Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
| Processo: | 00063/23.0BEPNF |
| Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
| Data do Acordão: | 05/15/2025 |
| Tribunal: | TAF de Penafiel |
| Relator: | ROSÁRIO PAIS |
| Descritores: | EMBARGOS DE TERCEIRO; PROVA DA AQUISIÇÃO; DAÇÃO EM PAGAMENTO; VALIDADE SUBSTANCIAL DO NEGÓCIO; |
| Sumário: | I – O Documento Particular Autenticado em que ficou exarado o contrato de Dação em Cumprimento a que alude o ponto 2 do probatório, faz prova plena das declarações prestadas pelos ali signatários; ou seja, de que os contraentes declararam o que ali consta, ainda que tal prova não abranja o conteúdo de tais declarações. II - Prova plena é prova que apenas cede perante a prova em contrário. Significa, portanto, que demonstrado um facto por prova plena não basta à parte contrária suscitar a dúvida no espírito do julgador quanto à sua verificação. Para o valor probatório ser posto em causa tem a parte contraria de fazer prova do contrário. III – Compete à AT provar os factos que invocou em matéria de exceção.* * Sumário elaborado pela relatora (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
| Votação: | Unanimidade |
| Decisão: | Negar provimento ao recurso. |
| Aditamento: |
| Parecer Ministério Publico: |
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| Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência os Juízes da Subsecção de execução fiscal e de recursos contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: 1. RELATÓRIO 1.1. A Exmª Representante da Fazenda Pública vem recorrer da sentença proferida em 19/12/2024 no Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, pela qual foram julgados procedentes os Embargos de Terceiro deduzidos por «AA» à penhora efetuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira sobre o imóvel inscrito na matriz predial sob o artigo ...87 e descrito na conservatória de registo predial da União da Freguesia ..., ... e ..., no âmbito do processo de execução fiscal nº ...10, em que é executado «BB». 1.2. A Recorrente terminou as suas alegações formulando as seguintes conclusões: «A- Vem o presente recurso interposto da sentença proferida nos presentes autos, que julgou procedente os Embargos de Terceiro e anulou a penhora efetuada pela AT sobre o prédio urbano inscrito na matriz urbano sob o artigo ...87, inscrito na Matriz da União de Freguesias ..., ... e ... do concelho .... B- A sentença proferida pelo Tribunal a quo determinou a procedência dos presentes autos com o fundamento de que “O Embargado não é considerado terceiro em relação à Embargante e, apesar de ter registado a penhora antes do registo do direito de propriedade daquela, a sua inscrição registal não prevalece sobre a propriedade da mesma, que foi claramente ofendida por essa diligência judicial e não pode subsistir”. C- A Fazenda Pública não se conforma com o decidido, pois entende que a douta sentença incorreu em erro de julgamento, uma vez que a matéria de facto provada não permitiria extrair a conclusão de que a embargante era a proprietária do imóvel objeto de penhora. D- Corre termos no Serviço de Finanças ... o PEF nº ...10, por dívidas de Imposto sobre o Rendimento e Património, solicitado pelo Estado Francês conforme Título Executivo Uniforme Relativo Aos Créditos Abrangidos pela Diretiva 2010/24/EU, emitido em 2020/11/20 com a referência FR_51...........20_ UIPE_1 (cfr. fls. 28 do processo eletrónico), no qual consta como executado «BB» (NIF ...38). E- Não tendo sido efetuado o pagamento da dívida exequenda e acrescido ou requerida a dação em pagamento nos termos do artigo 201º do CPPT o PEF seguiu os seus trâmites legais e procedeu o OEF à penhora de bens do executado «BB» e em 12/01/2023 foi efetuada a penhora eletrónica, com o nº ...30 do artigo ...87 urbano, inscrito na Matriz da União de Freguesias ..., ... e ... do concelho .... F- O registo da referida penhora na Conservatória de Registo Predial ficou definitivo conforme se pode aferir da ficha nº ...13 – ... – ... (cfr. 36 do processo eletrónico), não se encontrando qualquer pedido de registo pendente em nome da aqui embargante «CC». G- Para provar a alegada propriedade a embargante junta aos autos cópia do documento particular de dação em pagamento, datado de 23/09/2021, através do qual, o executado «DD», para pagamento integral da quantia de € 10.000,00, dá à embargante o prédio urbano, artigo ...87, inscrito na matriz da União das Freguesias ..., ... e ... do concelho ..., objeto de penhora nos presentes autos. H- A prova constante dos autos não permite extrair a conclusão de que a embargante seja proprietária do imóvel penhorado, pelo que não permitia ao Tribunal a quo ter retirado a conclusão de que a embargante era a proprietária do bem penhorado e que a sua propriedade tivesse sido ofendida. I- A dação em pagamento efetuada tem a data de 23/09/2021, ou seja, uma data posterior à data da citação do PEF, que ocorreu em 15/12/2020 (5º dia posterior ao registo de disponibilização na respetiva área reservada do portal das finanças), quando alegadamente o executado se diz devedor à embargante desde 2019, segundo consta do documento de dação em cumprimento junto pela embargante. J- As moradas constantes do referido documento de dação em pagamento do executado e embargante são diferentes quando os mesmos naquela data tinham, e ainda têm, o mesmo domicilio fiscal (cfr. fls. 68 a fls. 131 do processo eletrónico). K- Não existe nos autos qualquer documento que ateste a natureza bem como a existência da dívida constante do documento de dação em pagamento, ou seja, não existe qualquer prova da existência da dívida. L- Os documentos juntos a fls. 177 do processo eletrónico, mais não passam de papeis escritos à mão, com quantias que alegadamente a embargante emprestou ao executado e que este se compromete a pagar até final do ano de 2019, não se conseguindo aferir quer da veracidade, quer do teor dos mesmos, quer da assinatura que aí consta, quer ainda do momento em que foram elaborados (pois podem ter sido feitos em qualquer data). M- O bem (imóvel) tem um VPT superior à alegada dívida, pois o VPT é de € 14.118,65 e a alegada dívida do executado à embargante é de € 10.000,00, e da análise à informação do Município ... datada de 22/06/2022, (cfr. fls. 192 do processo eletrónico), retira-se até que o valor do imóvel é em muito superior à alegada dívida e alegada dação em pagamento. N- Não consta dos autos qualquer documento que ateste que o executado tenha recebido da embargante o valor recebido em excesso, ou seja a diferença entre o VPT do imóvel (€ 14.118,65) e o valor da alegada divida (€ 10.000,00), nem sequer que a embargante tenha emprestado e o executado recebido as quantias de que se diz devedor. O- A embargante diz-se dona e legítima proprietária do imóvel objeto de penhora mas no requerimento de proteção jurídico junto aos presentes autos no ponto 3.3. daquele declara não ser proprietária de qualquer bem imóvel. P- A embargante efetuou um pedido de registo (cfr. fls. 187 do processo eletrónico), mas posteriormente veio a desistir do mesmo por nele não haver interesse (cfr. fls. 187 e fls. 188 do processo eletrónico), facto que consta do ponto 5. dos “factos provados” mas que não foi objeto de análise por parte do Tribunal a quo. Q- O Tribunal a quo concluiu que a embargante era proprietária do imóvel e que a mesma foi “claramente ofendida”, contudo os factos constantes nos autos não permitem chegar a tal conclusão e nem a sentença proferida tem qualquer fundamentação que permita aferir como chegou a tal conclusão. R- O Tribunal a quo apenas analisou a questão do registo do alegado direito de propriedade e decidiu com base no mesmo. S- A penhora devidamente registada não prevalece sobre o direito de propriedade que embora não registado, ou registado posteriormente foi validamente adquirido anteriormente ao registo da penhora, contudo da prova constante dos autos não se pode extrair que a embargante seja proprietária do imóvel objeto de penhora. T- Contudo, não obstante a embargante se arrogar do direito de propriedade sobre o imóvel objeto da penhora, e não ter efetuado o registo da mesma, o facto é que não demonstra a aquisição desse direito. U- Nos termos do disposto no artigo 74º da LGT o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos recai sobre quem os invoque. V- A douta sentença incorreu em erro de julgamento, uma vez que a matéria de facto provada não permitiria extrair a conclusão de que a embargante era a proprietária do imóvel objeto de penhora. Termos em que, Deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, deve ser revogada a douta sentença recorrida, por erro de julgamento uma vez que a matéria de facto provada não permitiria extrair a conclusão de que a embargante era a proprietária do imóvel objeto de penhora, com as legais consequências.». 1.3. A Recorrida apresentou contra-alegações, que concluiu nos termos que seguem: «I. A douta sentença é, além de justíssima, de uma meridiana clareza, sendo absolutamente inconcebível que se diga que não se fez Justiça, antes pelo contrário, foi feita a mais sã e diáfana Justiça. II. Atendendo às conclusões da Recorrente - que delimitam o âmbito do recurso - verifica-se que a questão a analisar é se houve erro na aplicação do Direito. III. A Recorrida entende que deverá manter-se a douta sentença já proferida. IV. Na medida em que ao caso em apreço, é de aplicar o conceito de terceiros para efeitos do disposto no artigo 5° do Código de Registo Predial, os quais são adquirentes de boa-fé, de um mesmo transmitente comum, de direitos incompatíveis sobre a mesma coisa. E, por isso, a Embargada não é enquadrável no conceito restrito de terceiros, não goza o mesmo da proteção registal de que se arroga. V. […] VI. Como bem entendeu o Tribunal a quo, a penhora, não se traduz na constituição de um direito real de gozo sobre o prédio, e sendo um ato do processo executivo, é um simples ónus que passa a incidir sobre a coisa penhorada, e unicamente os atos de disposição ou oneração posteriores à penhora deixam de prevalecer. VII. Neste sentido pronunciou-se o Tribunal da Relação do Porto, no âmbito do processo 7000/09.3T2AGD-A.P1, através do acórdão de 17.12.2014, quando refere que diz o seguinte: […] É um negócio translativo. Por mero efeito dela, o direito real transferiu-se para a embargante — art° 408°, n° 1, CC. Em consequência, esta goza sobre ele dos poderes plenos e inerentes conferidos pelo art° 1305°, de o usar fruir e dele dispor. Simplesmente, antes de ela levar ao registo predial tal aquisição, onerou-o a exequente com a inscrição da penhora. [...]“ VIII. Ainda que houvesse dúvidas se a Recorrente se enquadra na noção de terceiro, por conjugação das normas civis acima referidas com as prediais invocadas pela Recorrente, designadamente o artigo 5° e 6° do Código de Registo Predial, sobre essa questão já se pronunciou o Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão Uniformizador n° 3/99. IX. Desse acórdão, basicamente resulta que: “Terceiros para efeitos do disposto no art.° 5º do C. Registo Predial, são os adquirentes de boa-fé, de um mesmo transmitente comum, de direitos incompatíveis, sobre a mesma coisa”. X. Foi exatamente essa interpretação que foi introduzida no artigo 5°, n° 4 do Código de Registo Predial, ao dizer que “Terceiros, para efeitos de registo, são aqueles que tenham adquirido de um autor comum direitos incompatíveis entre si”. XI. In casu, como bem salienta a decisão do Tribunal a quo, o acto registado pela Recorrente é uma penhora, o que significa que ainda que tenha adquirido sobre o prédio um direito incompatível com o da embargante/Recorrida, adquiriu esse direito sem intervenção voluntária do titular inscrito e, portanto, não é adquirente de um mesmo transmitente comum. XII. Ou seja, a Recorrente não é um terceiro para efeitos de registo predial e, como tal, o direito anterior da embargante/recorrida não registado previamente à penhora, pode ser-lhe oposto. XIII. O que foi feito por intermédio dos embargos de terceiros apresentados oportunamente pela Recorrida. XIV. O direito da Recorrente e o direito da Recorrida são dois direitos reais em confronto, ou seja, o direito real de propriedade não registado previamente à penhora e o direito real de garantia resultante da penhora registada. XV. Caso se colocasse, mesmo em termos acidémicos, a prioridade do registo da penhora, quando, por via dos embargos de terceiro, a Recorrida deu a conhecer que o prédio lhe foi transferido por dação em pagamento, em 23/09/2021, seria permitir que um direito de crédito, ainda que protegido por um direito real de garantia, prevalecesse sobre um direito real de gozo. XVI. Nessa linha de raciocínio também encontramos o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6.12.2012, que refere que “Nos termos desta (art.° 5°, n.º 4 do CRP) e da orientação plasmada no último dos acórdãos uniformizadores que aqui também se adopta, a inoponibilidade de direitos, para efeitos de registo, pressupõe que ambos os direitos advenham de um mesmo transmitente comum, dela se excluindo “os casos em que o direito em conflito deriva de uma diligência judicial, seja ela arresto ou penhora”. XVII. Ou seja, o direito da Recorrente, que conflitua com o direito de propriedade da Recorrida, deriva de uma penhora, situação que não é enquadrável no conceito restrito de terceiros. XVIII. Assente na Doutrina e na Jurisprudência, o Douto Tribunal a quo considerou que assiste razão à Embargante e que a situação alegada pela Embargada não é um terceiro, para efeitos de registo, não podendo funcionar, obviamente, as regras registais de que se pretende socorrer, designadamente a da prioridade. XIX. Isto é, como a sentença evidencia, com acerto, a regra da “prior in tempore, potior jure”, é afastada, in casu, pelo princípio geral da transmissibilidade de direitos que opera imediata e eficazmente, independentemente do registo. XX. Pois, quando o prédio foi penhorado, já o mesmo haviam saído do património do executado, uma vez que o direito de propriedade se transferiu por mero efeito do contrato de dação em pagamento anteriormente elaborado à Recorrida/Embargante, independentemente do seu registo. XXI. Pelo que não podia, o prédio ser já objecto de penhora, para, assim, garantir o crédito que a Recorrente tinha ou tem sobre o executado pelo simples facto de a realidade substantiva prevalecer sobre a realidade registal. XXII. A embargante é a proprietária e tem, pois, essa forma suprema de posse que é ofendida pela diligência de penhora. A mesma é terceira em relação à execução e reagiu em tempo pelo meio próprio que são os embargos, o que não vem sequer questionado pela embargada. XXIII. Portanto, mostram-se preenchidos os três requisitos, que a lei comina a apresentação tempestiva do meio processual; detenção da qualidade de terceiro e ofensa da posse anterior à penhora, necessários ao êxito dos presentes embargos de terceiro, como bem decidiu a sentença recorrida. XXIV. Em suma, a sentença recorrida não merece qualquer censura, devendo manter-se inalterada quanto à interpretação de que a penhora do prédio não goza da prioridade de registo a que se reporta o artigo 6°/1 do CRP. XXV. O caso nos autos não reclama aturado estudo e reflexão, dado que a nível doutrinal e jurisprudencial já foi amplamente decidido. XXVI. Salvo sempre melhor entendimento, não assiste razão à recorrente em nenhuma das vertentes em que ataca a douta sentença, que nenhuma norma substantiva ou processual violou, a qual deve, por isso, manter-se incólume, confirmando-se a anulação decidida na douta sentença recorrida nos seus precisos termos, pois assim se fará a adequada Justiça. NESTES TERMOS, e nos que Vossas Excelências mui doutamente suprirão, ao presente recurso deve ser negado provimento e, em consequência, confirmar, integralmente, a douta sentença, fazendo, como sempre, inteira e sã JUSTIÇA.». 1.4. O EPGA junto deste TCAN teve vista dos autos e emitiu parecer, concluindo pela improcedência do recurso. * Dispensados os vistos legais, nos termos do artigo 657º, nº 4, do Código de Processo Civil, cumpre apreciar e decidir, pois que a tanto nada obsta. * 2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR Uma vez que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do Recorrente, cumpre apreciar e decidir se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de direito ao concluir que a Recorrida adquiriu o imóvel em causa, antes da respetiva penhora pela AT. 3. FUNDAMENTAÇÃO 3.1. DE FACTO 3.1.1. Factualidade assente em 1ª instância A decisão recorrida contém a seguinte fundamentação de facto: «II- A - DOS FACTOS PROVADOS Com interesse e relevo para a decisão a proferir, julgam-se provados os seguintes factos: 1. Em 7 de dezembro de 2020, o Executado «BB» foi citado no âmbito do processo executivo n.º ...10 – cfr. documento 1 junto com a contestação; 2. Em 23 de setembro de 2021 foi celebrado contrato de dação em pagamento entre o executado «EE» e a Embargante «CC», através de documento particular autenticado, no âmbito do qual, para pagamento de dívida de €10.000,00 foi entregue a propriedade do prédio inscrito na matriz urbana sob o artigo ...87, da freguesia ..., ..., com o VPT de € 14.118,65, com o seguinte teor: [imagem no documento original] - cfr. documento 2 junto com a petição inicial; 3. Em 23 de setembro de 2021 foi efetuada a declaração e o pagamento do Imposto de Selo e Imposto Municipal de Transmissões Onerosas de Imóveis, em nome da Embargante, com o seguinte teor: [imagem no documento original] - cfr. documento 1 junto com a petição inicial; 4. Em 23 de setembro de 2021 foi efetuado pelo Advogado «FF» pedido de registo de aquisição do prédio n.º ...15, com o seguinte teor: [imagem no documento original] - cfr. documento de fls. 186 do Sitaf; 5. Em 3 de novembro de 2021 foi apresentada desistência do pedido de registo, com o seguinte teor: (…) [Imagem que aqui se dá por reproduzida] - Cfr. fls. 187 e 188 do Sitaf, que se dão por integramente reproduzidos; 6. Em 31 de maio de 2022 foi proferido parecer relativamente a pedido efetuado por «BB» de emissão de certidão da qual conste [que] [n]o prédio urbano inscrito na matriz predial sob o n.º ...87... existe uma edificação, cuja data de construção é anterior aos RMEU, por extensão do RGEU, com o seguinte teor: [imagem no documento original] - fr. Fls. 192 do Sitaf e que se dá por integralmente reproduzido; 7. Em 12 de janeiro de 2023 foi efetuada penhora eletrónica com o n.º ...30, do artigo urbano com o n.º ...87, inscrito na Matriz da União de Freguesias ..., ... e ... – cfr. documento junto a fls. 36 do Sitaf; 8. Em 12 de janeiro de 2023 efetuada o registo da penhora referida no número anterior, na Conservatória do Registo Predial, sob o n.º ..15/20010313 – ... – ... – cfr. documento junto a fls. 36 do Sitaf; B- DOS FACTOS NÃO PROVADOS Com interesse para a causa não se deram quais factos como não provados. C – FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO A convicção do Tribunal alicerçou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos referida no probatório em relação a cada facto, na matéria de facto alegada e não contestada, e outra de conhecimento oficioso do Tribunal, dispensando a respetiva alegação, nos termos do artigo 412º do Código de Processo Civil.». 3.2. DE DIREITO A Recorrida deduziu Embargos de Terceiro contra a penhora, realizada e registada em 12.01.2023, do artigo urbano com o n.º ...87, inscrito na Matriz da União de Freguesias ..., ... e ..., arrogando-se proprietária do mesmo, por lhe ter sido dado em pagamento pelo Executado, através de Documento Particular Autenticado, datado de 23.09.2021. A Fazenda Pública contestou, alegando que a Embargante não fez prova da sua alegada aquisição, bem como da existência e natureza da dívida objeto de pagamento por dação, assinalando que aquela e o Executado têm o mesmo domicilio fiscal, apesar de constarem moradas distintas no documento de dação em pagamento; mais refere que não existe prova de a Embargante ter entregue ao Executado o valor da diferença entre o montante da alegada dívida (10.000,00€) e o do VPT (14.118,65€) e que, no pedido de proteção jurídica, não indicou ser proprietária de qualquer bem imóvel. Sustentou, ainda que, não obstante obrigatório, não foi efetuado o registo da aquisição pela Embargante. A sentença sob escrutínio deu provimento à pretensão da Embargante sustentada na seguinte fundamentação jurídica: «(…) A questão que importa apreciar e decidir é a de saber se o registo da penhora efetuada pela Fazenda Pública, no âmbito de processo de execução fiscal, prevalece em relação à aquisição anterior da propriedade do imóvel pela Embargante, apesar de não registada previamente. Dispõe o artº 5º do CRP: Oponibilidade a terceiros 1 - Os factos sujeitos a registo só produzem efeitos contra terceiros depois da data do respetivo registo. 2 - Excetuam-se do disposto no número anterior: a) A aquisição, fundada na usucapião, dos direitos referidos na alínea a) do n.º 1 doartigo 2.º; b) As servidões aparentes; c) Os factos relativos a bens indeterminados, enquanto estes não forem devidamente especificados e determinados. 3 - A falta de registo não pode ser oposta aos interessados por quem esteja obrigado a promovê-lo, nem pelos herdeiros destes. 4 - Terceiros, para efeitos de registo, são aqueles que tenham adquirido de um autor comum direitos incompatíveis entre si. 5 - Não é oponível a terceiros a duração superior a seis anos do arrendamento não registado. Artigo 6.º do CRP Prioridade do registo 1 - O direito inscrito em primeiro lugar prevalece sobre os que se lhe seguirem relativamente aos mesmos bens, por ordem da data dos registos e, dentro da mesma data, pela ordem temporal das apresentações correspondentes. 2 - [Revogado]. 3 - O registo convertido em definitivo conserva a prioridade que tinha como provisório. 4 - Em caso de recusa, o registo feito na sequência de recurso julgado procedente conserva a prioridade correspondente à apresentação do ato recusado. Visto o quadro legal impõe-se considerar o que se mostra necessário demonstrar para que os embargos possam ter êxito. A procedência dos embargos está dependente da verificação cumulativa dos seguintes requisitos: apresentação tempestiva do meio processual; detenção da qualidade de terceiro e ofensa da posse anterior à penhora. Ora, resulta do probatório, que a Embargante adquiriu a propriedade da fração em causa em 23 de setembro de 2021, por documento particular autenticado de dação em pagamento, tendo procedido ao respetivo pagamento dos impostos devidos e requerido o registo na conservatória de registo predial no próprio dia e que a penhora da fração em causa foi efetuada apenas em 2023. Do probatório não é controvertida a circunstância de o bem ter sido vendido à Embargante, mas sim a falta do seu registo, tendo a penhora das Finanças sido efetuada posteriormente à compra por parte da Embargante. Esta questão foi apreciada no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 17/12/2014, do qual se destaca o seguinte: ““Nos termos desta (art.° 5°, n.º 4 do CRP) e da orientação plasmada no último dos acórdãos uniformizadores que aqui também se adopta, a inoponibilidade de direitos, para efeitos de registo, pressupõe que ambos os direitos advenham de um mesmo transmitente comum, dela se excluindo “ casos em que o direito em conflito deriva de uma diligência judicial, seja ela arresto ou penhora”. Nos termos do disposto nos artigos 2.°/1/ a) e 8.° do CRP é obrigatório submeter a registo os factos jurídicos que determinem a constituição, o reconhecimento, a aquisição ou a modificação do direito de propriedade. É certo que, nos termos do disposto no artigo 5.° do CRP, os factos sujeitos a registo só produzem efeitos contra terceiros depois da data do respetivo registo. Todavia, terceiros para efeitos do disposto no artigo 5.° do CRP são os adquirentes, de boa-fé, de um mesmo transmitente comum, de direitos incompatíveis sobre a mesma coisa (Acórdão uniformizador de jurisprudência do STJ, de 18 de Maio de 1999, publicado no DR I-A, de 10 de Julho de 1999. Acórdãos do STA, de 27/01/2010-R. n.º 0995/09, de 24/02/2010-R. n.º 01197/09 e de 07/01/2016-R. n.º 0162/14, todos disponíveis no sítio da internet www.dgsi.pt.)(...)” Ora, como no caso, o direito de garantia das Finanças que conflitua com o direito de propriedade da Embargante, deriva de diligência judicial (a penhora), situação não enquadrável no conceito restrito de terceiros, não goza o mesmo da proteção registal de que se arroga, não obstante a respetiva inscrição ter sido efetuada antes do registo da transferência da propriedade (o qual se ignora se já foi efetuado). Efetivamente, a penhora, não se traduzindo na constituição de um direito real de gozo sobre o prédio, e sendo um ato do processo executivo, é um simples ónus que passa a incidir sobre a coisa penhorada, e unicamente os atos de disposição ou oneração posteriores à penhora deixam de prevalecer. No caso, não sendo aquele (Autoridade Tributária) terceiro, para efeitos de registo, não funcionam obviamente as suas regras, designadamente a da prioridade (prior in tempore, potior jure), que é afastada pelo princípio geral da transmissibilidade de direitos que opera imediata e eficazmente, independentemente do registo. Deste modo, quando a fracção foi penhorada (...) já a mesma havia saído, bem antes, do património do executado, dado que o atinente direito de propriedade transferira-se por mero efeito da dação em pagamento efetuada por via do documento particular autenticado para a embargante, independentemente do seu registo, e portanto não podia ser já objeto de subsequente penhora em ordem a garantir o crédito que as Finanças detêm sobre aquele executado. O Embargado não é considerado terceiro em relação à Embargante e, apesar de ter registado a penhora antes do registo do direito de propriedade daquela, a sua inscrição registal não prevalece sobre a propriedade da mesma, que foi claramente ofendida por essa diligência judicial e não pode subsistir. Veja-se, no mesmo sentido, o que se escreveu no Acórdão do STJ de 06/11/201: “(...) Decorre da leitura dos arts. 4.º, nº 1, e 5.°, n.º 1, do CRP, que, inter partes, os factos sujeitos a registo predial são plenamente eficazes mesmo que não registados, mas, para com terceiros, a sua eficácia depende do registo. I - A formulação legal de terceiros vertida no art. 5.°, n.º 4, do CRP (aditado pelo DL n.º 533/99, de -12) é tributária da concepção restrita de terceiros, acolhida no acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 3/99, de 18-05, seguindo a qual a inoponibilidade de direitos, para efeitos de registo, pressupõe que ambos os direitos advenham de um mesmo transmitente comum dela se excluindo os casos em que o direito em conflito deriva deuma diligência judicial, seja ela arresto ou penhora.” Ora, acolhemos, na íntegra, a tese do supra identificado Acórdão, pelo que, concluindo-se que a FP, na qualidade de exequente, não detém a qualidade de terceiro, para efeitos do preceituado no artigo 5° do CRP, é de considerar procedentes os presentes embargos.(…)”. Também no acórdão do STA de 07/01/2016 tirado no recurso n.º 0162/14, se refere que: “(…) V - Tendo o embargante provado a aquisição do direito de propriedade sobre o imóvel penhorado (embora não levado a registo na Conservatória de Registo Predial) em data anterior à penhora, deve esse direito prevalecer sobre a penhora registada na execução fiscal instaurada contra uma sociedade e que não reverteu contra si, pois face ao conceito de terceiros para efeitos de registo acolhido pelo acórdão uniformizador nº 3/99 do STJ, prolatado em 18/05/99, e o conceito que, em consonância com a doutrina desse acórdão, veio a ser vertida no art. 5º, nº 4, do Cód. Reg. Predial pelo DL nº 533/99, de 11 Dezembro, o embargante e o exequente não são terceiros para efeitos de registo, não lhes sendo, por isso, aplicável a prioridade derivada do registo proclamada pelo nº 1 do artigo 6º Cód. Reg. Predial”. Conclui-se assim que procede a alegação da Embargante e em consequência, deve ser anulada a penhora em causa nos autos.». A Recorrente Fazenda Pública imputa erro de julgamento ao assim decidido por entender, em resumida síntese, que a matéria de facto provada não permitia extrair a conclusão de que a embargante era a proprietária do imóvel objeto de penhora, uma vez que ela não demonstrou ter adquirido validamente o direito a que se arroga. Vejamos, então: Dispõe o artigo 1316º do Código Civil que «O direito de propriedade adquire-se por contrato, sucessão por morte, usucapião, ocupação, acessão e demais modos previstos na lei.». E, conforme resulta da alínea a), do artigo 1317º do mesmo Código, o momento da aquisição do direito de propriedade é «No caso de contrato, o designado nos artigos 408.º e 409.º». Na situação vertente, a Recorrida alegou e provou ter adquirido o direito de propriedade sobre o imóvel penhorado por contrato de Dação em cumprimento, através de Documento Particular Autenticado, em 23.09.2021. Assim, por força do nº 1, do artigo 408º do CCiv, a transferência do direito de propriedade sobre o imóvel em causa nestes autos deu-se por mero efeito do contrato. Mais importa ter presente que, em conformidade com o artigo 376º, nº 1, do CCiv, «O documento particular cuja autoria seja reconhecida nos termos dos artigos antecedentes faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento.», dispondo, ainda o artigo 377º do CCiv que «Os documentos particulares autenticados nos termos da lei notarial têm a força probatória dos documentos autênticos, mas não os substituem quando a lei exija documento desta natureza para a validade do acto.». Por último, expressa o artigo 371º, nº 1, do CCiv que «Os documentos autênticos fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora; os meros juízos pessoais do documentador só valem como elementos sujeitos à livre apreciação do julgador.». Resulta deste quadro legal que o Documento Particular Autenticado goza do valor probatório que a lei atribui aos documentos autênticos, ou seja, tem força de prova plena quanto às declarações prestadas pelos contraentes. E, como se sabe, a prova plena apenas cede perante a prova em contrário. Assim, demonstrado um facto por prova plena não basta à parte contrária suscitar a dúvida no espírito do julgador quanto à sua verificação. Para o valor probatório ser posto em causa tem a parte contraria de fazer prova do contrário. No caso vertente, não se suscitam dúvidas quanto ao que foi declarado pelos signatários do contrato de Dação em Pagamento, nem quanto à validade formal do contrato. A Recorrida provou, pois, a aquisição do direito a que se arroga. A Fazenda Pública, por sua vez, põe em causa a validade substancial da Dação em Pagamento, pela qual se transferiu a propriedade do imóvel penhorado na execução fiscal para a Embargante, o que constitui matéria de exceção, neste caso perentória, uma vez são alegados factos que impedem, modificam ou extinguem o direito invocado pelo autor, levando à improcedência total ou parcial do pedido (cfr. artigo 576º, nº 3, do CPC). Ora, de acordo com o nº 2, do artigo 342º do CPC, a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado pelo autor compete àquele contra quem a invocação é feita. Ou seja, no caso, competia à AT provar os factos que invocou tendo em vista a improcedência do pedido deduzido pela Embargante. Contudo, evidencia o probatório que tal prova não se mostra realizada e, nesta medida, mais não resta do que confirmar a sentença recorrida, que não padece do vício que a Recorrente lhe aponta. * Assim, preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões: I – O Documento Particular Autenticado em que ficou exarado o contrato de Dação em Cumprimento a que alude o ponto 2 do probatório, faz prova plena das declarações prestadas pelos ali signatários; ou seja, de que os contraentes declararam o que ali consta, ainda que tal prova não abranja o conteúdo de tais declarações. II - Prova plena é prova que apenas cede perante a prova em contrário. Significa, portanto, que demonstrado um facto por prova plena não basta à parte contrária suscitar a dúvida no espírito do julgador quanto à sua verificação. Para o valor probatório ser posto em causa tem a parte contraria de fazer prova do contrário. III – Compete à AT provar os factos que invocou em matéria de exceção. 4. DECISÃO Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de execução fiscal e de recursos contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida. Custas a cargo da Recorrente, que aqui sai vencida, nos termos do artigo 527º, nº 1 e 2, do Código de Processo Civil. Porto, 15 de maio de 2025 Maria do Rosário Pais – Relatora Cláudia Almeida – 1ª Adjunta Ana Paula Rodrigues Coelho dos Santos – 2ª Adjunta |