Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1112/13.6TTCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: RAMALHO PINTO
Descritores: PLANO DE REVITALIZAÇÃO
ACÇÕES SUSPENSAS
ACÇÕES EXTINTAS
Data do Acordão: 02/27/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE COIMBRA – 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 17º-E, Nº 1 DO CIRE.
Sumário: I – As acções previstas, que não podem ser instauradas, que se suspendem ou que se extinguem, são (refere o artº 17º-E, nº 1 do CIRE) quaisquer acções para cobrança de dívidas contra o devedor – acções declarativas e acções executivas.

II – Conhecendo o legislador o tipo de acções previstas no CPC, ao se referir no artº 17º-E, nº 1 do CIRE (na redacção da Lei nº 16/2012, de 20/04), às acções que têm por fim a cobrança de dívidas, aí fez incluir quer as acções declarativas de condenação, quer as acções executivas, desde que atinjam o património do devedor.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:


A... veio instaurar, no Tribunal do Trabalho de Coimbra, a presente acção, com processo comum, emergente de contrato de trabalho, contra B... LDA pedindo, pelos fundamentos que enuncia na sua petição, a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de € 8.355,33, acrescida de juros, à taxa legal sobre a quantia de € 8.069,69, desde 25.09.2013 e até efectivo e integral pagamento daquela quantia.
A Ré contestou, dizendo que corre termos pelo 5º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Coimbra, sob o n.º (...), um processo especial de revitalização, ao abrigo do disposto no artigo 17º-A e seguintes do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) sem que exista até à presente data decisão judicial acerca da homologação de qualquer plano de revitalização.
O Autor reclamou créditos nesse processo de revitalização.
A Ré impugnou o crédito reclamado pelo Autor com fundamento na indevida inclusão de créditos, ou seja, na sua inexistência.
Por decisão judicial datada de 06/09/2013 do 5º Juízo Cível de Coimbra, veio o Tribunal qualificar o crédito do Autor como litigioso, reconhecendo-o pelo valor de €9.126,04, sob condição de decisão futura, a tomar em sede própria (Tribunal do Trabalho), transitada em julgado.
Requereu a suspensão dos presentes autos nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 17º-E do CIRE, ou, em alternativa, ser a Ré absolvida da instância ou os presentes autos aguardarem o resultado do recurso interposto pelo Autor nos autos de processo de revitalização.
Juntou certidão, de onde consta que corre efectivamente tal processo de revitalização, e onde foi proferido o seguinte despacho:
“Pelo exposto, julgo improcedentes - embora reconheça os créditos como litigiosos e sob condição de decisão futura, em sede própria ( Tribunal do Trabalho ), transitada em julgado – as impugnações da « B... » aos montantes dos créditos dos trabalhadores C... e A... (...), reconhecendo, ao trabalhador C..., (...) e ao A..., um crédito litigioso no montante de nove mil, cento e vinte e seis euros e quatro cêntimos, sendo que ambos estes créditos são reconhecidos sob condição de decisão futura, a tomar em sede própria (Tribunal do Trabalho), transitada em julgado.”
O Autor interpôs recurso dessa decisão.
Foi, então, proferido o seguinte despacho:
“Fls 76 e segs: Resulta da informação trazida aos autos que corre no 5º juízo cível do Tribunal de Coimbra um processo especial de revitalização e que no âmbito desses autos o autor terá reclamado os seus créditos no referido processo.
Nos termos do disposto no artigo 17º-E nº 1 do mesmo código, a decisão a que se refere a alínea a) do n.º 3 do artigo 17.º-C obsta à instauração de quaisquer acções para cobrança de dívidas contra o devedor e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto ao devedor, as acções em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação.
Pelo exposto determino a suspensão da presente instância enquanto não for proferida decisão no processo especial de revitalização supra identificado.
Notifique.
Sem efeito a audiência de partes designada.
Notifique e desconvoque.
Após solicite ao processo de revitalização informação acerca do estado dos autos”.
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Inconformado com tal decisão, veio o Autor interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:
[…]
Não foram apresentadas contra-alegações.
Foram colhidos os vistos legais.
O Exmº Procurador Geral Adjunto entendeu que não haveria que emitir parecer.
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Como única questão a resolver temos a de saber se a presente instância deve ou não ser suspensa, por força do disposto nos artºs 17º-E, nº 1 e 17º-I, n.º 6, do CIRE, e do processo de revitalização supra mencionado.
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Como factos relevantes para a decisão temos os que constam do relatório deste acórdão.
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O direito:
A questão não é pacífica a nível jurisprudencial.
O artº 1º do CIRE (na redacção dada pela Lei nº16/2012, a qual procedeu à sexta alteração ao CIRE, em vigor desde 20.05.2012) determina o seguinte:
“1. O processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores.
2. Estando em situação económica difícil, ou em situação de insolvência meramente iminente, o devedor pode requerer ao tribunal a instauração de processo especial de revitalização, de acordo com o previsto nos artigos 17º-A a 17º-I”.
Sob a epígrafe “Finalidade e natureza do processo especial de revitalização” estipula o artº 17º-A do CIRE, no seu nº1, que “O processo especial de revitalização destina-se a permitir ao devedor que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja susceptível de recuperação, estabelecer negociações com os respectivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização”.
O artº 17º-C do CIRE determina que:
“1. O processo especial de revitalização inicia-se pela manifestação de vontade do devedor e de, pelo menos, um dos seus credores, por meio de declaração escrita, de encetarem negociações conducentes à revitalização daquele por meio da aprovação de um plano de recuperação.
2. A declaração referida no número anterior deve ser assinada por todos os declarantes, da mesma constando a data da assinatura.
3. Munido da declaração a que se referem os números anteriores, o devedor deve, de imediato, adoptar os seguintes procedimentos: a) Comunicar que pretende dar início às negociações conducentes à sua recuperação ao juiz do tribunal competente para declarar a sua insolvência, devendo este nomear, de imediato, por despacho, administrador judicial provisório, aplicando-se o disposto nos artigos 32º a 34º, com as necessárias adaptações (…)”.
E finalmente, o artigo 17º-E, nº1 do CIRE prescreve que “A decisão a que se refere a alínea a) do nº3 do artigo 17º-C obsta à instauração de quaisquer acções para cobrança de dívidas contra o devedor e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto ao devedor, as acções em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação”.
Temos, assim, que o processo especial de revitalização visa permitir ao devedor que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja susceptível de recuperação, estabelecer negociações com os respectivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização.
“A Lei 16/2012, de 20 de abril, veio introduzir, no domínio do direito da insolvência e integrando-o no CIRE (Capítulo II do Título I, artigos 17-A a 17-I), um novo processo especial, que chamou "processo especial de revitalização". Este processo, como logo esclarece o n.º 1 do artigo 17-A, "destina-se a permitir ao devedor que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja suscetível de recuperação, estabelecer negociações com os respetivos credores de modo a concluir com estes um acordo conducente à sua revitalização" e o seu objetivo "foi alterar o espírito do regime, colocando a recuperação do devedor no centro das finalidades do processo, em detrimento da liquidação imediata do seu património, para satisfação dos credores" (Ana Prata/Jorge Morais Carvalho/Rui Simões, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Almedina, 2013, pág. 53). Neste sentido, Luís Menezes Leitão (Direito da Insolvência, 5.ª edição, Almedina, 2013, pág. 72) refere que a introdução deste novo processo especial "não vem só por si destruir a filosofia geral do Código, assente, como se referiu, no sistema de falência-liquidação, mas não há dúvida que a atenua em parte". Como refere Catarina Serra ("Revitalização – A designação e o misterioso objeto designado. O processo homónimo (PER) e as suas ligações com a insolvência (situação e processo) e com o SIREVE", in I Congresso de Direito da Insolvência, Coordenação: Catarina Serra, Almedina, 2013, págs. 85/106, a págs. 88/89), "o PER é, intencionalmente, um processo pré-insolvencial, dirigido, portanto, exclusivamente às empresas sobre as quais ainda não impende o dever de apresentação à insolvência (…) o PER tem, de facto, como beneficiários os devedores que comprovadamente se encontrem em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente mas que ainda sejam suscetíveis de recuperação" (itálico da autora)”- Ac. da Rel. do Porto de 18/12/2013, in www.dgsi.pt.
No Ac. da Rel. de Lisboa de 11/7/2013 (relator Leopoldo Soares), disponível no mesmo site, entendeu-se que não se vislumbra que a expressão, contida no citado artº 17º-E, nº1 do CIRE, “para cobrança de dívida” abranja as acções declarativas, já que uma acção para cobrança de dívida não equivale, nem é sinónimo , de uma acção para cumprimento de obrigações pecuniárias.
O autor de acção declarativa em que invoque a verificação de um crédito sobre outrem só é efectivamente declarado credor caso a acção proceda, existindo sempre a possibilidade de que isso não aconteça.
A acção destina-se a proporcionar ao autor um título executivo que depois possa executar em sede própria; ou seja numa acção executiva, esta sim - indubitavelmente - para cobrança de uma dívida.
E, continua o mesmo aresto, a existência e decurso de uma acção declarativa de condenação em nada prejudica as negociações referidas na lei.
Por outro lado, caso a dívida venha ser declarada, através da competente condenação, com trânsito em julgado, passando, pois, o credor a dispor de um título executivo, é evidente que não se pode prevalecer dele em acção executiva, esta sim manifestamente destinada à cobrança de uma dívida existente (devendo caso a mesma venha ser instaurada a instância ser suspensa) e não meramente potencial e cujo decurso – esse sim - se afigura susceptível de afectar as mencionadas negociações (basta pensar em penhoras de móveis, imóveis, contas bancárias, etc…).
Contudo, não partilhamos deste entendimento, afigurando-se-nos mais sólida a argumentação vertida no acórdão da mesma Relação de Lisboa de 21/11/2013 (relator Olindo Gerlades), in www.dgsi.pt, onde se escreveu o seguinte:
“Nos termos da norma legal que prevê a suspensão das ações em curso, por efeito da comunicação da pretensão do início das negociações do devedor com os credores, para a recuperação económica daquele, não se surpreende qualquer distinção entre ações declarativas e executivas instauradas contra o devedor, não devendo também o intérprete distinguir onde o legislador não distinguiu.
Para além do legislador não poder ignorar a existência das espécies de ações, consoante o seu fim, também, por outro lado, não pode o intérprete desprezar o efeito na vida do devedor, nomeadamente de uma sociedade comercial, provocado pela negação da suspensão da ação, depois de iniciado o processo especial de revitalização. Destinando-se este processo a concluir um acordo do devedor com os credores, de modo a possibilitar a recuperação económica do primeiro, esta finalidade ficaria seriamente comprometida, se qualquer credor pudesse continuar a exigir judicialmente os seus créditos. Com efeito, não será prudente olvidar a intenção declarada do legislador, ao instituir o processo especial de revitalização, de permitir ao devedor, com o acordo total ou maioritário dos credores, a sua recuperação da situação económica difícil, caracterizada pela dificuldade séria em cumprir pontualmente as suas obrigações.
Por outro lado, tal acordo, depois de homologado judicialmente, vincula todos os credores, mesmo que não hajam participado nas negociações com o devedor (art. 17.º-F, n.º 6, do CIRE). Ora, se qualquer ação contra o devedor não fosse suspensa, estar-se-ia privilegiar, sem razão justificativa, um credor, sendo certo que o objetivo do legislador consistiu em proporcionar condições para a recuperação económica da empresa, com um tratamento igualitário dos credores.
Se a pretensão da recuperação económica do devedor, encontrado numa situação económica difícil ou de insolvência meramente iminente, é iniciativa daquele, já a viabilização da recuperação cabe aos credores, sendo certo que, pelas relações económicas estabelecidas com o devedor, estão em condições privilegiadas para o fazerem e, por essa via, poderem salvaguardar, porventura de forma mais eficaz, a solvabilidade dos seus créditos, para além de outras vantagens sociais relevantes.
Nestes termos, e levando em consideração as regras de interpretação da lei, consagradas no art. 9.º do Código Civil, a suspensão das ações prevista no n.º 1 do art. 17.º-E do CIRE prevê qualquer ação judicial destinada a exigir o cumprimento de um direito de crédito, resultante do exercício da atividade económica do devedor”.
Também a Relação do Porto se pronunciou já sobre a questão, neste último sentido.
Assim, no já citado acórdão de 18/12/2013 (relator José Eusébio Almeida), considerou-se que as acções previstas, que não podem ser instauradas, que se suspendem ou que se extinguem, são (refere o artigo 17-E, n.º 1) "quaisquer" acções para cobrança de dívidas contra o devedor. Acções declarativas e acções executivas. Ainda que criticando a desadequação da norma, mormente nos casos dos créditos litigiosos, e a sua redacção, quando comparada com a do artº 88 do CIRE (mormente depois dos aditamentos resultantes da Lei 16/2012), Catarina Serra (loc. cit., pág. 99) é muito clara: "Contrastando com a cuidadosa redação atual do art. 88.º, o texto do n.º 1 do art. 17.º-E vem permitir, na parte final, que estas ações de cobrança de dívidas (entenda-se: declarativas e executivas) que estão suspensas se extingam quase irrestritamente: logo que seja aprovado e homologado o plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação”.
E no acórdão de 30/09/2013 (relator António José Ramos), disponível no mesmo site, afirmou-se que:
Segundo os ensinamentos de Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora “a distinção entre o processo declaratório e o processo executivo apenas se estabelece em relação às acções de condenação ou relativamente ás acções de outro tipo (de mera ou simples apreciação ou constitutivas), em que haja uma sentença de condenação. Há nesses casos uma cisão nítida entre o processo de cognição, que finda com a sentença de condenação, e o processo executivo, que conduz à realização coactiva de uma ou mais pretensões” – Manual de Processo Civil, 1984, página 71.
Jorge Augusto Pais do Amaral defende que “A distinção entre acções declarativas e acções executivas equivale à diferença entre o simples declarar e executar, entre o dizer e o fazer. No processo declarativo é declarada a vontade concreta da lei, visando o executivo a execução dessa vontade” – Direito Processual Civil, 9ª edição, página 19.
O legislador da Lei nº16/2012, de 20/04, não podia desconhecer a distinção entre as acções declarativa e executiva e dentro das primeiras aquelas a que se refere o artº 4º, nº 2 do CPC, não tendo, contudo, «abraçado» o critério seguido no referido artigo quando emprega a expressão acções para cobrança de dívidas.
Por outras palavras: no artº 17º-E nº1 o legislador não fez distinção entre a acção declarativa e/ou executiva, a significar que nele estão incluídos ambos os tipos de acções, desde que visem a cobrança de dívidas contra o devedor, na medida em que são estas que atingem o património do devedor (para além da expressão “acções para cobrança de dívida” o legislador emprega também a expressão “acções em curso com idêntica finalidade”, não se referindo, concretamente, à espécie de acção mas à sua concreta finalidade).
João Aveiro Pereira defende que “embora não exista na lei adjectiva nenhuma espécie de acções de cobrança de dívidas, deve entender-se que esta expressão se reporta a acções declarativas para cumprimento de obrigações pecuniárias e a acções executivas para pagamento de quantia certa” (…) – A revitalização económica dos devedores, em O Direito, ano 145º, 2013, I/II, página 37.
Em suma: conhecendo o legislador o tipo de acções previstas no CPC, ao se referir no artigo 17º-E, nº1, da Lei nº16/2012, de 20/04, às acções que tem por fim a cobrança de dívidas, aí fez incluir quer as acções declarativas/de condenação, quer as acções executivas desde que atinjam o património do devedor.
Concordando nós com esta última posição, estribada, como se descreveu, em sólida doutrina e jurisprudência, mais não resta do que julgar improcedentes as conclusões do recurso.
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Decisão:
Nos termos expostos, acorda-se em julgar improcedente a apelação, mantendo-se o despacho recorrido.
Custas pelo apelante.

Coimbra, 27/02/2014

(Ramalho Pinto - Relator)
(Azevedo Mendes)
(Joaquim José Felizardo Paiva)