Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00267/10.6BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/20/2022
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:LIQUIDAÇÃO DE IMT,
ISENÇÃO,
ÓNUS DA PROVA
Sumário:I – O ónus da prova do direito de liquidar IMT cabe a quem invoca o facto constitutivo do direito – cfr. artigo 74.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária.
II - Se a Administração Tributária não fizer prova do bem fundado da formação do seu juízo, a questão relativa à legalidade do seu agir terá de ser resolvida contra ela, sem necessidade de ir analisar se a Impugnante logrou ou não provar, em tribunal, a veracidade da declaração.
Recorrente:..., U.C.R.L.,
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Impugnação - Reclamação graciosa. - 1ª espécie - Recursos jurisdicionais [Del. 2186/2015]
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Foi emitido parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
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Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
I. Relatório
A..., U.C.R.L., pessoa colectiva n.º 50...950, com sede no ..., interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, proferida em 17/12/2020, que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial que visou as decisões de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra as liquidações adicionais de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) e de Imposto de Selo (IS) e respectivos juros compensatórios, referentes ao ano de 2005, e relativas à aquisição do prédio rústico denominado “Bouça da ...”, sito no ..., inscrito na matriz predial rústica respectiva sob o artigo ..., no montante global de €35.204,24.
A sentença recorrida anulou apenas as liquidações de IS, no valor de €3.280,00, e os respectivos juros compensatórios, no montante de €578,00, tendo a Representação da Fazenda Pública interposto recurso somente da parte referente à condenação em custas. Porém, o tribunal recorrido acolheu tal pedido de reforma e alterou essa parte do segmento decisório, segundo o determinado no despacho judicial proferido em 17/06/2021, a fls. 290 do SITAF, passando a constar, após rectificação, “custas pelas partes, na proporção do respectivo decaimento que se fixa em 10,95% a cargo da Fazenda Pública e 89,05% a cargo da Impugnante.”
Nesta conformidade, foi apenas admitido o recurso da impugnante, cujo objecto se reconduz à liquidação adicional de IMT e respectivos juros compensatórios.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
1. No momento da aquisição do prédio inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ..., em 2005, a recorrente, enquanto cooperativa, declarou na escritura pública de compra e venda que era sua pretensão afectar o imóvel à construção da sua sede e ao exercício das actividades desenvolvidas no âmbito do seu objecto social.
2. A declaração da recorrente, tendente à verificação dos pressupostos de que a lei fazia depender a isenção de IMT, presume-se verdadeira e de boa-fé, de acordo com o artigo 75.º da LGT, e a recorrente demonstrou que reunia os requisitos de isenção nos termos do n.º 1 do artigo 74.º da LGT.
3. Foi com base nestas declarações de 2005 que à recorrente foi concedida a isenção de IMT, como resulta do ponto n.º 3 dos factos provados.
4. Quando a AT notificou a recorrente, em 2009, da liquidação adicional de IMT relativa à aquisição daquele imóvel, cabia-lhe o ónus de demonstrar factos que pudessem suportar o acto de liquidação adicional.
5. Como é entendimento unânime da jurisprudência, quando seja a Administração Fiscal a praticar um acto, designadamente, um acto tributário de liquidação, fundado na existência de determinado facto tributário, não deixa de ser ela a ter que provar tal existência, pressuposto da sua actuação.
6. O ónus da prova não sofreu alteração pelo simples facto de a recorrente surgir em processo judicial de impugnação na posição formal de autor, ao impugnar judicialmente o acto da Administração.
7. Para aferir a repartição do ónus da prova no processo, há que distinguir consoante o acto impugnado tem conteúdo positivo ou negativo: se a Administração responde por impugnação, alegando que não se preencheram os pressupostos da pretensão do interessado, cabe a este o risco da falta de prova do preenchimento dos pressupostos; se a Administração responde por excepção, invocando a existência de factos impeditivos, modificativos ou extintivos da pretensão do administrado, é sobre a Administração que recai o risco da falta da respectiva demonstração.
8. A AT nunca procurou abalar a dupla presunção de veracidade das declarações prestadas pela recorrente no momento da aquisição, nem alegou que a recorrente nunca preencheu os requisitos necessários à concessão daquela isenção.
9. A AT alegou, pelo contrário, que a recorrente destinou o imóvel a um fim diferente do inicialmente pretendido, o que constitui defesa por excepção, cabendo-lhe, pois, o ónus da prova da alteração desse fim inicial – alteração que não logrou provar.
10. A constatação de que em 22/09/2009 nada havia sido ainda construído no terreno em causa apenas prova que o prédio ainda não foi edificado e não pode servir de prova de que a recorrente deu ao terreno um destino diferente do que se propunha.
11. Pelo contrário, resulta da prova junta aos autos que a recorrente levou avante a sua intenção de afectar o imóvel à sua actividade, ao celebrar um contrato de empreitada para a construção do edifício sede, que apenas não se concretizou por motivo de declaração de insolvência da empreiteira.
12. O acordo entre a recorrente e a Junta de Freguesia de ... é irrelevante, não só porque as menções de um documento particular assinado em 2004 não podem afastar as declarações constantes de escritura de compra realizada em 2005, como porque nada impedia a recorrente de afectar vários imóveis ao exercício da sua actividade.
13. Por fim, a transferência de parte da actividade industrial da recorrente para a L... também não constitui um facto capaz de abalar a declaração de que o imóvel se destinava à instalação da sua sede e de todos os seus serviços de apoio e acção social.
14. O entendimento de que a isenção de IMT prevista no artigo 10.º do Estatuto Fiscal Cooperativo se restringe apenas à actividade industrial não encontra qualquer suporte na lei, nem no espírito do legislador.
15. O artigo 10.º do Estatuto Fiscal Cooperativo abrange claramente todas as actividades que constituam o objecto social da cooperativa.
16. É ao serviço destes fins que a recorrente pretende colocar o imóvel adquirido, ao nele construir o “Edifício Sede”, o “Edifício Laboratorial” e o “Departamento de Transportes”, sendo que a existência de áreas de natureza acessória, como o auditório, a área museológica, a cantina e a área de equipamento desportivo, estão também amplamente ao serviço da finalidade de satisfazer as necessidades dos seus membros e os interesses da comunidade onde desenvolve a sua actividade.
17. A AT não logrou provar que os benefícios fiscais atribuídos em 2005 caducaram em certo momento, por ter sido dado ao imóvel um destino não relacionado com a sua sede e com o exercício das actividades enquadradas no seu objecto social.
18. Da prova produzida resultou, no mínimo, fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, pelo que, de acordo com o artigo 100.º do CPPT, a impugnação devia ter sido julgada procedente e, consequentemente, ter sido anulada a liquidação adicional de IMT.
19. A douta sentença recorrida violou o artigo 10.º, nº 1, do Estatuto Fiscal Cooperativo, os artigos 74º, nº 1, e 75º da LGT e o artigo 100.º do CPPT.
TERMOS EM QUE DEVE A SENTENÇA RECORRIDA SER REVOGADA E SUBSTITUÍDA POR DECISÃO QUE ANULE A LIQUIDAÇÃO ADICIONAL DE IMT E JUROS COMPENSATÓRIOS RELATIVA AO ANO 2005 E REFERENTE À AQUISIÇÃO DO PRÉDIO DENOMINADO “..., INSCRITO NA MATRIZ PREDIAL RÚSTICA SOB O ARTIGO ....”
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Não houve contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
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Com dispensa dos vistos legais, tendo-se obtido a concordância dos Meritíssimos Juízes-adjuntos, nos termos do artigo 657.º, n.º 4 do CPC; submete-se o processo à Conferência para julgamento.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa analisar se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao considerar não se encontrarem reunidos os requisitos para aplicar a isenção de IMT prevista no artigo 10.º do Estatuto Fiscal Cooperativo, por violação dos artigos 74.º, n.º 1 e 75.º, ambos da LGT e do artigo 100.º do CPPT.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto
Na sentença prolatada em primeira instância consta a seguinte decisão da matéria de facto:
“Factos provados:
1. Em 4.3.2005 a A... adquiriu, por escritura pública de compra e venda, lavrada no Segundo Cartório Notarial de ..., pelo preço de €410.000,00 (quatrocentos e dez mil euros), um prédio rústico denominado "Bouça da ...", sito no Lugar da ..., na Freguesia de ..., concelho de Póvoa de Varzim, descrito na Conservatória de Registo Predial competente sob o n.º ... e inscrito no artigo no ... da matriz predial rústica respetiva - cfr. fls. 20 a 23, dos autos;
2. Na qual declarou que o mesmo se destinava à "instalação da sua sede e de todos os seus serviços de apoio e de acção social" - cfr. fls. 20 a 23, dos autos;
3. Nessa aquisição a impugnante beneficiou de isenção de IMT e de Imposto do Selo - facto não controvertido;
4. Em 11.09.2008 foi iniciado pelos Serviços de Inspeção Tributária (SIT) da Direção de Finanças do ..., ao abrigo da ordem de Serviço n.º 01...031, ação de inspeção externa de âmbito geral à A..., por referência ao exercício de 2005 - cfr. processo administrativo (PA) em anexo;
5. No âmbito da referida inspeção foi elaborado o relatório de inspeção tributária, de fls. 28 a 40, do PA, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
6. Em 24.08.2009, a A... foi notificada de uma liquidação adicional em IMT, Imposto do Selo e respetivos juros compensatórios, no montante global de €35.204,24 (trinta e cinco mil duzentos e quatro euros e vinte e quatro cêntimos), decomposto da forma seguinte: €26.650,00 (IMT); €4.696,24 (juros compensatórios pelo atraso na liquidação do IMT); €3.280,00 (Imposto do Selo); e €578,00 (juros compensatórios pelo atraso na liquidação de Imposto do Selo) - cfr. fls. 31 e ss., dos autos;
7. A A... deduziu reclamação graciosa - cfr. PA;
8. A qual foi objeto de despacho de indeferimento, nos termos de fls. 34 a 36, do PA, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
9. Em 22.09.2009 no imóvel em causa não havia qualquer construção ou edificação - conforme registos fotográficos sob Doc. n.º 6;
10. A A..., em 31.03.2004, procedeu à aquisição de um conjunto de prédios rústicos sitos na freguesia de ..., concelho de Póvoa de Varzim, tendo em vista a sua afetação ao desenvolvimento de um complexo industrial, comercial e de apoio à lavoura, onde funcionariam também as suas instalações, ao abrigo de um acordo celebrado entre a A... e a Junta de Freguesia de ... - cfr. fls. 47 e ss., dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
11. De acordo com o artigo 4, dos seus Estatutos, a A... tem como objetivo a defesa dos "interesses comuns das cooperativas agrupadas, desenvolver o espírito de cooperação e solidariedade das mesmas e, no sector leiteiro, exercer uma ação supletiva e/ou complementar das atividades técnicas e económicas daquelas" - cfr. Doc. nº 8;
12. Em 27.12.1996, foi celebrado um contrato entre a A..., a L... U.C.R.L, a Proleite/Mimosa — Distribuição e Comércio, S.A., a P..., S.A., a P..., C.R.L. e a L..., nos termos do qual se procedeu à concentração das atividades e estruturas de transformação industrial e de distribuição/comercialização para a esfera desta última - cfr. Doc n.º 9;
13. Pelo aludido contrato, a A... transferiu toda a sua atividade industrial para a L..., passando a mesma a ser exercida única e exclusivamente por parte desta Empresa - acordo;
14. A A... celebrou um contrato de empreitada, em 29.11.2007, com a M..., S.A., que tinha por objeto “a empreitada de edifício sede - acabamentos e do descrita na cláusula 12” - cfr. doc. 10;
15. Em 24.03.2009, foi proferida sentença de declaração de insolvência da M..., conforme Aviso n.º 24...09, publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º 58, pelo 2.º Juízo do Tribunal de Comércio de ... - cfr. Doc. n.º 11;
16. Do referido relatório de inspeção tributária, além do mais, consta o seguinte:
(…) Por escritura pública de compra e venda lavrada no Segundo Cartório Notarial de ..., em 04/03/2005, a A... adquiriu a AA, pelo preço de €410.000,00, "o prédio rústico denominado "Bouça da ...", de bravio, sito no Lugar da ..., da freguesia de ..., do concelho da ..., descrito na conservatória do Registo Predial respectiva sob o numero ... da freguesia do ..., com registo da transmissão a favor da vendedora pela inscrição G-Dois, inscrito no artigo ... da matriz rústica respectiva, com o valor patrimonial de € 349,16" (anexo 1).
Esta aquisição foi aprovada pela Direcção da A... na Acta n.º 4/05 de 4/03/2005 (anexo 2).
Na referida escritura a A... declara que o prédio adquirido se destina à "instalação da sua sede e a todos os seus serviços de apoio e de acção social", tendo o acto em questão sido considerado isento de selo nos termos dos art.s 8.º e 10.º do EFC.
O registo contabilístico da referida aquisição foi efectuado através do documento CD 8, datado de 04/03/2005, e traduziu-se no débito da conta 421 - Terrenos, por contrapartida de uma subconta da conta 268 - outros Devedores e Credores, pelo valor de € 410.000,00.
No acordo celebrado em 31/3/2004 entre a A... e a Junta de Freguesia de ..., refere-se que a primeira se propõe desenvolver, nos terrenos adquiridos na referida freguesia, um complexo industrial, comercial e social de apoio à lavoura e onde também funcionarão as suas futuras instalações, nos prédios adquiridos (anexo 3).
Por outro lado, de acordo com o ponto 6.2 - Caracterização dos Sectores e das Construções, da memória descritiva do projecto, de que nos foi fornecido extracto (anexo 4), as construções e respectivas áreas brutas (em metros quadrados) são as seguintes:
Entradas no recinto: 250
Departamento de Transportes: 3.400
Edifício Laboratorial: 3.500
Edifício Sede: 2.700
Auditório: 6.300
Lar de idosos: 1.800
Edifício Cantina: 2.500 Ac...:3.700
Área Museológica:800
Rural Show: 2.500
Equipamento Desportivo: 1.650
Reserva para Equipamento: 1.500
TOTAL: 30.600
Desta forma, a A... adquiriu diversos prédios na freguesia do ..., entre eles o denominado da “...", tendo em vista o aproveitamento dos terrenos nos quais aqueles prédios estão implantados.
Para o desenvolvimento do referido complexo industrial, comercial e social de apoio à lavoura, onde funcionarão as suas futuras instalações, conforme consta do acordo celebrado entre a A... e a e a Junta de Freguesia de ....
Do descrito anteriormente, consideramos que, a aquisição do prédio em questão não está isenta de IMT contrariamente ao tratamento que foi dado pela A..., uma vez que de acordo com o art. 10.º do EFC, as cooperativas apenas estão isentas de IMT na aquisição de quaisquer direitos sobre imóveis destinados à sede e ao exercício das actividades que constituam o respectivo objecto social.
Ora, a A... não desenvolve actualmente qualquer actividade industrial, em virtude de ter transferido essa actividade para a L..., na sequência do processo de integração iniciado em 1996.
Por outro lado, no ponto 5.3 da memória descritiva do projecto, refere-se que no complexo em questão está prevista a construção do "Edifício... (sector H)", empresa esta que desenvolve a actividade de comércio por grosso de máquinas agrícolas, não se encontrando abrangida pela isenção de IMT prevista no art. 10º do EFC. Para além disso, estão previstas outras instalações para actividades não directamente ligadas à sua actividade, tais como o auditório, o lar de idosos, a área museológica e uma área de equipamento desportivo.
Quanto ao edifício-sede, para além da sede da cooperativa, deverá acolher a sede de outras empresas por ela detidas. (…).
Em face do exposto, propõe-se a liquidação de IMT, relativamente ao exercício de 2005, sobre o montante de € 410.000,00, à taxa de 6,5%, ao abrigo do art. 2.º e da alínea c) do n.º 1 do 17.º do CIMT (actual alínea i) do n.º 1 do art. 17.º do CIMT), uma vez que o contribuinte não pode beneficiar da isenção prevista no art. 10.º do EFC, em virtude de estar em causa a transmissão de imóveis para construção, não destinados exclusivamente à sede e ao exercício das actividades que constituem o respectivo objecto social. (…);
17. A A... recolhe o leite junto dos produtores e entrega-o à L... - prova testemunhal.
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Factos não provados: inexistem factos não provados com relevância para a decisão a proferir.
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Motivação:
A convicção do tribunal fundou-se com base na análise conjugada dos documentos juntos aos autos e no processo administrativo, conforme indicado ao longo dos factos provados, e ainda nos depoimentos das testemunhas inquiridas, examinados criticamente à luz das regras da experiência, valorados da forma seguinte:
A testemunha BB, que disse ter sido funcionário da Impugnante, por 55 anos, como diretor dos serviços administrativos, depôs de forma imprecisa, não esclarecendo qual era a finalidade dos terrenos em causa, pois ora disse ser para a sede, ora disse ser para a sede e projeto social, revelando insegurança no seu depoimento, não tendo, por isso, contribuído para a descoberta dos factos.
A testemunha CC, disse ser diretor do departamento de obras e conservação da união cooperativa e sobre o terreno em causa nestes autos disse que se destinava a fazer o acesso aos terrenos onde seriam as instalações da impugnante. Sobre os terrenos de ... disse que é onde se encontra a sede, instalações sociais, exposição de máquinas e animais e foi com esse objetivo que foram comprados estes terrenos. A testemunha disse que o terreno aqui em causa se mantem sem construção. O depoimento foi seguro, coerente e credível.
Foram também valorados os depoimentos das testemunhas arroladas pela Administração Tributária, da forma seguinte: as testemunhas de forma coerente corroboraram o teor do relatório de inspeção.”

2. O Direito
A Recorrente, embora tenha obtido procedência na anulação da liquidação de IS, insiste no pedido de anulação também do acto de liquidação adicional de IMT, referente ao ano de 2005, imputando-lhe, para o efeito, erro nos pressupostos, não se conformando com a decisão de primeira instância, desde logo, no que tange à repartição do ónus da prova.
No momento da aquisição do prédio inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ..., em 2005, a Recorrente, enquanto cooperativa, declarou na escritura pública que formalizou a compra e venda que era sua pretensão afectar o imóvel à construção da sua sede e ao exercício das actividades desenvolvidas no âmbito do seu objecto social.
Foi com base nessa declaração de 2005 que à Recorrente foi concedida a isenção de IMT – cfr. ponto 3 da decisão da matéria de facto.
Entretanto, a Recorrente foi submetida a uma acção inspectiva, tendo a AT reunido factualidade que, na sua óptica, sustentaria a liquidação adicional de IMT que foi notificada à Recorrente em 2009.
A sentença recorrida considerou que a AT motivou cabalmente a sua actuação e que, então, cabia à impugnante demonstrar a verificação dos pressupostos de que depende a isenção pretendida, e que, não o tendo feito, houve que ser valorada contra si a falta de demonstração desse facto. Concluindo, portanto, não se encontrarem reunidos os requisitos para aplicar a isenção em apreço.
Vejamos o julgamento assim realizado em primeira instância:
“(…) A impugnante alega que a escritura pública, ao conferir fé pública ao ato praticado, determina a presunção legal da verdade dos factos das declarações atribuídas aos seus autores naquele documento escrito, estando ainda prevista no n.º 1 do artigo 75, da Lei Geral Tributária uma presunção de veracidade das declarações dos contribuintes, cabendo à Administração Tributária a comprovação da afetação do aludido imóvel a um destino diferente, facto este que não ocorreu.
Vejamos.
Apesar do princípio da verdade declarativa, plasmado no artigo 75, da LGT, a Administração Tributária pode coligir factos capazes de abalar a presunção dessa veracidade.
Com efeito, no caso em apreço apesar de a impugnante ter declarado na escritura de aquisição do imóvel que o mesmo se destinava à "instalação da sua sede e de todos os seus serviços de apoio e de ação social", o certo é que a Administração Tributária reuniu factos que põem em causa tais declarações tais como:
- A A... não se encontrar a desenvolver qualquer atividade industrial em virtude da transferência dessa atividade para a esfera da L...;
- A A... ter procedido à aquisição de um conjunto de prédios rústicos tendo em vista a sua afetação ao desenvolvimento de um complexo industrial, comercial e de apoio à lavoura, onde funcionarão também as suas instalações.
Estas circunstâncias são aptas a pôr em causa a declaração da impugnante, ilidindo a presunção em causa, pelo que, não se verifica em concreto qualquer violação do princípio da veracidade das declarações dos contribuintes, nem violação do ónus da prova, improcedendo este argumento. (…)”
Neste recurso, a Recorrente acentua que, quando a AT lhe notificou, em 2009, a liquidação adicional de IMT relativa à aquisição daquele imóvel, cabia-lhe o ónus de demonstrar factos que pudessem suportar o acto de liquidação adicional. Aludindo ao entendimento unânime da jurisprudência: quando seja a Administração Fiscal a praticar um acto, designadamente, um acto tributário de liquidação, fundado na existência de determinado facto tributário, não deixa de ser ela a ter que provar tal existência, pressuposto da sua actuação.
Nos presentes autos, estamos perante um contencioso de mera legalidade, como é o caso do processo de impugnação judicial, onde o tribunal tem de quedar-se pela formulação do juízo sobre a legalidade do acto sindicado tal como ele ocorreu, apreciando a respectiva legalidade em face da fundamentação contextual integrante do próprio acto.
Observamos que o julgador em primeira instância ficou convencido sobre a existência dos pressupostos para a AT agir liquidando adicionalmente IMT, na medida em que não estariam reunidos os requisitos da norma em discussão no pleito, ou seja, previstos no artigo 10.º do Estatuto Fiscal Cooperativo, entendendo que a Recorrente não se encontraria abrangida, em concreto, pela isenção de IMT prevista nesse normativo, considerando legal a actuação decorrente da acção de fiscalização.
Sufragamos a ideia de que o ponto de partida para a interpretação das regras de repartição do ónus da prova deve ser feita por reporte à previsão da norma que consagra o direito invocado pela AT na fundamentação do acto. Situando-se o problema ao nível da subsunção dos factos à norma jurídica invocada, pois que as regras de repartição do ónus da prova devem ser interpretadas e aplicadas à luz do direito substantivo, onde cada litigante tem de provar todos os pressupostos, positivos e negativos, das normas favoráveis à sua pretensão – cfr. Miguel Teixeira de Sousa in “As Partes, o Objecto e a Prova na Acção Declarativa”, (1995), página 222.
A decisão recorrida aponta para um acolhimento directo dos factos reunidos pela AT, sem cuidar que, por força do disposto no artigo 346.º do Código Civil, à prova que for produzida pela parte sobre quem recai o ónus probatório, pode a parte contrária (in casu o contribuinte) opor contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torná-los duvidosos e, se o conseguir, a questão é decidida contra a parte onerada com a prova.
E, in casu, afigura-se-nos que a sentença acolheu directamente as conclusões da AT, quanto à impugnante não se encontrar a desenvolver qualquer actividade industrial em virtude da transferência dessa actividade para a esfera da L...; e ter procedido à aquisição de um conjunto de prédios rústicos tendo em vista a sua afectação ao desenvolvimento de um complexo industrial, comercial e de apoio à lavoura, onde funcionarão também as suas instalações.
Nesta sede recursiva, a Recorrente não se conforma com as ilações que foram retiradas aquando da recolha dessa matéria pela AT, designadamente, quanto à sua suficiência para se concluir que a Recorrente não poderia encontrar-se abrangida pela isenção de IMT.
Relativamente às regras do ónus da prova vigente no nosso direito interno, cumpre, desde já, assinalar, como bem evidencia a Recorrente, que a nossa jurisprudência vem entendendo, pacífica e reiteradamente, que compete à AT, no exercício da sua actividade fiscalizadora, provar a existência dos pressupostos legais que legitimam a sua actuação no sentido do direito de liquidar - cfr. artigo 74.º da Lei Geral Tributária (LGT).
No caso em apreço, cabia à AT demonstrar a pertinência do seu juízo, indicando factos objectivos, ainda que indiciadores, de que a declaração da impugnante realizada na escritura pública de compra do prédio, de que o mesmo se destinava à “instalação da sua sede e de todos os seus serviços de apoio e acção social”, não corresponderia à realidade, pelo que o acto em questão não estaria isento de IMT. De facto, de acordo com o disposto no artigo 10.º do Estatuto Fiscal Cooperativo, as cooperativas apenas estão isentas de IMT na aquisição de quaisquer direitos sobre imóveis destinados à sede e ao exercício das actividades que constituam o respectivo objecto social.
Ora, a sentença recorrida limitou-se a considerar aptos os dois aspectos transcritos supra, desconsiderando a prova que a impugnante realizou para comprovar, por exemplo, que, apesar da transferência da actividade industrial para a L..., não ficou totalmente esvaziada do exercício de quaisquer actividades integrantes do seu objecto social, ou que o prédio em apreço não integra o conjunto de prédios rústicos que a AT chamou à colação como sendo destinados à implementação de um complexo industrial, comercial e de apoio à lavoura.
Nestes termos, importa analisar se a AT cumpriu o ónus da prova quanto aos factos constitutivos do seu direito de actuação, isto é, do seu direito de tributar – cfr. artigo 74.º, n.º 1 da LGT, que reflecte o artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil.
Não esquecendo, como vimos, que a impugnante, ora Recorrente, opôs contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torná-los duvidosos. Afigurando-se que o terá conseguido, como veremos. Nestas circunstâncias, os elementos recolhidos pela AT perdem, obviamente, pertinência, sendo que a questão deverá ser decidida contra a AT, que estava, nesta primeira fase da sua actuação no âmbito do direito de tributar, onerada com a prova.
Compulsando a fundamentação do acto, sustentadora da liquidação de IMT, vertida no ponto 16 do probatório, observamos a afirmação da AT de que o contribuinte não pode beneficiar da isenção prevista no artigo 10.º do Estatuto Fiscal Cooperativo, em virtude de estar em causa a transmissão de imóveis para construção, não destinados exclusivamente à sede e ao exercício das actividades que constituem o respectivo objecto social.
Para alcançar esta conclusão, a AT não se baseou em qualquer constatação de facto de alteração do destino do imóvel em crise, tanto mais que resulta apurado que, em 22/09/2009, nada havia sido construído nesse prédio – cfr. ponto 9 da decisão da matéria de facto.
O cerne da motivação da AT reside no teor do documento que consubstancia um acordo entre a Recorrente e a Junta de Freguesia de ..., assinado em 2004, portanto, previamente às declarações constantes da escritura de compra realizada em 2005. Neste acordo refere-se que a Recorrente se propõe desenvolver, nos terrenos adquiridos na referida freguesia, um complexo industrial, comercial e social de apoio à lavoura e onde também funcionarão as suas futuras instalações.
Ora, é manifesto que o único prédio em análise no processo (artigo ... da matriz da freguesia de ...) não consta do elenco de prédios mencionados nesse acordo (artigos 84.º, 321.º, 85.º, 324.º, 82.º, 109.º, 323.º, 329.º, 91.º, 113.º, 319.º, 325.º, 115.º, 89.º, 83.º, 320.º, 104.º, 86.º, 105.º), pelo que tal impedia a extrapolação realizada pela AT, que mencionou “imóveis”, no plural, querendo abarcar todos, incluindo o imóvel em apreço que não consta da enumeração no acordo. O facto de o prédio em crise se localizar na mencionada freguesia de ..., na Póvoa de Varzim, não constitui, por si só, fundamento suficiente para a AT presumir que o mesmo se insere no âmbito do citado acordo, revelando equivoco na associação do imóvel adquirido pela Recorrente com aqueles que integram o respectivo acordo celebrado com a Junta de Freguesia de ....
Nesta conformidade, este aspecto destacado pela AT, afinal, não é um verdadeiro facto, mas uma mera conjectura, pois do mencionado acordo celebrado em 2004 nada se pode extrair relativamente ao prédio adquirido em 2005 denominado “Bouça da ...”.
A circunstância de nos situarmos, então, ao nível do campo hipotético fragiliza de forma determinante o labor da AT, que assentou o seu raciocínio no dito acordo.
O outro aspecto evidenciado na fundamentação do acto prende-se com o facto de o terreno adquirido não se poder destinar ao desenvolvimento de actividades que constituem o objecto social da cooperativa impugnante, na medida em que esta já não desenvolvia, à data da transacção, qualquer actividade industrial, em virtude de ter transferido essa actividade para a L..., na sequência do processo de integração iniciado em 1996.
Ficou provado que, em 27/12/1996, foi celebrado um contrato entre a impugnante, a L... U.C.R.L, a Proleite/Mimosa - Distribuição e Comércio, S.A., a P..., S.A., a P..., C.R.L. e a L..., nos termos do qual se procedeu à concentração das actividades e estruturas de transformação industrial e de distribuição/comercialização para a esfera desta última e que, pelo aludido contrato, a impugnante transferiu toda a sua actividade industrial para a L..., passando a mesma a ser exercida única e exclusivamente por parte desta empresa – cfr. ponto 12 e 13 do probatório.
Contudo, a impugnante logrou demonstrar que ainda exerce parte da sua actividade, pois recolhe o leite junto dos produtores e entrega-o à L... – cfr. ponto 17 da decisão da matéria de facto.
Continuando a Recorrente a exercer a sua actividade no âmbito do seu objecto social, a transferência de parte da sua actividade industrial para a L... não constitui um facto capaz de abalar a declaração de que o imóvel se destinava à instalação da sua sede e de todos os seus serviços de apoio e acção social.
Verificamos, por isso, que os elementos colhidos pela AT são frágeis, meramente conjecturais, permitem várias interpretações e ilações, pelo que não podem cabalmente sustentar o direito da AT de tributar IMT.
Salientamos que nada impedia a Recorrente de afectar vários imóveis ao exercício da sua actividade efectiva, tendo tornado, claramente, os factos identificados pela AT duvidosos (cfr. artigo 346.º do Código Civil), tanto mais que veio alegar na petição de impugnação versão plausível de que o prédio adquirido se destinava a construir infra-estruturas de acesso à sua sede e às instalações necessárias ao exercício das actividades desenvolvidas no âmbito do seu objecto social.
Logo, resta concluir que a AT não logrou desembaraçar-se da prova com que estava onerada, sendo forçoso decidir a questão contra a AT, por não ter demonstrado ser legítima a sua actuação de tributação, permanecendo a declaração formalizada pelo contribuinte na respectiva escritura pública, que deu aí lugar a isenção de IMT.
O exposto é suficiente para conceder provimento ao recurso, revogar a sentença na parte recorrida, julgar a impugnação judicial totalmente procedente, anulando, também, a liquidação adicional de IMT, ficando prejudicado o conhecimento das restantes questões colocadas nesta sede recursiva.

Conclusões/Sumário
I – O ónus da prova do direito de liquidar IMT cabe a quem invoca o facto constitutivo do direito – cfr. artigo 74.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária.
II - Se a Administração Tributária não fizer prova do bem fundado da formação do seu juízo, a questão relativa à legalidade do seu agir terá de ser resolvida contra ela, sem necessidade de ir analisar se a Impugnante logrou ou não provar, em tribunal, a veracidade da declaração.

IV. Decisão
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença na parte recorrida e, consequentemente, julgar a impugnação judicial totalmente procedente, anulando, também, a liquidação de IMT e respectivos juros compensatórios.

Custas a cargo da Recorrida em ambas as instâncias; nesta instância, as custas não incluem a taxa de justiça, uma vez que não contra-alegou.

Porto, 20 de Outubro de 2022
Ana Patrocínio
Paula Moura Teixeira
Conceição Soares