ª R./Apelante, esta introduziu óleo no motor, adicionando 700 ml, para que ficasse, com esse acrescento, na zona entre o nível mínimo e o nível máximo do óculo/visor (facto 20), daqui se depreendendo que, anteriormente, se quedava abaixo dessa zona, ou seja, o motociclo deparava-se com insuficiência de óleo de lubrificação do motor (cfr. facto 26). Assim, mostra-se agora provado (factos 18 e 28) que, quando o motociclo chegou às instalações da 1.ª R. (levado pelo A., três dias após a ocorrência da avaria), o nível de óleo se situava abaixo do limite mínimo sinalizado no óculo de observação existente no veículo. O que traduz efetiva situação de insuficiência de óleo de lubrificação do motor, com inerente desproteção das respetivas peças componentes. É certo poder o motociclo circular com o óleo no nível mínimo, mas o que não é recomendável, por poder danificar o motor por falta de lubrificação (facto 29), risco este logicamente maior se o nível estiver abaixo do limite mínimo. Embora antes da viagem para Lisboa o A. tenha verificado o nível de óleo da mota e visto que o mesmo estava acima do mínimo, o certo é também que, ocorrida a avaria, a 2.ª R. recusou-se a assumir a responsabilidade no âmbito da garantia da viatura, considerando que o problema/avaria resultou da conduta adotada pelo A.. Mas será assim? Ora, prova-se ainda que não foram detetadas fugas de óleo no motociclo (facto 35), inexistindo qualquer anomalia no sensor de pressão de óleo (facto 47). Também não foram observados defeitos de fabrico nos componentes do motor, uma vez aberto o mesmo (em âmbito pericial), sabido, por outro lado, que o manual de instruções e utilização da viatura indicava diversos cuidados a ter – pelo comprador/utilizador – quanto ao óleo de lubrificação do motor. Líquido é agora que foi a quantidade existente, por insuficiente/deficitária, de óleo lubrificante no motor, sem os 700 ml adicionados, a posteriori, pela 1.ª R., que causou os danos ocorridos (factos 42 e 43), sendo sabido que a circulação do veículo com níveis de óleo inferiores aos preconizados nos manuais de utilização pode fazer gripar as peças móveis do motor (por falta de lubrificação adequada e inexistência de proteção ao atrito entre os componentes do motor), provocando sobreaquecimento e danificação do mesmo (facto 44). Assim se prova – se dúvidas ainda houvesse – que o problema do motor foi causado por falta ou insuficiência de óleo lubrificante (facto 48) e, bem assim, que, perante tal insuficiência, o A. não acrescentou atempadamente óleo, tendo conduzido o motociclo sem verificar se o nível de óleo estava abaixo – como esteve, a certa altura – do limite mínimo (facto 50). Ora, o A. conhecia – ou tinha o dever de conhecer – o manual de utilizador e o manual de manutenção e garantia, dos quais resultava que lhe cabia a indeclinável tarefa de verificar o nível de óleo de lubrificação do motor, para o que dispunha de um óculo/visor/janela de observação, não dispondo o veículo de outro indicador a respeito, cabendo-lhe ainda o dever de adicionar óleo se o nível estivesse abaixo ou próximo da marca de limite/nível mínimo naquele óculo, visto o elevado potencial de danosidade decorrente de uma situação de deficit de óleo lubrificante. Porém, o A. não supriu atempadamente essa situação de ocorrido deficit de óleo lubrificante, com os inerentes danos para o motor. Mas poderá dizer-se – ou presumir-se – que a perda de óleo decorreu de vício/defeito do veículo? A resposta tem de ser negativa, posto nada mostrar que houvesse defeito algum a esse nível, originário ou subsequente à aquisição, já que, como visto, resulta dos autos que – sujeito a perícias o veículo e, especialmente, o motor – não foram detetadas fugas de óleo no motociclo, nem anomalia no sensor de pressão de óleo, nem defeitos de fabrico, afastando qualquer anomalia/vício no concernente à retenção e ao consumo de óleo. Por isso, encontrando-se o motociclo em ciclo de normal funcionamento, até à ocorrência do evento/avaria, este resulta apenas da dita situação de deficit de óleo lubrificante, a qual não é imputável às RR.. Antes tem de ser imputada, causalmente, salvo o devido respeito, à conduta do A., ao não atentar naquele deficit e no perigo daí decorrente. É certo provar-se que o mesmo, antes de sair de ..., verificou o nível de óleo, vendo que o mesmo se encontrava acima do mínimo, mas desconhecendo-se quanto acima do mínimo. Em todo o caso, provada a utilização naquele deficit e decorrente risco/perigo, e afastados quaisquer vícios referentes a fugas de óleo, anomalia no sensor de pressão de óleo, defeitos de fabrico, falhas na retenção e quanto ao consumo de óleo, a avaria tem de ser causalmente imputada, não a qualquer desconformidade/vício/anomalia do bem/motociclo, mas à utilização/manutenção/conservação do mesmo. Ou seja, o que causou a avaria e os danos, não foi a conduta das RR. (quanto a qualquer defeito/desconformidade da coisa vendida), mas a conduta do A., ao persistir na utilização em situação de deficit e decorrente risco/perigo para o motor, por falta/insuficiência de óleo de lubrificação, assim faltando à observância, objetivamente, das prescrições emanadas pela marca, nos seus manuais aludidos, o que traduz descuido/negligência, mesmo que de forma inconsciente. Num tal quadro ocorre ação culposa/negligente do lesado, afastando o nexo causal e a operância da garantia (cfr. art.º 570.º, n.ºs 1 e 2, do CCiv.). Tudo para concluir, com todo o respeito devido por outro entendimento, pela impossibilidade de responsabilização das RR./Recorrentes no caso, o que, na procedência da pretensão recursiva, obriga à revogação da sentença condenatória, com decorrente naufrágio da ação e absolvição das demandadas. Vencido em ambas as instâncias, cabe ao A./Recorrido suportar as custas da ação e do recurso (art.ºs 527.º, n.ºs 1 e 2, 529.º, n.ºs 1 e 4, e 533.º, todos do NCPCiv.). * (…) *** V – DecisãoPelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedentes as apelações, revogando, em consequência, a decisão recorrida, termos em que, na improcedência da ação, absolvem ambas as RR./Recorrentes dos pedidos em que foram condenadas em 1.ª instância. Custas da ação e da apelação pelo A./Apelado.
Escrito e revisto pelo relator – texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (ressalvadas citações de textos redigidos segundo a grafia anterior). Assinaturas eletrónicas.
Vítor Amaral (relator) Fonte Ramos João Moreira do Carmo
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