Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
| Processo: | 00308/23.7BEAVR |
| Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
| Data do Acordão: | 06/12/2024 |
| Tribunal: | TAF de Aveiro |
| Relator: | ROSÁRIO PAIS |
| Descritores: | RAC; ANULAÇÃO DE VENDA; SUSPENSÃO DO PROCESSO DE EXECUÇÃO FISCAL; |
| Sumário: | I – Como se depreende do teor do artigo 169º do CPPT, tendo sido prestada a garantia, a suspensão da execução fiscal permanece até à decisão do pleito. II – Por força do nº 10, do artigo 169º do CPPT, se o executado não der a conhecer à AT a existência de circunstâncias que justificam a suspensão da execução a consequência legal limita-se à responsabilidade pelas custas originadas pelo processado indevido e isto, logicamente, em virtude de esse processado ficar sem efeito. III - Atenta a proibição que impende sobre a administração tributária de conceder moratórias no pagamento das obrigações tributárias e de suspender a execução dos processos, ressalvados os expressamente previstos na lei, conforme dispõem o artigo 36º, nº 3 da LGT e o artigo 85º do CPPT, a venda em execução fiscal só pode ser suspensa nos casos previstos nos artigos 244º, nº 2 e seguintes, do CPPT e 264º, nº 2, do mesmo código. IV - As causas de suspensão da venda são distintas e autónomas das causas de suspensão do processo de execução fiscal, as quais também só podem ocorrer nas condições legalmente previstas de pendência de procedimento ou processo judicial com efeito suspensivo, conforme previsto no artigo 169º do CPPT.* * Sumário elaborado pela relatora (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
| Votação: | Unanimidade |
| Decisão: | Conceder provimento ao recurso. |
| Aditamento: |
| Parecer Ministério Publico: |
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| Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência os Juízes da Subsecção de execução fiscal e de recursos contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: 1. RELATÓRIO 1.1. «AA», devidamente identificado nos autos, vem recorrer da decisão proferida em 02.11.2023 no Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, pela qual foi julgada totalmente improcedente a reclamação que deduziu contra o despacho do Chefe do Serviço de Finanças ... que indeferiu o pedido de anulação da venda executiva com o nº ...7.2021.7, efetuada no processo de execução fiscal nº ....................888. 1.2. O Recorrente terminou as suas alegações formulando as seguintes conclusões: «1ª) Pelas razões aduzidas no ponto das alegações do presente recurso, que aqui se dão por integralmente reproduzidas, é manifesto que estão verificados os requisitos legais para que, nos termos e ao abrigo do disposto na parte final no Arto. 2860, no.2, do Código do Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) seja atribuído EFEITO SUSPENSIVO ao presente recurso. SEM PRESCINDIR 2a) Pelas razões aduzidas nos pontos II e III das alegações do presente recurso, que aqui se dão por integralmente reproduzidas, é manifesto que o órgão de execução fiscal, como "órgão auxiliar ou colaborador operacional do Juiz " no Processo de Execução Fiscal no. ....................889, não cumpriu, de forma plena e cabal, o dever de apurar a verdade material quanto aos factos alegados pelo adjudicatário — no seu requerimento de 15/11/2021 - como constitutivos do seu direito à anulação da venda executiva no. ...7.2021.7, dever esse a que estava adstrito por força do principio do inquisitório nos termos que resultam do disposto nos Artos. 58º, 99º no.1, e 103º, no.1, da LGT,[Imagem que aqui se dá por reproduzida] pelo que a decisão proferida no despacho objeto da reclamação do aqui Recorrente — que indefere o pedido de anulação da venda executiva no. ...7.2021.7 deduzido pelo adjudicatário na medida em que aqui Recorrida violou o principio do inquisitório no procedimento que conduziu à mesma, sempre será ilegal por violação daquelas disposições legais. 3º) Ao assim não considerar, e por essas razões, a sentença ora recorrida desde logo viola o disposto nos mencionados Arts. 58º, 99º, nº1, e 103º, nº.1, da LGT, violação essa que, nos termos do disposto no Arto. Arto. 6390, no .2, al. a), do C.P.C., - aqui aplicável por força do disposto no Art. 281º do CPPT, com a redacção dada pela Lei no. 1 18/2019, de 17/09 -, constitui fundamento bastante para o presente recurso de apelação. SEM PRESCINDIR 4ª ) Pelas razões aduzidas no pontos IV e V das alegações do presente recurso, que aqui se dão por integralmente reproduzidas, é manifesto que, perante as insuficiências na alegação de factos por parte do adjudicatário no pedido de anulação da venda executiva no. ...7.2021.7 por si deduzido em 15/11/2021, que obstavam a que a mesma pudesse efetuar as diligências necessárias para dar cumprimento ao dever de averiguação da verdade material desses factos, a aqui Recorrida, estando sujeita ao dever de atuação segundo a boa fé, sempre estaria obrigada a notificar aquele adjudicatário para esclarecer elou clarificar tais insuficiências, para esclarecer e/ou clarificar em que consistiam os alegados problemas que estavam a surgir na transferência para o nome do adjudicatário do bem adquirido nesta venda executiva, para esclarecer e/ou clarificar em que medida esses alegados problemas se enquadravam e consubstanciavam numa das situações previstas no Arto. 257º, no.1, do CPP T, conforme decorre do disposto no Arto. 48º, do CPPT, e no Arto. 59º, nos. l, 2 e 3, alínea d), da LGT, pelo que a decisão proferida no despacho objeto da reclamação do aqui Recorrente — que indefere o pedido de anulação da venda executiva no. OI 67.2021.7 deduzido pelo adjudicatário -, na medida em que aqui Recorrida violou também o principio da colaboração no procedimento que conduziu à mesma, sempre será ilegal por violação do disposto nestes Artos. 48º, do CPPT, e 59º, nos. l, 2 e 3, alínea d), da LGT. 5a) Ao assim não considerar, e por essas razões, a sentença ora recorrida desde logo viola também o disposto nos mencionados Art0s. 59º, nos. I, 2 e 3, alínea d), da LGT, e no Arto. 48º, do CPPT, violação essa que, nos termos do disposto no Arto . Arto. 639º no .2, al. a), do C.P.C., - aqui aplicável por força do disposto no Arto. 281º do CPP, com a redacção dada pela Lei no. 118/2019, de 17/09 -, constitui também fundamento bastante para o presente recurso de apelação. SEM PRESCINDIR 6a) Pelas razões aduzidas no pontos VI e VII das alegações do presente recurso, que aqui se dão por integralmente reproduzidas, é manifesto que o despacho proferido pelo órgão de execução fiscal - ora aqui Recorrida - em 11/01/2022 no PEF no. ....................889, em que indefere a requerida anulação daquela venda executiva no. ...7.2021.7, viola o disposto naqueles Artºs. 169º, no.1, e 278º, no.8, ambos do CPPT, pelo que, do mesmo modo, a sentença ora recorrida, designadamente, ao considerar e concluir que o órgão de execução fiscal — Administração Tributária - não cometeu qualquer ilegalidade naquela venda executiva no. ...7.2021.7, e, por essa razão, ao julgar totalmente improcedente a reclamação do despacho proferido pelo mesmo órgão em 11/01/2022 no PEF no. ....................889, que indefere a requerida anulação da mesma, viola ela também, pelas razões acima aduzidas, o disposto nestes Artos. 169º no.1, e 278º, no.8, ambos do CPPT, violação essa que, nos termos do disposto no Arto. Arto. 639º, no.2, al. a), do C.P.C., - aqui aplicável por força do disposto no Arto. 281º do CPPT, com a redacção dada pela Lei no. 118/2019, de 17/09 - também constitui fundamento bastante para o presente recurso de apelação. SEM PRESCINDIR 7ª) Pelas razões aduzidas no pontos VIII a XI das alegações do presente recurso, que aqui se dão por integralmente reproduzidas, é manifesto que a sentença ora recorrida, ao considerar/concluir que o órgão de execução fiscal — Administração Tributária — não cometeu qualquer ilegalidade ao efetuar a venda executiva no. ...7.2021.7, ao considerar/concluir que, a existir alguma ilegalidade, a mesma tem de ser imputada ao mero erro/lapso do aqui Recorrente na apresentação do recurso via SITAF da sentença judicial proferida em 1ª instância no processo no. 2/20.0BEAVR, ao considerar/concluir que, na altura em que foi efetuada aquela venda executiva no. ...7.2021.7, não havia qualquer causa de suspensão válida, efetiva e atual do PEF no. OI ...................889, e ao considerar/concluir que, ao invocar a ilegalidade daquela venda executiva no. ...7.2021.7 que decorre daquele seu mero erro/lapso, o Recorrente age com abuso de direito, na modalidade de "venire contra factum proprium", viola também o disposto nos Artos. 169º, no.1, e 278º, no.8, ambos do CPPT, bem como o disposto no Arto. 334º, do Código Civil, violação essa que, nos termos do disposto no Arto. Arto. 639º no.2, al. a), do C.P.C., - aqui aplicável por força do disposto no Arto 281º do CPPT, com a redacção dada pela Lei no. 118/2019, de 17/09 -, constitui também fundamento bastante para o presente recurso de apelação, e importa a revogação da mesma e a sua substituição por outra que, julgando a reclamação procedente, anule a venda no. ...7.2021.7, que teve lugar em 26/10/2021, com todas as devidas consequências legais. NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO, Deve o presente Recurso de Apelação ser julgado procede por provado e, em consequência, deve a sentença ora recorrida ser revogada e substituída por outra que, julgue procedente por provada a presente reclamação e, em consequência, declare anulada a venda executiva n.º ...7.2021.7 efetuada /10/2021 no PEF no. ....................889, assim fazendo V.Exa s. a habitual JUSTIÇA.». 1.3. A Recorrida/Fazenda Pública não apresentou contra-alegações. 1.4. O Recorrido/contrainteressado «BB» não apresentou contra-alegações. 1.5. O DMMP junto deste TCAN teve vista dos autos e emitiu parecer concluindo que o recurso não merece provimento. * Dispensados os vistos legais, nos termos do artigo 36º, nº 2, do CPTA, cumpre apreciar e decidir, pois que a tanto nada obsta. * 2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR Uma vez que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da Recorrente, cumpre apreciar e decidir se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento ao considerar que a AT não violou os deveres de inquisitório e de cooperação e, bem assim, que a venda em crise não deve ser anulada com fundamento na suspensão do processo de execução fiscal à data da sua ocorrência. 3. FUNDAMENTAÇÃO 3.1. DE FACTO 3.1.1. Factualidade assente em 1ª instância A decisão recorrida contém a seguinte fundamentação de facto: «Factos provados: 1. Em 27/11/2001, no Serviço de Finanças ... foi instaurado contra o reclamante o processo de execução fiscal n.º ....................889, por dívidas de IVA e juros compensatórios dos anos de 1998 e 1999 no valor de 6.103,92 € – cfr. informação de fls. 108 a 112 do SITAF e fls. 2 a 11 e 36 do processo de execução fiscal junto com requerimento de fls. 253 do SITAF; 2. Em 22/11/2001, o ora reclamante apresentou impugnação judicial relativamente às dívidas referidas no ponto anterior – cfr. fls. 13, 26, 27 e 44 do processo de execução fiscal junto com o requerimento de fls. 253 do SITAF; 3. Em 20/03/2002, no âmbito do PEF n.º ....................889 foi penhorada a Fração ..., correspondente ao estabelecimento comercial, loja n.º ..., situada no ... piso comercial, do prédio urbano, inscrito sob o artigo ...83.º da Freguesia e concelho ..., a qual foi registada na Ap. ...02 – cfr. pp. 5 e 6 de fls. 79 do SITAF em conjugação com informação de fls. 108 do SITAF; 4. Por apresentação da impugnação judicial aludida em 2) e com fundamento na garantia constituída pela penhora aludida no ponto anterior, o Serviço de Finanças ... determinou a suspensão do processo de execução fiscal n.º ....................889 – cfr. fls. 33 e 44 do processo de execução fiscal junto com o requerimento de fls. 253 do SITAF; 5. Em 09/04/2019 transitou em julgado a decisão judicial que julgou improcedente a impugnação judicial aludida em 2), após o que o Serviço de Finanças ... determinou a prossecução do processo de execução fiscal n.º ....................889 para venda do bem descrito em 3) – cfr. fls. 58 a 60 do processo de execução fiscal junto com o requerimento de fls. 253 do SITAF; 6. Em 17/10/2019, o reclamante requereu ao Chefe do Serviço de Finanças ... a prescrição da dívida tributária cobrada no processo de execução fiscal n.º ....................889 – cfr. pp. 12 a 14 de certidão de fls. 173 do SITAF; 7. Em 14/11/2019, o Chefe do Serviço de Finanças ... proferiu despacho de indeferimento da pretensão do reclamante descrita no ponto anterior – cfr. documento de pp. 10 a 12 de fls. 1 e 22 do SITAF; 8. Em 26/11/2019 o reclamante remeteu ao Chefe do Serviço de Finanças ..., por carta postal registada, reclamação judicial contra o despacho de indeferimento aludido no ponto anterior, dirigida ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, a qual deu origem ao processo n.º 2/20.0BEAVR – cfr. pp. 1 a 8 de certidão de fls. 173 do SITAF; 9. Em 06/01/2021, nos autos de processo 2/20BEAVR foi proferido despacho de admissão liminar da reclamação aludida no ponto anterior, nos seguintes termos: “Considerando que o Reclamante alega a prescrição das dívidas tributárias, e que a venda dos bens penhorados é susceptível de originar a inutilidade superveniente da reclamação, admito liminarmente a presente reclamação, com subida imediata” – cfr. documento de pp. 22 de fls. 1 ss do SITAF; 10. Em 24/01/2020, pela titular dos autos do processo n.º 2/20.0BEAVR foi proferida sentença que julgou improcedente a reclamação apresentada pelo reclamante – cfr. pp. 23 a 42 de certidão de fls. 173 do SITAF; 11. Em 10/02/2020, o reclamante apresentou aos autos do processo n.º 2/12.4BUPRT, via SITAF, requerimento de interposição de recurso da sentença que julgou improcedente a reclamação tramitada nos autos de processo n.º 2/20.0BEAVR – cfr. pp. 62 a 70 de fls. 1 ss do SITAF; 12. À data de 10/02/2020, o referido processo 2/12.4BUPRT já se encontrava no estado de “findo” – consulta do referido processo na plataforma SITAF; 13. Em 12/03/2020, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro remeteu o processo n.º 2/20.0BEAVR, em estado de “findo”, ao órgão de execução fiscal competente – cfr. fls. 129 do processo de execução fiscal junto com requerimento de fls. 395 do SITAF; 14. Por despacho de 23/09/2021, proferido no processo de execução fiscal n.º ....................889, o Chefe do Serviço de Finanças ... determinou a venda judicial do bem imóvel penhorado aludido em 3) por meio de leilão electrónico, entre 27/09/2021 e 26/10/2021, por a venda judicial n.º 0167.2020.31, realizada em 30/11/2020, não ter obtido qualquer proposta – cfr. documento de fls. 139 junto com a contestação; 15. Em 08/10/2021, o reclamante, por carta postal registada, requereu ao Chefe do Serviço de Finanças ... a suspensão da venda, nos seguintes termos: “1º V. Exa. designou dia para a venda do imóvel em refª. 2º O executado requereu, nestes serviços, que fosse declarada a PRESCRIÇÃO dos impostos e juros. 3º V. Exa. indeferiu. 4º Desse indeferimento houve reclamação para o Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro a que coube o nº 2/20.0BEAVR – Unidade Orgânica 2, 5º Que julgou improcedente a reclamação decidindo que ”nenhuma das dívidas em execução se encontra prescrita” 6º Naqueles autos 2/20 foi considerado a suspensão da venda dos bens penhorados porque tal venda é susceptível de originar a inutilidade superveniente a reclamação, 7º Da decisão de improcedência ali proferida, 8º o executado interpôs recurso para o Tribunal Central Administrativo e Fiscal em 11.02.2020. 9º Mantém-se assim a suspensão da venda já determinada em sede de 1ª instância. REQUER que V. Exa. suspenda a venda até ao trânsito em julgado do recurso interposto pelo executado, em 11.02.2020”. - cfr. pp. 17 a 19 e 36 de fls. 1 ss do SITAF; 16. O requerimento aludido no ponto anterior foi remetido ao Chefe do Serviço de Finanças ... instruído de cópia de alegações de recurso relativas à sentença proferida no processo 2/20.0BEAVR, electronicamente submetidas no processo n.º 2/12.4BUPRT do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro – cfr. pp. 62 a 70 de fls. 1 ss do SITAF; 17. Pelo ofício n.º ...53, datado de 19/10/2021, o Chefe do Serviço de Finanças ... indeferiu a pretensão do ora reclamante relativamente à suspensão da venda em execução do bem referido em 3), instruindo a decisão da seguinte comunicação prestada pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro em 09/09/2021: “(…) informo V.Ex.ªque não foi interposto recurso da sentença proferida em 24-01-2020, no processo 2/20.0BEAVR, transitada em julgado em 14-02-2020. Mais informo que o referido processo encontra-se no estado de “Findo”, tendo o mesmo (suporte físico) sido remetido a esse Serviço de Finanças em 12-03-2020, conforme termo de remessa cuja cópia igualmente se junta.” – cfr. fls. 195 e 197 do processo de execução fiscal junto com o requerimento de fls. 509 do SITAF; 18. Em 26/10/2021, na Direcção de Finanças ... teve lugar a venda n.º ...7.2021.7, relativa ao bem imóvel referido em 3), adjudicado a «BB» pelo valor de 15.111,11 euros – cfr. auto de adjudicação de pp. 5 e 6 de fls. 79 do SITAF; 19. Em 03/11/2021, o Tribunal Administrativo e Fiscal remeteu ao Serviço de Finanças ... o seguinte despacho, proferido nos autos do processo n.º 2/20.0BEAVR: “(…) - Em 26-10-2021, o Reclamante apresentou neste Tribunal um requerimento pelo qual veio pedir a retificação de um manifesto lapso de escrita que se consubstancia na indicação errada do número do processo aquando da entrega, em 11-02-2020. do requerimento de interposição de recurso e respetivas alegações da sentença proferida nestes autos em 24-01-2020; (…) - Estes autos encontram-se, neste momento, aguardar o decurso do prazo do exercício do contraditório, após o que o Tribunal decidirá, imediatamente, sobre a admissibilidade do pedido de retificação apresentado, o qual, a ser aceite, terá como consequência que o recurso em causa se considere apresentado no dia em que foi apresentado no processo n.º 2/12.4BUPRT (10-02-2020), e como tal, e se a isso nada mais obstar, será admitido.” - cfr. fls. 208 a 210 do processo de execução fiscal junto com o requerimento de fls. 531 do SITAF; 20. Em 08/11/2021, nos autos de processo n.º 2/20.0BEAVR foi proferido despacho judicial que relevou, a título de lapso de escrita, a interposição do recurso aludido em 11) no processo n.º 2/12.4BUPRT e determinou o seguinte: “a) Extraia certidão do requerimento de interposição de recurso, respetivas alegações e comprovativo de pagamento da taxa de justiça constantes do processo n.º 2/12.4BUPRT, que correu termos neste Tribunal, juntando-os aos presentes autos; b) Notifique o Reclamante, ora Recorrente, para, no prazo de cinco dias, indicar expressamente qual o Tribunal de recurso, na medida em que tal informação não consta do requerimento de interposição de recurso, sob pena de não o fazendo, o recurso não ser admitido. c) Junta a informação mencionada no ponto anterior, dê cumprimento ao disposto no artigo 282.º, n.º 3 do Código do Procedimento e Processo Tributário, tendo aí em consideração a natureza urgente do presente processo”. - cfr. fls. 218 a 221 do processo executivo junto com o requerimento de fls. 531 do SITAF; 21. Em 15/11/2021, «BB», na qualidade de adjudicatário, requereu junto do Serviço de Finanças ... a anulação da venda judicial n.º ...7.2021.7, realizada em 26/10/2021, com os seguintes fundamentos: “O motivo deste pedido prende-se com os problemas que estão a surgir na tentativa de transferir o bem atribuído para meu nome” – cfr. e-mail de pp. 4 de fls. 79 ss do SITAF; 22. Em 14/12/2021, o ora reclamante pronunciou-se sobre o pedido de anulação da venda referido no ponto anterior, invocando o recurso pendente e a suspensão dos autos do processo n.º 2/20.0BEAVR, pedindo a anulação da venda e a suspensão da venda do prédio penhorado até ao trânsito em julgado do processo n.º 2/20.0BEAVR – informação de pp. 22 e 24 de fls. 79 a 108 do SITAF; 23. Em 03/01/2022, nos autos de processo n.º 2/20.0BEAVR do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, foi proferido despacho de admissão de recurso interposto pelo reclamante, com efeito suspensivo – cfr. despacho de pp. 43 de certidão de fls. 173 ss do SITAF; 24. Ainda em 03/01/2022, o despacho aludido no ponto anterior foi remetido ao Serviço de Finanças ... através de envio de carta postal registada – cfr. pp. 18 de fls. 79 do SITAF; 25. Em 11/01/2022, pelo órgão de execução fiscal foi proferido despacho de indeferimento da pretensão de anulação da venda apresentada pelo adjudicatário «BB» e pelo ora reclamante, com os seguintes fundamentos: “A aceitação da proposta apresentada pelo adjudicatário ocorreu em 26.10.2021, e o presente pedido de anulação de venda, tal qual nos é representado, foi apresentado em 15.11.2021. Verifica-se, assim, que o pedido de anulação da venda foi efectuado 20 dias depois da aceitação da sua proposta de compra. Nestes termos, se hipoteticamente fosse possível subsumir o fundamento alegado em qualquer das alíneas do n.º 1 do art. 257.º do CPPT, concluir-se-ia que, embora fosse de considerar tempestivo o pedido com base no prazo plasmado nas alíneas a) e b), de 90 e 30 dias respectivamente, quanto à via postal registada, comunicação a requerer a declaração de prescrição das dívidas. Em 14.11.2019 foi proferido pelo Chefe de Finanças ... da Madeira despacho de indeferimento. Em 26.11.2019 o executado remeteu, Reclamação contra o referido despacho, (Proc. 2/20.0BEAVR) a qual foi julgada improcedente por sentença de 24.01.2020. Em 10.02.2020 o executado apresenta recurso, o qual ainda não obteve decisão. Conclui-se assim que o PEF esteve suspenso, por interposição de impugnação judicial com constituição de garantia, de 19.04.2002 a 09.04.2019, data em que transitou em julgado a decisão de improcedência e o SF procedeu ao levantamento das garantias. A partir dessa data, o PEF prosseguiu com a sua normal tramitação, encontrando-se na fase de venda. Não tendo o executado encetado procedimentos no sentido de obter nova suspensão do PEF n.º ....................889, nos termos do artigo n.º 169.º do CPPT, não existe fundamento, como não existia à data, para que o imóvel não fosse vendido, em consonância com os arts. 248.º e ss. do CPPT. Pelo que, não se vislumbrando qualquer ilegalidade na actuação da AT, e dada a fragilidade do invocado pelo executado, a sua pretensão não será de atender, prevalecendo a eficácia da venda ora em causa. Aqui chegados, e sem necessidade de mais considerações, parece-nos que a venda efectuada deve manter-se, subsistindo os seus efeitos, indeferindo a pretensão formulada pelo requerente/adquirente. 4. Conclusão Do exposto resulta que parece não se poder entender como verificado na presente situação a existência de motivo atendível para se proceder à anulação da venda, pelo que deverá o presente pedido improceder.” - cfr. pp. 21 a 25 de fls. 79 ss do SITAF; 26. Em 13/01/2022, o Tribunal Central Administrativo Norte proferiu acórdão que negou provimento ao recurso aludido em 11) e 23) supra, tendo o mesmo transitado em julgado – cfr. fls. 322 do processo 2/20.0BEAVR por consulta na plataforma SITAF; 27. A notificação da decisão aludida no ponto anterior foi remetida por via electrónica em 13/01/2022 – cfr. fls. 341 e 342 do processo 2/20.0BEAVR por consulta à plataforma SITAF. Factos não provados: Não há, que relevem para a decisão a proferir. Motivação: o tribunal formou a sua convicção a partir dos documentos juntos aos autos, incluindo o processo de execução fiscal neles integrado, não se verificando pelas partes a arguição da sua falsidade ou o menor levantamento de questões relativas à sua interpretação. Dando a entender a relação de causalidade entre cada facto dado por provado e os documentos dos autos, remeteu-se ao longo do probatório para o repositório destes através da indicação das respectivas fls. na plataforma SITAF.». 3.1.2. Aditamento à matéria de facto provada Ao abrigo da faculdade que nos é conferida pelo artigo 662º do Código de Processo Civil e porque tal se revela necessário para a adequada apreciação deste recurso, vamos proceder ao seguinte aditamento à matéria de facto provada: 17-A) O despacho de indeferimento do pedido de suspensão da venda, aludido no ponto 15 supra, foi notificado ao à sociedade de advogados mandatária do Recorrente através de correio registado com o nº RH6.........5PT. 17-B) O ofício de notificação do despacho referido no ponto antecedente tem o seguinte teor: «(…) [Imagem que aqui se dá por reproduzida] (…)». * Estabilizada nestes termos a decisão quanto à matéria de facto, cumpre apreciar o mérito deste recurso. 3.2. DE DIREITO Está em causa nestes autos a decisão do OEF de indeferimento do pedido de anulação de venda formulado pelo respetivo adjudicatário (alegando «“problemas que estão a surgir na tentativa de transferir o bem atribuído” para o seu nome»), bem como pelo ora Recorrente que, notificado para se pronunciar sobre aquele pedido, considerou justificar-se a anulação da venda por entender, em suma e se bem percebemos, que a execução fiscal esteve suspensa enquanto até ao trânsito em julgado da decisão, ainda pendente de recurso, proferida no processo de reclamação nº 2/20.0BEAVR, em que se discutia a prescrição das dívidas exequendas. O OEF não deu provimento ao pedido de anulação da venda tendo em conta, por um lado, a falta de clareza suficiente para inferir em qual dos fundamentos previstos no artigo 257º do CPPT se subsume a pretensão do adjudicatário e, por outro lado, porque o processo de execução fiscal apenas esteve suspenso entre 19.04.2002 e 09.04.2019 (enquanto esteve pendente a impugnação judicial da dívida com prestação de garantia), não vislumbrando qualquer ilegalidade na atuação da AT. Deduzida reclamação contra esta decisão, foi proferida a sentença objeto deste recurso considerando que não se mostram violados os princípios do inquisitório e cooperação e que, pelo facto de o Recorrente ter, por lapso, dirigido o recurso da decisão da reclamação nº 2/20.0BEAVR ao processo de impugnação (já transitado), «criando a aparência de que não havia efeito suspensivo,» do pef, a atuação da AT foi legítima. O Recorrente não se conforma com a decisão do Tribunal a quo, à qual imputa erro de julgamento. Começando pelo vício de caráter substantivo que é apontado ao ato de venda, vejamos, antes do mais, a fundamentação jurídica que sustenta a sentença sob escrutínio: «2. Da anulação da venda executiva realizada com o n.º ...7.2021.7 no âmbito do processo de execução fiscal n.º ....................889 com fundamento na violação da suspensão dos autos de execução fiscal O reclamante alega que o processo de execução fiscal se mantinha suspenso por força do recurso interposto para o Tribunal Central Administrativo Norte contra a sentença proferida na reclamação de atos do órgão da execução fiscal, sob o processo nº 2/20.0BEAVR, em que foi suscitada a prescrição da dívida tributária, e, assim sendo, o despacho é ilegal por violação do artigo 169.º do CPPT. A Fazenda Pública contesta alegando que os processos de execução fiscal estiveram suspensos, por interposição de impugnação judicial, de 19/04/2002 a 09/04/2019, data em que a decisão de improcedência da impugnação transitou em julgado, pelo que a tramitação decorreu normalmente a partir de então, sendo irrelevante o facto de as garantias constituídas no PEF através de penhora ainda se manterem ativas e aptas a garantirem o pagamento das dividas. Alega ainda que o Acórdão do TCA Norte, proferido em 14/01/2021, já transitou em julgado há muito tempo, mantendo-se a eficácia da venda. O Ministério Público aderiu ao teor da contestação, considerando que o reclamante dirigiu o recurso para o processo findo n.º 2/12.4BUPRT, sendo que o recurso só foi admitido no processo n.º 2/20.0BEAVR por despacho de 03/01/2022. Vejamos. Conforme estatui o artigo 276.º, n.º 1, do CPPT, a reclamação do ato do órgão de execução fiscal, em regra, apenas sobe ao tribunal após a realização da penhora e da venda. Todavia, quando a subida é imediata, nas situações em que o prosseguimento da execução seja susceptível de causar prejuízo irreparável, revela um efeito suspensivo do acto que deve manter-se enquanto não houver decisão transitada em julgado na reclamação. Neste sentido, Acórdão do STA, datado de 10/01/2018, proferido no processo n.º 01454/17 e Acórdão do STA de 07/07/11, proferido no processo n.º 0459/11. No caso vertente, em 06/01/2020, nos autos de processo 2/20.0BEAVR, foi proferido despacho de admissão liminar da reclamação do ato do chefe, em que se considerou a subida imediata da reclamação, por perda de utilidade, e em 24/01/2020 foi proferida sentença de improcedência da reclamação, estando, por essa razão, o referido período abrangido pelo efeito suspensivo. Discute-se, pois, se este efeito se manteve por força da interposição do recurso para o Tribunal Central Administrativo Norte contra a sentença proferida nos autos de processo 2/20.0BEAVR, período durante o qual a Administração Tributária procedeu à venda judicial do bem imóvel penhorado no processo de execução fiscal subjacente. Ora, em 10/02/2020, o reclamante submeteu, via SITAF, no processo n.º 2/12.4BUPRT, um requerimento de interposição de recurso contra a sentença que julgou improcedente a reclamação tramitada nos autos de processo n.º 2/20.0BEAVR. Esse recurso referia expressamente que se dirigia ao processo n.º 2/20.0BEAVR, mas só foi admitido nesse processo em 03/01/2022, por facto imputável ao recorrente. No despacho de admissão foi-lhe atribuído efeito suspensivo. Portanto, o agora reclamante apresentou o recurso no processo errado, criando a aparência de que não havia efeito suspensivo, uma vez que a decisão proferida em 1ª instância se tornara definitiva por ter transitado em julgado. Sob tal aparência, era perfeitamente legitima a actuação da Administração Tributária, prosseguindo a tramitação da execução fiscal, desde logo atento o disposto nos artigos 36.º, n.º 3, da LGT e 85.º, n.ºs 3 e 4, do CPPT, que permitem a imputação de responsabilidade tributária subsidiária e a condenação disciplinar ou criminal aos funcionários da Administração Tributária que concederem moratórias ou suspensão da execução fiscal fora dos casos expressamente previstos na lei. Não obstante, só em 03/01/2022, após a realização da venda judicial, é que foi corrigido o erro cometido pelo executado, admitindo-se o recurso apresentado noutro processo já findo, e foi remetida à Administração Tributária a comunicação da admissão do recurso. Isto porém, não sem que antes da admissão daquele recurso se houvesse comunicado à mesma Administração a ausência de qualquer recurso no processo 2/20.0BEAVR e o seu estado como findo. Assim, CONSIDERANDO: - o princípio da auto-responsabilidade das partes e o erro cometido pelo executado, reclamante e recorrente, que apresentou o recurso destinado ao processo n.º 2/20.0BEAVR no processo findo n.º 2/12.4BUPRT; - que entre a data da sentença de improcedência proferida em 24/01/2020 na RAOEF n.º 2/20.0BEAVR e a data do despacho de admissão desse recurso, em 03/01/2022, a Administração Tributária não sabia nem tinha obrigação processual ou procedimental de saber que havia um recurso erradamente apresentado noutro processo, em 10/02/2020, e que o trânsito em julgado da decisão proferida em 1.ª instância poderia vir a não ser considerado definitivo, pelo que, em 26/10/2021, procedeu à venda executiva cuja anulação agora se pretende; - que o prédio adjudicado nessa venda foi transmitido para terceiro, de boa-fé, que pagou o respetivo preço; - que o referido recurso foi, quase de imediato, julgado improcedente por decisão do TCA Norte proferida em 13/01/2022, e que tal decisão transitou em julgado, concluindo-se que o recorrente não tinha razão material para tal recurso; o Tribunal considera que, no caso concreto, a Administração Tributária não cometeu qualquer ilegalidade na venda efetuada e que, a existir alguma ilegalidade, não poderá ser imputada senão ao próprio executado, ainda que a título de mero lapso, e que na altura da venda não havia qualquer causa de suspensão, válida, efetiva e atual, da execução fiscal. Pelo que, estando os legítimos interesses do executado em confronto com os legítimos interesses de terceiros de boa-fé, no caso, o adjudicatário adquirente do bem vendido judicialmente, e - ao lado destes - os princípios da confiança nos tribunais e da segurança jurídica e da manutenção dos atos processuais, o Tribunal considera que deve ser dada preferência à manutenção da venda efetuada nas condições legais vigentes naquele momento, muito depois do trânsito em julgado da sentença e do encerramento do respetivo processo e remessa ao órgão de execução fiscal para prosseguimento da execução, e muito antes da reabertura e da decisão de admissão do recurso, tanto mais que este foi de imediato julgado improcedente. Ou seja, o Tribunal considera que o executado e agora Reclamante não tem razão na parte em que argui a ilegalidade da venda decorrente da violação do efeito suspensivo decorrente do recurso apresentado contra a sentença proferida no processo n.º 2/20.0BEAVR, na medida em que, por facto imputável apenas a si próprio, na altura da venda executiva não havia qualquer recurso apresentado no âmbito do processo n.º 2/20.0BEAVR. Além disso, o facto de o recurso ter sido tempestivamente apresentado e estar dirigido ao processo nº 2/20.0BEAVR não derroga o facto de ter sido efectivamente integrado pelo executado (ou pelo respectivo mandatário judicial), via SITAF, no processo nº 2/12.4BUPRT, que se encontrava já findo e no qual o tribunal não tinha qualquer poder/dever de tramitação, nem derroga o facto de o processo nº 2/20.0BEAVR ter sido considerado findo, por inexistência de recurso, e devolvido ao órgão de execução fiscal para continuação da tramitação do processo executivo. Por outro lado, o facto de o processo n.º 2/20.0BEAVR ter sido reaberto a pedido do executado e nele ter sido proferido despacho de admissão com efeitos suspensivos não derroga o facto de isso ter sucedido só depois de efectuada a venda judicial em causa. Pelo que os efeitos decorrentes do despacho de admissão do recurso não podem ser, nesta parte, retroactivos e anulatórios dos actos entretanto praticados no processo de execução fiscal, incluindo a venda judicial efectuada no período que decorreu entre a restituição do processo com decisão judicial transitada em julgado e a data da reabertura e admissão do recurso que, por facto imputável exclusivamente ao executado, estava integrado noutro processo judicial já findo e que foi de imediato (10 dias depois) julgado improcedente. De facto, foi o executado agora reclamante que deu azo a que se criasse a aparência de que não se mantinha qualquer efeito suspensivo da execução. Deste modo, ao deferir-se a pretensão do reclamante, permitindo que este se prevaleça da ilegalidade de um acto cuja boa aparência criou, infringir-se-ia o princípio da auto-responsabilidade das partes e, em bom rigor, o princípio da igualdade das partes no processo, estando a permitir-se que este se prevalecesse, em desfavorecimento da outra parte de boa-fé, de uma situação aparente de suspensão que ele mesmo criou. A indevida tramitação do recurso pelo reclamante, não pode, pois, prejudicar terceiros de boa fé, como o adjudicatário ou os demais credores. Ao invocar a seu favor a ilegalidade processual decorrente do seu próprio erro, o Executado e reclamante age em abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium, nos termos do disposto no artigo 334.º do Código Civil segundo o qual é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito. O princípio da confiança é um princípio ético fundamental, de que a ordem jurídica em momento algum se alheia; está presente, desde logo, na referida norma do artigo 334.º do CC, que, ao falar nos limites impostos pela boa fé ao exercício dos direitos, pretende assegurar a proteção da confiança legítima que o comportamento contraditório do titular do direito possa ter gerado na contraparte. O normativo prevê que é ilegítimo que o titular exceda manifestamente, no exercício do direito, os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito. Deste modo, não é necessária a consciência de que se excederam os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito. É suficiente que esses limites sejam ultrapassados. O normativo visa a boa fé objetiva e o seu cerne encontra-se, deste modo, no comportamento gerado. Conforme densificou a jurisprudência, os pressupostos do abuso do direito, na vertente de venire contra factum proprium, que se nos afigura estar em consideração nos presentes autos, baseiam-se na existência de um comportamento anterior do agente que baseie a situação de confiança objectiva, a imputabilidade das condutas ao mesmo agente e a boa fé do lesado, traduzida na confiança gerada pelo agente e no investimento que o lesado perpetuou. No sentido acima exposto se pronunciou o Acórdão do STJ, de 12.11.2013, proferido no processo n.º 1464/11.2TBGRD-A.c1. s1. O reclamante ao apresentar, erradamente, o recurso no processo n.º 2/12.4BUPRT, criou a aparência de que o processo n.º 2/20.0BEAVR se encontrava findo e, em consequência, o efeito suspensivo que lhe estava associado. Tal comportamento gerou uma situação de confiança objetiva, em que uma pessoa normal, colocada naquela posição poderia objetivamente confiar. Assim, considerando fundadamente que o processo se encontrava findo – repare-se que havia decorrido o prazo do trânsito em julgado sem qualquer admissão do recurso -, a Administração Tributária confiou na situação aparente gerada pelo reclamante. De notar, igualmente, que a Administração Tributária só foi notificada da admissão do recurso em 03/01/2022, após a venda judicial, e que quando foi requerida a suspensão da venda pelo reclamante o recurso não havia sido admitido no processo n.º 2/20.0BEAVR. A situação de confiança gerada pelo executado e reclamante, com a irregular interposição do recurso, não pode, pois, prejudicar o adjudicatário, a Administração Tributária ou os demais credores. Mais: o executado e reclamante não reagiu contra a omissão de pronúncia ou decisão quanto ao pedido de suspensão da execução com fundamento no recurso apresentado antes da venda judicial (cfr. factos provados 15 e 16), sendo certo que tal omissão ou a rejeição constituiria fundamento para novo processo de reclamação nos termos dos artigos 276..º e seguintes do CPPT porquanto provoca, só por si, uma lesão imediata dos interesses do requerente. Antes de terminar, e em jeito de reforço, sobra apenas acrescentar duas notas finais: - uma, primeira e em jeito de continuidade com a tese sustentada, para referir que a prática ilegal do acto da venda executiva constitui, fruto da natureza judicial do processo de execução fiscal (cfr. artigo 103.º, n.º 1 da LGT), uma nulidade do processo que, provocada pelo reclamante, não podia ser por si arguida nos termos do artigo 197.º, n.º 1 do CPC, nos termos do que não pode arguir a nulidade a parte que lhe deu causa ou que, expressa ou tacitamente, renunciou à arguição (cfr. FRANCISCO FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, Volume I, 3.ª edição, Almedina, 2019, pp. 614: “Não pode, porém, arguir/suscitar a nulidade a parte que lhe houver dado causa (proibição do venire contra acfactum proprium)”).; - e outra, última, para conotar que o trânsito em julgado de impugnação judicial que discuta a legalidade da dívida tributária exequenda é causa suficiente para o avançar do processo para a venda dos bens penhorados no processo de execução fiscal (cfr. artigo 169.º, n.º 1 do CPPT).». Na perspetiva do Recorrente, efetivamente, o pef esteve suspenso durante a pendência do processo nº 2/20.0BEAVR, até ao trânsito em julgado do acórdão nele proferido; deu a conhecer ao OEF a interposição de recurso naquele processo, pelo que a AT sabia, desde 19/10/2021, que se mantinha causa suspensiva do processo de execução fiscal, não podendo ignorar a ilegalidade da venda posteriormente ocorrida (em 26/10/2021). Esta ilegalidade não pode ser suprida pela compra, de boa fé, por parte de terceiro, que, aliás, requereu a anulação da venda; do mesmo modo, a decisão do TCAN que manteve a sentença recorrida no dito processo não converte, de forma retroativa, a venda ilegal num ato válido. Mais refere que a apresentação do recurso em processo distinto daquele a que se dirigia decorre de um mero lapso seu, sem qualquer intenção de criar aparência de que o processo se encontrava findo, nem vislumbra a vantagem que desse facto resultaria para si. Afigura-se-nos que, efetivamente, o processo de execução fiscal esteve suspenso até ao trânsito em julgado do acórdão do TCAN, proferido no processo nº 2/20.0BEAVR, na medida em que, como se depreende do teor do artigo 169º do CPPT, tendo sido prestada (e mantida, pelo menos até venda, pois depreende-se do despacho que não julgou verificada a invocada prescrição das dívidas exequendas que a garantia era constituída pela penhora realizada na execução fiscal) a garantia, a suspensão permanece até à decisão do pleito. Pese embora as vicissitudes ocorridas quanto à apresentação do requerimento de recurso da sentença proferida naquele processo, o certo é que tal recurso foi admitido e apreciado, daí que, bem ou mal, o pleito apenas ficou decidido com o trânsito em julgado do Acórdão proferido no recurso. O Meritíssimo Juiz a quo entendeu que, ainda assim, a ilegalidade da venda é imputável ao Recorrente e que este agiu em abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium, não sendo necessária a consciência de que excedeu os limites impostos pela boa fé. Não acolhemos, porém, este entendimento. Veja-se que para uma situação paralela em termos de consequências, como é o caso de o executado não dar conhecimento ao OEF da existência de processo que justifique a suspensão da execução, prevê o nº 10, do artigo 169º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, que o executado responderá pelas custas relativas ao processo posterior à penhora. Portanto, se o executado não der a conhecer à AT a existência de circunstâncias que justificam a suspensão da execução a consequência legal limita-se à responsabilidade pelas custas originadas pelo processado indevido e isto, logicamente, em virtude de esse processado ficar sem efeito. Refere-se também na sentença recorrida que o Recorrente não reagiu contra a decisão de arquivamento do seu pedido de suspensão da execução com fundamento na apresentação do recurso jurisdicional da sentença proferida no já identificado processo, «sendo certo que tal omissão ou a rejeição constituiria fundamento para novo processo de reclamação nos termos dos artigos 276..º e seguintes do CPPT porquanto provoca, só por si, uma lesão imediata dos interesses do requerente.». Não há dúvida de que a decisão de arquivamento do pedido de suspensão da venda era passível de reclamação; no entanto, a verdade é que a ilegalidade apontada à venda não respeita a qualquer das circunstâncias em que é admissível a suspensão do procedimento de venda. De facto, tendo em conta a proibição que impende sobre a administração tributária de conceder moratórias no pagamento das obrigações tributárias e de suspender a execução dos processos, ressalvados os expressamente previstos na lei, conforme dispõem o artigo 36º, nº 3 da LGT e o artigo 85º do CPPT, a venda em execução fiscal só pode ser suspensa nos casos previstos nos artigos 244º, nº 2 e seguintes, do CPPT e 264º, nº 2, do mesmo código. Assim, as causas de suspensão da venda são distintas e autónomas das causas de suspensão do processo de execução fiscal, as quais também só podem ocorrer nas condições legalmente previstas de pendência de procedimento ou processo judicial com efeito suspensivo, conforme previsto no artigo 169º do CPPT. Ora, como dizíamos, a ilegalidade apontada ao reclamado ato de venda reside no facto de existir causa de suspensão do processo de execução fiscal que, por necessária decorrência, implicava a suspensão do procedimento de venda. Nesta perspetiva, é irrelevante que o Recorrente não tenha reagido judicialmente contra o despacho que determinou o arquivamento do pedido de suspensão da venda, pois a causa da ilegalidade da venda estava a montante. Ante o que vem exposto e sem necessidade de outras considerações, deve ser concedido provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida, bem como julgar a reclamação procedente, com a consequente anulação do despacho reclamado, restando prejudicado o conhecimento do outro fundamento deste recurso. * Assim, preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões: I – Como se depreende do teor do artigo 169º do CPPT, tendo sido prestada a garantia, a suspensão da execução fiscal permanece até à decisão do pleito. II – Por força do nº 10, do artigo 169º do CPPT, se o executado não der a conhecer à AT a existência de circunstâncias que justificam a suspensão da execução a consequência legal limita-se à responsabilidade pelas custas originadas pelo processado indevido e isto, logicamente, em virtude de esse processado ficar sem efeito. III - Atenta a proibição que impende sobre a administração tributária de conceder moratórias no pagamento das obrigações tributárias e de suspender a execução dos processos, ressalvados os expressamente previstos na lei, conforme dispõem o artigo 36º, nº 3 da LGT e o artigo 85º do CPPT, a venda em execução fiscal só pode ser suspensa nos casos previstos nos artigos 244º, nº 2 e seguintes, do CPPT e 264º, nº 2, do mesmo código. IV - As causas de suspensão da venda são distintas e autónomas das causas de suspensão do processo de execução fiscal, as quais também só podem ocorrer nas condições legalmente previstas de pendência de procedimento ou processo judicial com efeito suspensivo, conforme previsto no artigo 169º do CPPT. 4. DECISÃO Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de execução fiscal e de recursos contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, julgar a reclamação procedente e, em consequência, anular o despacho reclamado. Custas a cargo da Recorrida, em ambas as instâncias, por nelas sair vencida, nos termos do artigo 527º, nº 1 e 2, do Código de Processo Civil, as quais não incluem a taxa de justiça devida nesta sede, uma vez que não contra-alegou. Porto, 12 de junho de 2024 Maria do Rosário Pais – Relatora Ana Paula Rodrigues Coelho dos Santos – 1ª Adjunta Ana Cristina Gomes Marques Goinhas Patrocínio – 2ª Adjunta |