Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02023/12.8BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:05/29/2025
Tribunal:TAF de Braga
Relator:VITOR SALAZAR UNAS
Descritores:OPOSIÇÃO;
INSUFICIÊNCIA DE BENS;
INSOLVÊNCIA, GERÊNCIA DE FACTO;
Sumário:
I – A declaração de insolvência da sociedade originária devedora constitui fundamento bastante para que se considere haver fundada insuficiência do património daquela, e para justificar a reversão contra, no caso, o responsável subsidiário /Recorrente pela dívida exequenda. Sendo certo que este, também, não alegou e provou que à data em que foi operada a reversão, após a declaração da insolvência, a sociedade detinha bens suficientes para pagamento da quantia exequenda no valor de € 5.357,22.

II - À luz do regime da responsabilidade subsidiária prevista no art.º 24.º, n.º 1, da LGT, em qualquer das suas duas alíneas, a possibilidade de reversão não se basta com a gerência de direito, exigindo-se o exercício de facto da gerência, incumbindo à AT a sua demonstração.

III - Nos termos do disposto na alínea b), do art.º 24.º, da LGT., a prova do exercício da gerência de facto, recai sobre a Exequente, sendo que a falta dessa demonstração, sempre terá de ser valorada contra esta.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais, do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte:

I – RELATÓRIO:
«AA», contribuinte fiscal n.º ...76, com os demais sinais nos autos, interpôs recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que julgou improcedente a oposição, por si instaurada, na qualidade de responsável subsidiário, à execução fiscal n.º ...74, a correr termos no Serviço de Finanças ..., intentada contra a sociedade «[SCom01...], Lda.», para cobrança de créditos da “APVC - Administração do Porto de ..., S.A.”, referentes ao estacionamento de embarcações e ocupação de terrenos em ..., relativos aos períodos de 22.1.2009 a 3.12.2009, no montante inicial de € 10.192,09, reduzidos a €5.357,22 por força do pagamento parcial efetuado.
O Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
«(…).
A) Dispõe o art. 153.°, n° 2, al. b) do CPPT que "o chamamento à execução dos responsáveis subsidiários depende da (...) fundada insuficiência, de acordo com os elementos constantes do auto de penhora e outros de que o órgão da execução fiscal disponha, do património do devedor para a satisfação da dívida exequenda e acrescido''.
B) Ou seja, a insuficiência dos bens do devedor originário é condição que a lei reputa essencial para que se possa desencadear o procedimento de reversão contra o responsável subsidiário.
C) Cabe à AT demonstrar que os bens penhoráveis do devedor originário são fundadamente insuficientes para a satisfação da dívida exequenda e acrescidos, pois é sobre a AT que recai o ónus da prova de que se verificam os factos que integram os fundamentos previsto na lei para que possa chamar à execução os responsáveis subsidiários pela divida exequenda, revertendo a execução contra eles.
D) A dívida exequenda nos presentes autos é de 5.357,22€.
E) No articulado de "oposição à reversão da execução fiscal" o oponente indicou um conjunto de bens/direitos de crédito da devedora originária sendo que, qualquer um deles individualmente considerado seria manifestamente suficiente para satisfação integral da dívida exequenda e acrescidos, a saber:
e) A pendencia do reembolso à devedora originária do IVA referente ao período 0909T no valor de 362.152,91€ (doc. n° 1 junto com a PI).
f) Penhora do saldo que a devedora originária tem na conta bancária nº ...30, da Banco 1..., no valor de 23.546,50€ (doc. n° 2 junto com a PI).
g) Encontram-se à "guarda" do gerente «BB» uma embarcação em fibra de cor laranja, com o comprimento de 25 metros por 4,5 metros de largura, mais três motores intrabordo da marca ZF FRIEDRIGHSHAFEN e mais três propulsores da marca SEA RIDER, sendo que, só os motores intrabordo da marca ZF FRIEDRIGHSHAFEN têm, conjuntamente, um valor superior a 500.000,00€ (doc. n° 3 junto com a PI).
h) A devedora originária tem um direito de crédito sobre a sociedade [SCom02...], Lda., por esta reconhecido e aceite, no valor de 102.655,28€ (doc. n° 4 que ora se junta).
F) Ainda que se pudesse alegar uma série de obstáculos quanto aos bens/direitos de crédito elencados nas precedentes alíneas b), c) e d), já não se compreende, e não se aceita, que o pagamento da quantia exequenda e acrescidos em questão nestes autos, no valor de 5.357,22€, não possa ser feita directamente do valor do IVA cujo reembolso se encontra(va) pendente.
G) Tanto mais que por conta daquele crédito de IVA acabou por ser entregue à massa insolvente o valor de 121 349,81€, conforme informação prestada pela Autoridade Tributária ao TAF de Braga, processo 2074/12.2BEBRG, em documento datado de 17.03.2014 (que ora se junta como Doc. 1).
H) É manifesto que aquele valor é mais que suficiente para pagamento integral da quantia exequenda neste processo e acrescidos pelo que o despacho de reversão emitido com fundamento na insuficiência de bens da devedora originária [al. b) do n° 2 do art. 153° do CPPT] enferma de erro nos pressupostos de facto pois encontra-se aqui demonstrada a manifesta "suficiência" dos bens/direitos de crédito do devedor principal para a satisfação da" dívida exequenda e acrescido" em questão nestes autos.
I) Na verdade, o oponente (e ora recorrente) demonstrou a existência de bens certos e determinados suficientes para pagamento da quantia exequenda, sendo certo que basta o valor referente ao reembolso do IVA para fazer face à dívida exequenda e acrescidos (sobrando ainda umas largas dezenas de milhar de euros).
J) Pelo que deve ser alterada a decisão produzida pelo meritíssimo juiz a quo de que o oponente não se desonerou do ónus de demonstrar que a devedora originária possuía bens certos e determinados suficientes para pagamento da quantia exequenda.
K) Devendo decidir-se, por conseguinte, que o despacho de reversão da execução contra o aqui oponente não obedeceu ao pressuposto da efectiva verificação e demonstração da fundada insuficiência do património da devedora originária para satisfação da dívida exequenda e acrescido.
L) A não verificação do pressuposto da "insuficiência dos bens do devedor originário'', que é condição que a lei reputa essencial para que se possa desencadear o procedimento de reversão contra o responsável subsidiário, gera a ilegitimidade deste, sendo fundamento de oposição à execução, subsumível no art. 204.°, n° 1, alínea b) do CPPT.
M) Que determina a extinção da instância executiva em relação ao aqui recorrente.
N) O oponente, ora recorrente, foi nomeado gerente da devedora principal em 21/02/2003 tendo renunciado à gerência em 30/07/2003. (Facto admitido por acordo, em relação ao qual as partes não expressaram qualquer divergência, tácita ou expressa).
O) No âmbito da LGT (cfr. o n° 1 do seu art. 24.°), para se afirmar a responsabilidade subsidiária por reversão do processo de execução fiscal exige-se que a AT demonstre que o "revertido" exerceu a gerência da sociedade devedora principal de modo efectivo ou de facto, isto é, a gerência de facto constitui requisito da responsabilidade subsidiária dos gerentes.
P) É sobre a AT, enquanto exequente e como titular do direito de reversão, que recai o ónus de alegar e provar os pressupostos que lhe permitem reverter a execução fiscal contra o gerente da devedora originária, designadamente, os factos integradores do efectivo exercício da gerência de facto [de acordo com a regra geral de quem invoca um direito tem que provar os respectivos factos constitutivos - artigo 342.°, n.° 1, do CC e artigo 74.°, n.° 1, da LGT].
Q) O Digníssimo Tribunal a quo deu por provada a gerência de facto do oponente, e ao que parece, desde 30/07/2003 até à insolvência, com base em alguns factos isolados que considera serem manifestações do exercício da gerência "de facto".
R) Sucede que, analisados os mesmos, facilmente se verifica e conclui que não constituem qualquer indício, prova ou fundamento de que o ora oponente foi, em tempo algum, gerente "de facto".
S) Um dos elementos considerado manifestação do exercício da gerência "de facto" consiste na autorização para movimentar uma das contas bancárias da sociedade.
T) Porém, a qualidade de gerente, mesmo que "de facto'', não pode ser deduzida da mera autorização de movimentação de contas bancárias da sociedade, as quais, como se sabe, podem ser movimentadas por quem não seja gerente de direito nem de facto, mas mero procurador: cfr. art. 252.°, n.° 6, do Código das Sociedades Comerciais (CSC).
U) A concessão ao ora oponente de autorização para movimentação das contas bancárias da sociedade contextualiza-se num quadro de agilização e eficiência da vida corrente da sociedade comercial, pois tendo esta apenas um único gerente, era necessário, na sua ausência, salvaguardar situações de necessidade de movimentação das contas bancárias da sociedade (motivo este que se encontra expressamente manifesto na acta que confere os referidos poderes de movimentação da conta bancária - cfr. doc. Junto pela Autoridade Tributária).
V) Esta "autorização'' não atribuiu ao ora oponente qualquer poder decisório sobre o saldo das referidas contas bancárias ou sobre os destinos da empresa, apenas o habilita a executar, quanto às referidas contas bancárias, as ordens recebidas do gerente.
W) Outro dos elementos considerado manifestação do exercício da gerência "de facto" consiste na realização de três pagamentos via "caixaebanking" nos montantes individuais de 3.179,57€, 8.889,33€ e 6.932,48€.
X) Porém, a qualidade de gerente, mesmo que "de facto'', não pode ser deduzida da mera realização de três pagamentos (em cerca de dez anos de gerência "de facto" atribuída ao ora recorrente) a fornecedores via "caixaebanking".
Y) Aqueles valores considerados na ordem de grandeza dos pagamentos habituais da devedora principal são quantias marginais. Para se ter a noção da real grandeza daquelas quantias, basta referir que, em média, cada um dos motores adquiridos pela devedora principal para equipar as embarcações que construía custa mais de 100.000,00€. Pelo que, efectivamente, comparados com estes, aqueles valores são marginais.
Z) E estamos apenas perante a realização de três pagamentos em mais de dez anos de gerência "de facto" que é atribuída ao ora recorrente.
AA) Efectivamente, e como é regra em quase todas as empresas com alguma dimensão, não são os gerentes/administradores que se ocupam, no dia-a-dia, de efectuar todos os pagamentos aos fornecedores (se é que efectuam algum).Os gerentes/administradores definirão as regras base a que devem obedecer esses pagamentos mas, efectuar os pagamentos aos fornecedores não é, seguramente, uma tarefa de onde se possa deduzir e que defina a condição de gerente.
BB) No caso concreto da sociedade [SCom01...], quando esta abriu conta na Banco 1... foram atribuídas duas senhas para movimentação da conta via caixaebanking, sendo que, justificado num quadro de agilização e eficiência da vida corrente da sociedade comercial, estas senhas eram do conhecimento de alguns funcionários administrativos da sociedade que as utilizavam para efectuar os pagamentos aos fornecedores e executar outras operações que lhe fossem mandadas executar.
CC) Outro dos elementos considerado manifestação do exercício da gerência "de facto" consiste na assinatura de três letras de câmbio de reforma parcial em que é sacada a sociedade comercial [SCom02...].
DD) Esta situação tem um contexto próprio, não representando qualquer manifestação do exercício da gerência "de facto".
EE) As três letras que foram objecto de reforma tinham vencimento em dia fixo. Na data de vencimento das letras que foram sujeitas a reforma, o sacado não estava em condições de proceder ao seu pagamento integral, tendo solicitado a sua reforma.
FF) A reforma foi aceite pela gerência da [SCom01...] - leia-se Sr. «BB» - que, porém, não se encontrava em Portugal pelo que não podia proceder à assinatura das letras de reforma.
GG) Para se evitar a necessidade de protesto da letra, pois, como resulta do art. 44.° da LULL, "o protesto por falta de pagamento de uma letra pagável em dia fixo ou a certo termo de data ou de vista deve ser feito num dos dois dias úteis seguintes àquele em que a letra é pagável", e aproveitando o facto de o ora oponente ser um dos autorizados da conta que a sociedade tinha na Banco 1... (cfr. doc. n° 6 junto com a oposição), este procedeu à assinatura das referidas letras.
HH) Mas a sua intervenção neste procedimento de "reforma" limitou-se à assinatura das referidas letras, situação possível pelo facto de o seu "nome" ser um dos autorizados para movimentar a conta da sociedade existente na Banco 1....
II) O ora oponente não teve qualquer interferência decisória em todo este procedimento de reforma das referidas letras, tendo-se limitado a dar execução (assinando as referidas letras de reforma) a uma decisão que o gerente da sociedade tomara.
JJ) De um acto isolado praticado pelo Oponente num determinado momento do ano de 2007, e nas circunstâncias e contexto acima referidos (evitar o protesto das letras) não é viável, à luz das regras da experiência comum, extrair a conclusão de que o mesmo exerceu, de facto, a gerência da dita sociedade e muito menos durante cerca de dez anos.
KK) O que caracteriza a condição de gerente de facto de uma empresa/sociedade comercial é a tomada de decisões em matéria chave e estratégica da sociedade, não sendo aceitável a premissa de que é o gerente/administrador que decide tudo o que se passa numa empresa ou, na perspectiva inversa, que todas as pessoas que tomam decisões e transmitem ordens na empresa são gerentes/administradores.
LL) Efectivamente existem, em qualquer estrutura hierárquica empresarial, unidades funcionais intermédias que são o elo de ligação entre a cúpula da empresa (quem decide) e o seu sector operário (quem executa), e que têm por tarefa promover e supervisionar a concretização daquelas decisões chave tomadas pela gerência/administração, sendo que, no âmbito da prossecução dos interesses que essas decisões incorporam, essas unidades funcionais intermédias têm algum poder decisório, sem que isso signifique ou exprima, qualquer acto "efectivo" de gerência/administração.
MM) A gerência/administração estabelece as normas e directrizes de condução dos destinos da empresa ou sociedade comercial, sendo a estrutura hierárquica intermédia responsável por promover e supervisionar o desenvolvimento e concretização dos interesses inerentes àquelas decisões, sem que se possa considerar que os elementos que ocupam esta estrutura hierárquica intermédia sao gerentes ou administradores. São directores gerais, chefes de serviço, etc., etc...
NN) O oponente, ora recorrente, era um simples quadro técnico da sociedade devedora originária, sendo, a esse âmbito, que se deve reconduzir toda a actividade e colaboração que desenvolveu na empresa.
OO) Aqueles específicos actos que o ora recorrente praticou (em cerca de dez anos de gerência que lhe são atribuídos) - efectuou três pagamentos via "caixaebanking" e assinou três reformas de letras - actos que devem ser analisados e interpretados no contexto das específicas razões em que sucederam, não têm a virtualidade de atribuir ao ora recorrente a gerência de facto da devedora principal, e muito menos, desde 2003 até ao ano de 2012 (ano em que foi declarada a insolvência).
PP) Pelo que mal andou o Digníssimo Tribunal a quo ao decidir que aqueles específicos actos, esporádicos, isolados, que aconteceram pelos motivos e nas condições já sobejamente explicadas, são idóneos a sustentar qualidade de "gerente de facto" do ora recorrente e num período de cerca de 10 anos (desde 2003 até à declaração de insolvência da devedora principal).
QQ) O ora Recorrente não pode ser responsabilizado, ao abrigo do disposto no artigo 24° da LGT, pelas dívidas tributárias em execução, porquanto não existe qualquer prova de que tenha exercido a gerência de facto da sociedade devedora originária, e muito menos, que a tenha exercido nos períodos a que se reportam tais dívidas, sendo, por conseguinte, parte ilegítima na presente execução fiscal, o que determina, quanto a si, a extinção da instância executiva.
RR) Mas, caso assim não se entendesse, no que não se concede, encontra-se suficientemente provado que o ora oponente cessou definitivamente toda a sua colaboração na empresa devedora originária em 30 de Setembro de 2009, como o comprova a comunicação enviada pelo próprio, via correio electrónico, a vários fornecedores e clientes (cfr. mail junto com a "oposição" como doc. n° 11, com prova de envio e leitura pela maioria dos seus destinatários, e mail pessoal enviado ao Exmo. Senhor Comandante «CC», junto com a "oposição" como doc. n° 12, com prova de envio e leitura pelo seu destinatário).
SS) Pelo que dúvidas não podem subsistir de que, tendo o ora oponente cessado toda a sua colaboração na sociedade devedora originária em 30 de Setembro de 2009, também nessa data teria igualmente cessado o putativo exercício da gerência de facto (apesar de se ter por suficientemente provado que tal exercício da gerência de facto nunca ocorreu).
TT) Sendo que, constituindo fundamento da presente reversão o disposto no art. 24, n° 1, alínea b) da LGT, que limita a responsabilidade subsidiária do gerente às "dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do cargo (....)", então, as dívidas tributárias ora em execução cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenham terminado após 30 de Setembro de 2009 não podem ser objecto de reversão contra o ora oponente.
UU) O ora recorrente ainda provou que no contexto específico em que a devedora principal se encontrava mergulhada aquando do vencimento dos tributos ora em execução, nenhum administrador ou gerente, por mais virtuoso e diligente que fosse, teria conseguir proceder ao seu tempestivo pagamento, situação que, nos termos do disposto no art. 24.°, n° 1, alínea b) da LGT (in fine), afasta a sua responsabilidade subsidiária.
VV) O incumprimento quanto às dívidas em execução no presente processo teve na sua origem razões de natureza conjuntural e particular que, tendo- se verificado em simultâneo, contribuíram decisiva e irremediavelmente para a progressiva degradação da capacidade económica e financeira da empresa, e que culminou com a sua insolvência declarada por douta sentença de 12 de Janeiro de 2012.
WW) No plano conjuntural impõe-se destacar o decréscimo significativo do segmento de negócio ligado à náutica de recreio que, a partir de 2007, se fez sentir à escala europeia e que se manifestou de forma transversal em todos os estaleiros, tendo levado à drástica diminuição da actividade de muitos deles, e mesmo, em alguns caos, ao encerramento de muitas unidades empresariais.
XX) Estas convulsões que desde 2007 se verificaram no mercado das embarcações de recreio, do qual a actividade da sociedade devedora dependia significativamente, tiveram um forte impacto negativo no seu volume de negócios e, consequentemente, nos investimentos em curso.
YY) A diminuição do volume de negócios teve como consequência natural imediata a diminuição dos proveitos da empresa, que vieram, paulatinamente, a revelar-se cada vez mais insuficientes para fazer face às despesas correntes, situação que se foi agravando e que conduziu, num curto período de tempo, à própria impossibilidade de a empresa satisfazer os seus compromissos fiscais.
ZZ) Sucedeu ainda que os efeitos negativos resultantes da forte contracção do mercado ligado à náutica de recreio foram fatalmente exponenciados por um conjunto de vicissitudes de natureza judicial que, em simultâneo, envolveram e afectaram a empresa.
AAA) Efectivamente, quando em Portugal, na sequência de uma carta rogatória emitida pelas autoridades judiciais espanholas, a empresa se viu envolvida em diversos processos e procedimentos judiciais, com forte divulgação dos mesmos nos órgãos de comunicação social, a imagem e credibilidade da empresa saíram fortemente lesadas com consequências irreparáveis na sua actividade comercial.
BBB)A agravar ainda mais este quadro, e na sequência dos processos judiciais em que a empresa se viu envolvida, a totalidade dos saldos bancários das contas da sociedade foram apreendidos (cfr. doc. n.° 2 junto com a oposição), a AT "congelou" o reembolso de IVA à sociedade no valor de 362.152,91€ (cfr. doc. n.° 1 junto com a oposição), houve também o arresto e apreensão dos meios produtivos da sociedade, situação que impediu a conclusão de várias embarcações de valores avultados e conduziu a que não fosse adjudicada a construção de outras de que a devedora originária tinha sido vencedora.
CCC) Todo este conjunto de circunstâncias ocorridas em simultâneo feriu de morte a capacidade de a empresa gerar receitas que permitissem, além do mais, proceder ao pagamento das dívidas tributárias ora em execução.
DDD) O Digníssimo Tribunal a quo não valorizou convenientemente este quadro complexo de contingências que paulatinamente estrangulou a capacidade da devedora principal solver os seus compromissos laborais, fiscais, entre outros, quer porque foram penhorados todos os saldos bancários da devedora principal, deixando assim, esta, de ter liquidez para efectuar qualquer pagamento, quer porque se foi assistindo a uma deterioração progressiva da imagem comercial da empresa, em virtude dos processos judiciais em Espanha, o que levou ao cancelamento de encomendas existentes e à não adjudicação de outras que estavam em vias de o ser.
EEE) Neste contexto em que a sociedade se viu enredada desde 2007, era impossível, mesmo ao gerente mais qualificado e credenciado, conseguir cumprir todas as obrigações da empresa, designadamente as suas obrigações fiscais.
NESTES TERMOS, e nos demais que serão superiormente supridos, deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida e, decidindo a anulação do despacho de reversão e declarando extinta a presente execução quanto ao ora recorrente, V/Exas. farão JUSTIÇA!!»
A Recorrida, APVC - Administração do Porto de ..., apresentou contra-alegações, as quais concluiu nos seguintes termos:
«I) A sentença recorrida deve ser mantida na íntegra, não tendo sido invocados argumentos de direito ou de facto que infirmem o seu sentido.
II) A AT demonstrou que os bens que existem não são suficientes para o pagamento da quantia exequenda.
III) Ficou provado que devedora originária [SCom01...] fora declarada insolvente, ficou provado que foram feitas várias diligências de penhora que não chegaram para pagar a dívida exequenda, ficou provado que não existem bens susceptíveis de penhora, ficou provado que o saldo bancário indicado pelo Recorrente está penhorado à ordem de outro processo, sem que este tenha logrado provar que tal valor foi entretanto libertado e não se conhecem mais bens ou créditos líquidos, certos e exigíveis, tendo ainda ficado provado que o crédito de IVA era incerto (sendo que, havendo um processo de insolvência pendente, a AT não pode dispor desse crédito a seu bel-prazer, entenda-se, não o pode imputar no pagamento coercivo de dívidas tributárias que entenda existirem, sob pena de violação do princípio da igualdade de credores e actuação contra legem).
IV) Dado que, à luz do ordenamento jurídico actual, concretamente, do artigo 23.°, n.° 2 da LGT e do artigo 153.°, n.°, alínea b ) do CPPT não se exige a prévia excussão do património do devedor originário, mas a 'fundada insuficiência' do património do devedor para a satisfação da dívida, de acordo com os elementos constantes do auto de penhora e outros de que o órgão da execução fiscal disponha e, no caso sub iudice, se provou que os bens que existem são insuficientes senão, até mesmo, inexistentes, a sentença recorrida não merece reparo.
V) A análise da suficiência ou insuficiência de bens tem necessariamente de ser feita à data da exigibilidade da dívida exequenda, não sendo de aceitar que se relegue tal análise para uma ocasião futura, com a promessa ou a expectativa de que, futuramente, a devedora originária terá qualquer dinheiro a receber.
VI) Todos os factos dados como provados revelam o exercício da gerência de facto pelo Recorrente, sendo que a esta conclusão se chega não pela análise isolada de um elemento ou de um facto, mas antes pela análise conjugada (e tendo em contas as regras da experiência e sentido comum) de vários factos.
VII) Todos os elementos constantes do processo de inspecção demonstram o grande envolvimento do Recorrente na gestão diária, corrente, ordinária e extraordinária da devedora, se que são evidência: i) o correio electrónico do dia 30/09/2009; ii) a assinatura de três letras de câmbio em representação da devedora originária; iii) a autorização e a efectiva movimentação das contas bancárias da empresa; iv) a constatação de que, perante fornecedores, clientes e empregados, era visto como o gerente; v) o auto de notícia da Autoridade Marítima Nacional que o refere como gerente; vi) o grande envolvimento na condução dos negócios da empresa.
VIII) E, relativamente à falta de bens da devedora originária, é o Recorrente que acaba por confessar que a sociedade ficou sem bens e sem dinheiro para continuar a exploração comercial que vinha sendo feita, pelo que, na qualidade de gerente, ainda que só de facto, é responsável pelo pagamento da dívida exequenda.
IX) O Recorrente continua sem demonstrar que tenha agido como um "bom pai de família", perante as especificidades do caso concreto e que, pese embora todos os seus alegados esforços, se veio, ainda assim, a verificar a insuficiência do património da sociedade.
X) Respeitando as dívidas a falta de pagamento de estacionamento de embarcações na doca de recreio e ocupação de terrenos ao período compreendido entre 22 de Janeiro de 2009 a 3 de Novembro de 2009, o Recorrente é responsável pelo pagamento das dívidas, pelo menos, até ao final do mês de Setembro de 2009 - vide conta-cobrança emitida pela exequente [SCom03...], anexa à certidão de dívida.
XI) O executado é responsável pelo pagamento referente aos meses de Janeiro de 2009 a Setembro de 2009, no valor global de €8.413,24 (todos os meses da lista, com excepção dos últimos dois, documentos n.° 20092406 e 20092684: [€9.85824 - (€722,50 +€ 722,50) = €8.413,24].
XII) Como se encontra ainda em dívida a referida quantia exequenda de €5.375,22, que é inferior a todo o montante que sempre seria da responsabilidade do Recorrente, €8.413,21, então, continua este obrigado a proceder ao pagamento de toda a quantia exequenda.
Termos em que, concluindo pela improcedência do presente recurso, sendo proferido Acórdão que mantenha o sentido da sentença de primeira instância ditada pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga
O Digno Procurador Geral Adjunto emitiu parecer com o seguinte teor:
«1 - Vem o presente recurso jurisdicional interposto da sentença proferida pelo TAF de Braga em 18. 2.14, que decidiu julgar a oposição improcedente.
2 - O oponente/ recorrente veio deduzir oposição ao Processo de Execução n° ...74, instaurada contra a sociedade “[SCom01...], Lda”, para cobrança de créditos da “APVC - Administração do Porto de ..., SA” referentes ao estacionamento de embarcações e ocupação de terrenos em ..., relativos aos períodos de 22.1.2009 a 3.12.2009, no montante global de € 10 192, 09, reduzidos a € 5 357,22 por força do pagamento parcial efectuado e contra si revertida, nos termos e com os fundamentos constantes da PI.
3 - Alega, em síntese, a nulidade da citação/ que o despacho de reversão se limita a referir que a executada foi declarada insolvente e não comprovou a sua fundada insuficiência de bens/ que foi nomeado gerente da devedora principal em 21.2.2003, mas renunciou à gerência em 30.7.2003 e, desde essa data não mais exerceu funções de gerente embora estivesse autorizado a movimentar contas bancárias/ o pagamento de facturas via “caixabanking”não lhe atribui a qualidade de gerente dado que tais pagamentos também eram efectuados por alguns funcionários administrativos da sociedade/ que assinou três letras da sociedade’'[SCom02...]”sem qualquer interferência decisória na sua reforma, e que consta da certidão de dívida emitida pela Autoridade Marítima Nacional como gerente, mas tal menção não lhe atribui essa qualidade e o mesmo sucede com as declarações prestadas perante a P.J./que era mero quadro técnico da devedora originária e cessou toda a colaboração com a sociedade em 30. 9,2009. pelo que não pode ser responsabilizado subsidiariamente pela falta de pagamento da quantia exequenda que resultou da diminuição do volume de negócio no mercado das embarcações de recreio desde 2007 e dos processos judiciais da sociedade que a conduziram à insolvência.
4 - Na contestação a [SCom03...], sustenta que a nulidade da citação não constitui fundamento de oposição, e deu conta do pagamento parcial que justifica a diferença do montante inscrito no título em relação à quantia exequenda/ que efectuou diligencias de venda de bens da ora insolvente, que são insuficientes para pagar a quantia exequenda por não existir autorização para reembolso do IVA/ que o saldo bancário penhorado está disponível para pagamento da AT tal como a embarcação que não pertence à “[SCom01...]” sendo que a factura junta como documento n°4 não implica uma aceitação desse débito da “[SCom02...]”, ou que tal credito ainda não esteja pago/ que o oponente exerceu a gerência de facto da sociedade até 30.9.2009, como admitiu no correio electrónico enviado que se encontra junto aos autos e decorre das letras de cambio assinadas, bem como da autorização para movimentar contas bancárias e pagamentos efectuados, concluindo pela improcedência da oposição.
5 - Foi dispensada a inquirição das testemunhas e a notificação para alegações por despacho de fls 211.
6 - Nas conclusões das alegações o recorrente imputa à decisão recorrida erro de julgamento da matéria de facto e de direito.
7 - Foram juntas contra-alegações.
8 - No despacho que determina a subida dos autos a este TCAN proferido a fls 339, o Sr. Juiz pronuncia-se pela manutenção do decidido.
9 - Entendemos que não assiste razão ao recorrente.
10 - Não se acompanha, por isso, a argumentação desenvolvida nas suas alegações uma vez que a decisão questionada fez correcta valoração da prova e dos factos e, acertada interpretação e aplicação do direito, com apoio da jurisprudência, não violando qualquer norma legal, razão pela qual deverá ser mantida.
11 - Desde já se adianta que, não ocorre erro de julgamento - a sentença recorrida encontra-se suficientemente fundamentada de facto e de direito.
Na verdade,
12 - O Tribunal seleccionou toda a matéria de facto relevante e pronuncia-se sobre todas as questões para a boa decisão da causa, concluindo da factualidade provada ser aplicável o regime previsto no art° 24°, n°l al. b) da LGT.
Deste modo,
13 - Não tendo o oponente logrado provar a ausência de culpa na falta de pagamento das obrigações fiscais da sociedade executada, o mesmo é subsidiariamente responsável pelas dívidas exequendas em pagamento na sua gerência.
14 - Sobre a fundamentação do despacho de reversão, já se pronunciou o STA no seu douto Acórdão do Pleno, de 16.10.2013, in Proc.n0 0458/13, onde no Sumário se escreveu:
“A fundamentação formal do despacho de reversão basta-se com a alegação dos pressupostos e com a referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efectivada (n°4 do art° 23° da LGT) não se impondo, porém, que dele constem os factos concretos nos quais a AT fundamenta a alegação relativa ao exercício efectivo das funções do gerente revertido.”
Assim,
15 - Por nada mais ter a acrescentar, concordando com o entendimento vertido na sentença recorrida, aliás, em sintonia com o douto parecer emitido pelo M° P° na Ia instância, entendemos que deverá ser NEGADO provimento ao recurso.»


*
Com dispensa dos vistos legais, [cfr. 657.º, n.º 4, do Código de Processo Civil], cumpre agora apreciar e decidir o presente recurso.
*
II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR.
Cumpre aferir se o tribunal errou no julgamento empreendido relativamente à verificação dos pressupostos que legitimam o chamamento do oponente/recorrente à execução por via da reversão. Como questão prévia, cumpre conhecer da admissibilidade dos documentos juntos com o recurso.

*
III – FUNDAMENTAÇÃO:
III.1 – DE FACTO
Na sentença foi fixada matéria de factos nos seguintes termos:
«FACTOS PROVADOS
1. Dá-se por reproduzida a certidão que consta a fls. 240/241, emitida em 28/12/2009, pela “APVC - Administração do Porto de ..., S.A.”, referente ao estacionamento de embarcações e ocupação de terrenos em ..., relativa aos períodos de 22/1/2009 a 3/12/2009, no montante global de € 10.192,09.
2. Com vista à cobrança dos créditos identificados em 1, reduzidos a € 5.357,22 por força do pagamento parcial efectuado, juros e legais acréscimos, foi instaurado contra a sociedade comercial “[SCom01...], Lda.”, Contribuinte Fiscal nº ...51, o Processo de Execução n° ...74, a correr termos no Serviço de Finanças ....
3. A sociedade comercial “[SCom01...], Lda.”, Contribuinte Fiscal nº ...51, foi declarada insolvente por sentença proferida no Processo n° 1../1...TBVCT, a correr termos no ... Juízo Cível do Tribunal Judicial de Viana do Castelo.
4. Dá-se por reproduzida a informação oficial de fs. 56/57 relativa à identidade dos sócios e gerentes da sociedade comercial “[SCom01...], Lda.”, Contribuinte Fiscal nº ...51.
5. Dá-se por reproduzido o documento de fls. 58 que consubstancia uma acta de uma Assembleia Geral Extraordinária da sociedade comercial “[SCom01...], Lda.”, datada de 30/9/2003, da qual consta que foi conferida autorização ao oponente para movimentar a conta bancária daquela sociedade.
6. Dá-se por reproduzida a documentação de fls. 59/61, relativa a pagamentos efectuados pelo oponente, mediante transferência bancária da conta da sociedade comercial “[SCom01...], Lda.” para fornecedores dessa sociedade, datados de 12/10/2007 e 6/11/2007.
7. Dão-se por reproduzidos os documentos de fls. 62/64 que consubstanciam cópias de letras de câmbio sacadas pela sociedade comercial “[SCom01...], Lda.”, efectuadas em 2007, que ostentam a assinatura do oponente em representação daquela sociedade, aposta sob o carimbo da devedora originária e com menção “a gerência”.
8. Dá-se por reproduzido o documento de fls. 65/67 que consubstancia um contrato de fornecimento de uma embarcação em que figura como outorgante a sociedade comercial “[SCom01...], Lda.”, representada pelo gerente «BB».
9. Dá-se por reproduzido o documento de fls. 92 do qual consta que a sociedade comercial “[SCom01...], Lda.” é depositária da embarcação contratada pela sociedade “[SCom04...], Lda.”.
10. No Processo de Execução aludido em 2, em 2/4/2012, foi lavrado o “Projecto de Reversão” constante de fls. 95/96, que se dá por reproduzido.
11. A Administração Tributária remeteu ao oponente, sob registo postal, o ofício que consta a fls. 97, datado de 3/4/2012, que se dá por reproduzido, com vista à notificação do despacho aludido em 10.
12. O oponente, em 18/4/2012, apresentou no Serviço de Finanças ... o requerimento que consta a fls. 99/103 e se dá por reproduzido, no exercício do direito de audição prévia em relação ao projecto de reversão.
13. Em 19/6/2012, no Processo de Execução aludido em 2, foi lavrado o despacho de reversão constante de fls. 104/105 do processo apenso que se dá por reproduzido.
14. A Administração Tributária remeteu ao oponente, sob registo postal, o ofício que consta a fls. 106 e se dá por reproduzido, com vista à citação do oponente na qualidade de responsável subsidiário.
15. O aviso de recepção relativo ao ofício aludido em 14 foi assinado por terceiro em 22/6/2012.
16. A Administração Tributária remeteu ao oponente, sob registo postal, o ofício que consta a fls. 108 e se dá por reproduzido, nos termos e para efeito do disposto no artigo 241° do Código de Processo Civil.
17. Dá-se por reproduzido o documento que consta a fls. 34 relativo à penhora de um crédito da sociedade comercial “[SCom01...], Lda.”, Contribuinte Fiscal nº ...51, no valor de € 362.152,91, resultante de um pedido de reembolso de IVA.
18. Dá-se por reproduzido o documento que consta a fls. 35 relativo à apreensão da totalidade do saldo bancário da sociedade comercial “[SCom01...], Lda.”, Contribuinte Fiscal nº ...51, no valor de € 23.546,50, à ordem do Tribunal Central de Instrução Criminal.
19. Dá-se por reproduzido o documento que consta a fls. 36 relativo à nomeação de «BB» como fiel depositário da embarcação aí identificada.
20. Dá-se por reproduzido o documento que consta a fls. 40 que consubstancia uma factura emitida pela sociedade comercial “[SCom01...], Lda.”, Contribuinte Fiscal nº ...51, a “[SCom02...], Lda.”, com vencimento em 14/12/2005, no montante de € 181.500,00.
21. Dá-se por reproduzido o documento que consta a fls. 41 relativo aos movimentos de letras de câmbio entre as sociedades comerciais “[SCom01...], Lda.”, Contribuinte Fiscal nº ...51, e “[SCom02...], Lda.”, e a um alegado débito de € 102.655,28.
22. Dá-se por reproduzida a documentação de fls. 42/43 que consubstancia a declaração emitida pelas entidades bancárias aí mencionadas a identificar as pessoas autorizadas a movimentar as contas bancárias da sociedade comercial “[SCom01...], Lda.”, Contribuinte Fiscal nº ...51.
23. Dá-se por reproduzida a documentação que consta a fls. 48/50 que consubstanciam emails remetidos pelo oponente a comunicar que a partir de 1/10/2009 deixaria de colaborar com a sociedade “[SCom01...]”, e que o gerente, Sr. «BB», assumiria qualquer questão que se mantivesse pendente.
24. A presente oposição foi apresentada em 10/9/2012.
FACTOS NÃO PROVADOS
Nada mais se provou com interesse para o conhecimento do mérito, designadamente não se provou que o oponente, desde que renunciou à gerência da devedora principal, em 30/7/2003, nunca mais tivesse exercido funções de gerente, alegação conclusiva e em oposição com a restante factualidade provada.
De igual modo não se provou que a falta de pagamento da quantia exequenda tenha resultado da diminuição do volume de negócios no mercado das embarcações de recreio, desde 2007, bem como dos processos judiciais de arresto e apreensão dos meios produtivos da sociedade.
*

A convicção do Tribunal alicerçou-se na prova documental junta aos autos, e outra de conhecimento oficioso do Tribunal, dispensando a respectiva alegação, nos termos do artigo 412° Código de Processo Civil.»
*
Aditamento oficioso da matéria de facto [art. 662.º, n.º 1, do CPC].
1a) As datas de pagamento da dívida exequenda verificaram-se entre 21.02.2009 e 03.12.2009 [cfr. documento junto a págs. 246 do sitaf].

IV –DE DIREITO:
A primeira questão que urge dirimir, diz respeito à junção em sede recursiva, por parte do Recorrente, dos documentos que anexou ao presente recurso.
Ora, como se refere no acórdão desta secção do TCAN, datado de 03.02.2022 e proferido no processo n.º 01804/15.5BEPRT:
“[…] O n.º 1 do artigo 651.º do Código de Processo Civil, determina o seguinte:
Artigo 651.º
(Junção de documentos e de pareceres)
1 - As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.
Este preceito refere que a junção de documentos é admissível nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º do CPC, por isso o transcrevemos:
Artigo 425.º
(Apresentação em momento posterior)
Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.
Ao caso poderia, ainda, ser aplicável o disposto no artigo 423.º do CPC, que estabelece:
Artigo 423.º
(Momento da apresentação)
1 - Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes.
2 - Se não forem juntos com o articulado respetivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado.
3 - Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.
Em face do regime constante destes preceitos, apenas é permitida a junção de documentos em três situações:
1ª – que a junção não tenha sido possível em momento anterior;
2.ª – que os documentos se destinem a provar factos posteriores aos articulados ou a sua junção se tenha tornado necessária, em virtude de ocorrências posterior.
3.ª – que a junção se tenha tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.
[…]
Veja-se, ainda, sobre o assunto o que escreve o Conselheiro Abrantes Geraldes em Recursos em Processo Civil, (6.ª edição, ano 2020, edição Almedina), nas páginas 285 e 286, em anotação ao artigo 651.º do Código de Processo Civil:
«1. A junção de prova documental deve ocorrer preferencialmente na 1.ª instância, regime que se compreende, na medida em que os documentos visam demonstrar certos factos, antes de o tribunal proceder à sua integração jurídica. A lógica imporia até que fosse ainda mais limitada a possibilidade de junção de documentos fora dos articulados, para melhor satisfação dos objetivos de celeridade.
O legislador, porém, através da norma do art. 423.º, legitima a junção de documentos até 20 dias antes da data da realização da audiência final, ainda que com o pagamento de multa. Depois disso, apenas podem ser juntos documentos nas condições previstas no n.º 3 do art. 423.º.
2. Em sede de recurso, é legítimo às partes juntar documentos com as alegações quando a sua apresentação não tenha sido possível até esse momento (superveniência objetiva ou subjetiva).
Podem ainda ser apresentados documentos quando a sua junção apenas se tenha revelado necessária por virtude do julgamento proferido, maxime quando este seja de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes do processo.
A jurisprudência anterior sobre esta matéria não hesita em recusar a junção de documentos para provar factos que já antes da sentença a parte sabia estarem sujeitos a prova, não podendo servir de pretexto a mera surpresa quanto ao resultado.
A junção de certos documentos poderá ainda verificar-se quando se mostre necessária para justificar a oportunidade de interposição do recurso (art. 638.º) ou o pressuposto processual da legitimidade extraordinária de que goze o recorrente (art. 631.º, n.º 2). E é claro que deve sempre considerar-se a oportunidade e a necessidade de junção do acórdão-fundamento nos casos a que se reporta o art. 637.º, n.º 2.».
Por sua vez, o Professor Antunes Varela (também citado pelo recorrido nas contra alegações), in RLJ, ano 115, n.º 3696, a págs. 95 e 96 (previsão da norma correspondente do CPC revogado), escreve o seguinte:
“A junção de documentos com as alegações da apelação, afora os casos de impossibilidade de junção anterior ou de prova de factos posteriores ao encerramento da discussão de 1ª instância, é possível quando o documento só se tenha tornado necessário em virtude do julgamento proferido na 1ª instância. E o documento torna-se necessário só por virtude desse julgamento (e não desde a formulação do pedido ou a dedução da defesa), quando a decisão se tenha baseado em meio probatório inesperadamente junto por iniciativa do tribunal ou em preceito jurídico com cuja aplicação as partes justificadamente não tivessem contado.
(...) A decisão da 1ª instância pode, por isso, criar pela primeira vez a necessidade de junção de determinado documento, quer quando se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação os litigantes justificadamente não contavam. Só nessas circunstâncias a junção do documento às alegações da apelação se pode legitimar à luz do disposto na parte final do n.º 1 do artigo 706º do Código de Processo Civil”.
Na situação ora em apreço, o Recorrente com vista à demonstração de existência de bens suficientes em nome da sociedade para pagamento da quantia exequenda juntou uma informação prestada pela Autoridade Tributária ao TAF de Braga no processo n.º 2074/12.2BEBRG, datada de 17.03.2014.
Porém, o documento aqui em causa não se destina a provar factos posteriores aos articulados ou sequer há razões invocadas que permitam justificar que a sua junção se tenha tornado necessária, em virtude de ocorrência posterior. Igualmente, não se vislumbra que a junção se justificasse em virtude da decisão jurisdicional aqui recorrida e cujo conteúdo decisório tivesse sido totalmente e fundadamente inesperado para o ora Recorrente (o que, também, não é alegado, limitando-se a juntar o documento). Na verdade, a decisão da 1ª instância baseou-se nos fundamentos invocados e unicamente nas provas oferecidas pelas partes e em normas jurídicas cuja aplicação aquelas sempre teriam de contar, concretamente pelas normas e jurisprudência a propósito da insuficiência de bens da executada como pressuposto para operar a reversão.
De qualquer modo, considerando que o momento relevante para a constatação da insuficiência de bens é o da reversão e não momento anterior, a aferição deste pressuposto e do eventual erro de julgamento terá que ser realizada por referência àquele momento, algo que não foi alegado pelo Recorrente para justificar a apresentação do documento em análise e nem o mesmo, objetivamente analisado, é idóneo para essa demonstração.
Pelo exposto, terá que se determinar a não admissão aos autos dos documentos ora juntos pela Recorrente na presente apelação.
*
O Recorrente imputa erro de julgamento à sentença, desde logo, no entendimento de que não ficou demonstrada a insuficiência de bens da devedora originária, ao contrário do ali plasmado. Alega, pois, que à data em que foi operada a reversão a sociedade executada detinha bens suficientes para pagamento da quantia exequenda [conclusões A) a M)].
Insuficiência de bens?
Quanto a esta matéria, apresenta a sentença a seguinte fundamentação:
«SUFICIÊNCIA DE BENS
O oponente pretende que o despacho de reversão se limita a referir que a executada foi declarada insolvente e não se comprovou a fundada insuficiência de bens da executada, posto que a mesma tem pendente o reembolso de IVA, referente ao período 0909T, no valor de € 362.152,91, o saldo bancário penhorado da conta nº ...30 da Banco 1..., no valor de € 23.546,50, uma embarcação de valor superior a € 500.000,00, e um direito de crédito sobre a sociedade “[SCom02...], Lda.”, no valor de € 102.655,28.
A Fazenda Pública alegou que efectuou diligências de venda de bens da ora insolvente, que são insuficientes para pagar a quantia exequenda porquanto não existe autorização para reembolso do IVA, o saldo bancário penhorado não está disponível para pagamento da Administração Tributária, tal como a embarcação mencionada que não pertence à “[SCom01...]”, e a factura junta como documento n° 4 não implica uma aceitação do débito por parte da “[SCom02...]”, ou que tal quantia já não esteja paga.
Desde logo importa realçar que a devedora originária foi declarada insolvente, em 12/1/2012, por sentença proferida no Processo n° 1../1...TBVCT, a correr termos no ... Juízo Cível do Tribunal Judicial de Viana do Castelo, como flui da própria alegação do oponente.
Ora, a insolvência de uma sociedade comercial pressupõe que o seu passivo seja superior ao activo, e que deixou de possuir capacidade para solver os seus compromissos, tanto assim que a Lei n° 64-B/2011, de 30 de Dezembro, aditou o n° 7 ao artigo 23° da Lei Geral Tribunal, impondo ao órgão da execução fiscal a prolação de despacho de reversão da execução fiscal antes da avocação do processo para apensação ao processo de insolvência. Destarte, nas situações como a presente é de presumir a insuficiência do património societário para pagamento da totalidade das suas dívidas.
Acresce que, como demonstrado pela Fazenda Pública o alegado reembolso de crédito de IVA carece de verificação e autorização por parte da Administração Tributária, e nem sequer se pode lançar mão desse eventual crédito, que se desconhece se existe e se se mantém uma vez que todo o património societário foi apreendido para a massa insolvente. E o mesmo sucede com os restantes créditos invocados pelo oponente, sendo certo que o saldo bancário penhorado nunca estaria disponível para pagamento da Administração Tributária por ter sido afectado ao pagamento da quantia exequenda no processo em que ocorreu a penhora. Além disso, a embarcação mencionada pelo oponente não pertence à “[SCom01...]” mas à sociedade comercial que o mandou construir sendo a devedora originária uma mera depositária. Por fim, a mera emissão da factura junta como documento n° 4 não implica uma aceitação desse débito por parte da “[SCom02...]”, que pode já estar pago, ou pode ser incobrável uma vez que, apesar de remontar a 2005 nunca foi obtido pela devedora originária.
A talhe de foice importa ainda realçar que não é necessário que devedora originária não possua bens mas tão só que os mesmos sejam insuficientes para pagamento da quantia exequente (Vide Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 19/1/2006, 2a Secção - Contencioso Tributário, “Em face do preceituado no art. 23° n°s 1 e 2 da LGT não é necessária a prévia excussão do património do devedor originário para que seja possível a reversão, sendo bastante que se verifique a fundada insuficiência desse património, resultante do auto de penhora ou de outros elementos de que o órgão de execução fiscal disponha. ” - Processo n° 00032/05.2BEPNF).
De todo o modo incumbia ao oponente demonstrar que a devedora originária possuía bens certos e determinados, suficientes para pagamento da quantia exequenda, e não se desonerou de tal ónus. Destarte, o despacho de reversão encontra-se devidamente fundamentado e não enferma de vício que importe a sua anulação, nem a actuação da Administração Fiscal merece censura pois efectuou diligências de venda de bens da ora insolvente, mas concluiu pela sua insuficiência para pagamento da quantia exequenda.»
A fundamentação exteriorizada permite-nos concluir, indubitavelmente, pela sua irrepreensível análise dos factos e subsunção jurídica, por apelo às melhores doutrina e jurisprudência sobre esta matéria, logrando a nossa anuência.
Em reforço desta fundamentação diremos que, face ao vertido no artigo 23.º da Lei Geral Tributária, a atuação da Administração Fiscal, sancionada pelo tribunal a quo, não merece censura, pois no âmbito do procedimento de reversão chegou ao seu conhecimento a declaração de insolvência da sociedade devedora principal.
Tem sido entendimento recente da jurisprudência que a declaração de insolvência da sociedade devedora originária, quando for conhecida no processo de execução fiscal, constitui fundamento bastante para se considerar existir fundada insuficiência do património daquela e justificar a reversão contra o responsável subsidiário pela dívida exequenda. A propósito da fundada insuficiência do património da devedora originária, declarada insolvente importa destacar o entendimento jurisprudencial vertido no Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA de 08.07.2020, processo n.º 0484/15.2BESNT, sumariado no sentido de que “I - O conhecimento pelo órgão da execução fiscal da declaração de insolvência da sociedade originária devedora é fundamento bastante para que considere haver fundada insuficiência do património daquela, a justificar a reversão contra o responsável subsidiário pela dívida exequenda (art.23.º nºs 2 e 7 LGT). II - A execução fiscal não prosseguirá contra o revertido enquanto não findar o processo de insolvência e se apurar se, e em que medida, os bens da sociedade originária devedora são insuficientes para o pagamento da dívida exequenda, assim se assegurando o benefício da excussão prévia (art. 23.º, n.ºs 2 e 3 LGT).”.
E destaca-se, ainda, no mesmo Acórdão “(…) Neste contexto é patente a resposta divergente dos arestos em confronto à questão fundamental de direito enunciada, consistindo na subsunção da declaração de insolvência a um juízo de fundada insuficiência de bens penhoráveis da sociedade originária devedora:
- no quadro de factualidade substancialmente idêntica entendeu o acórdão recorrido que a declaração de situação líquida negativa declarada pela devedora originária na última declaração referente à informação empresarial simplificada e a declaração judicial de insolvência não constituíam suficiente fundamentação para a verificação do requisito legal para a reversão da execução; expressando o acórdão fundamento entendimento antagónico.
Finalmente, a solução jurídica da questão fundamental de direito adoptada no acórdão recorrido diverge da jurisprudência destilada pelo Supremo Tribunal Administrativo – Secção de Contencioso Tributário sobre a questão (conforme infra indicado).
Verificados os pressupostos formais e substantivos para o conhecimento do recurso importa prosseguir com a apreciação do seu mérito.
2.2.2. Apreciação do mérito do recurso
2.2.2.1.A questão fundamental de direito supra enunciada foi apreciada e decidida em jurisprudência reiterada do Supremo Tribunal Administrativo-Secção de Contencioso Tributário, destilada nos acórdãos proferidos em 8 novembro 2017 (processo 0420/17), 12 julho 2018 (processo 0783/17), 12 fevereiro 2020 (processo 0105/15.3BESNT), 20. abril 2020 (processo 362/14.2BEVIS), 1 julho 2020 (processo 361/14.2BEVIS) no sentido da pronúncia emitida pelo acórdão fundamento, embora com fundamentação jurídica não coincidente.
O conflito de jurisprudência deve ser resolvido por adesão à doutrina do acórdão fundamento, convocando-se o seguinte Argumentário
1º A responsabilidade subsidiária efectiva-se por reversão do processo de execução fiscal (art.23º nº1 LGT). Sendo um acto administrativo tributário, o despacho de reversão está sujeito a fundamentação, como corolário do princípio constitucional da fundamentação expressa e acessível dos actos administrativos (art.268º nº3 CRP; arts.23º nº4 e 77º nº1 LGT).
2º São pressupostos da responsabilidade subsidiária (arts.23º nº4 e 24 nº1 LGT):
- a inexistência ou fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal, dos responsáveis solidários e seus sucessores, sem prejuízo do benefício da excussão (art.23º nº2 LGT; art.153º nº2 CPPT);
- o exercício efectivo do cargo nos períodos relevantes de verificação do facto constitutivo da dívida tributária ou do prazo legal de pagamento ou entrega, associado a culpa presumida ou provada do responsável subsidiário (art.24º nº1 LGT).
3º Enquanto acto administrativo tributário o despacho de reversão deve incluir igualmente a indicação das normais legais que determinam a imputação da responsabilidade subsidiária ao revertido, por forma a permitir-lhe o eventual exercício esclarecido do direito de defesa (art.77º nº1 LGT).
4º A legalidade do despacho de reversão exige a declaração fundamentada os seus pressupostos e extensão temporal da responsabilidade subsidiária, a incluir na citação, embora com autonomia jurídica em relação a esta (art.23º nº4 LGT).
5º Verifica-se uma fundada insuficiência de bens do devedor principal quando ela radica na declaração judicial da sua insolvência, baseada em passivo manifestamente superior ao activo, avaliados segundo as normas contabilísticas aplicáveis (art.3º nº2 Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas).
6º O requisito da fundada insuficiência não exprime a exigência de uma prova definitiva e irrefutável, ou uma presunção inilidível, como demonstrado pelo facto de o benefício da excussão prévia não permitir o prosseguimento da execução contra o executado revertido sem completa excussão do património do devedor principal, por forma a determinar-se com precisão o montante da quantia exequenda a pagar pelo responsável subsidiário (art.23º nº2 último segmento LGT); antes uma presumível insuficiência do património do devedor originário, simétrica de uma dúvida residual sobre a sua capacidade para assegurar o pagamento da dívida (neste sentido Diogo Leite Campos/Benjamim Silva Rodrigues/Jorge Lopes de Sousa Lei Geral Tributária Anotada e comentada 4ª edição 2012 p.223).
7º No mesmo sentido aponta a solução legal do dever de reversão nas situações em que seja solicitada a avocação dos processos de execução fiscal para apensação ao processo de insolvência, procedendo-se ao seu envio após despacho do órgão da execução fiscal; claramente inculcando que a declaração judicial de insolvência preenche o requisito legal da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal (art.23º nº7 LGT; art.181º nº2 CPPT).”
Atenta a situação fáctico-jurídica bem como o entendimento jurisprudencial acima exposto, ao qual aderimos, como antecipamos, a sentença recorrida não enferma de erro de julgamento, porquanto a declaração de insolvência da sociedade originária devedora constitui fundamento bastante para que se considere haver fundada insuficiência do património daquela, e para justificar a reversão contra, no caso, o responsável subsidiário /Recorrente pela dívida exequenda. Sendo certo que este, também, não alegou e provou que à data em que foi operada a reversão, após a declaração da insolvência, a sociedade detinha bens suficientes para pagamento da quantia exequenda no valor de € 5.357,22.
Improcede, nesta medida, o recurso, nesta vertente.
*

Gerência de facto?
O Recorrente prossegue a sua investida contra a sentença por entender que o erro de julgamento reside também na apreciação da gerência de facto, na medida em que a nega a partir da renúncia da gerência, pelo que à data de pagamento da quantia exequenda já não exercia a gerência [conclusões N) a M)].
Vejamos o que a este respeito ficou plasmado na sentença:
«GERÊNCIA DE FACTO E CULPA PELO NÃO PAGAMENTO DA QUANTIA EXEQUENDA
Os pressupostos da responsabilidade dos gestores têm natureza substantiva, sendo definidos pela lei vigente ao tempo da respectiva ocorrência, pelo que, reportando-se os créditos exequendos ao período compreendido entre Janeiro de 2009 e Novembro de 2009, importa chamar à colação o disposto no artigo 24°, n° 1, da Lei Geral Tributária, que determina, “Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:

a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento. ”
Na vigência do artigo 24° da Lei Geral Tributária, tal como sucedia no regime do artigo 13° do Código de Processo Tributário, é a gerência efectiva que releva para responsabilizar subsidiariamente quem exerceu tais funções.
[…], como se referiu supra, na vigência do artigo 24° da Lei Geral Tributária, é a gerência efectiva que releva para responsabilizar subsidiariamente quem exerceu tais funções, facto que emergiu inequivocamente provado atenta a prova documental carreada para os autos, tendo resultado que o oponente, no período em causa, pese embora tenha renunciado à gerência exerceu de facto funções de gerente uma vez que estava autorizado a movimentar contas bancárias da sociedade, e efectuou pagamentos, via “caixaebanking”, a fornecedores da sociedade, nos elevados montantes de € 3.179,57, € 8.889,33, e € 6.932,48, que não são propriamente pagamentos correntes, que um qualquer trabalhador ou mero quadro técnico da devedora originária podia efectuar.
De resto o oponente alegou mas não provou que havia outros funcionários administrativos da sociedade que também efectuaram pagamentos, sobretudo daqueles montantes. Além disso, o oponente assinou três letras de câmbio, em representação da devedora originária, relativas a reformas da sociedade comercial “[SCom02...], Lda”, de montantes elevados, uma delas no valor de € 31.625,00.
O oponente sustentou que não teve qualquer interferência decisória naquela reforma. Contudo, assinou aqueles títulos de crédito na qualidade de gerente da devedora originária, e portanto actuou e assumiu-se como gerente de facto da sacadora perante terceiros, em assuntos de extrema relevância, que segundo a experiência comum não são actos de um mero trabalhador mas sim de um gerente. De resto, o mesmo resulta da análise da certidão de dívida emitida pela Autoridade Marítima Nacional, que obviamente, por si só não lhe confere a qualidade de gerente da sociedade, mas é bem reveladora que, perante terceiros, o oponente actuou sempre como gerente de facto e assumiu-se como gerente da sociedade em causa. Além disso, a qualidade de gerente de facto também se extrai da análise crítica dos “emails” juntos aos autos, nos quais o oponente dá conta da cessação da colaboração com a devedora originária e remete para o outro gerente “as poucas questões que deixa pendentes”, necessariamente questões respeitantes à gerência da sociedade. De outro modo, seriam questões que qualquer trabalhador poderia resolver e não seriam deixadas a cargo do outro gerente.
Como ensina o Ac. do TCAS de 27/11/2012, Processo n° 5979/12, “A gerência é, por força da lei e salvo casos excepcionais, o órgão da sociedade criado para lhe permitir actuar no comércio jurídico, criando, modificando, extinguindo, relações jurídicas com outros sujeitos de direito. Estes poderes não são restritos a alguma espécie de relações jurídicas; compreendem tantas quantas abranja a capacidade da sociedade (cfr.objecto social), com a simples excepção dos casos em que as deliberações dos sócios produzam efeitos externos.
Serão típicos actos de gerência aqueles que se consubstanciam na representação da sociedade perante terceiros e aqueles através dos quais a sociedade fique juridicamente vinculada e que estejam de acordo com o objecto social.
O gerente/administrador goza de poderes representativos e de poderes administrativos face à sociedade. A distinção entre ambos radica no seguinte: se o acto em causa respeita às relações internas entre a sociedade e quem a administra, situamo-nos no
campo dos poderes administrativos do gerente. Pelo contrário, se o acto respeita às relações da sociedade com terceiros, estamos no campo dos poderes representativos. Por outras palavras, se o acto em causa tem apenas eficácia interna, estamos perante poderes de administração ou gestão. Se o acto tem eficácia sobre terceiros, verifica-se o exercício de poderes de representação. ”.
A actuação do oponente enquanto gerente da devedora originária, revelada pelos actos supra referidos, praticados em representação da sociedade e que a vincularam juridicamente, teve lugar no âmbito das relações internas quer perante terceiros, e constituem manifestações inequívocas do exercício da gerência».
O discurso fundamentador da sentença apresenta uma detalhada análise dos elementos com potencial no comprometimento do oponente com a gerência de facto, mas que, no entanto, se encontra deslocada do período relevante para o efeito pretendido, como passamos a dilucidar.
Não se mostra controvertido que ao Recorrente é imputada a gerência meramente de facto no período legal de pagamento, nos termos do disposto na alínea b), do n.º 1, do art. 24.º, da LGT [a renúncia à gerência nominal ocorreu a 30.07.2003].
As dívidas dizem respeito ao ano de 2009 [cfr. facto elencado no ponto 1. da matéria de facto], com prazo de pagamento em cada um dos meses de 2009 [cfr. ponto 1a), ibidem].
Daí que importa verificar se, por referência ao ano de 2009, existe factualidade que permita, ainda que por apelo a presunção judicial, concluir pelo exercício da gerência de facto por parte do oponente, sendo nosso entendimento que não.
Na sentença o comprometimento do oponente com a prática de atos de gerência decorre dos seguintes atos:
· «pese embora tenha renunciado à gerência exerceu de facto funções de gerente uma vez que estava autorizado a movimentar contas bancárias da sociedade, e efectuou pagamentos, via “caixaebanking”, a fornecedores da sociedade, nos elevados montantes de € 3.179,57, € 8.889,33, e € 6.932,48, que não são propriamente pagamentos correntes, que um qualquer trabalhador ou mero quadro técnico da devedora originária podia efectuar».
· «Além disso, o oponente assinou três letras de câmbio, em representação da devedora originária, relativas a reformas da sociedade comercial “[SCom02...], Lda”, de montantes elevados, uma delas no valor de € 31.625,00».
Análise:
A resposta à questão em exegese há de ser encontrada pela conjugação das datas da prática dos atos exteriorizados e das do pagamento da quantia exequenda, colhidas da matéria de facto.
Como dissemos já, o período de pagamento da quantia exequenda decorreu em todos os meses do ano de 2009 [cfr. ponto 1a) da matéria de facto].
E cada um dos factos apurados ocorreu, respetivamente, [pagamentos] a 12/10/2007 e 6/11/2007 [cfr. ponto 6. da matéria de facto] e [assinatura de letras] em 2007 [cfr. ponto 7., ibidem].
Do exposto, resulta que os atos referidos foram praticados muito antes do período a que diz respeito o pagamento da quantia exequenda [ano de 2009], pelo que não são suscetíveis de, mesmo conjugadamente, comprometer o oponente com o exercício da gerência, nos termos previstos no art. 24.º, n.º 1, alínea b), do CPPT.
Para além do mais, não nos podemos alhear da circunstância de o Recorrente (sócio da empresa) ter assumido que, após a renúncia à gerência, continuou a colaborar com a sociedade tendo-lhe sido conferida autorização, a 30.09.2003, para movimentar a conta bancária [cfr. ponto 5., ibidem], com vista a agilizar procedimentos na vida societária na ausência do único gerente, colaboração essa que terminou a 30.09.2009, sem que com isso assumisse a gerência de facto da sociedade [arts. 54 a 59 da PI]; alegação que se mostra compatível com as regras da experiência comum, ou seja, com uma (outra) visão do mundo que não seja de considerar aqueles atos como privativos de um gerente. Aliás, como o legislador preconizava na versão vigente do art. 252.º, n.º 6 do CSC «O disposto nos números anteriores não exclui a faculdade de a gerência nomear mandatários ou procuradores da sociedade para a prática de determinados actos ou categorias de actos, sem necessidade de cláusula contratual expressa.»
Relativamente à assinatura das letras, igualmente, se dirá que das mesmas apenas resulta, isso mesmo, que o oponente assinou as letras e não, também, que o fez por sua iniciativa, sem estar a executar a vontade e a agir por ordem do efetivo gerente. Sendo, ainda, consentâneo com as regras da experiência comum, admitir que a assinatura das letras de reforma tenha ocorrido apenas e só para suprir a ausência do gerente na data de vencimento das letras, na prossecução da vontade e em cumprimento de ordens por este emanadas, por o oponente estar autorizado a movimentar a conta da sociedade na Banco 1..., evitando o protesto das letras, conforme já tinha defendido nos artigos 67. a 75. da PI.
Destarte, os atos identificados, por si só, não teriam (não têm) a capacidade implicar o oponente com a gerência de facto da sociedade mesmo que fossem contemporâneos da data de pagamento da quantia exequenda.

· «Além disso, a qualidade de gerente de facto também se extrai da análise crítica dos “emails” juntos aos autos, nos quais o oponente dá conta da cessação da colaboração com a devedora originária e remete para o outro gerente “as poucas questões que deixa pendentes”, necessariamente questões respeitantes à gerência da sociedade. De outro modo, seriam questões que qualquer trabalhador poderia resolver e não seriam deixadas a cargo do outro gerente

Análise:
A existência dos emails dirigidos a vários clientes e fornecedores [cfr. ponto 22., ibidem] não é colocado em causa. Todavia, a ilação retirada pelo tribunal não pode ser sancionada.
Desde logo, por neles o oponente fazer expressa menção à cessação da colaboração e não da gerência. Por outro lado, não refere que os assuntos pendentes são remetidos para o “outro” gerente, mas que «o gerente, Sr. «BB» assumirá qualquer questão que eventualmente permaneça pendente».
Assim, não podia o tribunal, como não pode agora este tribunal ad quem, concluir que o teor dos emails permite concluir pela gerência de facto, conforme temos vindo a analisar.

· «De resto, o mesmo resulta da análise da certidão de dívida emitida pela Autoridade Marítima Nacional, que obviamente, por si só não lhe confere a qualidade de gerente da sociedade, mas é bem reveladora que, perante terceiros, o oponente actuou sempre como gerente de facto e assumiu-se como gerente da sociedade em causa
Análise:
Nos termos do n.º 1, do art. 88.º, do CPPT, findo o prazo de pagamento voluntário estabelecido nas leis tributárias, será extraída pelos serviços competentes certidão de dívida com base nos elementos que tiverem ao seu dispor.
A certidão de dívida/título executivo, [com os requisitos obrigatórios desenhados no art. 163.º, n.º 1, do mesmo diploma legal], como é pacificamente assente, tem duas funções:
(i) Assegurar à entidade perante quem corre a execução a possibilidade de verificar se estão reunidas as condições para prosseguir com o processo;
(ii) Informar o executado sobre a dívida que se executa de forma a poder organizar a defesa.
Assim sendo, é um documento que se revela completamente imprestável para a demonstração da gerência, por si só ou conjugada com outros elementos.
Pelo que, sem necessidade de maiores considerações, por a certidão de dívida ser totalmente ineficiente para a validação da gerência de facto, não se pode sancionar a conclusão extraída na sentença que lhe conferiu essa virtualidade.
Não será despiciendo mencionar que analisada a informação aludida no ponto 4 da matéria de facto extrai-se que o inspetor tributário se refere ao oponente sempre como sócio e a «BB» como sócio e gerente, diga-se, em consonância com o vertido no subcapítulo – gerência de direito e de facto - do relatório de inspeção junta aos autos.
Donde, na situação vertente, nenhuma prova foi oferecida por parte da Autoridade Tributária tendente à demonstração e validação do pressuposto gerência de facto em que se funda a reversão.
À luz do regime da responsabilidade subsidiária prevista no art.º 24.º, n.º 1, da LGT, em qualquer das suas duas alíneas, a possibilidade de reversão não se basta com a gerência de direito, exigindo-se o exercício de facto da gerência, incumbindo à AT a sua demonstração, sendo que a falta dessa demonstração, sempre terá de ser valorada contra esta, como se verifica no caso. Para além do mais, o tribunal perante a dúvida quanto à verificação deste pressuposto (não sendo, no entanto, o caso) também teria que a valor contra a Exequente, nos termos do disposto no art. 342.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil.
Tanto basta, e sem mais, para que se possa concluir pela ilegitimidade do oponente, por não se ter demonstrado todos pressupostos (gerência de facto) de que depende a efetivação da responsabilidade subsidiária prevista no art.º 24.º, n.º 1, da L.G.T., fundamento da oposição, nos termos do disposto no artigo 204.º, n.º 1, alínea b) do CPPT., ao contrário do que decidiu o tribunal recorrido.
Razão pela qual, na procedência do recurso, impõe-se revogar a sentença e julgar prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas no recurso [art. 608.º, n.º 2, do CPC].
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Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais, do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso e, nessa sequência, revogar a sentença recorrida e julgar a oposição procedente, com a consequente extinção da execução fiscal quanto ao oponente.
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Nos termos do n.º 7 do art.º 663.º do CPC., formula-se o seguinte SUMÁRIO:
I – A declaração de insolvência da sociedade originária devedora constitui fundamento bastante para que se considere haver fundada insuficiência do património daquela, e para justificar a reversão contra, no caso, o responsável subsidiário /Recorrente pela dívida exequenda. Sendo certo que este, também, não alegou e provou que à data em que foi operada a reversão, após a declaração da insolvência, a sociedade detinha bens suficientes para pagamento da quantia exequenda no valor de € 5.357,22.
II - À luz do regime da responsabilidade subsidiária prevista no art.º 24.º, n.º 1, da LGT, em qualquer das suas duas alíneas, a possibilidade de reversão não se basta com a gerência de direito, exigindo-se o exercício de facto da gerência, incumbindo à AT a sua demonstração.
III - Nos termos do disposto na alínea b), do art.º 24.º, da LGT., a prova do exercício da gerência de facto, recai sobre a Exequente, sendo que a falta dessa demonstração, sempre terá de ser valorada contra esta.

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V – DECISÃO:
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais, do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso e, nessa sequência, revogar a sentença recorrida e julgar a oposição procedente, com a consequente extinção da execução fiscal quanto ao oponente.

Custas pela Recorrida em ambas as instâncias.

Porto, 29 de maio de 2025


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