Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01340/19.0BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/19/2023
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Paulo Moura
Descritores:SIGILO BANCÁRIO;
SIGILO PROFISSIONAL;
Sumário:I - A Autoridade Tributária não pode utilizar os elementos bancários sem realizar o procedimento de derrogação do sigilo bancário previsto nos artigos 63.º, n.º 3 e 63.º-B da Lei Geral Tributária, mesmo que haja recolha de elementos bancários em processo de inquérito penal.

II - Tem sido entendido pela jurisprudência que a complexidade da causa ou a conduta das partes constituem fatores que devem ser atendidos para a dispensa do remanescente da taxa de justiça, mas outros fatores também podem ser relevantes para o efeito, em função do princípio da proporcionalidade, designadamente a natureza e a atividade exercida pelos sujeitos processuais, o valor dos interesses económicos em discussão ou os resultados obtidos.
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

A FAZENDA PÚBLICA, interpõe recurso da sentença que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por AA contra as liquidações adicionais de IRS dos anos de 2013 e 2014, por entender que a mesma enferma de erro de julgamento.

Formula nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem:
a) Discorda-se do sentenciado, afigurando-se que o mesmo sofre de erro de julgamento.
b) São vários os princípios do sistema fiscal que presidem ao levantamento do segredo bancário, o que faz com que, em certas circunstâncias, e verificados determinados requisitos, o princípio da igualdade fiscal e da justa e atempada arrecadação de receitas possa prevalecer sobre o direito ao segredo bancário dos contribuintes, colidindo, dessa forma, com o seu direito à reserva da intimidade da vida privada.
c) Assim mesmo entendeu o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 490/2011, 24 de outubro, proferido no Processo n.º 784/09: “Assim, mesmo que se considere que a presente norma interfere com o direito à reserva da vida privada, protegido pelo artigo 26.º da CRP, ainda assim se deve considerar existir justificação bastante para a limitação do referido direito em nome dos interesses públicos prosseguidos, tais como a distribuição equitativa da contribuição para os gastos públicos e o dever fundamental de pagar impostos”. (in https://www.tribunalconstitucional.pt).
d) O mesmo entendeu o Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN), em Acórdão n.º 00069/10.0BECBR-A, de 19/05/2011, onde se pode ler o seguinte: “XIII- E estabelecendo-se uma ponderação de interesses, entre os interesses públicos e privados, em presença, segundo critérios de proporcionalidade, decidindo-se no sentido da prevalência dos primeiros em detrimentos dos segundos, e, em consequência, dever determinar-se uma quebra ou o levantamento do sigilo bancário”.
e) A capacidade contributiva, enquanto princípio estruturante do sistema fiscal assenta na tributação do rendimento, constituindo o rendimento do agregado familiar o índice da capacidade das pessoas singulares e medida da respetiva tributação, assim como, o lucro real tem o mesmo papel para as empresas, ou seja, funciona como critério para a distribuição dos seus encargos fiscais. – cfr. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, Coimbra Editora, 2007, p. 227.
f) O levantamento do sigilo bancário destinar-se-á a aferir, nesta sede, o cumprimento da obrigação de declaração, pelos contribuintes, de todos os seus rendimentos, por forma a garantir a execução dos princípios da capacidade contributiva e da igualdade fiscal, cuja finalidade de diminuição das desigualdades entre os cidadãos não se bastará com a mera previsão normativo-legal, devendo, por outro lado, ser exercido um poder de controlo e correção da situação tributária do contribuinte inadimplente.
g) O Tribunal da Relação de Lisboa, em Acórdão de 25 de Março de 2014, proferido no processo n.º 129/13.5TJLSB-A.L1-7, entendeu que: “O segredo bancário é estabelecido em função de vários interesses, a saber o das próprias instituições bancárias, em cuja atividade releva de forma especial o princípio da confiança, o das pessoas, clientes diretos do banco, estando em causa a salvaguarda da vida privada, e o dos terceiros (clientes indiretos) que se relacionam com o banco através dos seus clientes. É ponderando estes interesses, o interesse de acesso ao direito e da descoberta da verdade material que está subjacente ao pedido de informação, e a natureza civilística dos mesmos, que se há-de aquilatar, de forma criteriosa, moderada e casuística, qual o interesse preponderante, dando-lhe prevalência. Quando se está perante um elemento de prova indispensável ou fundamental para a descoberta da verdade, deve o sigilo bancário ceder perante o dever de cooperação na descoberta da verdade material, no âmbito da administração da justiça.”
h) Posto isto, no que respeita ao alegado pela Recorrida de que “Foram de facto obtidos ilegal e ilicitamente (...), já que não foram recolhidos a coberto de uma autorização judicial (ou seja, decidida por um juiz de direito), tal como impõe o disposto no art. 63º, nº 2, da LGT” (cfr. art.º 133.º da p.i.), torna-se relevante trazer à colação o já decidido pelo Tribunal da Relação do Porto, em Acórdão de 19-10-2011, proferido no Processo n.º 10228/08.0TDPRT-A.P1, onde se pode ler que: “A partir de 1 de Março de 2011 a quebra do segredo cabe ao MP ou ao juiz de instrução”. (negrito e sublinhado nossos)
i) E, mais recentemente, o mesmo foi decidido, desta vez pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em Acórdão de 15-05-2018, proferido no Processo n.º 184/12.5TELSB-D.L1.
j) E, relembre-se que, a Lei nº 36/2010 de 2 de setembro, que introduziu alterações ao Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo DL nº 298/92, de 31 de dezembro, já na comissão da especialidade, a al. d), do n.º 2, do art.º 79.º do RGICSF, veio a tomar a redação final, passando a referir-se “às autoridades judiciais” em vez de “aos juízes de direito”.
k) Quanto ao levantamento do sigilo bancário à Recorrida, o mesmo advém do processo de inquérito criminal n.º ...6/2017.4IDPRT, com a devida e legítima autorização do Ministério Público, entidade competente com as alterações mais recentemente introduzidas no Decreto-Lei n.º 298/92 de 31/12/1992, no seu art. 79º n.º 2 alínea e).
l) Ainda com o mesmo entendimento a jurisprudência do TRL, no acórdão do processo n.º 2061/08.5PFLRS-A.L1-3 de 19-10-2011 “I – Nos termos do disposto nos arts. 78.º e 79.º, n.º 2, alínea d), do R.G.I.C.S.F., esta última com as alterações decorrentes da Lei n.º 36/2010, de 02/09, as instituições de crédito e seus representantes, empregados ou agentes, passaram a ter que revelar o nome de clientes, assim como as contas destes e respectivos movimentos e outras operações bancárias desde que: a) A informação seja solicitada no âmbito de um processo penal; b) Por autoridade judiciária competente; e c) Na sequência de despacho devidamente fundamentado. II – Desde logo, nos termos do apontado normativo configura-se que a excepção ao dever de segredo está restrita ao processo penal. III – Depois, releva que a quebra de sigilo bancário decorra de despacho de juiz ou de magistrado do Ministério Público, conforme este ou aquele tenha a direcção da fase processual em que é suscitada a quebra de sigilo bancário. IV – Finalmente, uma vez que tal quebra é susceptível de constituir violação à privacidade e ofensa à relação de confiança entre as instituições financeiras e os seus clientes, a excepção ao dever de segredo relativo ao regime em causa deve decorrer de despacho devidamente fundamentado, nomeadamente alicerçando a quebra de sigilo bancário num imperativo de protecção de interesses jurídicos proeminentes. V – Este entendimento acarretar necessariamente que se tenha por tacitamente revogado o disposto no art. 135.º, n.ºs 2 e 3, do Código de Processo Penal em sede de quebra de sigilo bancário. VI – O direito de reserva de intimidade da vida privada e familiar constitucionalmente protegido cede em nome da realização da justiça e da segurança enquanto valores do Estado de Direito Democrático e na justa medida em que tal se tenha por necessário, proporcional e adequado, conforme arts. 26.º, n.º 1, e 18.º, n.º 2, da CRP.”
m) O acórdão do TCAS n.º 236/18.8BELLE de 06/12/2018 citado na douta petição, não se refere a caso semelhante, pois no caso em apreço nestes autos, houve autorização para levantamento do sigilo bancário pela entidade judiciária competente e não um procedimento de derrogação de sigilo bancário autorizado por Director de Finanças nos termos do art. 63º-B da LGT como se julga no acórdão n.º 236/18.8BELLE.
n) Releva ainda que, o Tribunal Central Administrativo Norte, em Acórdão de 15-10-2010, proferido no Processo n.º 01619/09.0BEBRG, decidiu já que:
“III – A AT, no âmbito de um procedimento inspectivo, pode aceder a informação coberta pelo sigilo bancário, quer ao abrigo do 63.º-B da LGT, quer através de comunicação feita pelas autoridades judiciárias que a obtiveram no âmbito do processo criminal (cf. n.º 9 do art. 63.º-B, da LGT).
(...) nada obsta a que a AT utilize a informação bancária apurada no processo penal. Bem pelo contrário, a AT tem o poder e o dever de utilizar as provas produzidas no processo penal que possam assumir relevância para efeitos tributários, designadamente para determinar o rendimento tributável para efeitos de tributação em IRS.
(...)
Se o Recorrente pretendia demonstrar que assim não era, então bem podia ter apresentado prova em sentido diverso logo no procedimento (() Nos termos do disposto no art. 88.º, n.º 2, do CPA, «[o]s interessados podem juntar documentos e requerer a realização de diligências de prova úteis para o esclarecimento dos factos com interesse para a decisão».), onde o princípio do inquisitório a que AT está sujeita nos termos do art. 58.º da LGT (() Diz o art. 58.º da LGT: «A administração tributária deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido».) apenas lhe permitiria recusar as diligências instrutórias requeridas que se mostrem impertinentes. Ele melhor que ninguém é conhecedor da realidade da situação (quem são os titulares dos depósitos e qual a sua proveniência) e tem acesso aos respectivos documentos comprovativos. Note-se que, apesar de serem admissíveis todos os meios de prova, só circunstâncias muito excepcionais, que teriam de ser alegadas e demonstradas, poderiam permitir que a prova fosse feita por outro meio que não documentos (() O próprio Recorrente parece admiti-lo ao exigir esse meio de prova à AT (cf. conclusão II b.).)
Se não apresentou oportunamente os documentos que se impunham para que a sua tese sobre os factos vingasse, não pode agora queixar-se senão do seu comportamento (sibi imputet)”
o) Releva, ainda, a competência dos tribunais judiciais para proferir a decisão, como decidiu o Acórdão do TC n.º 602/05, publicado no DR, IIª Série, de 21-12-2005, onde se pode ler que:
“(...) 3 – O mecanismo de tal quebra ou compressão do segredo bancário não se situa no âmbito da relação jurídico-fiscal, respeitando antes aos direitos de personalidade do visado, pelo que não ofende o princípio da reserva material de competência dos tribunais administrativos e fiscais a atribuição – em termos manifestamente não inovatórios – da competência decisória aos tribunais judiciais.”
p) E, no mesmo sentido, o Acórdão do TC, de 12-12-2006, proferido no processo n.º 672/2006 (disponível in http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/).
q) E, é a própria norma do n.º 6 do artigo 63.º da LGT, que estabelece que “em caso de oposição do contribuinte com fundamento nalgumas circunstâncias referidas no número anterior, a diligência só poderá ser realizada mediante autorização concedida pelo tribunal da comarca competente com base em pedido fundamentado da administração tributária”. (negrito e sublinhado nossos)
r) Resta ainda referir que, nos termos do n.º 1, do art.º 63.º-C da LGT, “os sujeitos passivos de IRC, bem como os sujeitos passivos de IRS que disponham ou devam dispor de contabilidade organizada, estão obrigados a possuir, pelo menos, uma conta bancária através da qual devem ser, exclusivamente, movimentados os pagamentos e recebimentos respeitantes à atividade empresarial desenvolvida”.
s) A este respeito, há que reiterar o que ficou registado no RIT da inspeção à "A & B, SP, RL” em decorrência da análise efetuada pelos SIT, que, “nas três contas em análise é possível identificar: pagamento de empréstimos bancários não relacionados com a atividade, pagamentos de bens e serviços de saúde, pagamentos de compras em supermercados, pagamento de seguros, compras diversas, transferências para a conta titulada por AA, no Banco 1..., não tratada no presente documento por se ter verificado tratar-se de uma conta bancária para movimento do orçamento familiar, pagamento de impostos, etc.” cfr. pág. 59/64 do RIT da ASQ; doc. n.º 3 da p.i. (negrito e sublinhado nossos).
t) Por fim, há que atentar, ainda, no facto de, durante o procedimento inspetivo, nunca ter sido suscitada a questão do sigilo bancário ou do segredo profissional, nem mesmo no requerimento para exercício do direito de audição, tendo nessa altura a Recorrida sido já previamente notificado do projeto de RIT. Tendo sido, inclusive, a própria Recorrida a juntar àquele procedimento inspetivo, e agora a este processo de Impugnação judicial, muitos documentos respeitantes a faturação a clientes seus.
u) Ora, como dispõe o n.º 1 do art.º 63.º, da LGT, visando a atuação da Inspeção Tributária o “apuramento da situação tributária dos contribuintes”, não lhe cabe presumir, na falta de tal alegação, que os factos, matérias ou elementos a que pretende aceder contendam com os deveres de sigilo a que os advogados, por força do exercício da profissão se encontram vinculados.
v) E, se assim fosse, tal entendimento contenderia com princípios constitucionais pelos quais a Administração Tributária deve pautar a sua atuação, nomeadamente com o princípio da igualdade, que implica tratamento igual de todos os contribuintes perante a Lei – cfr. n.º 2, do art.º 266º, da CRP e art.º 55.º, da LGT – que devem ser tomados em consideração em cada caso concreto.
w) Por outro lado, no que respeita ao entendimento de que se retira do nº 1 do artigo 87.º do Estatuto da Ordem dos Advogados que só os factos, matérias e documentos que advenham ao conhecimento do advogado por força da relação profissional, que tenham ou devam ter caráter oculto, devem ser objeto de segredo, há que referir que inexiste tal caráter perante a AT, no que respeita à relação económica que se estabelece entre advogado e cliente, nomeadamente quanto a pagamentos de honorários por este àquele efetivados e correspondente quitação.
x) E, é importante ainda referir que, o sigilo profissional, para além de um dever, é, simultaneamente, um direito do advogado, na medida em que lhe confere a possibilidade de negar a prestação de informações ou o acesso a elementos com a invocação de tal fundamento, direito este que, no caso, nunca foi exercido pela Recorrida durante o procedimento tendente a, administrativamente, aceder a contas bancárias por si tituladas ou que sejam usadas para a sua atividade, aspeto que, definitivamente, deve relevar na apreciação do mérito dos atos de liquidação impugnados.
y) As garantias do sigilo bancário e segredo profissional estão asseguradas quer porque autorizadas por entidade judicial competente no âmbito do processo de inquérito criminal com aproveitamento para a inspeção tributária, quer porque não contendem com o segredo profissional como pretende fazer crer a Recorrida.
z) Tendo o processo valor superior a € 275.000,00, entende-se que a Fazenda Pública merece ser dispensada do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do art.º 6.º n.º 7 do RCP, ou seja, que em sede de elaboração da conta de custas nos presentes autos seja desconsiderado o remanescente da taxa de justiça, em respeito pelos princípios da proporcionalidade, da justiça e do acesso ao direito.
III. Pedido:
Requer-se doutamente a este Venerando Tribunal que considere o presente Recurso procedente, mantendo-se as liquidações adicionais de IRS n.ºs ...01 e ...27 e respetivas liquidações de juros compensatórios, relativas aos anos de 2013 e de 2014, no montante total de € 2.091.907,90.

O Recorrido apresentou contra-alegações, tendo concluído da seguinte forma:
I – Nota prévia sobre a parte da sentença recorrida pela Fazenda Pública
– O Impugnante/Recorrido acompanha integralmente os muito bem elaborados e rigorosos fundamentos de facto e de Direito, que fundamentam a justa e douta sentença recorrida pela Fazenda Pública, para o TCAN – Secção de Contencioso Tributário.
II – Sobre as alegações apresentadas pela Fazenda Pública
2ª – Considera o Impugnante/Recorrido, que labora em erro a Fazenda Pública nas suas alegações, quando refere, nas suas alegações, constam as conclusões referidas nas alíneas “c)”, “d)” e “g)”, a jurisprudência dos tribunais: Constitucional, Central Administrativo do Norte – Secção de Contencioso Tributária e da Relação de Lisboa, os factos e normas que motivaram as respectivas decisões, não possuem qualquer semelhança ou utilidade esclarecedora para os presentes autos e comparação com a sentença recorrida.
3ª – Já que no acórdão invocado do TC, a questão que se julgou foi a eventual inconstitucionalidade da norma do n.º 5 do artigo 63.º da LGT.
E no acórdão invocado do TCAN, a questão que se julgou foi um incidente de dispensa do segredo bancário.
Por sua vez, no acórdão invocado do TRL, a questão que se julgou foi, mais uma vez, a possibilidade da derrogação judicial do segredo bancário.
Ora, a eventual possibilidade legal da derrogação do segredo bancário, não foi posta em causa nem pelo Impugnante/Recorrido, nem na sentença recorrida.
4ª – Bem pelo contrário, na sentença recorrida, o que se julgou foi que nos presentes autos a AT acedeu à informação bancária do Impugnante/Recorrido, e da sociedade de advogados "A & B, SP, RL”, informação essa que era a utilizada na sua actividade de advocacia, sem previamente se ter munido de uma autorização judicial outorgada em Tribunal por um Juiz de Direito.
5ª – Ou, em alternativa, sem ter solicitado e obtido o consentimento prévio e expresso do inspeccionado para aceder a essa informação protegida pelo sigilo profissional, o qual este está obrigado a guardar, facultando-lhe com esse eventual pedido da AT, caso tivesse sido solicitado, a possibilidade de analisar ou contestar esse eventual pedido de afastamento desse segredo profissional.
6ª – Como se pode verificar com douta clareza na sentença recorrida pela Fazenda Pública, que a as normas violadas foram o disposto no nº 2 do art. 63º da LGT, e no n.º 3 do artigo 92.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, tal como se pode verificar pelo parte da sentença que se recorda por transcrição...
“Decorre do n.º 2 do artigo 63.º da L.G.T. que “O acesso à informação protegida pelo segredo profissional ou qualquer outro dever de sigilo legalmente regulado depende de autorização judicial, nos termos da legislação aplicável.”.
Ora, a respeito da informação que se considera protegida pelo sigilo profissional dos advogados, têm os Tribunais superiores decidido que, face ao disposto no n.º 3 do artigo 92.º do Estatuto da Ordem dos Advogados todos os elementos bancários respeitantes à actividade profissional de advogado estão abrangidos pelo segredo profissional
Assim, há que concluir que, no caso em apreço, as informações bancárias estavam abrangidas pelo segredo profissional, pois que, ainda que de forma indirecta, poderiam relacionar-se com informações bancárias dos clientes e com movimentos financeiros em relação aos quais o Impugnante e a sociedade estavam obrigados a guardar sigilo.
Nestes termos, não existem dúvidas de que a utilização, pela A.T., de informação bancária relativa ao Impugnante e à sociedade "A & B, SP, RL”, dependia da obtenção prévia da “autorização judicial” prevista no n.º 2 do artigo 63.º da L.G.T.,

Entende este Tribunal que a “autorização judicial” exigida no referido normativo não corresponde a uma mera autorização de utilização da informação bancária concedida pelo Ministério Público no âmbito de um inquérito criminal, mas sim, in casu, a uma decisão de levantamento do sigilo profissional, cuja apreciação pertence a um tribunal (à semelhança do que dispõe o n.º 6 do artigo 63.º da L.G.T.), a quem compete indagar e ponderar se o acesso, pela A.T., à informação bancária contende (ou pode contender) com a consulta de elementos abrangidos pelo segredo profissional de advogado, autorizando ou não a quebra do segredo profissional (neste sentido: Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 26/11/2020, proferido no processo n.º 4033/19.5T8BRG.G1).”
7ª – Considera ainda o Impugnante/Recorrido, que labora em erro a Fazenda Pública nas suas alegações, quando refere, nas suas alegações, constam as conclusões referidas nas alíneas “h)”, “i)” e “l)”, a jurisprudência dos tribunais: Relação do Porto e Relação de Lisboa, pois nestes três últimos acórdãos invocados pela Fazenda Pública, que a jurisprudência alegada, os factos e normas que motivaram as respectivas decisões, não podem transpor-se para os presentes autos, pois os nesses processos foram julgados ilícitos criminais, e nos presentes autos, julgados factos subsumíveis em matéria tributária.
8ª – Aliás como de forma esclarecedora foi clarificado na sentença recorrida, quando nela se refere a fls. 10, transcrevendo ...
“Salienta-se ainda que os Acórdãos referidos pela Fazenda Pública nos artigos 278.º, 279.º e 283.º da sua contestação (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 19/10/2011, processo n.º 10228/08.0TDPRT-A.P1, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15/05/2018, processo n.º 184/12.5TELSB-D.L1 e do Tribunal da Relação de Lisboa de 19/10/2011, processo n.º 2061/08.5PFLRS-A.L1-3) dizem respeito apenas à quebra do sigilo bancário em inquérito criminal (que pode ser realizada pelo Ministério Público), questão que não se confunde nem com a quebra do sigilo bancário no âmbito de um processo tributário (tal como decidiu o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do S.T.A., no Acórdão de 16/09/2015, proferido no processo n.º 099/15) e nem com a “autorização judicial” prevista no n.º 2 do artigo 63.º da L.G.T., que como vimos, pressupõe a quebra do sigilo profissional (que apenas pode ser realizada por juiz e não pelo Ministério Público).”
– A Fazenda Pública, na alínea “n)”, das suas alegações, refere ainda o acórdão Tribunal Central Administrativo Norte, em Acórdão de 15-10-2010, proferido no Processo n.º 01619/09.0BEBRG.
Ora, na sentença recorrida pela Fazenda Pública, a fls. 10, a propósito deste citado acórdão do TCAN pela Fazenda Pública, na sentença recorrida o mesmo nela já abordado e referido, como se pode ver pela transcrição cujo sentido se acompanha ...
“Mais se diga que o entendimento vertido no Acórdão do T.C.A. Norte de 15/10/2010 proferido no processo n.º 01619/09.0BEBRG (referido no artigo 285.º da contestação), no sentido de que a A.T. pode aceder e utilizar a informação bancária obtida no âmbito de um processo criminal, foi expressamente abandonado no Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do S.T.A., de 16/09/2015, proferido no processo n.º 099/15.”
10ª – A Fazenda Pública, nas alíneas “o)”, “p)” e “q)”, das suas alegações, refere ainda algo que vai no mesmo sentido do pugnado pelo Impugnante/Recorrido, bem como no decidido no tribunal a quo, quando na sentença recorrida se refere que, transcrevendo...
“... a diligência só poderá ser realizada mediante autorização concedida pelo tribunal da comarca competente ...”
11ª – Refere ainda a Fazenda Pública nas suas alegações, concretamente na sua alínea “s)”, factos que não foram dados como provados ou sequer directamente referidos na sentença por si recorrida.
Ora estes alegados factos, certamente foram apreciados e valorados na decisão proferida na sentença recorrida, em conjunto com toda a prova documental constante dos autos, como se extrai do constante a fls. 4 da mesma, que se transcreve ...
Motivação da decisão da matéria de facto
A decisão da matéria de facto baseou-se no exame do teor dos documentos constantes dos autos, conforme referido, em concreto, em cada uma das alíneas do probatório.”
12ª – Relativamente ao antes alegado pela Fazenda Pública na alínea “s)” das suas conclusões, que se fundaram apenas no referido no RIT, mas não na sentença recorrida. Recorda o Impugnante/Recorrido, que tal como declarou no seu depoimento, a testemunha, Dr.ª BB, economista, que trabalhou em conjunto com outra testemunha ouvida pelo Tribunal a quo, o Dr. CC, ROC, contratado pelo Impugnante/Recorrido para lhe prestar os serviços do seu escritório, para a sua defesa relativamente aos resultados tributários dos procedimentos inspectivos referidos nos presentes autos, no exercício do contraditório relativamente à matéria invocada nesta conclusão “s)” das alegações da Fazenda Pública, esta testemunha declarou que:
Era economista, colaborou com o Dr. AA no âmbito do processo inspectivo.
- Participou na assessoria efectuada ao Dr. "A & B, SP, RL”
- O Anexo V do RIT respeitava às entradas nas contas bancárias da sociedade.
- O Anexo VI respeitava às entradas nas contas bancárias do Dr. "A & B, SP, RL”
- No Anexo V para cada uma das entradas foi identificada a factura emitida pela sociedade "A & B, SP, RL”
- Nas situações em que havia uma única factura para várias entradas foi também anexada uma cópia desses vários recebimentos.
- Relativamente ao Anexo VI analisamos todas as entradas no Anexo VI e verificamos que eram mais 8200. E para o trabalho da impugnação era um trabalho muito moroso e não justificava verificar a totalidade porque eram valores que iam de cêntimos a milhares de euros.
- Então numa estratégia de justificar o máximo possível, optamos por trabalhar com base numa amostra e excluir todas as importâncias abaixo de 750 euros.
- E o nosso trabalho baseou-se apenas nessas entradas.
- Sendo que comparando as entradas que constavam do Anexo VI com o universo da amostra com o universo total que constava no Anexo VI tínhamos aqui uma representatividade 70.6%.
- Pelo que no nosso entender a amostra é representativa da totalidade dessas entradas.
- A partir desse trabalho fomos comparando as entradas com as saídas e elaborando um documento em Excel, no qual para cada entrada identificar a respectiva saída.
- E no caso de haver diferenças entre a entrada e a respectiva saída justificar essas diferenças.
- As diferenças regra geral respeitavam a valores deduzidos ao cliente para custas judiciais que não tinham sido pagas, ao pagamento a agentes de execução, ou então a dedução de honorários que tinham sido facturados pela sociedade "A & B, SP, RL”
- Nos casos em que existia essa dedução por honorários posteriormente existe também uma transferência ou emissão de um cheque do Dr. AA para a sociedade para reembolsar esses honorários.
- Todos as entradas da amostra e as respectivas saídas estão devidamente documentadas.
- Foi ao escritório consultar o processo e trabalhou em conjunto com os serviços administrativos do Dr. AA, mas foi ver fisicamente os documentos.
- Relativamente aos casos em que a saída é maior que a entrada, isso pode acontecer porque a mesma saída justifica várias entradas, porque nem sempre havia uma entrada e uma saída, às vezes entravam 2 e 3 vezes e havia uma única saída.
- Ou seja, o valor não é transferido de forma imediata para o cliente. Vai acumulando e depois existe uma única saída. Por isso é que o ponto que tem se repete várias vezes. Porque cada ponto corresponde a um número de processo e por isso indo ao ponto que está na pen e consegue verificar todos os movimentos que estão relacionados com esse processo e a indexação é muito mais fácil.
- Nós seguimos a ordem do Anexo VI, como tal está por datas, nós organizamos, mas o mesmo processo tem muitas entradas ao longo dos três anos. Alguns podem ter uma ou duas outros podem ter vinte ou trinta. E como as saídas não são simultâneas tem de se fazer essa correspondência.
- Fazendo essa correspondência chega-se à conclusão que o valor das entradas é igual às das saídas ou então a grande diferença é para pagamento a agentes de execução ou dedução de honorários.
- Também tem que se ter em consideração que nós estamos a justificar uma entrada de 2013, mas a saída pode também corresponder a uma entrada que ocorreu em 2012. Quando é o caso nós também justificamos. Ou então uma entrada em 2015 cuja saída ocorreu em 2016.
- Também há casos em que a entrada está numa conta e a saída noutra. O que acontecia era que o valor em que era possível fazer transferências diárias era de dez mil euros. Então como eles faziam muitas saídas todos os dias, pegavam em cheques quando sabiam que iam fazer transferências e emitiam cheques da conta 700 e depositavam noutra conta do Dr. AA e a transferência era feita por essa conta.
13ª – Finalmente, refere ainda a Fazenda Pública nas suas alegações, concretamente na sua alínea “t)”, o seguinte:
“t) Por fim, há que atentar, ainda, no facto de, durante o procedimento inspetivo, nunca ter sido suscitada a questão do sigilo bancário ou do segredo profissional ...”
Ora, tendo o Impugnante/Recorrido, pessoalmente e através da sociedade “"A & B, SP, RL”, sido confrontado com vultuosos, infundados e incomportáveis valores de matéria colectável em IRS e IVA, plasmados nos projectos de RIT que lhe foram notificados nos finais dos procedimentos inspectivos então em curso.
Nesse gravoso quadro factual e jurídico, o Impugnante/Recorrido procurou socorrer-se de todos os meios legais adequados para a sua defesa, que fossem os mais claros, capazes e idóneos, para demonstrar e provar o generalizado erro nos pressupostos de facto e de direito dos valores que nos RIT’s que lhe foram, de facto, mas não de direito, “presumidos”.
14ª – Assim, apesar de nunca ter abdicado, ou deixado de considerar, que o acesso e utilização efectuados pela ATA das contas bancárias do Impugnante/Recorrido e da sociedade "A & B, SP, RL”, afectas à sua actividade de advocacia, sem uma prévia autorização judicial emitida por um Juiz de Direito, que a as normas violadas foram o disposto no nº 2 do art. 63º da LGT, e no n.º 3 do artigo 92.º do Estatuto da Ordem dos Advogados.
Ou, em alternativa, a possibilidade de analisar um eventual pedido da AT, o qual nunca lhe foi apresentado, refira-se, acompanhado do seu eventual consentimento expresso prévio, como corolário lógico tal consentimento nunca lhe foi dado, apesar de no seu entender, este vício de violação de lei inquinar irremediavelmente fundamentação dessa forma obtida das liquidações impugnadas.
Cautelar e supletivamente, considerou, que relativamente às entradas nas contas bancárias, quer em nome da sociedade “"A & B, SP, RL” (descritas no Anexo V do RIT), quer em nome do Impugnante/Recorrido (descritas no Anexo VI do RIT), que eram 8 200 no total, primeiro no seu direito de audição e depois na impugnação judicial.
Seria indispensável, organizadamente demonstrar e provar documentalmente o generalizado erro nos pressupostos de facto e de direito que nos RIT lhes foram, de facto, mas não de direito, “presumidos”.
15ª – Quando erradamente e sem fundamento de facto e de direito se considerou que seriam honorários e matéria colectável em IRS, no caso dos autos, os valores entrados nessas contas bancárias, descritas nos Anexos V e VI do RIT, as quais estavam exclusivamente afectas à sua actividade de advocacia, desenvolvida na sua quase totalidade na área de recuperação de créditos.
Quando de facto, os mesmos, na sua maior parte (mais de 90%) eram efectivamente importâncias pagas pelos devedores dos seus clientes, importâncias a quem as mesmas foram entregues, por vezes, após serem descontados devidos os honorários, e valores avançados de taxas de justiça e despesas de execução.
16ª – Daí que para esclarecer, demonstrar e provar documentalmente, com rigor a realidade ocorrida, fê-lo através de uma relação, acompanhada dos respectivos documentos das entradas e respectivas saídas, relativamente a uma ampla amostragem dessas entradas, evidenciadora e significativa.
E tendo em conta que muitas dessas entradas são de diminuto valor, optando pelas de valor a partir de 750,00 €, as quais mesmo assim são no total 657, e representam 70,60% do universo do valor total dessas entradas.
Demonstrando e provando também por esta via, que se verifica que as liquidações impugnadas, enfermam de erro de direito acerca dos factos, erro sobre os pressupostos de facto e vício de violação de lei, prevista no disposto dos artigos 57º nº 1 do CIRC, 85º, alínea b) do nº do art. 87º, alínea a) do art. 88º (avaliação directa versus indirecta) e art. 74º nº 1 (ónus da prova), todos da LGT.
17ª – Deste modo, para além de, tal como foi decidido na douta sentença recorrida, que o acesso e utilização efectuados pela ATA das contas bancárias do Impugnante/Recorrido e da sociedade "A & B, SP, RL”, afectas à sua actividade de advocacia, sem uma prévia autorização judicial emitida por um Juiz de Direito, em vício de violação de lei, violando do disposto no nº 2 do art. 63º da LGT, e no n.º 3 do artigo 92.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, pelo que a AT não podia utilizar as informações bancárias nos termos em que o fez, o que determina a ilegalidade das correcções efectuadas.
18ª – Acresce ainda, pelo antes alegado, no entender do Impugnante/Recorrido, que as mesmas enfermam também por esta via, de vício de forma por falta de fundamentação material legal, por erro nos pressupostos de direito e de facto da fundamentação material das correcções da matéria colectável em IRC da "A & B, SP, RL”, imputados ao impugnante para tributação em IRS através do regime de transparência fiscal, previsto nos artigos 6º do CIRC e 20º do CIRS, numa percentagem de 99,95%, correspondente às liquidações de IRS e juros compensatórios efectuadas.
Termos em que o Recorrido confia que a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, , será mantida pelo Tribunal Central Administrativo do Norte – Secção de Contencioso Tributário, nos precisos termos em que foi proferida.
Como sempre, farão V.(s) Ex.ª(s), inteira e objectiva JUSTIÇA!

O Ministério Público emitiu parecer no sentido de o recurso ser julgado improcedente, por não ter sido desencadeado o procedimento de derrogação do segredo bancário previsto no artigo 63.º-B da Lei Geral Tributária.

Foram dispensados os vistos legais, nos termos do n.º 4 do artigo 657.º do Código de Processo Civil, com a concordância da Exma. Desembargadora Adjunta e do Exmo. Desembargador Adjunto, atenta a disponibilidade do processo na plataforma SITAF (Sistema de Informação dos Tribunais Administrativos e Fiscais).
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Delimitação do Objeto do Recurso – Questões a Decidir.

As questões suscitadas pela Recorrente, delimitada pelas alegações de recurso e respetivas conclusões [vide artigos 635.º, n.º 4 e 639.º CPC, ex vi alínea e) do artigo 2.º, e artigo 281.º do CPPT] são as de saber se a Autoridade Tributária podia utilizar os elementos bancários recolhidos no inquérito criminal ou se era necessário que tivesse usado procedimento de acesso a informações e documentos bancários, previsto no artigo 63.º-B da Lei Geral Tributária, bem assim como se carecia de pedir o levantamento do sigilo profissional.

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Relativamente à matéria de facto, o tribunal, deu por assente o seguinte:
III. Fundamentação de facto
Factos provados
Resultaram provados os seguintes factos, relevantes para a decisão da causa:
A) Foi realizada uma acção de inspecção ao Impugnante, tendo sido elaborado Projecto de Relatório da inspecção tributária, constando do ofício da sua notificação ao Impugnante o seguinte:
“(...) Notifica(m)-se de que, no prazo de 25 dias poderá(ão), querendo, exercer o direito de audição, ...”
Documento n.º 8 junto à P.I., a fls 1966 a 1941.
B) Foi realizada uma acção de inspecção à sociedade "A & B, SP, RL”, tendo sido elaborado Projecto de Relatório da inspecção tributária, constando do ofício da sua notificação à sociedade o seguinte:
“(...) Notifica(m)-se de que, no prazo de 25 dias poderá(ão), querendo, exercer o direito de audição, ...”
Documento n.º 9 junto à P.I., a fls 1942 a 2066.
C) O Impugnante apresentou requerimento com o seu direito de audição.
Documento n.º 10 junto à P.I., a fls 1382 a 1400.
D) A sociedade "A & B, SP, RL” apresentou requerimento com o seu direito de audição.
Documento n.º 11 junto à P.I., a fls 1401 a 1424.
E) Foi realizada uma acção de inspecção ao Impugnante, tendo sido elaborado Relatório da inspecção em 27/12/2018, com o teor constante de fls 64 a 155.
Documento n.º 2 junto à P.I., a fls 64 a 155.
F) Do Relatório da inspecção ao Impugnante consta o seguinte:
“(...) III.C. Omissão de rendimentos
III.C.1. Da autorização para utilização da informação bancária obtida no âmbito do processo de inquérito n.º ...6/2017.4IDPRT
Na sequência de pedido para o efeito o Ministério Público – Procuradoria da República da Comarca ... – Departamento de Investigação e Ação Penal – 6.>ª Seção ..., proferiu em 2018-05-02, o seguinte despacho no âmbito do processo de inquérito n.º ...6/2017.4IDPRT:
“...os elementos bancários obtidos no âmbito do presente inquérito poderão ser utilizados para instruir todos os atos investigatórios e de natureza fiscal necessários a cargo da AT (cfr. delegação e competências de fls. 4T, ao abrigo dos artigos 40.º, 41.º e 42.º do RGIT) com o objetivo de carrear para o inquérito elementos de prova que permitam sustentar a verificação do crime em investigação, o que significa que poderão ser utilizados no âmbito de ação inspetiva em curso com objetivo acima mencionado, aliás conforme resulta do artigo 42.º, n.º 4 do RGIT”.”
Página 44 do Relatório da inspecção ao Impugnante (que se encontra a fls 64 a 155).
G) Foi realizada uma acção de inspecção à sociedade "A & B, SP, RL”, tendo sido elaborado Relatório da inspecção em 27/12/2018, com o teor constante de fls 1451 a 1557.
Documento n.º 3 junto à P.I., a fls 1451 a 1557.
H) Do Relatório da inspecção à sociedade "A & B, SP, RL” consta o seguinte:
“(...) III.C. Omissão de Rendimentos da atividade de advocacia
III.C.1. Diligências efetuadas
(...)
III.C.1.6.. Da autorização para utilização da informação bancária obtida no âmbito do processo de inquérito n.º ...6/2017.4IDPRT
Na sequência de pedido para o efeito o Ministério Público – Procuradoria da República da Comarca ... – Departamento de Investigação e Ação Penal – 6.>ª Seção ..., proferiu em 2018-05-02, o seguinte despacho no âmbito do processo de inquérito n.º ...6/2017.4IDPRT:
“...os elementos bancários obtidos no âmbito do presente inquérito poderão ser utilizados para instruir todos os atos investigatórios e de natureza fiscal necessários a cargo da AT (cfr. delegação e competências de fls. 4T, ao abrigo dos artigos 40.º, 41.º e 42.º do RGIT) com o objetivo de carrear para o inquérito elementos de prova que permitam sustentar a verificação do crime em investigação, o que significa que poderão ser utilizados no âmbito de ação inspetiva em curso com objetivo acima mencionado, aliás conforme resulta do artigo 42.º, n.º 4 do RGIT”.”
Página 30 do Relatório da inspecção à sociedade "A & B, SP, RL” (que se encontra a fls 1451 a 1557).
I) Foram emitidas, em nome do Impugnante, as liquidações adicionais de I.R.S. n.ºs ...01 e ...27 e respectivas liquidações de juros compensatórios, relativas aos anos de 2013 e 2014, no montante total de € 2.091.907,90.
Documento n.º 1 junto à P.I., a fls 58 a 63.
Factos não provados
O Tribunal não detectou a alegação de factos com relevo para a decisão, a dar como não provados.
Motivação da decisão da matéria de facto
A decisão da matéria de facto baseou-se no exame do teor dos documentos constantes dos autos, conforme referido, em concreto, em cada uma das alíneas do probatório.
Os depoimentos prestados pelas testemunhas, as declarações do Impugnante, os ficheiros e documentos contidos na pen drive USB que se encontra na contracapa do 4.º Volume físico dos presentes autos (cota de 30/05/2019) e os documentos n.ºs 4 a 7 e 12 a 29 juntos à P.I. não se mostraram relevantes para a decisão da presente causa.

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Apreciação jurídica do recurso.

Alega a Fazenda Pública que a derrogação do sigilo bancário pode ser efetuada por autoridade judicial, podendo ser o Ministério Público ou o Juiz de instrução, neste caso tendo sido levantado o sigilo bancário no processo de inquérito, com a devida e legítima autorização do Ministério Público, entidade competente, nos termos das alterações efetuadas ao Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro, no seu artigo 79.º, n.º 2, alínea e), passando-se a prever que também o Ministério Público tenha competência para o levantamento do sigilo bancário, em detrimento da anterior competência exclusiva do juiz.
Mais alega que, no caso em apreço nestes autos, houve autorização para levantamento do sigilo bancário pela entidade judiciária competente e não um procedimento de derrogação de sigilo bancário autorizado por Diretor de Finanças nos termos do art. 63.º-B da LGT, pelo que a Autoridade Tributária podia utilizar a informação bancária apurada no processo penal.
Diz, ainda, que se o Impugnante pretendia demonstrar que assim não era, então bem podia ter apresentado prova em sentido diverso logo no procedimento, sendo que nunca foi questionada durante o procedimento inspetivo a questão do sigilo bancário ou do segredo profissional
Invoca, igualmente, que as garantias do sigilo bancário e segredo profissional estão asseguradas quer porque autorizadas por entidade judicial competente no âmbito do processo de inquérito criminal com aproveitamento para a inspeção tributária, porque não contendem com o segredo profissional, como pretende fazer crer a Recorrida.
Por fim, alega que a sentença é omissa quanto ao pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, mas que esta deve ser concedida, por a conduta processual dela ser merecedora e em respeito dos princípios da proporcionalidade e do acesso ao direito.

Nas suas contra-alegações, o Recorrido afirma que a jurisprudência e as normas invocadas pela Fazenda Pública, não possuem qualquer semelhança ou utilidade esclarecedora para os presentes autos em comparação com a sentença recorrida.

Apreciando.
A Autoridade Tributária reconhece que não se socorreu do procedimento de acesso a informações e documentos bancários previsto no artigo 63.º-B da Lei Geral Tributária, mas que não necessitava de o fazer, na medida em que lhe era permitido utilizar o levantado o sigilo bancário efetuado no processo de inquérito, com a devida e legítima autorização do Ministério Público e que não estava em causa nenhuma situação de segredo profissional.
A sentença recorrida em relação a estes aspetos decidiu da seguinte forma:
«Cumpre, pois, verificar se a A.T. podia ou não utilizar a informação bancária obtida em sede de inquérito criminal e, na afirmativa, em que condições o poderia fazer.
Decorre do n.º 2 do artigo 63.º da L.G.T. que “O acesso à informação protegida pelo segredo profissional ou qualquer outro dever de sigilo legalmente regulado depende de autorização judicial, nos termos da legislação aplicável.”.
Ora, a respeito da informação que se considera protegida pelo sigilo profissional dos advogados, têm os Tribunais superiores decidido que, face ao disposto no n.º 3 do artigo 92.º do Estatuto da Ordem dos Advogados todos os elementos bancários respeitantes à actividade profissional de advogado estão abrangidos pelo segredo profissional (incluindo os que alegadamente forem disponibilizados por este à A.T.), mesmo quando a A.T. pretende apenas colher elementos sobre os rendimentos do advogado enquanto contribuinte e mesmo que não exista uma oposição expressa por parte deste (pois se entender que ocorreu alguma ilegalidade no procedimento, não está vedado ao contribuinte invocá-la na respectiva Impugnação do acto) – vide Acórdãos do T.C.A. Sul de 16/09/2019 e de 06/12/2018, proferidos nos processos n.ºs 270/12.1BEFUN e 236/18.8BELLE e Acórdãos do S.T.A. de 29/09/2010 e de 02/12/2009, proferidos nos processos n.º s 01116/09 e 0668/10).
Assim, há que concluir que, no caso em apreço, as informações bancárias estavam abrangidas pelo segredo profissional, pois que, ainda que de forma indirecta, poderiam relacionar-se com informações bancárias dos clientes e com movimentos financeiros em relação aos quais o Impugnante e a sociedade estavam obrigados a guardar sigilo.
Nestes termos, não existem dúvidas de que a utilização, pela A.T., de informação bancária relativa ao Impugnante e à sociedade "A & B, SP, RL”, dependia da obtenção prévia da “autorização judicial” prevista no n.º 2 do artigo 63.º da L.G.T., colocando-se então a questão de saber se o despacho proferido em 02/05/2018, pelo Ministério Público no processo de inquérito n.º ...6/17.4IDPRT (supra transcrito), configura ou não a exigida “autorização judicial”.
Entende este Tribunal que a “autorização judicial” exigida no referido normativo não corresponde a uma mera autorização de utilização da informação bancária concedida pelo Ministério Público no âmbito de um inquérito criminal, mas sim, in casu, a uma decisão de levantamento do sigilo profissional, cuja apreciação pertence a um tribunal (à semelhança do que dispõe o n.º 6 do artigo 63.º da L.G.T.), a quem compete indagar e ponderar se o acesso, pela A.T., à informação bancária contende (ou pode contender) com a consulta de elementos abrangidos pelo segredo profissional de advogado, autorizando ou não a quebra do segredo profissional (neste sentido: Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 26/11/2020, proferido no processo n.º 4033/19.5T8BRG.G1).
Salienta-se ainda que os Acórdãos referidos pela Fazenda Pública nos artigos 278.º, 279.º e 283.º da sua contestação (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 19/10/2011, processo n.º 10228/08.0TDPRT-A.P1, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15/05/2018, processo n.º 184/12.5TELSB-D.L1 e do Tribunal da Relação de Lisboa de 19/10/2011, processo n.º 2061/08.5PFLRS-A.L1-3) dizem respeito apenas à quebra do sigilo bancário em inquérito criminal (que pode ser realizada pelo Ministério Público), questão que não se confunde nem com a quebra do sigilo bancário no âmbito de um processo tributário (tal como decidiu o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do S.T.A., no Acórdão de 16/09/2015, proferido no processo n.º 099/15) e nem com a “autorização judicial” prevista no n.º 2 do artigo 63.º da L.G.T., que como vimos, pressupõe a quebra do sigilo profissional (que apenas pode ser realizada por juiz e não pelo Ministério Público).
Mais se diga que o entendimento vertido no Acórdão do T.C.A. Norte de 15/10/2010 proferido no processo n.º 01619/09.0BEBRG (referido no artigo 285.º da contestação), no sentido de que a A.T. pode aceder e utilizar a informação bancária obtida no âmbito de um processo criminal, foi expressamente abandonado no Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do S.T.A., de 16/09/2015, proferido no processo n.º 099/15.
Face ao exposto, conclui-se que assiste razão ao Impugnante quando alega que a A.T. não podia utilizar a informação bancária sem que tivesse obtido a necessária autorização judicial, em virtude de se tratar de informação abrangida pelo segredo profissional.
Contudo, mesmo que se considerasse que o referido despacho do Ministério Público consubstancia a requerida “autorização judicial”, importa salientar que a questão da possibilidade da utilização pela A.T., para efeitos fiscais, de informações bancárias obtidas em inquérito criminal no âmbito do qual foi quebrado o sigilo bancário, já foi objecto de apreciação no já referido Acórdão do Pleno de 16/09/2015, proferido no processo n.º 099/15, nos seguintes termos:
“(…) suscita-se a questão de saber se a prova obtida em sede de inquérito com acesso a documentação bancária ao abrigo do disposto na alínea d) do n.º 2 do art. 79.º do RGICSF pode ser utilizada em sede de procedimento tributário
Como ficou já dito, os tribunais tributários têm vindo a afirmar, e bem, que a derrogação do sigilo bancário pela AT não pode ocorrer senão em sede de procedimento de inspecção.
Assim, a AT, não podendo ignorar os elementos bancários do contribuinte relativamente aos quais tenha sido quebrado o sigilo bancário no âmbito do inquérito criminal e de que tenha adquirido legitimamente conhecimento, não pode, sem mais, utilizá-los.
(…) porque os elementos bancários foram obtidos mediante as regras processuais penais aplicáveis no âmbito do inquérito criminal – justificadas pelos fins próprios deste processo – e não para fins tributários e ao abrigo das regras tributárias. Ora, são os diferentes interesses visados pela possibilidade de derrogação do segredo bancário pelas autoridades judiciárias no processo penal e por idêntica possibilidade pela AT que justificam os diferentes procedimentos a seguir num e noutro caso. Tanto mais que a justificação para que aí tenha sido quebrado o segredo pode não valer para justificar a quebra do mesmo segredo para fins tributários.
A utilização desses elementos para fins tributários sempre exigirá que a AT desencadeie o procedimento de derrogação do segredo bancário previsto no art. 63.º-B da LGT, assegurando ao visado a possibilidade de interpor recurso judicial da decisão administrativa que determina o acesso à informação bancária (cfr. o n.º 5 do mesmo artigo) e, assim, garantindo o princípio constitucional de acesso ao direito e aos tribunais [cfr. art. 20.º da Constituição da República Portuguesa (CRP)].
Assim, caso a AT pretenda valer-se dos elementos cobertos pelo segredo bancário que foram recolhidos em sede de inquérito criminal, sempre deverá observar o procedimento prescrito no art. 63.º-B da LGT, ou seja, deverá dar início a um procedimento inspectivo, proferir decisão (da competência exclusiva do Director-Geral da ATA) fundamentada com expressa menção dos motivos concretos que a justificam, notificar essa decisão ao visado, a fim de permitir-lhe dela interpor recurso, que, em caso de procedência, determina a impossibilidade de utilização dos elementos de prova obtidos para qualquer efeito em desfavor do contribuinte, tudo nos termos já referidos.
A não ser assim (a menos que os elementos bancários sejam obtidos com o consentimento – que deverá ser expresso – do interessado ou que seja este a fornecer esses elementos), não estaria assegurado o direito do interessado impugnar a decisão administrativa de derrogação do segredo bancário, com manifesto prejuízo dos seus direitos, constitucionalmente protegidos, de acesso aos tribunais para tutela da reserva da sua vida privada (art. 20.º, n.º 1, e 26.º, n.ºs 1 e 2, da CRP).” (sublinhado nosso)
Conclui-se, assim, que a A.T. não pode, sem mais, utilizar a informação bancária obtida no âmbito de um inquérito criminal, quer lhe seja comunicada, quer dela tenha tido conhecimento pelo exercício de funções no âmbito das competências que lhe são delegadas no âmbito do inquérito.
Assim, quando a A.T. tem acesso, através de um processo criminal, a elementos protegidos pelo segredo bancário, tem de cumprir o procedimento previsto no artigo 63.º-B da L.G.T., emitindo uma decisão que fundamente o acesso aos elementos e notificando-a ao visado para que este, se assim o entender, possa reagir contenciosamente contra essa decisão.
Este entendimento, fixado no referido aresto do Pleno, tem vindo a ser firmado de forma uniforme pelos Tribunais (vide Acórdãos do T.C.A. Norte de 25/11/2021, proferido no processo n.º 00171/09.0BEAVR, de 12/04/2018 proferido no processo n.º 01726/10.6BEBRG e de 22/02/2018 proferido no processo n.º 00777/17.4BEAVR), inexistindo razões para divergirmos dessa jurisprudência, com a qual concordamos.
Assim, no caso em apreço, não resultando dos autos que a A.T. tenha cumprido o procedimento previsto no artigo 63º-B da L.G.T. (designadamente no que respeita à emissão de uma decisão fundamentada de quebra do sigilo bancário e à sua notificação ao Impugnante e à sociedade), estava-lhe vedada a utilização dos elementos bancários recolhidos no inquérito criminal.
Face a todo o exposto, conclui-se que a A.T. não podia utilizar as informações bancárias nos termos em que o fez, o que determina a ilegalidade das correcções contestadas pelo Impugnante e conduz à peticionada anulação parcial das liquidações impugnadas.» [Fim de citação]

Temos de concordar com o assim sentenciado, por estar escorreitamente decidido e conforme a jurisprudência firmada, com a qual concordamos e aqui acolhemos.
Começando pela questão do sigilo profissional, no caso de Advogado, tem sido entendimento do Supremo Tribunal Administrativo, que o acesso às contas e informação bancária de Advogado está abrangida pelo segredo profissional.
Veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 29/09/2010, proferido no processo n.º 0668/10 (em www.dgsi.pt), cujo sumário é o seguinte:
I - Embora o contribuinte esteja sujeito a um dever geral de cooperação com a AT, na concretização das diligências legalmente previstas, esse dever cessa nas circunstâncias previstas no nº 4, do art. 63º (LGT) podendo aquele opor-se legitimamente à realização da inspecção e só por via judicial podendo ser afastada tal oposição. Daí que, nos casos em que por via do acesso a documentação coberta pelo sigilo bancário, venha ou possa vir a ser invocado também o sigilo profissional, a AT, se utilizar apenas a via da autorização administrativa para derrogar tal sigilo, pode ver essa derrogação sindicada judicialmente, pois que o direito àquela oposição não é, nessa medida, afastado.
II - Porque a oposição, por devassa de sigilo profissional, ao acesso às contas e informações bancárias, por parte do contribuinte, impede a AT de aceder directamente a essas contas e informações, e dado que o nº 3 do art. 87º do EOA estabelece que o segredo profissional abrange ainda documentos ou outras coisas que se relacionem, directa ou indirectamente, com os factos sujeitos a sigilo, irreleva a argumentação de que não existe tal devassa do sigilo profissional no caso de se pretender apenas a recolha de elementos sobre os rendimentos do contribuinte adstrito àquele sigilo profissional.


Não obstante o Acórdão ter sido proferido em relação ao anterior Estatuto da Ordem dos Advogados (aprovado pela Lei n.º 15/2005, de 26 de janeiro), a citada jurisprudência continua válida na medida em que o atual Estatuto da Ordem dos Advogados (aprovado pela Lei n.º 145/2015, de 9 de setembro), mantém a mesma disposição sobre o segredo profissional, agora no artigo 92.º, cujo n.º 3, que estabelece o seguinte: «3 - O segredo profissional abrange ainda documentos ou outras coisas que se relacionem, direta ou indiretamente, com os factos sujeitos a sigilo.».
A dado passo, refere o citado Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo:
«No caso vertente, os AA (ora recorridos) invocaram o sigilo profissional de advogado e a sentença recorrida veio a considerar que, apesar de não resultar dos autos que no decurso do procedimento tributário o requerente tivesse feito qualquer alusão a essa circunstância, invocou tal segredo profissional no recurso da decisão do Sr. Director-Geral dos Impostos, e, por isso, tendo em conta o disposto no art. 87° do EOA (aprovado pela Lei nº 15/2005, de 26/1), é de concluir no sentido de que a AT só deveria e poderia aceder às informações e documentação bancária depois de obtida a devida autorização judicial, uma vez que, parte da matéria investigada poderia estar abrangida pelo segredo profissional porquanto os elementos factos verificados como sendo desconformes com a veracidade do declarado estavam relacionados com o exercício da advocacia. Ou seja, importava, no caso, que a AT no decurso da inspecção externa tivesse dado cumprimento ao previsto nos nºs. 1, 2 e 4, al. b) e 5 todos do art. 63º, conjugados com o art. 63°-B, nº 1, al. b), ambos da LGT.
O recorrente sustenta, porém, que, inexistindo oposição por parte do contribuinte, e visando o procedimento, no caso, o levantamento de sigilo bancário aos visados, não se poderia ter então reflectido e ponderado eventual violação de segredo profissional a que os então visados se encontram adstritos por força da profissão que exercem, sendo que estes participaram activamente no procedimento inspectivo sem nunca tal terem invocado, pelo que, a correcta leitura dos arts. 63° e 63°-B da LGT, impõe interpretação no sentido de que só a recusa (oposição) por parte do visado fundamentada em segredo profissional imporia a necessidade de recurso, por parte da administração, a autorização judicial prévia de acesso a contas e elementos bancários.
Todavia, julgamos que a sentença decidiu de acordo com a lei.
Com efeito, sendo certo, como se disse, que no caso de derrogação do sigilo profissional, é obrigatória a utilização da via judicial, dado que nos nºs. 2 e 4, al. b) do citado art. 63º-B, apenas se reportam à desnecessidade de autorização judicial para o caso específico da derrogação do sigilo bancário, não se englobando nesses normativos nem o sigilo profissional nem outros deveres de sigilo, a AT não poderia, a coberto da ressalva permitida, para o sigilo bancário, pelo art. 63º-B (derrogação deste quando estejam reunidos os pressupostos ali previstos) derrogar também o sigilo profissional, mesmo que o mesmo não tenha sido então invocado.
É que, embora o contribuinte esteja sujeito a um dever geral de cooperação com a AT, na concretização das diligências legalmente previstas, esse dever cessa nas circunstâncias previstas no nº 4, do art. 63º (LGT) podendo aquele opor-se legitimamente à realização da inspecção e só por via judicial podendo ser afastada tal oposição.
O que significa que, nos casos em que por via do acesso a documentação coberta pelo sigilo bancário, venha ou possa vir a ser invocado também o sigilo profissional, a AT, se utilizar apenas a via da autorização administrativa para derrogar tal sigilo, pode ver essa derrogação sindicada judicialmente, pois que o direito àquela oposição não é, nessa medida, afastado.
Até porque «o tribunal, em caso de oposição do contribuinte, não intervém para conceder dispensa do segredo, mas somente para certificar se o direito excepcionante do princípio geral de segredo de que goza a administração fiscal está a ser exercido no seu concreto campo, derrogando os princípios gerais da legalidade e da execução prévia dos actos administrativos» (cfr. Benjamim Rodrigues, in “O sigilo bancário e o sigilo fiscal”, na colectânea "Sigilo bancário", Lisboa, 1997, pg. 113, citado por Lima Guerreiro, LGT anotada, Anotação 16 ao art. 63º).
Daí que careça de suporte legal a alegação, por parte do recorrente, no sentido de que, pelo facto de não se ter oposto no procedimento, o contribuinte não pode agora invocar tal ilegalidade. Por um lado, não é verdade que o contribuinte não se tenha oposto, já que, quando foi perguntado sobre a disponibilização das suas contas bancárias, respondeu negativamente (cfr. auto de fls. 22 do apenso administrativo); por outro lado, se entender que ocorreu alguma ilegalidade no procedimento, não está vedado ao contribuinte invocá-la na respectiva impugnação do acto. Até porque, exigindo a al. b) do nº 4 do citado art. 63º da LGT o consentimento do titular, ainda que se possa entender que ele pode ser tácito, a verdade é que não corresponde à falta de oposição: isto é, tal falta não significa, «a se», consentimento.
Aliás, como alegam os recorridos, o sigilo profissional do advogado, previsto no art. 87° do EOA, é um dever do advogado e é um direito daqueles que são os seus clientes, só podendo ser afastado nas circunstâncias previstas na lei e dependente de procedimento próprio nos termos do respectivo regulamento - cfr. Regulamento nº 94/2006, de 12/6, pelo que está ele, desde logo, legalmente impedido de consentir a derrogação de tal sigilo profissional. (( ) Sobre as questões atinentes à natureza jurídica do sigilo profissional do Advogado (dever de natureza puramente contratual, adveniente e baseado na relação estabelecida entre o advogado e o cliente, ou dever de natureza pública) cfr. Lebre de Freitas, Estudos sobre Direito Civil e Processo Civil, Coimbra Editora, 2002, pags. 337 e sgts..)
Daí que, ao invés do que sucede com o sigilo bancário (que, dentro dos referidos pressupostos, pode ser derrogado pela própria AT), para o sigilo profissional a autorização judicial seja, como acima se disse, a regra em termos da sua derrogação, não existindo, neste âmbito, qualquer excepção que permita essa derrogação pela AT.
E segundo o disposto naquele art. 87° o advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços, designadamente, quanto aos factos especificados nas als. a) a f) desse normativo, sublinhando-se no seu nº 3 que o segredo profissional abrange ainda documentos ou outras coisas que se relacionem, directa ou indirectamente, com os factos sujeitos a sigilo.

Ora, como aponta o MP e os recorridos, as informações bancárias do advogado estarão igualmente abrangidas pelo segredo profissional, pois que, ainda que de forma indirecta, se poderão relacionar com informações bancárias dos clientes e movimentos financeiros em relação aos quais o advogado está obrigado a guardar sigilo. Daí que se imponha, face aos interesses envolvidos, a necessidade de autorização judicial nos termos do nº 5 do art. 63° da LGT, podendo a AT ter acesso à conta bancária do contribuinte, mas mediante autorização judicial e não podendo, no caso vertente, lançar mão da simples derrogação administrativa.
Não pode, assim, proceder a alegação do recorrente, no sentido de que «a correcta leitura dos preceitos indicados, impõe interpretação no sentido de que só a recusa (oposição) por parte destes fundamentada em segredo profissional imporia a necessidade de recurso, por parte da administração a autorização judicial prévia de acesso a contas e elementos bancários» e no sentido de que «o sigilo profissional, para além de um dever é, simultaneamente, um direito do advogado, na medida em que lhe confere a possibilidade de negar a prestação de informações ou o acesso a elementos com a invocação de tal fundamento».
Como se refere na sentença recorrida, tendo em conta o disposto no art. 87° do EOA, é de concluir no sentido de que a AT só deveria e poderia aceder às informações e documentação bancária depois de obtida a devida autorização judicial, uma vez que, parte da matéria investigada poderia estar abrangida pelo segredo profissional porquanto os elementos fácticos verificados como sendo desconformes com a veracidade do declarado estavam relacionados com o exercício da advocacia. Pelo que, no caso, importava que a AT no decurso da inspecção externa tivesse dado cumprimento ao previsto nos nºs. 1, 2 e 4, al. b) e 5 todos do art. 63º, conjugados com o art. 63°-B, nº 1, al. b), ambos da LGT, porquanto a excepção ou ressalva consagradas nos nºs. 2 e 4, al. b) do art. 63° da LGT quanto à desnecessidade de autorização judicial para a derrogação do sigilo, apenas se reporta ao caso específico do sigilo bancário, não se englobando aí o sigilo profissional.
E nem se vê que esta interpretação viole o disposto nos arts. 266º, nº 2 da CRP e 55º da LGT; antes pelo contrário: só o estrito cumprimento da lei é que pode assegurar a prossecução dos princípios ali referidos, o que, como vimos, não sucedeu no presente caso.
Improcedem, pois, as Conclusões a) a i) e ac).

6. Quanto à questão [cfr. Conclusões j) a ab)] que se prende com o entendimento de que, por um lado, se retira do nº l do artigo 87° do EOA que só os factos, matérias e documentos que advenham ao conhecimento do advogado por força da relação profissional, que tenham ou devam ter carácter oculto, devem ser objecto de segredo, sendo que inexiste tal carácter perante a AT, no que respeita à relação económica que se estabelece entre advogado e cliente, também o recorrente carece de razão legal.
Com efeito, como se expressou no citado ac. deste STA, de 2/12/2009, rec. 01116/09, aceitando-se que «no caso do segredo profissional e, em especial, no que está em causa nos autos - segredo profissional de advogado - em que a ponderação dos interesses envolvidos reveste uma especial importância e relevo para a preservação da relação de confiança dos cidadãos na classe profissional dos advogados tendo em vista “o interesse da justiça na sua mais lata acepção” - cfr. Acórdão de 15/12/2004, rec. nº 1862/03 (secção administrativa)», então, «perante a invocação do sigilo profissional, não se compreenderia que a administração tributária tivesse a possibilidade de derrogar administrativamente a protecção conferida por esse dever de sigilo sem prévia sindicância judicial» e «se estamos em face de recusa do contribuinte com fundamento em sigilo profissional, só podendo a derrogação do sigilo bancário ter lugar mediante autorização judicial, tal como resulta do nº 5 do art. 63º citado, não pode simultaneamente aplicar-se a derrogação pela Administração Fiscal limitada a certos elementos das contas e informações bancárias».
Até porque, como se disse, prevendo-se no nº 3 do art. 87º do EOA que o segredo profissional abrange ainda documentos ou outras coisas que se relacionem, directa ou indirectamente, com os factos sujeitos a sigilo, há que concluir que as informações bancárias do advogado estarão igualmente abrangidas pelo segredo profissional, pois que, ainda que de forma indirecta, se poderão relacionar com informações bancárias dos clientes e movimentos financeiros em relação aos quais o advogado está obrigado a guardar sigilo. Daí que se imponha, face aos interesses envolvidos, a necessidade de autorização judicial nos termos do nº 5 do art. 63° da LGT, podendo a AT ter acesso à conta bancária do contribuinte, mas mediante autorização judicial e não podendo, no caso vertente, lançar mão da simples derrogação administrativa.
Acresce, no que respeita à recorrida B…, que não existindo qualquer incorrecção apontada pela AT quanto aos rendimentos por si auferidos e declarados e sendo o acesso à informação questionada motivado apenas, de acordo com a fundamentação da decisão impugnada, pelo facto de aquela ser casada com o contribuinte cujos rendimentos e respectivas declarações fiscais a AT pretende comprovar, então não existe, consequentemente, motivo para que a mesma AT aceda à sua informação bancária. De todo o modo, sendo ela sujeito passivo (cfr. nº 2 do art. 13º do CIRS), então, independentemente da sua consideração, ou não, como «familiar» e da alegada aplicação, ou não, do disposto no nº 8 do art. 63º-B da LGT (na redacção da Lei nº 55-B/2004, de 30/12) - segundo o qual “O acesso da administração tributária a informação bancária relevante relativa a familiares ou terceiros que se encontrem numa relação especial com o contribuinte depende de autorização judicial expressa, após audição do visado, obedecendo aos requisitos previstos no nº 4” - a não derrogação do sigilo bancário sempre resultaria de, quanto a ela, não haver dúvidas quanto à veracidade do declarado.» [fim de citação]

Ora, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 63.º da Lei Geral Tributária, a Inspeção Tributária pode desenvolver todas as diligências necessárias ao apuramento da situação tributária dos contribuintes, mas com as restrições estabelecidas nos n.os 2 e 3 do mesmo preceito, que estabelecem o seguinte:
Artigo 63.º (Inspeção)
1 - (…)
2 - O acesso à informação protegida pelo segredo profissional ou qualquer outro dever de sigilo legalmente regulado depende de autorização judicial, nos termos da legislação aplicável.
3 - Sem prejuízo do número anterior, o acesso à informação protegida pelo sigilo bancário e pelo sigilo previsto no Regime Jurídico do Contrato de Seguro faz-se nos termos previstos nos artigos 63.º-A, 63.º-B e 63.º-C.

Conforme determinado no n.º 2 do citado preceito, em caso de acesso a informação protegida por segredo profissional, a Autoridade Tributária carece de autorização judicial para aceder à mesma.
Havendo entendimento de que a conta bancária está relacionada com a atividade da advocacia, não era possível ter acedido à mesma, sem estar obtida a necessária dispensa do sigilo profissional, ou melhor, de autorização judicial para o efeito, ou seja, que tivesse em consideração que se pretendia, precisamente, aceder a conta bancária de Advogado, em situação sujeite a segredo profissional.

Em face do exposto, conclui-se que a Autoridade Tributária não podia aceder à conta bancária do Impugnante da forma que o fez, pelo que também não podia usar os elementos constantes da mesma para fins de tributação.

No que concerne à necessidade de a Autoridade Tributária ter de se socorrer do procedimento de acesso a informações e documentos bancários previsto no artigo 63.º-B da Lei Geral Tributária, mesmo que tenham sido obtidos elementos bancários em processo inquérito, também já se pronunciou abundantemente a jurisprudência, podendo ver-se, nomeadamente, o Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 16/09/2015, proferido no processo n.º 099/15 (em www.dgsi.pt), cujo sumário é o seguinte:
I - A interposição do recurso previsto no art. 284.º do CPPT em processo urgente deve ser efectuada no prazo de 10 dias, por força do disposto no art. 283.º do CPPT.
II - Atento o disposto no art. 27.º, alínea b) do ETAF, no art. 284.º do CPPT e no art. 152.º do CPTA, o recurso por oposição de acórdãos interposto em processo judicial tributário instaurado após 1 de Janeiro de 2004 (data da entrada em vigor do ETAF de 2002) depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos legais: que se verifique contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito e que não ocorra a situação de a decisão impugnada estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.
III - Pese embora a AT, nos casos referidos no n.º 1 do art. 63.º-B da LGT e no âmbito de um procedimento de inspecção, possa aceder directamente à informação e documentação bancária coberta pelo dever de sigilo sem dependência do consentimento do titular dos interesses protegidos e sem necessidade de audiência prévia deste, faculdade que o legislador entendeu pertinente à descoberta da verdade (e, assim, um instrumento em ordem a permitir à AT cumprir a sua obrigação funcional de prosseguir os valores da distribuição equitativa da contribuição para os gastos públicos e do dever fundamental de pagar os impostos que informam a constituição fiscal), não poderá fazê-lo à margem do procedimento que o legislador estabeleceu no mesmo artigo, designadamente no que respeita à fundamentação da decisão de quebrar o segredo bancário e sua notificação, ao recurso dessa decisão, seu efeito e destino dos elementos de prova assim colhidos no caso de deferimento desse recurso (cfr. n.ºs 3, 5 e 6, respectivamente).
IV - A diversidade dos bens jurídicos que autorizam o afastamento da regra da reserva da informação em sede de processo criminal e em sede tributária – que determina a diversidade dos procedimentos e da competência para a derrogação do sigilo – não permite que a AT, sem mais, utilize a informação bancária obtida legitimamente no âmbito do inquérito criminal, quer lhe seja comunicada pela autoridade judiciária, quer dela tenha tido conhecimento pelo exercício de funções no âmbito das competências que lhe são delegadas no âmbito do inquérito.
V - A AT pode utilizar essa informação bancária, mas não poderá fazê-lo em prejuízo dos direitos do interessado, o que significa, para além do mais, que não fica dispensada de respeitar o procedimento previsto no art. 63.º-B da LGT, maxime dando início a um procedimento inspectivo, comunicando ao interessado a decisão fundamentada de quebra do sigilo e permitindo-lhe assim sindicar judicialmente essa decisão administrativa.
A dado passo, refere este Acórdão do Pleno da Secção Tributária do STA:
«Nessas situações em que no âmbito do inquérito criminal a autoridade judicial competente decidiu quebrar o sigilo bancário, suscita-se a questão de saber se a AT pode utilizar a informação bancária assim obtida, na medida em que ela evidenciar ou indiciar uma situação de eventual fraude ou evasão fiscais e, na afirmativa, em que condições; dito de outro modo, suscita-se a questão de saber se a prova obtida em sede de inquérito com acesso a documentação bancária ao abrigo do disposto na alínea d) do n.º 2 do art. 79.º do RGICSF pode ser utilizada em sede de procedimento tributário.
Como ficou já dito, os tribunais tributários têm vindo a afirmar, e bem, que a derrogação do sigilo bancário pela AT não pode ocorrer senão em sede de procedimento de inspecção.
Assim, a AT, não podendo ignorar os elementos bancários do contribuinte relativamente aos quais tenha sido quebrado o sigilo bancário no âmbito do inquérito criminal e de que tenha adquirido legitimamente conhecimento, não pode, sem mais, utilizá-los.
Parafraseando o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 4 de Junho de 2014, proferido no processo n.º 515/14 (Publicado no
Apêndice ao Diário da República de 20 de Novembro de 2014
(
http://www.dre.pt/pdfgratisac/2014/32220.pdf), págs. 2103 a 212, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/4b456510a9b638e480257d0000366420.), a menos que no processo crime tenha havido julgamento e tenham sido fixados factos que, constantes de decisão transitada em julgado, poderão ser utilizados como prova por parte da AT (cfr. n.º 9 do art. 63.º-B da LGT), no caso de arquivamento do processo-crime os elementos dele constantes apenas poderão ser utilizados pela AT como factos indiciários de uma determinada realidade, eventualmente subsumível à previsão de alguma das alíneas do n.º 1 do art. 63.º-B da LGT. Neste último caso, não só porque o processo criminal não prosseguiu para julgamento e, por isso, não foi facultada ao interessado a possibilidade de aí sindicar os elementos de prova recolhidos no inquérito, como também, e decisivamente, porque os elementos bancários foram obtidos mediante as regras processuais penais aplicáveis no âmbito do inquérito criminal – justificadas pelos fins próprios deste processo – e não para fins tributários e ao abrigo das regras tributárias. Ora, são os diferentes interesses visados pela possibilidade de derrogação do segredo bancário pelas autoridades judiciárias no processo penal e por idêntica possibilidade pela AT que justificam os diferentes procedimentos a seguir num e noutro caso. Tanto mais que a justificação para que aí tenha sido quebrado o segredo pode não valer para justificar a quebra do mesmo segredo para fins tributários.
A utilização desses elementos para fins tributários sempre exigirá que a AT desencadeie o procedimento de derrogação do segredo bancário previsto no art. 63.º-B da LGT, assegurando ao visado a possibilidade de interpor recurso judicial da decisão administrativa que determina o acesso à informação bancária (cfr. o n.º 5 do mesmo artigo) e, assim, garantindo o princípio constitucional de acesso ao direito e aos tribunais [cfr. art. 20.º da Constituição da República Portuguesa (CRP)].

Assim, caso a AT pretenda valer-se dos elementos cobertos pelo segredo bancário que foram recolhidos em sede de inquérito criminal, sempre deverá observar o procedimento prescrito no art. 63.º-B da LGT, ou seja, deverá dar início a um procedimento inspectivo, proferir decisão (da competência exclusiva do Director-Geral da ATA) fundamentada com expressa menção dos motivos concretos que a justificam, notificar essa decisão ao visado, a fim de permitir-lhe dela interpor recurso, que, em caso de procedência, determina a impossibilidade de utilização dos elementos de prova obtidos para qualquer efeito em desfavor do contribuinte, tudo nos termos já referidos.
A não ser assim (a menos que os elementos bancários sejam obtidos com o consentimento – que deverá ser expresso – do interessado ou que seja este a fornecer esses elementos), não estaria assegurado o direito do interessado impugnar a decisão administrativa de derrogação do segredo bancário, com manifesto prejuízo dos seus direitos, constitucionalmente protegidos, de acesso aos tribunais para tutela da reserva da sua vida privada (art. 20.º, n.º 1, e 26.º, n.ºs 1 e 2, da CRP).» [Fim de citação]

Neste sentido também tem decidido este Tribunal Central Administrativo Norte, em diversos arestos, tais como os proferidos em 30 de novembro de 2022 (ainda inéditos), nos processos n.º 1237/10.0BEAVR; 803/10.8BEAVR; 1045/18.0BEAVR; e 866/10.6BEAVR, entre outros, como por exemplo o Acórdão proferido no processo n.º 00171/09.0BEAVR, de 25/11/2021 (em www.dgsi.pt), cujo sumário contém o seguinte elucidativo sumário:
I - Pese embora a AT, nos casos referidos no n.º 1 do artigo 63.º-B da LGT e no âmbito de um procedimento de inspecção, possa aceder directamente à informação e documentação bancária coberta pelo dever de sigilo sem dependência do consentimento do titular dos interesses protegidos e sem necessidade de audiência prévia deste, faculdade que o legislador entendeu pertinente à descoberta da verdade (e, assim, um instrumento em ordem a permitir à AT cumprir a sua obrigação funcional de prosseguir os valores da distribuição equitativa da contribuição para os gastos públicos e do dever fundamental de pagar os impostos que informam a constituição fiscal), não poderá fazê-lo à margem do procedimento que o legislador estabeleceu no mesmo artigo, designadamente no que respeita à fundamentação da decisão de quebrar o segredo bancário e sua notificação, ao recurso dessa decisão, seu efeito e destino dos elementos de prova assim colhidos no caso de deferimento desse recurso (cfr. n.ºs 3, 5 e 6, respectivamente).
II - A diversidade dos bens jurídicos que autorizam o afastamento da regra da reserva da informação em sede de processo criminal e em sede tributária – que determina a diversidade dos procedimentos e da competência para a derrogação do sigilo – não permite que a AT, sem mais, utilize a informação bancária obtida legitimamente no âmbito do inquérito criminal, quer lhe seja comunicada pela autoridade judiciária, quer dela tenha tido conhecimento pelo exercício de funções no âmbito das competências que lhe são delegadas no âmbito do inquérito.
III - A AT pode utilizar essa informação bancária, mas não poderá fazê-lo em prejuízo dos direitos do interessado, o que significa, para além do mais, que não fica dispensada de respeitar o procedimento previsto no artigo 63.º-B da LGT, maxime dando início a um procedimento inspectivo, comunicando ao interessado a decisão fundamentada de quebra do sigilo e permitindo-lhe assim sindicar judicialmente essa decisão administrativa.

Portanto, estando em causa um procedimento de inspeção tributária, era necessário que tivesse sido cumprido o disposto no n.º 3 do artigo 63.º da Lei Geral Tributária, no caso que tivesse usado o procedimento de derrogação do sigilo bancário previsto no artigo 63.º-B da Lei Geral Tributária.
Como não foi usado este procedimento, conclui-se que a Autoridade Tributária não podia utilizar os elementos bancários em apreço, por isso também não podia ter realizado a inspeção tributária nos moldes em que o fez.
Desta forma, a liquidação enferma de erro nos pressupostos de direito, pelo que não pode ser mantida na ordem jurídica.
Assim, conclui-se que a sentença recorrida não enferma de erro de julgamento, pelo que deve ser mantida na ordem jurídica, na parte que se acabou de analisar.
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Alega, ainda, a Recorrente a sentença é omissa quanto ao pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, mas que esta deve ser concedida, por a conduta processual dela ser merecedora e em respeito dos princípios da proporcionalidade e do acesso ao direito.
Tem sido entendido pela jurisprudência que a complexidade da causa ou a conduta das partes constituem fatores que devem ser atendidos para a dispensa do remanescente da taxa de justiça, mas outros fatores também podem ser relevantes para o efeito, em função do princípio da proporcionalidade, designadamente a natureza e a atividade exercida pelos sujeitos processuais, o valor dos interesses económicos em discussão ou os resultados obtidos.
Veja-se, por exemplo, o Acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte de 06/05/2016, proferido no processo n.º 03192/11.0BEPRT, cujo sumário é:
I – O artigo 6º n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais concede ao juiz, oficiosamente ou a instâncias tempestiva das partes, um poder/dever de dispensar, nas causas de valor superior a 275.000,00€, o pagamento do remanescente da taxa de justiça devida a final, em função da apreciação casuística da especificidade da situação em causa, atendendo, designadamente, à complexidade da causa e à conduta processual das partes, ou seja à falta de especial complexidade da mesma e ao comportamento processual positivo das partes, de recíproca correcção, cooperação e de boa-fé.
II – Dessa forma permite-se ao juiz adequar o valor da taxa de justiça aos custos que, em concreto, o processo consumiu ao sistema de administração de justiça, em ordem à salvaguarda, entre outros valores, dos da proporcionalidade e da justiça distributiva na responsabilização/pagamento das custas processuais.
Relativamente a este aspeto é de conceder razão à Recorrente, na medida em que a conduta das partes não foi belicosa, o processo não oferece especial complexidade, assim como pela salvaguarda do princípio da proporcionalidade.
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No que concerne a custas, atenta a improcedência total do recurso, é a Recorrente a responsável pelas custas do recurso (ainda que procedente na matéria apreciada sobre o remanescente da taxa de justiça, tal situação não está abrangida pelo valor da ação, pelo que, caso fosse improcedente, caberia tributação autónoma pelo incidente e não pelo valor da causa) – vide artigo 527.º, nos. 1 e 2 do e 529.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
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Nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do Código de Processo Civil, elabora-se o seguinte sumário:
I - A Autoridade Tributária não pode utilizar os elementos bancários sem realizar o procedimento de derrogação do sigilo bancário previsto nos artigos 63.º, n.º 3 e 63.º-B da Lei Geral Tributária, mesmo que haja recolha de elementos bancários em processo de inquérito penal.
II - Tem sido entendido pela jurisprudência que a complexidade da causa ou a conduta das partes constituem fatores que devem ser atendidos para a dispensa do remanescente da taxa de justiça, mas outros fatores também podem ser relevantes para o efeito, em função do princípio da proporcionalidade, designadamente a natureza e a atividade exercida pelos sujeitos processuais, o valor dos interesses económicos em discussão ou os resultados obtidos.
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Decisão
Termos em que, acordam em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
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Custas a cargo da Recorrente.
Dispensam-se as partes do remanescente da taxa de justiça.
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Porto, 19 de janeiro de 2023.

Paulo Moura
Vítor Salazar Unas
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