Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02152/20.4BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:01/28/2022
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Ricardo de Oliveira e Sousa
Descritores:ARGUMENTO “A MAIORI AD MAIUS” – ASPECTOS DA EXECUÇÃO DO CONTRATO – EXCLUSÃO DE PROPOSTA
Sumário:I - O argumento “a maioria ad minus” traduz a velha regra do direito de que “quem pode o mais pode o menos”.

II- Não sendo um “engenheiro eletrónico”, para efeito de habilitação concursal, mais capacitado do que um “engenheiro técnico na área civil”, não há como não concluir que, no caso concreto, que a exigência concursal da necessidade de afetação de um “engenheiro técnico civil” com experiência mínima de 3 anos em obras de idêntica natureza da posta a concurso é igualmente cumprida com a simples afetação de um “engenheiro eletrotécnico”.

III- Tal convicção é particularmente potenciada pela evidência da impossibilidade de “engenheiro eletrotécnico” possuir a experiência mínima de 3 anos na área civil em obras de idêntica natureza da posta a concurso, o que também contribuiu para a posição assumida por este Tribunal Superior no que diz respeita a esta matéria.

IV- Configurando tal exigência termo/condição relativo a um aspeto da execução do contrato não submetido à concorrência, o seu incumprimento determina a exclusão da sua proposta por força da aplicação do disposto no art. 70º, nº. 2, al. b), do CCP.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:A., SA
Recorrido 1:MUNICIPIO (...)
Votação:Maioria
Meio Processual:Impugnação Urgente - Contencioso pré-contratual (arts. 100º e segs. CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
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Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
* *

I – RELATÓRIO
A., S.A., B., S.A. e P., S.A., com os sinais dos autos, vêm interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL da decisão judicial promanada pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que, em 31.09.2021, julgou improcedente a presente Ação de Contencioso Pré-Contratual, por não provada, e em consequência absolveu o Réu, aqui Recorrido, MUNICÍPIO (...) do pedido.

Em alegações, as Recorrente formularam as conclusões que ora se reproduzem, que delimitam o objeto do recurso: “(…)
A. O presente Recurso de Apelação, vem interposto da decisão proferida em 31.10.2021 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou improcedente a ação de contencioso pré-contratual intentada pelas aqui Recorrentes para impugnação da decisão de adjudicação tomada pelo MUNICÍPIO (...), aqui Recorrido, no âmbito do procedimento para a execução de empreitada denominada: “Eficiência Energética nas Infraestruturas Públicas da Administração Local - Redução do Consumo de Energia na Iluminação Públicas da Administração Local - Instalação de Luminárias LED – 1ª Fase; 2ª Fase e 3ª Fase”. 
B. As Recorrentes não se conformam com o entendimento do Tribunal a quo segundo o qual a proposta apresentadas pela C. aos lotes 2 e 3 não viola o disposto na Cláusula 31° do Caderno de Encargos, nem tão-pouco os princípios da comparabilidade das propostas ou da intangibilidade das peças procedimentais.
C. As Recorrentes entendem, com o devido respeito, que é muito, que o Tribunal a quo errou na aplicação do direito, nomeadamente, na desaplicação do disposto na al. b) do n.° 2 do art. 70° ex vi da al. o) do n.° 2 do art. 146° do CCP e, de resto, na fundamentação que ofereceu para justificar a não violação do princípio da comparabilidade das propostas e intangibilidade das peças do procedimento.
D. Conforme ficou a constar da sentença recorrida, “(...) o Tribunal considera que a exigência em apreço descrita no caderno de encargos”, designadamente na sua Cláusula 31°, “constitui um termo ou condição, relativamente ao qual a entidade adjudicante entendeu definir um limite mínimo. (...) Em concreto, analisando o teor da referida cláusula 31° é evidente para o Tribunal que a entidade adjudicante pretende que os concorrentes apresentem, e se vinculem, à identificação de um representante do empreiteiro que possua, no mínimo, qualificações de engenheiro técnico civil” (cfr. pág. 16 da sentença recorrida).
E. Todavia, o Tribunal a quo acabou por concluir que “interpretando a cláusula 31º do caderno de encargos à luz do que acima se deixou explicado - isto é, como constituindo um termo ou condição, relativamente ao qual a entidade adjudicante entendeu definir um limite mínimo - o Tribunal julga que a proposta da Contra-interessada C. [cfr. pontos F) e G) do probatório], na medida em que indica um engenheiro eletrotécnico para assegurar a representação do empreiteiro junto do dono da obra, cumpre a exigência ali plasmada, uma vez que um engenheiro eletrotécnico inscrito na Ordem dos Engenheiros há de possuir mais habilitações académicas - ou, no mínimo as mesmas (ressalvada a diferente especialização) - que um engenheiro técnico civil inscrito na Ordem dos Engenheiros Técnicos”.
F. Ora, é, desde logo, deste entendimento conclusivo contido na sentença recorrida que as Recorrentes discordam em absoluto.
G. Porquanto, no entender das Recorrentes um Engenheiro Eletrotécnico não é um técnico mais qualificado que um Engenheiro Técnico Civil ou com igual qualificação de um Engenheiro Civil.
H. Na realidade, um Engenheiro Eletrotécnico tem uma qualificação diferente da de um Engenheiro Técnico Civil ou de Engenheiro civil.
I. Ora, no presente caso prevê o n.° 1 da Cláusula 31º do Caderno de Encargos que, “Durante a execução do Contrato, o empreiteiro é representado por um diretor de obra , salvo nas matérias em que, em virtude da lei ou de estipulação diversa no caderno de encargos ou no Contrato, se estabeleça diferente mecanismo de representação”. Sendo que,
J. De acordo com o disposto no n.° 2 da mesma cláusula, “O empreiteiro obriga-se, sob reserva de aceitação pelo dono da obra, a confiar a sua representação a um técnico com a seguinte qualificação mínima: engenheiro técnico civil, com experiência mínima de 3 anos em obras de idêntica natureza da posta a concurso”.
K. Com efeito, resulta inequívoco que, todos os concorrentes estavam obrigados a fazer prever nas suas propostas a afetação de um técnico com a qualificação mínima de engenheiro técnico civil com experiência mínima de 3 anos em obras de idêntica natureza da posta a concurso para desempenhar as funções de representante do empreiteiro e assumir o cargo de Diretor de Obra.
L. A afetação de um técnico com a qualificação mínima de engenheiro técnico civil com experiência mínima de 3 anos em obras de idêntica natureza da posta a concurso para desempenhar as funções de representante do empreiteiro e assumir o cargo de Diretor de Obra, traduz-se, pois, num termo/condição relativo a um aspeto da execução do contrato a celebrar não submetido à concorrência pelo caderno de encargos, é dizer, num requisito imposto unilateralmente pela entidade adjudicante quanto a um aspeto da execução do contrato que não é negociável e cuja satisfação pelos concorrentes não constitui um atributo da proposta mas antes condição de adjudicação.
M. Sendo certo que, o caderno de encargos não pormenorizou nem fixou este termo/condição, limitando-se a estabelecer os limites dentro dos quais as propostas se deveriam situar relativamente à qualificação e experiência do técnico, não podendo as propostas ficar aquém ou ir além desses limites.
N. E, isto significa que, os concorrentes não podiam nas suas propostas:
i. Por um lado, propor a afetação de um técnico com qualificações inferiores às de um engenheiro técnico civil nem com experiência inferior a 3 anos em obras de idêntica natureza da posta a concurso e;
ii. Por outro lado, propor a afetação de um técnico com qualificações diferentes, ainda que superiores, da engenharia civil nem com experiência em obras, ainda que superior, de natureza diferente da posta a concurso.
O. É que, como aliás admite e reconhece o Tribunal a quo, “o Tribunal conclui que a admissão para a Ordem dos Engenheiros enuncia como requisitos habilitações académicas mais exigentes do que aqueles que são enunciados pelo Estatuto da Ordem dos Engenheiros Técnicos para o respectivo ingresso. Adicionalmente, socorrendo-se do parecer técnico emitido nos autos [cfr. ponto M) do probatório], no que toca à distinção entre «(...) Engenheiro Eletrotécnico e Engenheiro Civil, estamos a falar de membros da OE com valências técnicas diferentes e origem académica diferente»”.
P. Com efeito, o que se verifica é que ao passo que um Engenheiro Civil se afigura mais qualificado do que um Engenheiro Técnico Civil, por dispor de mais habilitações académicas naquela valência técnica, um Engenheiro Eletrotécnico não se afigura mais (ou menos) qualificado que um Engenheiro Técnico Civil ou um Engenheiro Civil.
Q. De facto, ao contrário do que parece ser o entendimento do Tribunal a quo, o que se constata e o que resulta claro do Parecer Técnico emitido pela Ordem dos Engenheiros é que a qualificação de um Engenheiro Civil é diferente da qualificação de um Engenheiro Eletrotécnico dado o facto de estarmos perante valências técnicas e origem académica diferentes.
R. Por conseguinte, dúvidas não subsistem de que a proposta apresentada pela C. deveria ter sido excluída por violação do termo/condição exigido na Cláusula 31º do Caderno de Encargos, na medida em que foi além do limite ali fixado pela entidade adjudicante.
S. Efetivamente, o concorrente C. propôs a afetação de um técnico qualificado em engenharia eletrotécnica quando o que o Caderno de Encargos exigia era a afetação de um técnico qualificado em engenharia civil.
T. E, nem se conclua como o Tribunal a quo concluiu, socorrendo-se do Parecer Técnico junto aos autos que “(...) sendo a área em questão iluminação será conveniente que o técnico que irá realizar a operação tenha competências na área da Eletrotecnia, assim no caso da Ordem dos Engenheiros será um Engenheiro inscrito no Colégio de Eletrotecnia. (...)".
U. Porquanto, ainda que possa ser mais conveniente para a realização da operação de iluminação a afetação de um técnico qualificado com a valência técnica e origem académica na Eletrotecnia, a verdade é que o que vem exigido nas peças do procedimento, nomeadamente, na Cláusula 31^ do Caderno de Encargo, é a afetação de um técnico qualificado com a valência técnica e origem académica na Engenharia Civil.
V. Por isso, todos os concorrentes ficaram limitados na elaboração das suas propostas pela redação contida no referido no n.° 2 da Cláusula 31° do Caderno de Encargos que é taxativa.
W. Com efeito, e com vista ao cumprimento do que vem previsto no Caderno de Encargos, os concorrentes que se dedicam à instalação de luminárias tiveram de arranjar os meios necessários para a execução deste contrato em concreto, é dizer, tiveram de contratar técnicos com a qualificação mínima exigida no Caderno de Encargos para o desempenho das funções de representante do empreiteiro e de Diretor da Obra.
X. Pelo que, não se vislumbra em que medida nem por que motivo poderá ser dado tratamento diferente à proposta apresentada pela C., que ignorou a limitação constante no n.° 2 da Cláusula 31° do Caderno de Encargos que os outros concorrentes respeitaram.
Y. Se a C. discordava da limitação constante no n.° 2 da Cláusula 31ª do Caderno de Encargos por entender que a afetação de um Engenheiro Eletrotécnico ao contrato a celebrar se afigurava mais adequada do que a afetação de um Engenheiro Técnico Civil ou Engenheiro Civil deveria ter lançado mão do disposto no art. 50° do CCP, na fase prévia à apresentação das propostas, com vista à eventual retificação do Caderno de Encargos - o que não fez.
Z. Do mesmo modo, deveria o Recorrido ter procedido naquela fase e com aquele fundamento à retificação oficiosa do Caderno de Encargos, nos termos previstos no n.° 7 do art. 50° do CCP - o que também não aconteceu.
AA. Não tendo sido detetado qualquer erro no Caderno de Encargos nem tão-pouco sido feita qualquer retificação ao mesmo na pendência do prazo para a apresentação das propostas, ficaram o Recorrido e a C. impedidos de o poder fazer posteriormente, sob pena de violarem o princípio da intangibilidade das peças do procedimento.
BB. Contudo, a este propósito, entendeu o Tribunal a quo que "(...) as propostas apresentadas pela Contrainteressada C. aos «lotes 2 e 3», não padecem de qualquer das invalidades que lhe vêm assacadas, quer quanto à pretensa violação do artigo 15° do programa de concurso em conjugação com a cláusula 31° do caderno de encargos, quer quanto à invocada violação dos princípios da comparabilidade das propostas ou da intangibilidade das peças procedimentais” (cfr. pág. 23 da sentença recorrida).
CC. Sendo que, o Tribunal a quo concluiu pela inexistência de qualquer violação dos princípios da comparabilidade das propostas ou da intangibilidade das peças procedimentais sem, contudo, apresentar qualquer justificação ou fundamentação para o efeito.
DD. De facto, sobre este aspeto, por análise à sentença recorrida o que se constata é que o Tribunal a quo limitou-se a citar doutrina sem concretizar a sua aplicação aos presentes autos.
EE. Concretamente, procedeu o Tribunal a quo à citação de Mário e Rodrigo Esteves de Oliveira sobre o princípio da concorrência, comparabilidade das propostas e intangibilidade das peças do procedimento sem ter procedido à demonstração do seu raciocínio lógico para considerar que tal entendimento doutrinário conduz no presente caso à conclusão de que a proposta da C. e decisão de adjudicação do Recorrido não enfermam de um vicio por violação daqueles princípios.
FF. Com efeito, entendem as Recorrentes que a decisão recorrida contém um erro de facto e de direito na sua fundamentação.
GG. Acabou, pois, o Tribunal a quo por errar na aplicação do direito, ao concluir não terem sido violados os princípios da comparabilidade das propostas e intangibilidade das peças do procedimento e ao desaplicar o disposto na al. b) do n.° 2 do art. 70° ex vi da al. o) do n.° 2 do art. 146° do CCP.
HH. Efetivamente, tendo presente que todas as propostas tinham de cumprir com o termo/condição expressamente previsto na Cláusula 31º do Caderno de Encargos, mal se compreende como a proposta apresentada pela C. pode ser considerada válida e por isso admitida quando, ao contrário dos demais concorrentes, apresenta um desvio relativamente ao clausulado do Caderno de Encargos.
II. De facto, todas as propostas tinham de respeitar o termo/condição previsto na Cláusula 31^ do Caderno de Encargos, isto é, todas as propostas tinham de propor a afetação ao contrato de um Engenheiro Técnico Civil ou outro técnico com qualificação superior (e não um técnico com qualificação diferente).
JJ. O que não sucedeu in casu na medida em que a C., ao contrário dos demais concorrentes que propuseram afetar ao contrato um Engenheiro Civil, propôs afetar ao contrato um Engenheiro Eletrotécnico.
KK. A este propósito, conforme refere Rodrigo Esteves de Oliveira “Uma importante manifestação do princípio da concorrência e da própria função e razão de ser do procedimento adjudicatório reflete-se naquilo que habitualmente se designa como princípio (ou exigência) da comparabilidade das propostas (...). A ideia é que as propostas , para serem comparáveis (analisadas, avaliadas e classificadas racionalmente), devem responder a um padrão comum, é dizer, a todas as (e apenas às) especificações solicitadas pelas peças do procedimento e dentro dos limites por ela impostos . Sem possibilidade de confronto racional entre (.) as propostas (entre si e com as peças do procedimento), isto é, sem possibilidade de fazer funcionar a concorrência nos termos em que esta foi suscitada, fica prejudicada a própria finalidade e lógica do procedimento (bem como da vontade da entidade adjudicante). Na verdade, fazendo a comparação entre propostas em termos diferentes dos inicialmente previstos ou, o que é o mesmo, fazendo a comparação quando as propostas respondem a quesitos diversos uma das outras, ou umas respondem e outras não, está-se afinal, a prescindir da própria concorrência que a entidade adjudicante suscitou entre os diversos interessados (…). Há várias manifestações da exigência da comparabilidade das propostas no CCP. (…) prevê-se a exclusão das propostas que estabeleçam termos ou condições em aspetos não submetidos à concorrência (artigo 70°/2, alínea b))” .
LL. Pelo que, facilmente se conclui que, na medida em que as propostas apresentadas no presente concurso não responderam ao mesmo padrão, não podem ser comparáveis.
Por outras palavras, na medida em que a proposta da C., ao propor a afetação ao contrato um Engenheiro Eletrotécnico, não respondeu à exigência prevista na Cláusula 31^ do Caderno de Encargos, não pode ser comparável com as demais propostas, as quais respondendo à exigência prevista na Cláusula 31º do Caderno de Encargos, propuseram a afetação de um Engenheiro Civil.
NN. Ademais, e ainda que se possa entender que um Engenheiro Eletrotécnico possui uma qualificação mais adequada para a execução do contrato a celebrar do que um Engenheiro Civil, como conclui o Tribunal a quo, a verdade é que não é possível ao Júri do Concurso nem tão-pouco à Entidade Demandada, aqui Recorrida, alterar as regras do jogo.
OO. De facto, nem o Júri do Concurso nem o Recorrido podem, depois de apresentadas as propostas, vir alterar o que vem exigido no Caderno de Encargos, nomeadamente o que vem previsto na Cláusula 31^ do Caderno de Encargos - que exige a afetação ao contrato de um técnico com a qualificação mínima de Engenheiro Técnico Civil.
PP. A este propósito, refere ainda Rodrigo Esteves de Oliveira que “Outra das manifestações ou corolários do princípio da concorrência (...) consiste no princípio da estabilidade das peças do procedimento ou dos documentos conformadores do procedimento, a que pode também dar-se o nome de princípio da estabilidade objetiva. (...) De acordo com o princípio da estabilidade objetiva, as regras e dados constantes das peças do procedimento (cuja noção se encontra no artigo 40° do CCP), como o programa ou o caderno de encargos, devem manter-se inalterados durante a pendência dos respetivos procedimentos, sendo proibida e ilegítima a sua alteração (eliminação, aditamento, modificação ou desconsideração). Os procedimentos administrativos de contratação pública assentam portanto numa lógica de auto- vinculação: a entidade adjudicante, na estrita medida consentida pela lei (por exemplo, artigo 132°/4 do CCP), tem o poder de aprovar o de conformar discricionariamente as regras a que obedece o procedimento (…) e o «projeto contratual» sobre que os concorrentes devem pronunciar-se, mas uma vez aberto o procedimento, ela fica, tanto quanto os interessados, vinculada a elas, não lhe sendo dado desconsiderá-las, nem por via de regra, introduzir-lhe alterações . Em suma, «as regras do jogo não devem ser alteradas depois de os dados estarem lançados»”
QQ. Ora, o Recorrido ao admitir uma proposta que apresenta um clausulado diferente do constante no Caderno de Encargos (por lhe ser mais conveniente) está, para todos os efeitos, a alterar as regras do jogo.
RR. O Recorrido ao admitir a proposta apresentada pela C., que propõe a afetação de um engenheiro eletrotécnico (o qual, como vimos, não possui uma qualificação superior à de um Engenheiro Técnico Civil mas antes uma qualificação diferente da deste) está a alterar o que vem disposto no Caderno de Encargos, nomeadamente, o disposto na sua Cláusula 31°, na medida em que o que ali vem exigido é a afetação de um técnico com a qualificação mínima de Engenheiro Técnico Civil.
SS. E, por isso, o Recorrido, ao admitir a proposta apresentada pela C. está a violar o princípio da intangibilidade das peças do procedimento.
TT. Do que vem exposto, entende a Recorrente que:
i. A proposta apresentada pela C. viola um termo/condição relativo a um aspeto da execução do contrato não submetido à concorrência pela Cláusula 31º do Caderno de Encargos e, de resto, o princípio da comparabilidade das propostas. E,
ii. A decisão de adjudicação tomada pelo Recorrido padece de um vicio de violação de lei, nomeadamente, por violação do princípio da intangibilidade das peça do procedimento e do disposto na al. b) do n.° 2 do art. 70° ex vi da al. o) do n.° 2 do art. 146° do CCP, devendo a mesma ser anulada.
UU. Padece, pois, a sentença recorrida, no entender das Recorrentes, de um vicio de invalidade por errada aplicação do direito, nomeadamente, pela não aplicação do disposto na al. b) do n.° 2 do art. 70° ex vi da al. o) do n.° 2 do art. 146° do CCP e erro na fundamentação de facto e direito. (…)”.
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Notificado que foi para o efeito, o Recorrido MUNICÍPIO (...) produziu contra-alegações, tendo defendido a manutenção do decidido quanto à improcedência da presente ação.
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O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida.
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O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público silenciou quanto ao propósito a que se alude no nº.1 do artigo 146º do C.P.T.A.
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Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.
Neste pressuposto, a questão essencial a dirimir resume-se a saber se a sentença recorrida, ao julgar nos termos e com o alcance explicitados no ponto I) do presente Acórdão, incorreu em erro de julgamento de direito, “(…) por errada aplicação do direito, nomeadamente, pela não aplicação do disposto na al. b) do n.° 2 do art. 70° ex vi da al. o) do n.° 2 do art. 146° do CCP e erro na fundamentação de facto e direito. (…)”.
Assim sendo, esta será a questão a apreciar e decidir.
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III – FUNDAMENTAÇÃO
III.1 – DE FACTO
O quadro fáctico apurado na decisão recorrida foi o seguinte: “(…)
A) Em 02.07.2020, foi publicado no Diário da República, II Série, n.° 127 - Parte L, o «Anúncio de procedimento n.° 6975/2020», cujo teor aqui se dá por reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(...)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

B) O teor do “Programa de concurso”, que aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(...)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

C) O teor do “Caderno de Encargos”, que aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(...)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

D) Em 29.07.2020, as AA. apresentaram proposta, no que ora releva, para o «lote 2», cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(…)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

E) Em 29.07.2020, as AA. apresentaram proposta, no que ora releva, para o «lote 3», cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(…)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

F) Em 29.07.2020, a Contrainteressada apresentou proposta, no que ora releva, para o «lote 2», cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(…)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

G) Em 29.07.2020, a Contrainteressada apresentou proposta, no que ora releva, para o «lote 3», cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(…)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

H) O júri do concurso reuniu e elaborou “relatório preliminar”, com data de 17.08.2020, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(…)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

I) As AA. exerceram o seu direito de audiência prévia, por requerimento, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. – cfr. fls. 4451 e ss. processo administrativo; J). O júri do concurso reuniu e elaborou “relatório final”, com data de 22.10.2020, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(…)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

K) As AA. apresentaram impugnação administrativa, relativa ao acto de adjudicação nos «lotes 2 e 3», por requerimento, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. – cfr. fls. 4471 e ss. processo administrativo;
L) A Contrainteressada C. exerceu o seu contraditório, no âmbito da impugnação que antecede, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. – cfr. fls. 4786 e ss. do processo administrativo;
M) A «Ordem dos Engenheiros – Região Norte» proferiu parecer técnico, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. - cfr. fls. 343 e ss, e 367 dos autos «SITAF»;
L) A petição inicial a que respeita a presente lide foi apresentada em juízo, através do «SITAF», no dia 17.11.2020. – cfr. fls. 1 dos autos (suporte físico);
*
Não se provaram outros factos com interesse para a decisão a proferir nos autos.
***
Os factos que supra se consideram provados encontram arrimo na prova documental junta aos autos, em especial, do processo administrativo, atendendo ainda à circunstância de que nenhum documento foi alvo de impugnação (…)”.
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III.2 - DO DIREITO
As Autoras, aqui Recorrentes, intentaram a presente Ação de Contencioso Pré-Contratual visando a anulação da “(…) decisão tomada pela Câmara Municipal (...) que adjudicou a proposta do concorrente C., Lda., para os lotes 2 e 3, ou o contrato se, entretanto, já celebrado (…)”, bem como a condenação do Réu, aqui Recorrente “(…) a excluir a proposta apresentada pelo concorrente C., Lda., para os lotes 2 e 3, a proferir novo Relatório Final, a deliberar a adjudicação da proposta apresentada pelas Autoras, para os lotes 2 e 3 e a celebrar o contrato com estas (…)”.
Sustentaram tais pretensões na alegação de que o ato impugnado (i) desrespeita o disposto na al. b) do n.º 2 do art. 70º ex vi da al. o) do n.º 2 do art. 146º do CCP; (ii) viola o princípio da comparabilidade das propostas e; (iii) ofende o princípio da estabilidade das peças do procedimento.
Em concretização da violação das referidas causas de invalidade, clamaram as Autoras que o Réu, no âmbito do procedimento concursal visado nos autos, exigiu aos concorrentes, através do disposto na Cláusula 31ª do Caderno de Encargos, que estes se vinculassem a afetar ao contrato um técnico engenheiro civil para desempenhar as funções de representante do empreiteiro adjudicatário e o cargo de Diretor da Obra.
Mais alegaram que o concorrente C., Lda., declarou na sua proposta que, ao invés, pretende afetar ao contrato a celebrar um engenheiro eletrotécnico, pelo que esta proposta deveria ter sido excluída nos termos previstos da alínea b) do n.º 2 do art. 70º do CCP, ex vi da al. o) do n.º 2 do art. 146º do CCP, já que viola um aspeto da execução do contrato a celebrar não submetido à concorrência, devidamente previsto na Cláusula 31ª do Caderno de Encargos.
O T.A.F. do Porto, como sabemos, julgou esta ação improcedente, consequentemente, absolvendo o Réu do pedido.
A ponderação de direito na qual se estribou o juízo de improcedência da presente ação foi a seguinte: “(…)
Nos presentes autos, a questão decidenda acima enunciada traduz-se em saber se a proposta da Contrainteressada C., para os «lotes 2 e 3» deveria ter sido excluída por violar a cláusula 31° do Caderno de encargos; e, em consequência, se o relatório final, no tocante à graduação final das propostas e o subsequente acto de adjudicação, padecem de ilegalidade.
Sustentam as AA. que a proposta da Contrainteressada, nos lotes 2 e 3, viola a cláusula 31° do caderno de encargos e bem assim os princípios da comparabilidade das propostas e imutabilidade das peças concursais - o que deveria ter determinado a sua exclusão, donde retira a ilegalidade do relatório final e subsequente acto de adjudicação.
Vejamos.
Da alegada violação da cláusula 31º do caderno de encargos
Capitulo IV - Representação das partes e controlo da execução do contrato
Cláusula 31º - Representação do empreiteiro
1- Durante a execução do Contrato, o empreiteiro é representado por um diretor de obra, salvo nas matérias em que, em virtude da lei ou de estipulação diversa no caderno de encargos ou no Contrato, se estabeleça diferente mecanismo de representação.
2- O empreiteiro obriga-se, sob reserva de aceitação pelo dono da obra, a confiar a sua representação a um técnico com a seguinte qualificação mínima: engenheiro técnico civil, com experiência mínima de 3 anos em obras de idêntica natureza da posta a concurso.
3- Após a assinatura do Contrato e antes da consignação, o empreiteiro confirmará, por escrito, o nome do diretor de obra, indicando a sua qualificação técnica e ainda se o mesmo pertence ou não ao seu quadro técnico, devendo esta informação ser acompanhada por uma declaração subscrita pelo técnico designado, com assinatura reconhecida, assumindo a responsabilidade pela direção técnica da obra e comprometendo-se a desempenhar essa função com proficiência e assiduidade.
4- As ordens, os avisos e as notificações que se relacionem com os aspetos técnicos da execução da empreitada são dirigidos diretamente ao diretor de obra.
5- O diretor de obra acompanha assiduamente os trabalhos e está presente no local da obra sempre que para tal seja convocado.
6- O dono da obra poderá impor a substituição do diretor de obra, devendo a ordem respetiva ser fundamentada por escrito.
7- Na ausência ou impedimento do diretor de obra, o empreiteiro é representado por quem aquele indicar para esse efeito, devendo estar habilitado com os poderes necessários para responder, perante o diretor de fiscalização da obra, pela marcha dos trabalhos.
8- O empreiteiro deve designar um responsável pelo cumprimento da legislação aplicável em matéria de segurança, higiene e saúde no trabalho e, em particular, pela correta aplicação do documento referido n.° 4, alínea f) da cláusula 6.a.
[cfr. ponto C) do probatório].
As AA. alegam, a este propósito, que as propostas da Contrainteressada C., para os lotes 2 e 3, contém a menção a um «engenheiro eletrotécnico» para assegurar direção da obra e respectiva representação junto do dono da obra, quando o caderno de encargos exigia que este cargo fosse confiado a um engenheiro técnico civil.
Em sede de contestação, a Contrainteressada defende que o caderno de encargos exige “(...) é que o empreiteiro tenha de confiar, sob reserva de aceitação pelo dono da obra, a sua representação a um técnico com a qualificação mínima de engenheiro técnico civil, com experiência mínima de 3 anos em obras de idêntica natureza da posta a concurso. Tal exigência, não impede a admissão de técnicos com qualificação mais adequada à indicada no Caderno de Encargos, como é o caso de um engenheiro eletrotécnico. (...)”.
Por sua vez, o R. contestando, alegou que apenas impôs que a representação do empreiteiro fosse assegurada por “(.) um técnico com a qualificação mínima de engenheiro técnico civil (…)”. Sustenta, por isso, a legalidade e bem fundado do acto impugnado.
Apreciemos.
Da proposta da Contrainteressada, para os lotes 2 e 3 [cfr. ponto F) e G) do probatório] consta a apresentação de um engenheiro eletrotécnico com a finalidade de dar resposta à exigência do caderno de encargos quanto à representação do empreiteiro junto do dono de obra.
Ora, atenta a redação da cláusula em causa o Tribunal considera que a exigência em apreço descrita no caderno de encargos constitui um termo ou condição, relativamente ao qual a entidade adjudicante entendeu definir um limite mínimo.
A propósito da estipulação de termos ou condições, os autores Mário e Rodrigo Esteves de Oliveira escreveram que: “(...) Os aspetos subtraídos à concorrência podem estar descritos em termos fixos ou fechados (por exemplo, “o prazo de fornecimento do bem é de 30 dias após a celebração do contrato”) ou pode o caderno de encargos definir limites máximos ou mínimos a que as propostas estão vinculadas. Neste caso, a pronúncia constante das propostas, a que o legislador deu o nome de “termo ou condição” [(.)], vale para efeitos de compromisso do concorrente em caso de adjudicação, mas não vale para efeitos da sua proposta.
Por outras palavras, há aspetos subtraídos à concorrência, seja no sentido de que os concorrentes, as suas propostas, estão forçosamente vinculados ao que sobre eles aí se dispõe de maneira fixa, seja no sentido de que, sendo-lhes admitido apresentar soluções (termos ou condições) dentro de determinadas barreiras definidas pela entidade adjudicante, isso não se reflete na avaliação e classificação das propostas, mas apenas na sua admissão ou exclusão [alínea b) do art. 70.°/2] e no conteúdo (da adjudicação, bem como, consequentemente) do contrato a celebrar.
(…)
Resta dizer que a inclusão nas propostas de termos e condições que violem os limites relativos a aspetos da execução do contrato subtraídos à concorrência leva à sua exclusão do procedimento, como se comina na alínea b) do art. 70.°/2 do CCP. (…)" - in «Concursos e outros procedimentos de contratação pública», Almedina, p.361 e 362.
Em concreto, analisando o teor da referida cláusula 31° é evidente para o Tribunal que a entidade adjudicante pretende que os concorrentes apresentem, e se vinculem, à identificação de um representante do empreiteiro que possua, no mínimo, qualificações de engenheiro técnico civil.
Por sua vez, com relevo para a questão em apreço, estipula o CCP:
“Artigo 70° (Análise das propostas)
1 - As propostas são analisadas em todos os seus atributos, representados pelos fatores e subfatores que densificam o critério de adjudicação, e termos ou condições.
2 - São excluídas as propostas cuja análise revele:
a) Que não apresentam algum dos atributos ou algum dos termos ou condições, nos termos, respetivamente, do disposto nas alíneas b) e c) do n.° 1 do artigo 57.°;
b) Que apresentam atributos que violem os parâmetros base fixados no caderno de encargos ou que apresentem quaisquer termos ou condições que violem aspetos da execução do contrato a celebrar por aquele não submetidos à concorrência, sem prejuízo do disposto nos n.°s 4 a 6 e 8 a 11 do artigo 49.°;
c) A impossibilidade de avaliação das mesmas em virtude da forma de apresentação de algum dos respetivos atributos;
d) Que o preço contratual seria superior ao preço base;
e) Um preço ou custo anormalmente baixo, cujos esclarecimentos justificativos não tenham sido apresentados ou não tenham sido considerados nos termos do disposto no artigo seguinte;
f) Que o contrato a celebrar implicaria a violação de quaisquer vinculações legais ou regulamentares aplicáveis;
g) A existência de fortes indícios de atos, acordos, práticas ou informações suscetíveis de falsear as regras de concorrência.
(…)
Artigo 146° (Relatório preliminar)
1 - Após a análise das propostas, a utilização de um leilão eletrónico e a aplicação do critério de adjudicação constante do programa do concurso, o júri elabora fundamentadamente um relatório preliminar, no qual deve propor a ordenação das mesmas.
2 - No relatório preliminar a que se refere o número anterior, o júri deve também propor, fundamentadamente, a exclusão das propostas:
a) Que tenham sido apresentadas depois do termo fixado para a sua apresentação;
b) Que sejam apresentadas por concorrentes em violação do disposto no n.° 2 do artigo 54.°;
c) Que sejam apresentadas por concorrentes relativamente aos quais ou, no caso de agrupamentos concorrentes, relativamente a qualquer dos seus membros, a entidade adjudicante tenha conhecimento que se verifica alguma das situações previstas no artigo 55.°;
d) Que não sejam constituídas por todos os documentos exigidos nos termos do disposto nos nº.s 1 e 2 do artigo 57.°;
e)Que não cumpram o disposto nos n.°s 4 e 5 do artigo 57.° ou nos n.°s 1 e 2 do artigo 58.°;
f) Que sejam apresentadas como variantes quando estas não sejam admitidas pelo programa do concurso, ou em número superior ao número máximo por ele admitido;
g) Que sejam apresentadas como variantes quando não seja apresentada a proposta base;
h) Que sejam apresentadas como variantes quando seja proposta a exclusão da respetiva proposta base;
i) Que violem o disposto no n.° 7do artigo 59.°;
j) (Revogada.)
l) Que não observem as formalidades do modo de apresentação das propostas fixadas nos termos do disposto no artigo 62.°;
m) Que sejam constituídas por documentos falsos ou nas quais os concorrentes prestem culposamente falsas declarações;
n) Que sejam apresentadas por concorrentes em violação do disposto nas regras referidas no n.° 4 do artigo 132.°, desde que o programa do concurso assim o preveja expressamente;
o) Cuja análise revele alguma das situações previstas no n.° 2 do artigo 70.°
(…)”
Analisemos, pois.
Do teor do parecer técnico solicitado resulta que a diferença entre engenheiro técnico civil e engenheiro civil “(...) prende com a inscrição na respetiva ordem profissional. As competências de cada um são as que resultarem da legislação aplicável. (...)” [cfr. ponto M) do probatório). Impõe-se, por isso, apurar das exigências formuladas para a inscrição numa e noutra ordem:
- na Ordem dos Engenheiros, como “membro efetivo”, a Lei n.° 123/2015, de 2 setembro, exige:
“Artigo 15.° (Membro efetivo)
1 - Sem prejuízo do disposto no artigo 8.°, a admissão como membro efetivo depende da satisfação cumulativa das seguintes condições:
a) Ser titular do grau de mestre numa especialidade do domínio da engenharia conferido por uma instituição de ensino superior portuguesa, ou de um grau académico superior estrangeiro num domínio da engenharia a que tenha sido conferida equivalência àquele grau, ou que tenha sido reconhecida com esse nível;
b) Ter, nos termos do artigo 20.°, realizado e sido aprovado em estágio com duração não inferior a seis meses, ou dele ter sido dispensado;
c) Ter prestado provas de avaliação de conhecimentos de deontologia para o exercício da profissão de engenheiro.
2 - Sem prejuízo do disposto no artigo seguinte, pode ainda ser admitido como membro efetivo o que satisfaça, cumulativamente, as seguintes condições:
a) Ser titular do grau de licenciado num domínio da engenharia conferido por uma instituição de ensino superior portuguesa no quadro da organização de estudos decorrente da aplicação do Decreto-Lei n.° 74/2006, de 24 de março, alterado pelos Decretos-Leis n.°s 107/2008, de 25 de junho, 230/2009, de 14 de setembro, e 115/2013, de 7 de agosto, ou de um grau académico superior estrangeiro num domínio da engenharia a que tenha sido conferida equivalência àquele grau, ou que tenha sido reconhecido com esse nível;
b) Ter, nos termos do artigo 20.°, realizado e sido aprovado em estágio com duração não inferior a 18 meses, ou dele ter sido dispensado;
c) Ter prestado provas de avaliação de conhecimentos de deontologia para o exercício da profissão de engenheiro.
3 - Relativamente ao exame de estágio, formação deontológica e provas de avaliação a que se referem os números anteriores, cabe à Ordem, em regulamento homologado pelo membro do Governo responsável pela área das infraestruturas definir as condições em que os mesmos se realizam, pelo menos, uma vez anualmente.
4 - Sem prejuízo do disposto no n.° 3 do artigo 54.°, os membros efetivos são inscritos no colégio de especialidade correspondente ao seu curso.
5 - Uma sociedade de engenheiros ou organização associativa de profissionais equiparados a engenheiros pode inscrever-se como membro de determinado colégio de especialidade quando, pelo menos, um dos seus sócios, gerentes, administradores ou colaboradores a tempo inteiro for membro efetivo desse mesmo colégio.
6 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, o regime jurídico de inscrição das organizações associativas de profissionais de outros Estados membros consta do regime jurídico da constituição e funcionamento das sociedades de profissionais que estejam sujeitas a associações públicas profissionais.”
- na Ordem dos Engenheiros Técnicos, como “membro efetivo”, a Lei n.° 157/2015, de 17 setembro que alterou o “Estatuto da Ordem dos Engenheiros Técnicos” (Lei n.° 2/2013, de 10 janeiro), exige:
“Artigo 27.° (Membros efetivos)
1 - A admissão como membro efetivo de profissional cujas qualificações tenham sido obtidas em Portugal depende da conclusão com aproveitamento do respetivo estágio profissional.
2 - Sem prejuízo do disposto no n.° 4, são designados engenheiros técnicos de nível 1 e podem praticar todos os atos próprios de engenheiro técnico que não lhe estejam expressamente vedados por lei os profissionais que, no momento da inscrição como membros efetivos da Ordem, reúnam uma das seguintes condições:
a) Ser titular do grau de licenciado conferido por uma instituição de ensino superior portuguesa no quadro da organização de estudos decorrente da aplicação do Decreto-Lei n.° 74/2006, de 24 de março, alterado pelos Decretos-Leis nºs. 107/2008, de 25 de junho, 230/2009, de 14 de setembro, e 115/2013, de 7 de agosto;
b) Ser titular de um grau académico superior estrangeiro num domínio da engenharia a que tenha sido conferida equivalência àquele grau, ou que tenha sido reconhecido com o nível daquele.
3 - São designados engenheiros técnicos de nível 2 e podem praticar todos os atos próprios de engenheiro técnico os profissionais que reúnam uma das seguintes condições:
a) Ser titular do grau de mestre numa especialidade do domínio da engenharia conferido por uma instituição de ensino superior portuguesa;
b) Ser titular do grau de licenciado num domínio da engenharia conferido por uma instituição de ensino superior portuguesa no quadro da organização de estudos anterior à aplicação do Decreto-Lei n.° 74/2006, de 24 de março, alterado pelos Decretos-Leis n.°s 107/2008, de 25 de junho, 230/2009, de 14 de setembro, e 115/2013, de 7 de agosto;
c) Ser titular de um grau académico superior estrangeiro num domínio da engenharia a que tenha sido conferida equivalência a um dos graus referidos nas alíneas anteriores, ou que tenha sido reconhecido com o nível de um daqueles.
4 - Os profissionais referidos no n.° 2 passam à condição dos membros inscritos nos termos do número anterior logo que adquiram a titularidade do grau de mestre numa especialidade do domínio da engenharia conferido por uma instituição de ensino superior portuguesa, ou de um grau académico estrangeiro num domínio da engenharia a que tenha sido conferida equivalência àquele grau, ou que tenha sido reconhecido com esse nível.
5 - Os membros efetivos inscrevem-se no colégio de especialidade correspondente ao seu curso, aplicando-se, consoante o caso, o disposto nos n.°s 3 e 4 do artigo 39.°
6 - A inscrição dos membros coletivos faz-se na secção regional da respetiva sede social em território nacional.
7 - Uma sociedade de engenheiros técnicos ou organização associativa referida no artigo 11.° pode inscrever-se como membro de determinado colégio de especialidade quando pelo menos um dos seus sócios, gerentes, administradores ou colaboradores a tempo inteiro for membro efetivo desse mesmo colégio.
8 - Sem prejuízo do disposto nos nº.s 3 e 4, o regime jurídico de inscrição das organizações associativas de profissionais de outros Estados membros consta do regime jurídico da constituição e funcionamento das sociedades de profissionais que estejam sujeitas a associações públicas profissionais.”
Mais prescreve, no seu artigo 3°, sob a epígrafe “Bacharelatos em engenharia” que “Para efeitos do disposto no Estatuto da Ordem dos Engenheiros Técnicos, designadamente para efeitos de inscrição, determinação do período de estágio e atribuição de títulos profissionais, considera-se que satisfazem igualmente a condição prevista na alínea a) do n.° 2 do artigo 27.° do referido Estatuto os que satisfaçam uma das seguintes condições:
a) Ser titular do grau de bacharel num domínio da engenharia conferido por uma instituição de ensino superior portuguesa no quadro da organização de estudos anterior à aplicação do Decreto-Lei n.° 74/2006, de 24 de março, alterado pelos Decretos-Leis n.°s 107/2008, de 25 de junho, 230/2009, de 14 de setembro, e 115/2013, de 7 de agosto;
b) Ser titular de um grau académico superior estrangeiro num domínio da engenharia a que tenha sido conferida equivalência ao grau referido na alínea anterior, ou que tenha sido reconhecido com o nível daquele.”
Do assim prescrito e comparando o preceituado no artigo 15° da Lei n.° 123/2015 e o fixado no artigo 27° do Estatuto da Ordem dos Engenheiros Técnicos, com a redação que lhe foi dada pela Lei n.° 157/2015, conjugado com o estipulado no artigo 3° da mesma Lei, o Tribunal conclui que a admissão para a Ordem dos Engenheiros enuncia como requisitos habilitações académicas mais exigentes do que aqueles que são enunciados pelo Estatuto da Ordem dos Engenheiros Técnicos para o respectivo ingresso.
Adicionalmente, socorrendo-se do parecer técnico emitido nos autos [cfr. ponto M) do probatório], no que toca à distinção entre “(...) Engenheiro Eletrotécnico e Engenheiro Civil, estamos a falar de membros da OE com valências técnicas diferentes e origem académica diferente. (...)’’; o Tribunal conclui que “(...) sendo a área em questão iluminação será conveniente que o técnico que irá realizar a operação tenha competências na área da Eletrotecnia, assim no caso da Ordem dos Engenheiros será um Engenheiro inscrito no Colégio de Eletrotecnia. (…)”.
Logo, perante o apurado, interpretando a cláusula 31° do caderno de encargos à luz do que acima se deixou explicado - isto é, como constituindo um termo ou condição, relativamente ao qual a entidade adjudicante entendeu definir um limite mínimo - o Tribunal julga que a proposta da Contrainteressada C. [cfr. pontos F) e G) do probatório], na medida em que indica um engenheiro eletrotécnico para assegurar a representação do empreiteiro junto do dono da obra, cumpre a exigência ali plasmada, uma vez que um engenheiro eletrotécnico inscrito na Ordem dos Engenheiros há de possuir mais habilitações académicas - ou, no mínimo as mesmas (ressalvada a diferente especialização) - que um engenheiro técnico civil inscrito na Ordem dos Engenheiros Técnicos.
No tocante à relevância dos princípios cuja violação vem invocada pelas AA., escreveram MÁRIO e RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, o seguinte: “(.) o princípio da concorrência, (.) é - por força da sua imprescindível instrumentalidade na criação do mercado interno da União - a verdadeira trave-mestra da contratação pública, uma espécie de umbrella principie, como o nosso legislador o tratou no art. 1.°/4 do CCP, tornando aqueles e muitos outros em corolários ou instrumentos seus, (...).
(…)
A enorme abrangência ou cobertura do princípio da concorrência, que leva a desdobrá-lo instrumentalmente por um sem número de mais princípios ou corolários, faz com que seja frequente aplicá-lo a situações que parecem subsumir-se no princípio da igualdade - por serem similares os valores e interesses que os mesmos se destinam a proteger e confluírem ou confundirem-se nessa proteção.
No fundo, do que se trata é que a concorrência, uma sã concorrência, não pode realizar-se sem que aos concorrentes seja proporcionado um tratamento igual, sem que se lhe exija iguais requisitos de acesso e proporcione iguais condições de vencer, o que faz com que se torne difícil distinguir nitidamente, em muitos casos, se o valor em causa é propriamente o da concorrência ou mais, genericamente, o da igualdade.
(...) Para que o recurso à concorrência, ao mercado, resulte - (...) - é necessário que tais ofertas, as propostas ou candidaturas apresentadas, sejam comparáveis com um padrão comum, por referência aos mesmos fatores e parâmetros e, portanto, indiretamente, entre si, próprias.
Mais do que perante um princípio conformador dos procedimentos de contratação pública, estamos aí perante a sua essência, aquilo sem o qual eles não o seriam, não serviriam a finalidade para que foram instituídos e são lançados. (....)
A comparabilidade das propostas ou das candidaturas com um paradigma ou uma bitola comum - (....) - traduz pois a ideia de que, para serem efetiva e objetivamente analisadas, avaliadas e ordenadas, elas devem responder a um questionário ou padrão comum, definido por referência às especificações ou quesitos técnicos, económicos, financeiros, ambientais, etc., constantes das peças do procedimento, e a todos eles e só a eles, e dentro dos limites ou parâmetros base para o efeito porventura estabelecidos.
Sem possibilidade desse confronto padronizado das propostas com as peças do procedimento, isto é, sem possibilidade de fazer funcionar a concorrência nos termos em que esta foi suscitada, fica prejudicada a própria lógica e finalidade do procedimento, a sua estrutura e função. (…)
Do que se trata, assim, para que haja concorrência real e efetiva, é de assegurar que os atributos das propostas - e os demais aspetos e informações que elas contêm - respondem a todas as exigências e especificações de que, segundo as diversas peças do procedimento, dependem a sua análise e avaliação, e, adicionalmente, de assegurar que elas se conformam com os limites ou imposições aí estabelecidos, com os parâmetros base dessa peça de modo a possibilitar uma sua comparação plena, e saber qual delas a melhor. (…)
O princípio da intangibilidade das propostas (da imutabilidade ou da indisponibilidade das propostas) - que também é uma refração do princípio da concorrência, mais do que da igualdade ou da transparência - é um princípio fundamental da contratação pública e significa que, com a entrega da proposta (e com o termo do prazo para a sua apresentação), o concorrente já não pode alterá-la, ficando assim vinculado àquilo a que aí se comprometeu e, em caso de adjudicação, a celebrar o contrato concorrido em conformidade com ela.
(…)
É esse, do congelamento ou petrificação das propostas, o sentido estrito do princípio da intangibilidade, de elas serem documental e materialmente imodificáveis ou imutáveis e de deverem ser procedimentalmente consideradas e avaliadas nos exatos termos em que foram formuladas e apresentadas.
Num sentido mais amplo, caberia aí também o efeito da indisponibilidade das propostas, a significar que, decorrido o prazo fixado para a sua apresentação elas como que se objetivam e autonomizam dos respetivos concorrentes, não podendo ser retiradas enquanto não sobrevier a notificação da adjudicação a outrem (...) ou não decorrer o prazo da obrigação de sua manutenção.
(…)
Diferente dessas duas situações é a da sanação de lapsos evidentes ou a retificação de erros manifestos (de cálculo, de escrita ou outros) da proposta “revelados no próprio contexto da declaração ou das circunstâncias em que ela é feita”, nos termos do art. 249.° do Código Civil, retificação que pode ser feita oficiosamente pelo próprio júri, com conhecimento ao respectivo proponente. (…)”. - vd. «Concursos e Outros Procedimentos de Contratação Pública», Almedina, 2011, págs. 184 e ss., 194 e ss. e 201 e ss..
In casu, em face da factualidade assente e do enquadramento legal e doutrinal explanado, o Tribunal julga que as propostas apresentadas pela Contrainteressada C. aos «lotes 2 e 3», não padecem de qualquer das invalidades que lhe vêm assacadas, quer quanto à pretensa violação do artigo 15° do programa de concurso em conjugação com a cláusula 31° do caderno de encargos, quer quanto à invocada violação dos princípios da comparabilidade das propostas ou da intangibilidade das peças procedimentais.
Improcede, assim, a alegação das AA. a este respeito (…)”- fim de citação.
Espraiada a fundamentação vertida na decisão judicial recorrida, e cotejando a motivação aduzida pelo Recorrente no presente recurso jurisdicional, adiante-se, desde já, que o assim decidido não é de manter.
Na verdade, na decisão judicial recorrida ficou atravessado o entendimento de que a proposta apresentada pelo concorrente C. para os «lotes 2 e 3» não viola, para além dos princípios da comparabilidade das propostas ou da intangibilidade das peças procedimentais, a cláusula 31° do Caderno de encargos, já que definindo esta como limite mínimo a afetação de um técnico qualificado em engenharia civil, sempre a afetação de um engenheiro eletrotécnico cumpre a exigência ali plasmada “(…) uma vez que um engenheiro eletrotécnico inscrito na Ordem dos Engenheiros há de possuir mais habilitações académicas - ou, no mínimo as mesmas (ressalvada a diferente especialização) - que um engenheiro técnico civil inscrito na Ordem dos Engenheiros Técnicos (…)”.
Como emerge grandemente do que vem de expor, a construção do tribunal a quo parte do argumento “a maioria ad minus” que, como se sabe, traduz a velha regra do direito de que “quem pode o mais pode o menos”.
De facto, na ótica do Tribunal a quo, se um engenheiro eletrotécnico é mais capacitado de um engenheiro técnico civil, então pode também assumir as funções deste.
Ora, salvo o devido respeito, não acompanhamos minimamente esta posição, por falta de certeza das premissas que se esteia.
Na verdade, contrariamente ao aludido na decisão judicial recorrida, estamos em crer convictamente que, para efeitos de habilitação do procedimento concursal visado nos autos, um “engenheiro eletrónico” não é mais capacitado do que um “engenheiro técnico na área civil”.
Quando muito, será em relação a um “engenheiro técnico eletrotécnico”.
Mas já não em relação a um mesmo profissional [engenheiro técnico] na área civil.
Tratam-se de áreas distintas [eletrotecnia e civil], ambas com conhecimentos singulares e especializados que não se podem considerar equiparadas para efeito da aplicação do argumento “a maioria ad minus” no âmbito do presente concurso.
Na verdade, a área da eletrotecnia, grosso modo, versa sobre a instalação, manutenção e reparação de máquinas e equipamentos elétricos, nas áreas de eletricidade, eletrónica e automação.
Já a área civil, também de modo genérico, contende com a elaboração de projetos de especialidades, gestão e planeamento de obras, bem como fiscalização de projetos de construção, incluindo estradas, edifícios, aeroportos, túneis, barragens, pontes e sistemas de abastecimento de água e tratamento de esgotos.
Não são, portanto, áreas convergentes, nem equiparáveis, ademais e especialmente, para efeito de habilitação concursal, não se podendo, por isso, afirmar que um “engenheiro eletrotécnico”, não obstante, regra geral, possuir uma formação académica superior, é mais capacitado do que um “engenheiro técnico civil”.
Assim, exigindo o artigo 31º, nº 2 do programa de concurso a afetação de um engenheiro técnico civil, com experiência mínima de 3 anos em obras de idêntica natureza da posta a concurso, não há como não concluir que, no caso concreto, que o ali se vem de preceituar é igualmente cumprido com a afetação de um “engenheiro eletrotécnico”.
Tal convicção é particularmente potenciada pela evidência da impossibilidade de “engenheiro eletrotécnico” possuir a experiência mínima de 3 anos na área civil em obras de idêntica natureza da posta a concurso, o que também contribuiu para a posição ora assumida por este Tribunal Superior no que diz respeita a esta matéria.
Naturalmente, e em conformidade com a lógica que se vem expor, a regra de direito “quem pode o mais pode menos” teria plena efetividade no caso em análise se o concorrente C. tivesse afetado antes um “engenheiro civil”, pois este sim é mais capacitado de um “engenheiro técnico civil”.
Contudo, não é essa a realidade que nos ocupamos.
Assim deriva, naturalmente, que a proposta apresentada pelo concorrente C. incumpre com o estabelecido no nº 2 do artigo 31º da Caderno de Encargos, que prevê que: “(…) O empreiteiro obriga-se, sob reserva de aceitação pelo dono da obra, a confiar a sua representação a um técnico com a seguinte qualificação mínima: engenheiro técnico civil, com experiência mínima de 3 anos em obras de idêntica natureza da posta a concurso (…)”.
Nos termos do artigo 70.º, n.º 2, alínea b), do CCP, as propostas cujos atributos violem os parâmetros base do caderno de encargos ou cujos termos e condições violem aspetos por ele subtraídos à concorrência devem ser excluídas.
Desta feita, e sopesando que a proposta apresentada pelo concorrente C. viola um termo/condição relativo a um aspeto da execução do contrato não submetido à concorrência, impera concluir que mostra-se violada tal diploma regulamentar no particular aspeto de exigência da afetação de um engenheiro técnico civil, com experiência mínima de 3 anos em obras de idêntica natureza da posta a concurso, o que consubstancia motivo de exclusão da sua proposta por força da aplicação do disposto no art. 70º nº. 2 al. b) do CCP.
Razão pela qual mal andou o Tribunal a quo, que ao decidir como decidir, interpretou mal e violou a normação aplicável.
Concludentemente, procede o erro de julgamento de direito imputado à sentença recorrida no domínio em análise.
Mercê de tudo o quanto ficou exposto, deverá ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional, e, em conformidade, revogada a sentença recorrida e julgada procedente a presente ação.
Ao que se provirá em sede de dispositivo.
* *
IV – DISPOSITIVO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Administrativa deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em CONCEDER PROVIMENTO ao recurso jurisdicional “ sub judice”, revogar a decisão judicial recorrida e julgar procedente a presente ação de contencioso pré-contratual.

Custas pelo Recorrido.

Registe e Notifique-se.
* *
Porto, 28 de janeiro de 2022,

Ricardo de Oliveira e Sousa
Luís Migueis Garcia
Rogério Martins - com voto de vencido

Voto de vencido:

Voto vencido a posição que fez vencimento no presente acórdão pelas seguintes razões:

O dissídio centra-se na interpretação e aplicação da cláusula 31º do caderno de encargos:

“O empreiteiro obriga-se, sob reserva de aceitação pelo dono da obra, a confiar a sua representação a um técnico com a seguinte qualificação mínima: engenheiro técnico civil, com experiência mínima de 3 anos em obras de idêntica natureza da posta a concurso”.

A interpretação da Recorrente – que acabou por ter acolhimento na posição que aqui faz vencimento – não tem em conta uma parte, decisiva, desta cláusula:

“ …. sob reserva de aceitação pelo dono da obra …”.

Ou seja, o dono da obra pode confiar a sua representação a um técnico que não tenha como qualificação mínima a de engenheiro técnico civil com a experiência mínima de 3 ano em obras de idêntica natureza à posta a concurso, dado que a ressalva abrange toda a restante parte da previsão normativa e permite aceitar, ou não, um técnico com as qualificações expressamente referidas na cláusula.

Desde que, como é evidente e sob pena de haver erro grosseiro na margem de discricionariedade administrativa que a Entidade Adjudicante goza, haja um mínimo de qualificação técnica do representante para o acompanhamento da obra em causa.

No caso concreto esse erro evidente não se verifica, pelo contrário.

A interpretação da cláusula é uma das plausíveis: a Recorrente entende ser incorrecta, a Entidade adjudicante e o Tribunal recorrido entenderam ser a correcta.

Em todo o caso, ainda que assim não se entendesse a referida cláusula, a Entidade Adjudicante interpretou a cláusula que a própria elaborou no sentido de a proposta apresentada pela C. satisfazer os requisitos aí mencionados, procedendo assim a uma interpretação autêntica da mesma.

Com apoio no relatório final do Júri do concurso, do qual se extrai o seguinte (facto provado sob a alínea J) ):

“ … é entendimento do júri que há cumprimento do disposto na mencionada cláusula do caderno de encargos por parte da C., L.da, uma vez que a mesma ao apresentar a afectação de um engenheiro eletrotécnico, tal deve ser enquadrado dentro da mencionada exigência mínima, e por esse facto não impede a admissão de técnicos com qualificação mais adequada à indicada no caderno de encargos, com é o caso de um engenheiro eletrotécnico”.

Sem que se vislumbre erro grosseiro nessa interpretação.

Julgaria por isso improcedentes a acção e o recurso.
*

Porto, 28.01.2022

O Juiz Desembargador
Rogério Paulo da Costa Martins