Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
60/12.1TBCNF-D.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JAIME CARLOS FERREIRA
Descritores: FUNDO DE GARANTIA DE ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
FGADM
VALOR
PRESTAÇÃO
REVISÃO
PRESSUPOSTOS
IRRECORRIBILIDADE
DESPACHO
Data do Acordão: 09/19/2016
Votação: DECISÃO SINGULAR
Tribunal Recurso: COMARCA DE VISEU – LAMEGO – INST. CENTRAL – 2ª SEC. F. E MENORES – J1
Texto Integral: S
Meio Processual: RECLAMAÇÃO
Decisão: IRRECORRIBILIDADE
Legislação Nacional: LEI Nº 75/98, DE 19/11, E DEC. LEI Nº 164/99, DE 13/05.
Sumário: I – O montante da prestação a cargo do FGADM perdura enquanto se verificarem as circunstâncias subjacentes à sua concessão e até que cesse a obrigação a que o devedor está obrigado – nº 4 do artº 3º da Lei nº 75/98, e artº 9º, nº 1, do Dec. Lei nº 164/99, de 13/05 -, sendo que compete a quem receber a prestação a renovação anual da prova de que se mantêm os pressupostos subjacentes à sua atribuição... – nº 6 do citado artº 3º da Lei nº 75/98, e artº 9º, nº 4 do Dec. Lei nº 164/99.

II - Uma vez fixado judicialmente o montante das prestações a serem pagas pelo FGADM, cumpre ao tribunal verificar anualmente se se mantêm ou não os pressupostos subjacentes à dita atribuição, em função da renovação anual dessa prova, não reapreciar ou eventualmente alterar o valor desse tipo de prestações, que será sempre aquele que foi judicialmente fixado, por decisão transitada em julgado.

III - O que equivale a dizer que esta verificação não passa de uma apreciação administrativa ou de mero expediente quanto os chamados pressupostos da atribuição das ditas prestações, não se fazendo, cada novo ano, uma reapreciação ou fixação do valor das prestações, pois estas foram fixadas aquando do processo instaurado para esse efeito e por decisão judicial transitada em julgado, como até resulta muito claro e de forma expressa no disposto no artº 9º, nº 1 do Dec. Lei nº 164/99, pelo que o despacho que assim seja proferido não é passível de recurso, nos termos do artº 630º, nºs 1 e 2, do nCPC.

IV - Mas mesmo que se pudesse entender que esse tipo de despacho admite recurso, é manifesto que a lei que regula esta tramitação é a decorrente da OTM e do RGPTC (aprovado pela Lei nº 141/2015, de 8/09, que também revogou a OTM), com bem resulta, desde logo, do artº 1º, nº 1 da Lei nº 75/98, de 19/11, e da al. a) do nº 1 do artº 3º do D L nº 164/99, de 13/05.

Vejam-se neste sentido os artºs 1º, 3º e 17º, nº 2 do citado RGPTC.

V - Nos termos do artº 32º, nº 3 desse dito Regulamento o prazo de recurso e de apresentação das alegações respectivas é de 15 dias.

Decisão Texto Integral:




Na Comarca de Viseu - Lamego - Inst. Central - 2ª Sec. F. Men. - J1 correu termos a ação de incumprimento coercivo da prestação de alimentos com o nº 60/12.1TBCNF-B, em que figura como requerente o Ministério Público, em representação do menor D..., nascido a 22/09/2005, e como requerido R..., pai daquele, residente no lugar de ...

Nesse processo, por acórdão da Relação do Porto de 16/06/2014, devidamente transitado em julgado, foi determinado que o FGADM procedesse ao pagamento, em lugar do progenitor, a título de alimentos devidos ao menor D..., da quantia de € 75,00.

Em 23 de Janeiro de 2016 o FGADM enviou um ofício ao Tribunal solicitando que fosse dado cumprimento ao nº 4 do artº 9º do Dec. Lei nº 164/99, de 13/05... – fls. 42 deste apenso.

Em Fevereiro de 2016 a mãe do menor, Â..., fez juntar aos autos a declaração da Segurança Social e cópia do IRS de 2014, informando manterem-se as condições que levaram à fixação da prestação de alimentos devidos ao menor pelo FGADM.

Nessa sequência, por despacho judicial de 18/02/2016, notificado e recebido no Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social em 22/02/2016, foi decidido que “Compulsados os elementos agora juntos aos autos pela progenitora (com especial relevo para a declaração de IRS relativa ao ano de 2014, da qual não constam quaisquer rendimentos, e para a declaração do ISS.IP, segundo a qual a progenitora deixou de receber o RSI desde 25.08.2015) e não havendo notícia de alterações quanto à constituição do agregado familiar integrado pelo menor D... e ao incumprimento do pai, constata-se que se continuam a verificar os pressupostos que determinam a intervenção do FGADM previstos no n.º 1 do art. 3.º do DL n.º 164/99, de 13.05, assim como no DL n.º 70/2010, de 16.06, razão pela qual determino que a intervenção do Fundo de Garantia de Alimentos se mantenha nos exactos termos já decididos anteriormente.

Notifique o Ministério Público, o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social e os progenitores, devendo a mãe ser advertida de que, anualmente, deverá renovar a prova de que se mantêm os pressupostos subjacentes à atribuição da prestação por parte do Fundo (cfr. art. 3º, nº 6, da Lei 75/98, de 19 de Novembro e 9º, nº 4, do DL 164/99, de 13 de Maio).”.

                Na sequência dessa notificação veio o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, na sua qualidade de gestor daquele Fundo, em 01/04/2016, interpor recurso do dito despacho, alegando basica e unicamente a argumentação de que não pode concordar com a fixação do valor da dita prestação, designadamente face ao que foi decidido no Ac. Uniformizador de Jurisprudência de 19/03/2015, no sentido de que o valor da prestação a ser suportada pelo FGADM não pode execeder o valor da prestação a que o progenitor do menor está vinculado.


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            O Digno Agente do Ministério Público foi ouvido a propósito desta interposição de recurso, defendendo, além do mais, não dever ser admitido tal recurso, por estar fora de prazo, nos termos do nº 3 do artº 32º do RGPTC, na sua redação da Lei nº 141/2015, de 8/09 (por lapso escreveu Lei nº 137/2015, de 7/09).

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            De seguida foi proferido despacho judicial a não admitir o dito recurso, por se ter considerado que o mesmo é intempestivo, com a fundamentação constante das contra-alegações do M.º P.º.

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            É deste despacho que provem a presente reclamação, interposta pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social ao abrigo do artº 643º do nCPC, requerendo o reclamante que seja admitido o recurso por si interposto por, na sua tese, o prazo dessa interposição ser de 30 dias e não de 15 dias, como foi entendido na 1ª instância.

            Pelo que cumpre apreciar esta questão:

            Como decorre do artº 1º, nº 1 da Lei nº 75/98, de 19/11 (Lei da Garantia dos Alimentos Devidos a Menores), na sua redação da Lei nº 66-B/2012, de 31/12 (LOE/2013), quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor residente em território nacional não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artº 189º do D.L. nº 314/78, de 27/10 (OTM), e o alimentado não tenha rendimento ilíquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS) nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, o Estado assegura as prestações previstas na presente lei até ao início do efetivo cumprimento da obrigação.

            Essas prestações são fixadas pelo tribunal – artº 2º, nº 1, da Lei 75/98, e artºs 3º, nº 5 e 4º, nº 1 do Dec. Lei nº 164/99, de 13/05 – e o seu pagamento pelo Estado cessa no dia em que o menor atinja a idade de 18 anos – artº 1º, nº 1 da citada lei.

            Como resulta do supra exposto, no caso concreto em apeciação foi o valor da dita prestação a cargo do FGADM fixado em € 75,00, por acórdão da Relação do Porto, devidamente transitado em jugado, onde houve a oportunidade de judicialmente ser discutido, apreciado, ajuizado e fixado o dito montante, nos termos que então se tiveram em conta e de acordo com a lei então vigente.

            Esse montante perdura enquanto se verificarem as circunstâncias subjacentes à sua concessão e até que cesse a obrigação a que o devedor está obrigado – nº 4 do artº 3º da Lei nº 75/98, e artº 9º, nº 1, do Dec. Lei nº 164/99, de 13/05 -, sendo que compete a quem receber a prestação a renovação anual da prova de que se mantêm os pressupostos subjacentes à sua atribuição... – nº 6 do citado artº 3º da Lei nº 75/98, e artº 9º, nº 4 do Dec. Lei nº 164/99.

            A regulamentação da citada lei resulta do já referido Dec. Lei nº 164/99, de 13/5, com as alterações nela introduzidas, designadamente pelo Dec. Lei 70/2010, de 16/06, e Lei nº 64/2012, de 20/12.

            Os pressupostos e requisitos dessa atribuição resultam do seu artº 3, nºs 1, 2, 3 e 4.

            Resulta do artº 4º, nº 5 deste diploma que a prestação de alimentos é devida a partir do 1º dia do mês seguinte ao da decisão do tribunal.         

            Ou seja e para efeitos da presente apreciação, o que apenas cabe fazer ao tribunal, uma vez fixado judicialmente o montante das prestações a serem pagas pelo FGADM, é verificar anualmente se se mantêm ou não os pressupostos subjacentes à dita atribuição, em função da renovação anual dessa prova, não reapreciar ou eventualmente alterar o valor desse tipo de prestações, que será sempre aquele que foi judicialmente fixado, por decisão transitada em julgado.

            O que equivale a dizer que esta verificação não passa de uma apreciação administrativa ou de mero expediente quanto os chamados pressupostos da atribuição das ditas prestações, não se fazendo, cada novo ano, uma reapreciação ou fixação do valor das prestações, pois estas foram fixadas aquando do processo instaurado para esse efeito e por decisão judicial transitada em julgado, como até resulta muito claro e de forma expressa no disposto no artº 9º, nº 1 do Dec. Lei nº 164/99, pelo que o despacho que assim seja proferido não é passível de recurso, nos termos do artº 630º, nºs 1 e 2, do nCPC.

            É apenas um despacho de mero expediente, para verificação da verificação dos pressupostos da atribuição das prestações, em função da obrigação imposta pelo artº 3º, nº 6, da Lei nº 75/98 e pelo artº 9, nº 4, do citado D.L.

            Mas mesmo que se pudesse entender que esse tipo de despacho admite recurso, é manifesto que a lei que regula esta tramitação é a decorrente da OTM e do RGPTC (aprovado pela Lei nº 141/2015, de 8/09, que também revogou a OTM), com bem resulta, desde logo, do artº 1º, nº 1 da Lei nº 75/98, de 19/11, e da al. a) do nº 1 do artº 3º do D L nº 164/99, de 13/05.

            Vejam-se neste sentido os artºs 1º, 3º e 17º, nº 2 do citado RGPTC.

            Ora, nos termos do artº 32º, nº 3 desse dito Regulamento o prazo de recurso e de apresentação das alegações respectivas é de 15 dias, pelo que sendo o despacho proferido de 18/02/2016 e tendo sido notificado ao FGADM em 22/02/2016, torna-se manifesto que em 01/04/2016, data da interposição do recurso em causa, há muito que estava esgotado o referido prazo de 15 dias, razão pela qual decidiu correctamente o Tribunal a quo ao não ter recebido o recurso interposto, decisão que se corrobora, até pelos fundamentos que referimos, não fazendo qualquer sentido a interposição do citado recurso e muito menos o seu objecto – com o devido respeito por opinião contrária.

            Face ao que se mantém o despacho reclamado (de não admissão de recurso), não só pelo seu fundamento mas também porque se entende não ser passível de recurso o despacho recorrido.

            Sem custas.

                                               Tribunal da Relação de Coimbra, em 19/09/2016


Jaime Carlos Ferreira