Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | FONTE RAMOS | ||
Descritores: | DIREITO DE PREFERÊNCIA CONFINÂNCIA DESTINO DO PRÉDIO SENTENÇA NULIDADE | ||
Data do Acordão: | 05/10/2016 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | COMARCA DE VISEU - LAMEGO - INST. LOCAL - SECÇÃO CÍVEL - J1 | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTS. 416, 418, 1380, 1381 CC, 607, 662 CPC | ||
Sumário: | 1. O prazo previsto no art.º 607º, n.º 1, do CPC, é meramente ordenador ou procedimental, porquanto, estabelecendo um limite temporal para a prolação da decisão, o seu incumprimento não determina a invalidade da decisão, nem a nulidade do processo, sendo apenas susceptível de implicar responsabilidade disciplinar. 2. A Relação poderá/deverá alterar a decisão de facto se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa (art.º 662º, n.º 1, do CPC). 3. O proprietário de prédio confinante deixa de gozar do direito de preferência sempre que o adquirente do prédio sobre o qual quer exercer esse direito o destine a algum fim que não seja a cultura (art.º 1381º, alínea a), do CC). 4. Destinar o comprador o prédio que está ou vai adquirir a fim diverso do de cultura não tem de constar de escritura e é passível de prova a produzir pelo adquirente, sendo para o efeito irrelevante que os documentos apresentados e obtidos para consecução do fim pretendido o tenham sido apenas depois da instauração da acção. 5. Para excluir o direito de preferência é ainda necessário que essa mudança de destino seja legalmente possível. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I. Em 09.01.2013, E (…) e mulher, M (…), intentaram a presente acção declarativa sumária contra M (…) e marido, F (…) (1ºs Réus), e A (…) e mulher, M (…) (2ºs Réus), pedindo: que seja declarado que os AA. são confinantes do prédio rústico identificado no art.º 5º da petição inicial (p. i.); que seja declarado que os AA. são titulares de um direito legal de preferência sobre o identificado imóvel, vendido pelos 1ºs Réus aos 2ºs Réus; o cancelamento do correspondente registo da inscrição a favor dos 2ºs Réus e a sua substituição por um registo de propriedade a favor dos AA.; o reconhecimento da desvalorização do terreno em causa no montante de € 2 000 e consequente lucro em igual montante dos 2ºs Réus; a fixação dos valores a serem pagos pelo exercício do direito de preferência. Alegaram, em síntese: são proprietários de um prédio confinante do prédio que os 1ºs Réus venderam aos 2ºs Réus, e estes não o são, sendo que o seu prédio tem área inferior à unidade de cultura fixada para a região; tiveram conhecimento da celebração do negócio de compra e venda cerca de 15 dias antes da propositura da presente acção; os 2ºs Réus cortaram pinheiros em quantidade correspondente ao valor de € 2 000, tendo desvalorizado o prédio nesse mesmo montante. Os 2ºs Réus contestaram, invocando que compraram o referido prédio para fim diferente da sua cultura (a aquisição prendeu-se com o facto de necessitarem de dar apoio - a nível logístico - aos vários pomares que têm nas imediações, nomeadamente tendo um armazém onde pudessem guardar tractores, alfaias agrícolas, adubos, produtos fitofarmacêuticos, etc.); pelo corte dos pinheiros que fizeram no referido terreno, em Outubro de 2012, apenas receberam a quantia de € 300. Concluíram pela improcedência da acção e, para a hipótese da eventual procedência do pedido dos AA., pediram, por via reconvencional, a condenação dos AA. no pagamento das demais despesas que tiveram com a questionada aquisição. Foi proferido despacho saneador e delimitada a matéria de facto (assente e controvertida). Efectuado o julgamento, o Tribunal a quo, por sentença de 12.8.2015, julgou a acção totalmente improcedente, por não provada, absolvendo os 2ºs Réus dos pedidos. Inconformados, pugnando pela revogação da sentença e a condenação dos Réus no pedido, os AA. interpuseram a presente apelação, formulando as seguintes conclusões: (…) Os Réus não responderam à alegação de recurso. Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto do recurso, importa apreciar e decidir, sobretudo: a) nulidade da sentença; b) erro na apreciação da prova; c) decisão de mérito (maxime, se se verificam os requisitos da invocada exclusão do direito de preferência). * II. 1. A 1ª instância deu como provados os seguintes factos: a) Pela ap. 4 de 21/03/2005, encontra-se registada a aquisição por compra, a favor do A., do prédio rústico de pinhal com área de 9100 m2, situado em Quinta (...) , freguesia de (...) , a confrontar do norte com (...) e caminho, de sul, nascente e poente, com (...) , descrito na Conservatória do Registo Predial (CRP) de (...) sob o n.º 7551/20031007 e inscrito na respectiva matriz predial sob o art.º 625. b) Por escritura pública denominada “Compra e Venda”, no dia 24.8.2012, no cartório notarial de Tarouca, da notária (...) , a 1ª Ré, com o consentimento do 1º Réu, declarou vender e o 2º Réu declarou comprar “pelo preço global de quatro mil e quinhentos euros, que já recebeu, o prédio rústico composto de pinhal, sito no Lugar ou Quinta do (...) , freguesia de (...) , concelho de (...) , descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o n.º 286, aí registado a seu favor pela ap. 1206, de 22/08/2012, inscrito na matriz sob o artigo 626, com o valor patrimonial de IMI de € 49,38 e IMT de € 77,03.” c) Pela ap. 2477, de 27/08/2012 encontra-se registada por compra, a favor do 2º Réu, o prédio rústico descrito em II. 1. b), de pinhal, com área de 1050 m2, situado em Quinta do (...) , freguesia de (...) , a confrontar de Norte e Poente, caminho, de Sul com (...) e nascente com (...) . d) Antes do referido em II. 1. b), os 1ºs Réus não comunicaram aos AA. que pretendiam vender o prédio ali referido, nem perguntaram aos AA. se pretendiam adquirir aquele prédio. e) Os prédios referidos em II. 1. a) e b) confrontam entre si. f) Pela escritura referida em II. 1. d), os 2ºs Réus pagaram € 225 de IMT e € 36 de Imposto de Selo. g) Pela ap. 3389 de 31/07/2009, encontra-se registada a aquisição por compra em processo de insolvência, a favor do 2º Réu, do prédio rústico de pinhal, com área de 5400 m2, situado em Castinçais, freguesia de (...) , a confrontar do Norte e Poente com (...) , do Sul com (...) e Nascente com (...) , descrito na CRP de (...) sob o n.º 886/20071203 e inscrito na respectiva matriz predial rústica sob o art.º 559. h) Os 2ºs Réus dedicam-se à fruticultura, fazendo disso o seu modo de vida. i) O prédio descrito em II. 1. b) e c) e o prédio descrito em II. 1. g) são separados por um caminho. j) E têm pomares nas imediações. k) A aquisição do prédio referido em II. 1. b) e c) destina-se a dar apoio aos pomares a nível logístico, nomeadamente com a construção de um armazém para guardar tractores e adubos. l) Em 07.8.2013 foi emitido, pela Câmara Municipal de Armamar, o Alvará de Obras de Construção com o n.º 15/13, “em nome de (…), portador do BI n.º 2419073, e número de contribuinte 154314994, que titula a aprovação de obras que incidem sobre o prédio sito em (...) OU QUINTA DO (...) , da freguesia de (...) , descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o n.º 286/19890320 e inscrito na matriz predial rústica sob o art. n.º 626 da respectiva freguesia. (…) A edificação destina-se a: Armazém agrícola.” m) Os 2ºs Réus despenderam com a outorga da escritura a quantia de € 221,04. n) E pagaram à Sr.ª Solicitadora que assessorou o negócio a quantia de € 301,35. o) E € 100 pelo registo predial. p) O corte dos pinheiros no prédio identificado em II. 1. b) e c) ocorreu em data que se situa entre Setembro e Outubro de 2012. 2. E deu como não provado: a) Já na pendência da acção, os 2ºs Réus procederam ao corte e venda de cerca de 200 toneladas de pinheiros. b) E obtiveram um lucro no mínimo de € 2 000. c) O caminho referido em II. 1. i) é um caminho agrícola. 3. Cumpre apreciar e decidir com a necessária concisão. Decorre do explanado no ponto I, supra, que a sentença foi proferida já no domínio de aplicação do Código de Processo Civil (CPC) de 2013[1] (cf. os art.ºs 5º e 8º da Lei n.º 41/2013, de 26.6) e que a Mm.ª Juíza a quo não respeitou o prazo de prolação da sentença previsto no n.º 1 do art.º 607º (30 dias), ultrapassando-o em muito. Independentemente do que transparece dos autos quanto à situação pessoal da Mm.ª Juíza que presidiu ao julgamento e proferiu a sentença (cf., v. g., fls. 71 a 75 e 126) - o que ultrapassa o objecto do presente recurso -, afigura-se inequívoco que não é possível concluir que “a sentença em crise [esteja] ferida de vício de nulidade” pelas razões enunciadas nas “conclusões 1ª, 2ª, 13ª e 14ª”/ponto I, supra. Tal pretensa “nulidade” não se encontra prevista no art.º 615º, n.º 1. Os recorrentes não requereram a repetição dos actos ao abrigo do disposto no art.º 605º, n.º 1, 2ª parte, sendo que a Mm.ª Juíza a quo esteve de baixa médica, seguida de licença de maternidade e veio a ser transferida; esta Magistrada presidiu à audiência de julgamento (e os depoimentos prestados em audiência final foram registados) e proferiu a sentença nos termos do art.º 605º, n.º 4. O prazo previsto no art.º 607º, n.º 1, é um prazo meramente ordenador ou procedimental, porquanto, estabelecendo um limite temporal para a prática de um acto, ou para a prolação de uma decisão, o seu incumprimento não determina a invalidade do acto ou da decisão, nem a nulidade do processo, sendo apenas susceptível de implicar responsabilidade disciplinar. [2] Ora, se é inquestionável que na situação em análise foi violado o direito a uma decisão judicial “em prazo razoável” (art.º 20º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa), vertido no processo civil como princípio da tutela jurisdicional efectiva, visando a realização do direito (art.º 2º), não obstante, ante o descrito circunstancialismo e tratando-se, como se disse, de um prazo meramente ordenador, do seu desrespeito jamais poderão advir as consequências invocadas pelos recorrentes. 4. Depois, dizem os recorrentes que a sentença padece de vício previsto no art.º 615º, n.º 1, alínea c), em virtude dos seus fundamentos estarem em oposição com a decisão - os factos dados como provados sob os n.ºs 2 e 11 entram em frontal contradição com a motivação da sentença, que contradiz uns e outros na sua fundamentação, pois ao invés de concluir que a intenção dos 2ºs RR. em construir um armazém agrícola no terreno em causa apenas se manifestou já na pendência da acção, o Tribunal a quo decide que a intenção dos 2ºs RR. terá sido sempre, inclusive na data da escritura, a de proceder a tal construção. Reza o referido normativo que é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível. O vício em causa verifica-se sempre que exista contradição dos fundamentos com a decisão, quanto os fundamentos de facto e de direito invocados conduzirem logicamente a resultado oposto ou diverso daquele que integra o respectivo segmento decisório, ou se ocorrer alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível. Isso significa que os fundamentos de facto e de direito da sentença devem ser logicamente harmónicos com a pertinente conclusão ou decisão e que tal se não verifica quando haja contradição entre esses fundamentos e a decisão nos quais assenta. Contudo, uma coisa é a contradição lógica entre os fundamentos e a decisão da sentença [vício na construção da sentença, vício lógico nessa peça processual], e outra, essencialmente diversa, o erro de interpretação dos factos ou do direito ou na aplicação deste [a errada valoração da prova produzida ou errada determinação ou interpretação das normas legais aplicáveis/o erro de julgamento/a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário] que não raro se confunde com aquela contradição.[3] Perante o descrito enquadramento e analisada a sentença sob censura é manifesto que a mesma não sofre do mencionado vício, sendo que a decisão sobre a matéria de facto também se encontra fundamentada, a fls. 81 a 84, de forma lógica, suficiente (procedendo-se à análise crítica das provas e especificando-se as concretas razões que conduziram a essa decisão) e inteligível. Improcede, assim, a invocada “nulidade”, que não se confunde com eventuais falhas/erros da decisão de facto ou “erros de julgamento”. (…) Improcede, assim, a pretensão dos apelantes de verem modificada a decisão de facto. 6. Os proprietários de terrenos confinantes, de área inferior à unidade de cultura, gozam reciprocamente do direito de preferência nos casos de venda, dação em cumprimento ou aforamento de qualquer dos prédios a quem não seja proprietário confinante (art.º 1380º, n.º 1, do CC), sendo aplicável ao direito de preferência conferido neste artigo o disposto nos artigos 416º a 418º e 1410º, com as necessárias adaptações (n.º 4, do mesmo art.º). A Mm.ª Juíza a quo considerou, em síntese, que pese embora se encontrassem preenchidos, relativamente ao prédio identificado em II. 1. b) e c), supra, os pressupostos do exercício, pelos AA., do direito de preferência em causa, o certo é que ocorria a excepção a tal exercício, a que alude o art.º 1381º, alínea a), 2ª parte, do CC, com a consequente exclusão do direito de preferência dos AA. sobre a alienação do referido prédio. É precisamente sobre o entendimento de que se verifica tal excepção, que os apelantes mostram o seu inconformismo neste recurso (desde logo, como vimos, em sede de impugnação da decisão sobre a matéria de facto). 7. Pese embora se reconheça que a problemática em apreço não é isenta de dificuldades, quer na configuração da realidade relevante, quer no respectivo enquadramento normativo, afigura-se, salvo o devido respeito por entendimento contrário, que a situação dos autos preenche os requisitos para dar por verificada a invocada excepção, suficiente para afastar o invocado direito de preferência. Na sentença recorrida, afirmou-se que se encontravam preenchidos, relativamente ao aludido prédio, os pressupostos do exercício, pelos AA., do direito de preferência em causa (art.º 1380º, do CC), o que não suscita quaisquer problemas. Preceitua o art.º 1381º, alínea a), do CC (sob a epígrafe “casos em que não existe o direito de preferência”), que não gozam do direito de preferência os proprietários de terrenos confinantes quando algum dos terrenos constitua parte componente de um prédio urbano ou se destine a algum fim que não seja a cultura. Quer isto dizer que o proprietário do prédio confinante deixa de gozar do seu direito de preferência, sempre que o adquirente do prédio sobre o qual quer exercer esse direito, o destine a algum fim que não seja a cultura. A norma torna claro que a excepção ocorre quando o adquirente do prédio o destine a algum fim que não seja a cultura, donde resulta que para que o direito de preferência se possa exercer, é necessário que a finalidade da aquisição seja a cultura agrícola. Estando na base do direito de preferência, neste âmbito, promover o emparcelamento rural de forma a tornar mais vantajosas as condições de aproveitamento fundiário das propriedades agrícolas, não se destinando a aquisição a prosseguir na exploração agrária do terreno, não se vê qualquer razão para conceder essa preferência aos proprietários dos prédios confinantes.[6] 8. O fim que releva, para efeitos de aplicação da mencionada excepção da alínea a) do art.º 1381º, do CC, não é aquele a que o terreno esteja afectado à data da alienação, mas antes o que o adquirente pretenda dar-lhe. Este fim não tem de constar necessariamente da escritura de alienação, podendo ser demonstrado por qualquer meio de prova, incumbindo o ónus dela a quem pretenda aproveitar-se da excepção. O destino do terreno há-de constar de um propósito imediato e revelar-se por elementos objectivos, sendo irrelevante o que a esse respeito se mencione na escritura de alienação. Ou seja, destinar o comprador o prédio que está ou vai adquirir a fim diverso do de cultura não tem de constar de escritura e é passível de prova a produzir pelo adquirente.[7] 9. Tendo-se provado, in casu, que a aquisição do prédio referido em II. 1. b) e c), supra, destina-se a dar apoio aos pomares dos 2ºs Réus a nível logístico, nomeadamente com a construção de um armazém para guardar tractores e adubos e, ainda, que em 07.8.2013 foi emitido, pela Câmara Municipal de Armamar, o ”Alvará de Obras de Construção com o n.º 15/13”, em nome do 2º Réu, que titula a aprovação de obras que incidem sobre o mesmo prédio, destinando-se tal edificação a “armazém agrícola” [cf. II. 1. alíneas k) e l), supra], e, assim, que os 2ºs Réus não destinaram o mencionado prédio a qualquer espécie de cultura, parece-nos evidente que o facto impeditivo do direito de preferência a que se refere a disposição evidenciada, ocorre, na realidade. 10. Ainda que possamos considerar que tudo seria diferente caso a compra do prédio tivesse como finalidade o cultivo agrícola, constituindo o armazém um mero complemento de tal actividade - nessa circunstância, poder-se-ia sustentar que não procederia a excepção -, verifica-se que tal não se provou, tendo-se antes demonstrado que a aquisição do prédio teve o propósito de o comprador nele proceder à construção de um armazém para guardar tractores e adubos, dando dessa forma apoio aos pomares dos 2ºs Réus, a nível logístico, existentes nas proximidades. A finalidade da compra do terreno não é o cultivo agrícola, o que leva à verificação do caso de exclusão do direito de preferência.[8] 11. Dir-se-á, por último, que para a exclusão do direito de preferência não é necessário que a afectação do prédio a fim diferente exista já ao tempo da alienação. O fim relevante, para a aplicação da referida excepção, é aquele que o adquirente pretende dar ao terreno, mesmo que essa intenção não conste da respectiva escritura, devendo, todavia, esse elemento subjectivo ter concretização na factualidade apurada. E porque também não basta a mera intenção de afectação do prédio a fim diferente do da cultura para afastar o direito de preferência, é ainda necessário que essa mudança de destino seja legalmente possível, sob pena de se poder dar relevo jurídico a simples manifestações subjectivas de vontade, quiçá ficcionadas, que fariam precludir a norma-regra do direito de preferência do proprietário confinante. 12. No caso em análise, ficou provado que os 2ºs Réus pretendem construir um armazém no referido prédio e que já detêm o alvará para construção do mesmo, o que desde logo indica que a mudança de destino do prédio é legalmente possível[9]. Ademais, e visto algum do arrazoado agora invocado [v. g., nas “conclusões 23ª e 24ª” (ponto I, supra), e não, obviamente, perante o Tribunal recorrido], também não se demonstra que a legalidade do dito alvará, emitido pela entidade competente, possa estar de algum modo afectada.[10] 13. Fica, pois, demonstrado não apenas que a aquisição se destine a qualquer outro fim que não seja a cultura, mas também que o fim que o adquirente pretende dar ao terreno tem suficiente reflexo na demais factualidade, inclusive, no tocante à conduta do 2º Réu, porquanto a intenção de se dar determinado destino, diferente da cultura, teve nos autos concretização e prova bastante. 14. Porque os recorridos/2ºs Réus adquiriram o prédio em causa para um fim que não a cultura, mostra-se preenchida a excepção da alínea a), in fine, do art.º 1381º, do CC, soçobrando, desta forma, as “conclusões” da alegação de recurso. * III. Face ao exposto, julga-se improcedente a apelação e confirma-se a sentença recorrida. Custas pelos AA./apelantes. * 10.5.2016
Fonte Ramos ( Relator) Maria João Areias Fernanda Ventura [1] Diploma a que pertencem as disposições doravante citadas sem menção da origem. [2] Cf., neste sentido, o acórdão da RC de 27.3.2012-processo 60/09.9T2SVV.C1, publicado no “site” da dgsi. [4] Vide, entre outros, Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, págs. 284 e 386 e Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, Vol. II, 4ª edição, 2004, págs. 266 e seguinte. [7] Vide, designadamente, Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, Vol. III, 2ª edição (Reimpressão), Coimbra Editora, 1987, pág. 276; J. Rodrigues Bastos, Notas ao Código Civil, Vol. V, 1997, Editora Rei dos Livros, pág. 139 e Henrique Mesquita, Direito de Preferência, in CJ, XI, 5, 49 e, de entre vários, os acórdãos do STJ de 18.01.1994, 15.12.1998-processo 98A97, 17.12.2002-processo 02A4060, 09.01.2003-processo 02B3914 e 11.12.2008-processo 08B3602, in CJ-STJ, II, 1, 46 (e BMJ 433º, 481) e “site” da dgsi, respectivamente; da RP de 02.10.1997-processo 9730781 e 14.02.2000-processo 9951414 e da RC de 16.3.2004-processo 50/04, publicados no “site” da dgsi. [9] Como tem sido entendido pelo STJ, «sob pena de se defraudar a intenção do legislador, (…) o destino pretendido para o terreno há-de ser legalmente possível. ´Se assim não fosse ficaria na livre disponibilidade do adquirente a exclusão do direito de preferência que, com a simples manifestação de um desejo, faria precludir o exercício desse direito`» – Cf., entre outros, os acórdãos do STJ de 14.3.2002, in CJ-STJ, X, 1, pág. 133, de 09.01.2003-processo 02B3914, cit., 18.3.2003-processo 02A4722 e 11.12.2008-processo 08B3602, estes, publicados no “site” da dgsi. |