Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00467/12.4BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:05/15/2025
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:ANA PATROCÍNIO
Descritores:EMBARGOS DE TERCEIRO;
DIREITO DE PROPRIEDADE, PROVA;
IMPUGNAÇÃO PAULIANA;
Sumário:
I - Decorre dos artigos 627.º, n.º 1 e 635.º, ambos do CPC, que os recursos têm como objecto decisões judiciais.

II - Sendo objecto do recurso a impugnação da decisão judicial (artigo 627.º do CPC), o recorrente terá de mobilizar os seus argumentos contra os vários fundamentos desfavoráveis da sentença, sob pena de o decidido não poder ser alterado, na parte não impugnada.

III – In casu, os efeitos do julgado, na parte não impugnada, ficariam necessariamente prejudicados se o recurso fosse decidido como pretendem as recorrentes.

IV – Os requisitos da dedução dos embargos de terceiro, de acordo com a lei processual tributária, são os seguintes (cfr. artigo 237.º, do CPPT):
a-A tempestividade da petição de embargos;
b-A qualidade de terceiro face ao processo de execução no âmbito do qual se verificou a diligência judicial ofensiva da posse ou de qualquer outro direito incompatível com a realização ou o âmbito da mesma diligência;
c-A ofensa da posse ou de qualquer outro direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência judicial, que se traduza num acto de agressão patrimonial.

V – Os embargos de terceiro servem, actualmente, não só para defender a posse, como também qualquer outro direito que se mostre incompatível com a diligência ordenada.

VI – No caso, após ponderação crítica dos factos provados, ficou demonstrado verificar-se ofensa de direito de propriedade da embargante incompatível com a realização da penhora, traduzindo-se esta num acto de agressão patrimonial, causal da procedência dos presentes embargos quanto a ela.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder parcial provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

«AA», contribuinte fiscal n.º ...76, e «BB», contribuinte fiscal n.º ...57, residentes na Rua 1..., ... e ..., ..., interpuseram recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, proferida em 10/01/2014, que julgou improcedentes os embargos de terceiro deduzidos, na sequência da penhora de imóvel no âmbito dos processos de execução fiscal n.º ...40 e ...72 e apensos, instauradas pelo Serviço de Finanças ... contra «CC», contribuinte fiscal n.º ...36, e «DD», contribuinte fiscal n.º ...10, por dívidas de IRS de 1995 e IVA, dos anos de 1999 e 2000, no valor global de €423.865,71; absolvendo a Fazenda Pública da instância relativamente à embargante «BB» e absolvendo-a do pedido quanto à embargante «AA», mantendo a penhora, com as legais consequências.

As Recorrentes terminaram as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
“1. Vem o presente recurso interposto da douta Sentença que julgou improcedentes os embargos de terceiros das recorrentes e consequentemente manter-se a penhora.
2. Para tal, entendeu o Tribunal ad quo que as recorrentes não fizeram prova da sua qualidade de terceiras em relação à execução e que também não foram provados actos de posse e consequente ofensa dos mesmos.
3. Todavia, não pode o recorrente conformar-se com a decisão da Douta Sentença, entendendo as recorrentes/embargantes que a presente acção deveria ter sido julgada totalmente procedente, tal como alegaram na acção de embargos de terceiro apresentada, uma vez que, conforme se percebe claramente, existe um claro equívoco do bem a penhorar nomeadamente os negócios que lhe deram origem e que foram posteriormente posto em causa e respectiva configuração, área e valor patrimonial.
4. O motivo de inconformismo das embargantes/recorrentes é, assim, relativamente, à nulidade da sentença, quer por omissão de pronúncia, quer por falta de fundamentação e ainda em relação à errada aplicação do direito ao caso em concreto.
5. A lei civil adjectiva impõe ao julgador da causa o dever de fundamentar devidamente a sentença e bem assim o dever de se pronunciar sobre todas as questões que devesse apreciar nos presentes autos, cominando tal situação com a nulidade da Sentença - artigo 668.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil (actual artigo 615.º, n.º 1, alínea d)).
6. A Sentença posta em crise não traduz esta realidade jurídica: por um lado, não se pronuncia ou conhece sobre todas as questões a que está obrigada e, por outro lado, não fundamenta a sua decisão sobre a matéria de facto, o que conduz a sua nulidade!
7. Com o devido respeito, o Tribunal ad quo deveria ter-se pronunciado quanto a outros factos alegados pelas partes, designadamente pelas recorrentes, no seu requerimento de embargos de terceiro e documentos que a acompanharam e que são de vital importância para a descoberta da verdade material, a realização da Justiça e para a boa decisão da causa.
8. Se atentarmos, apenas, nos únicos factos dados como provados pelo Tribunal ad quo tal não é, por si só, passível de se poder analisar, devidamente, o cerne da questão e o que está devidamente a ser penhorado, porquanto ofende, em primeiro lugar, a posse das embargantes e em segundo lugar o seu direito de propriedade.
9. Esta questão configura-se importante e até mesmo essencial – aliás, é a questão essencial neste processo – para a boa decisão da causa, porquanto é com base na anexação dos imóveis, que actualmente o mesmo possui o valor patrimonial de 50.000,00€, e respectiva área de 2275m2. E estas questões foram alegadas pelas recorrentes (vide artigos da acção de embargos de terceiros, transcritos na motivação do presente recurso).
10. Não obstante o Tribunal ad quo não se ter pronunciado quanto a estes factos, o mesmo avaliou e pronunciou-se sobre o único negócio - Doação – esquecendo-se que o imóvel apenas tem a configuração actual devido também ao negócio de compra e venda que se destinou a arredondamento de quintal. Mas, como é possível que o Tribunal ad quo considere e julgue improcedente a pretensão das recorrentes, se não se pronuncia, julgando-os provados ou não, sobre os factos essenciais a obtenção da decisão.
11. Nestes termos, deve declarar-se a nulidade da sentença recorrida, que deve ser substituída por acórdão que se pronuncie sobre os negócios efectivamente celebrados, e consequente área, configuração e valor do bem penhorado, a que se refere a factualidade dos artigos 3.º a 10.º, da petição de embargos de terceiro, de forma a se poder aferir devidamente a qualidade de terceiras, das recorrentes, face ao processo de execução no âmbito do qual se verificou a diligência judicial ofensiva da posse ou de qualquer outro direito incompatível com a realização ou o âmbito da mesma diligência, com as legais consequências.
12. A decisão da matéria de facto não está devidamente fundamentada, ou melhor nem sequer está fundamentada. Apesar da fundamentação da matéria de facto não ter de ser uma espécie de assentada, em que o Tribunal reproduz toda a prova que produziu, o certo é que a presente Sentença não tem qualquer tipo de fundamentação da matéria de facto.
13. Esta fundamentação é essencial na Sentença, por forma se permitir uma efectiva sindicância da mesma pelos sujeitos processuais por elas atingidos e pelo Tribunal ad quem, no que respeita à efectiva salvaguarda das garantias de defesa dos intervenientes processuais. Para tanto, é necessário que o Tribunal ad quo explicite o seu percurso cognitivo, as razões de ciência que levaram o julgador a formar a sua convicção, por forma a aferir se foram consideradas provas admitidas por lei e se as provas tidas em consideração sustentam, de acordo com a lei e as regras da experiência comum, a convicção.
14. Compulsada toda a Douta Sentença, percebe-se que a mesma não tem, sequer, uma linha que diga respeito à fundamentação da matéria de facto considerada provada.
15. A fundamentação da Douta Sentença é inexistente, de molde a tornar nula a sentença, o que deve ser declarado e se requer expressamente, por violação clara dos artigos 607.º, n.º 4 e 615.º, n.º 1, alínea b), ambos do Código de Processo Civil, na redacção dada pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho.
16. A presente acção teve como impulso processual o facto das recorrentes terem apresentado embargos de terceiros, alegando estar a ser ofendido, em primeiro lugar a posse das embargantes e em segundo lugar o seu direito de propriedade que é manifestamente incompatível com a concretização da mesma (penhora da globalidade do bem pelo valor actual).
17. Em face do exposto, o Tribunal ad quo decidiu pela improcedência dos embargos, tendo como único fito e argumento parte da sentença proferido no âmbito de uma impugnação pauliana.
18. Não tendo em consideração a qualidade das recorrentes em relação à penhora e os requisitos essenciais e elementares dos embargos de terceiro.
19. Ora conforme resultou provado do peticionado juntamente com a prova documental, assim como analisada a prova testemunhal oferecida pelas embargantes, não restam dúvidas estas assumem a qualidade de terceiras, ficando ainda indubitavelmente provado a ofensa à posse do seu direito de propriedade com a execução levada a cabo pelo Serviço de Finanças ....
20. Face do actual C.P.Civil, considera-se terceiro em relação a qualquer acção judicial, todo aquele que não seja parte na causa (cfr.artº.351, nº.1, do C.P.Civil), sendo de considerar terceiro face a penhora efectuada todo aquele que não é exequente nem executado.
21. As recorrentes não são parte na execução fiscal, nem nela intervieram por qualquer forma, tendo a qualidade de terceiras face ao processo executivo que originou a ofensa da posse.
22. Acresce que as embargantes/recorrentes adquiriram no dia 19 de Julho de 2004, no Cartório Notarial ..., por escritura lavrada de fls. 70 a 72 do livro ...95-E no Cartório Notarial ..., foi efetuada escritura de partilha da herança de «EE». Avô das aqui embargantes e pai do executado.
23. Na mesma escritura foi adjudicado pelo executado, o prédio urbano de casa de habitação de dois pavimentos e quintal, com superfície coberta de 85 m2 e superfície descoberta de 1000 m2, sito no lugar ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ..., pela ficha ...10 - ... e ..., inscrito na matriz sob o art.º ...65. - Cfr. documento n. 1.
24. O prédio descrito supra, à data da escritura de doação tinha como valor patrimonial e atribuído de 7.775,30 €, conforme documento nº 2 aqui dado como integrado e reproduzido para os legais efeitos.
25. No dia 06.12.2005, foi celebrada escritura de compra e venda, constando como vendedor «CC» e esposa «DD» e compradores «AA» e «BB», conforme documento n.º 3 aqui dado como integrado e reproduzido para todos os efeitos legais.
26. Nessa mesma escritura as recorrentes, pelo preço de 5.000,00 €, adquiriram em comum, uma parcela de terreno, com área de 1275 m2, a destacar do prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...53, da freguesia ... e ... e inscrito na matriz sob o artigo rústico ...04.
27. Consta do Registo Predial do ..., freguesia ... e ..., sob a ficha número ..67/20060106, a descrição do prédio urbano situado em ..., com a área total de 2360 m2, sendo coberta de 85 m2 e descoberta de 2275 m2, com o valor venal de €50.000,00, inscrito na matriz sob o art.º ...65.º, descrito como casa de dois pavimentos e quintal, confrontando de norte com estrada, de sul com «CC» e «FF», de nascente com caminho municipal e de poente com «CC», resultando da anexação dos números ...10/15032004 e ...66/20060106.
28. Assim sendo, dúvidas não restam que existe um equívoco quanto ao bem penhorado a sua configuração, área e valor patrimonial.
29. Mais ficou provado que o imóvel, objecto de impugnação pauliana, à data da sua alienação tinha um valor patrimonial de 7.75,30 €, provado por documento o qual não foi impugnado.
30.Tal imóvel, que actualmente possui um valor patrimonial substancialmente maior, só assim é porque as embargantes adquiriram uma parcela de terreno para arredondamento de quintal, conforme supra indicado com a ajuda da sua avó, com quem habitam, reconstruiram a moradia, tornando-a o que é hoje.
31. Nos termos do disposto no art.º 1285.º do Código Civil (C.C.), o possuidor cuja posse for ofendida por diligência ordenada judicialmente pode defender a sua posse mediante embargos de terceiro, nos termos definidos na lei de processo (2).
32. Por sua vez, ao nível processual, a norma do art.º 319.º n.º1 do Código de Processo Tributário (CPT) dispõe que, quando o arresto, a penhora ou outra diligência judicial ofenda a posse de terceiro, pode o lesado fazer-se restituir à sua posse por meio de embargos de terceiro, que serão apresentados na repartição de finanças onde pender a execução e regidos, na parte em que o possam ser, pelos preceitos relativos à oposição, norma que hoje encontra correspondência no art.º 237.º do CPPT.
33. Os embargos de terceiro desempenham a mesma função que as acções possessórias propriamente ditas: são meios de defesa e tutela da posse ameaçada ou violada. O que sucede é que desempenham essa função no caso particular de a ameaça ou ofensa da posse provir de diligência judicial.
34. Pelo que a penhora não poderá incidir sobre tais bens, porquanto a mesma ofende, em primeiro lugar, a posse das embargantes e em segundo lugar o seu direito de propriedade que é manifestamente incompatível com a concretização da mesma.
35. Acontece que por tudo o que se tem vindo a expor e ao contrário do que foi decidido na Douta Sentença, as recorrentes são terceiros em relação aos executados, para além de que a penhora ofende a posse e acima de tudo a propriedade – devidamente comprovada por documentos cuja qualidade lhe confere fé pública – das recorrentes.
36. Salienta-se ainda o facto de a Douta Sentença cometer um erro grave, ao desconsiderar que as recorrentes não se encontram na posse pelo facto dos executados consigo residirem, ou seja, sustentando que para prova de posse a mesma teria que ser com a exclusão dos executados…o que não tem suporte legal.
NOS MELHORES DE DIREITO E COM O SEMPRE MUI DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS DEVE SER CONCEDIDO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, E CONSEQUENTEMENTE SER REVOGADA A DOUTA SENTENÇA E SUBSTITUÍDA POR DOUTO ACÓRDÃO QUE CONSIDERE COMO PROCEDENTES OS PEDIDOS FORMULADOS PELAS EMBARGANTES.
PARA SE FAZER A TÃO ACOSTUMADA JUSTIÇA!”
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A Recorrida não contra-alegou.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser concedido provimento ao recurso.
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Com dispensa dos vistos legais, tendo-se obtido a concordância dos Meritíssimos Juízes-adjuntos, nos termos do artigo 657.º, n.º 4 do CPC; submete-se o processo à Conferência para julgamento.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelas Recorrentes, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa averiguar se a sentença recorrida incorreu em nulidade, por falta de fundamentação e por omissão de pronúncia, e se enferma de erro de julgamento de facto e, consequentemente, de direito, ao decidir não ter ficado demonstrada a ofensa ao direito de propriedade da embargante «AA» incompatível com a realização da penhora.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto

Na sentença prolatada em primeira instância foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
“Dos factos provados, com relevância para a decisão da causa, com base nos elementos de prova documental e testemunhal, existentes nos autos.
1.° - Encontram-se pendentes no Serviço de Finanças ... os processos de execução fiscal n.°s ...40 e ...72 e apensos, instaurados contra «CC», contribuinte fiscal n.º ...36, por dívidas de IRS e IVA, no valor global de € 423.865,71.
2.° - Por escritura de partilha e doação realizada em 19.07.2004 o executado «CC», doou às suas filhas, ora embargantes, o prédio urbano inscrito na matriz da freguesia ... e ... no concelho ..., sob o n.º...65 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.°...10/15032004.
3.° - Em 09 de Dezembro de 2004 foi enviado ao Delegado do Procurador da República junto do Tribunal Judicial de Marco de Canaveses, um requerimento a solicitar a promoção da impugnação, nos termos do art.610° e seguintes do Código Civil (CC), da dação do prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... e ..., concelho ..., sob o artigo ...65, feita pelo executado «CC» às filhas e ora embargantes - cf. doc. de fis.39 e segs. dos autos.
4.° - O Estado, representado pelo Ministério Público, propôs ação ordinária de impugnação pauliana da doação do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ...65 e da venda de uma parcela de terreno para arredondamento do quintal desse prédio - cf. docs. juntos aos autos.
5.° - O prédio urbano, inscrito na matriz sob o artigo ...65, encontrava-se descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.°...10/15032004 da freguesia ... e ..., e a parcela de terreno foi desanexada do prédio rústico inscrito na matriz da mesma freguesia sob o artigo ...04 e descrito na mesma Conservatória sob o n.º ...53 da mesma freguesia.
6.° - O prédio urbano resultante da anexação da parcela de terreno ao prédio inscrito na matriz urbana sob o artigo ...65 manteve o mesmo número na matriz, tendo dado origem na Conservatória do Registo Predial ... ao prédio descrito sob o n.°...67/20060106, por anexação dos números ...10/15032004 e ...66/20060106.
7.° - Por sentença de 07 de Fevereiro de 2012, transitada em julgado em 19 de Março de 2012, proferida no processo n.°..9/09...BMCN, no ... Juízo do Tribunal Judicial de Marco de Canaveses, a impugnação foi julgada parcialmente procedente, tendo sido reconhecida a ineficácia em relação ao Estado da doação feita por «CC» às suas filhas, ora embargantes cf.doc. de fls.42 a 75 dos autos.
8.° - Na sequência da referida sentença, que reconheceu a ineficácia em relação ao Estado da doação do prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...65 da freguesia ... e ..., do concelho ..., procedeu-se à sua penhora, para satisfação dos créditos fiscais identificados na referida sentença.
9.° - De acordo com a referida sentença, a penhora foi executada no património das ora embargantes, constituído esse património, quanto a imóveis, unicamente pelo prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... e ..., do concelho ..., sob o artigo ...65, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.°...67/20060106 - freguesia ... e ....
10.º - Feito o registo definitivo da penhora na Conservatória do Registo Predial ..., por despacho de 14.05.2012, foi marcada a venda d imóvel penhorado.
11.° - A venda foi marcada para o dia 13 de Junho de 2012, na modalidade de leilão eletrônico - cf, doc. de fls.81 dos autos.
12.° - Em 15.05.2012 as ora embargantes foram notificadas da penhora e da marcação da venda - cf. docs. de fls.82 a 93 dos autos.
13.° - Os presentes embargos foram enviados ao Serviço de Finanças ..., via CTT, sob registo de 04 de Junho de 2012,
14.° - A venda foi suspensa, ficando os autos a aguardar decisão dos presentes embargos.
Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa.
Motivação:
No que respeita à factualidade considerada provada e relevante à decisão da causa, o Tribunal fundou a sua convicção na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos e que não foram objecto de impugnação, assim como, em parte dos factos alegados pelas partes que não foram impugnados e que estão, igualmente, corroborados pelos documentos constantes dos autos (cf. artigos 74° e 76° n.1 da LGT e artigos 362° e seguintes do Código Civil) e no depoimento das testemunhas ouvidas por este Tribunal.
Sucede que os depoimentos das testemunhas «GG» e «HH», vizinhas e amigas das embargantes e da sua avô (a «II»), pela sua pouca credibilidade e carater genérico, não colocaram em causa a fé pública dos documentos juntos aos autos, nem tão pouco os restantes factos acessórios alegados pela embargante.
Os depoimentos das referidas testemunhas resumem-se à ideia de que sempre foi vontade da D. «II» doar às embargantes o imóvel em causa e, que tal casa sofreu grandes alterações e melhoramentos através de obras realizadas pelas embargantes e, que as mesmas adquiriram um terreno a um familiar que ampliou o espaço exterior do referido imóvel.
Resultou igualmente do depoimento das testemunhas que, na referida casa, situada na Rua 2..., na freguesia ... e ..., sempre viveu a D. «II», com um filho e nora e essas duas netas.
Acresce que, a D. «II» tinha outros filhos e netos.
O Tribunal não ficou convencido com a tese da embargante, e os depoimentos das testemunhas ajudaram a que o Tribunal conclui-se que o alegado negócio através do qual as embargantes teriam adquirido a posse e propriedade do imóvel, nomeadamente a existência de documentos a comprovar o que alegam, apenas se destinou a criar uma aparência de posse e propriedade dos bens em causa nos autos pelas embargantes, quando tal bem, na realidade, continuou a ser propriedade de quem sempre foi e a estar na posse de quem sempre esteve, pois nele sempre moraram a avô das embargantes, as embargantes e os pais das embargantes (executados nos processos de execução fiscal identificados nos factos provados).”
*
Acolhendo a alegação de recurso quanto à insuficiência da factualidade constante desta decisão da matéria de facto, para o bom julgamento da causa, adita-se a seguinte materialidade ao probatório, por constarem dos autos documentos comprovativos da mesma, nos termos do artigo 662.º, n.º 1 do Código de Processo Civil:
15.º Em 06/12/2005, foi formalizado negócio, titulado por escritura pública, denominado “compra e venda”, onde «CC», com o bilhete de identidade n.º ...19, e «DD», com o bilhete de identidade n.º ...33, venderam a «AA», representada pelos seus pais, «CC» e «DD», e a «BB» (aqui embargantes), pelo preço de €5.000,00, uma parcela de terreno, com a área de 1275m2, a destacar de prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo ...04 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...53, da freguesia ... e ..., que se destina a arredondamento do quintal do prédio urbano, sito no lugar ..., freguesia ... e ..., no concelho ..., composto de casa de dois pavimentos e quintal, com a superfície coberta de 85m2 e superfície descoberta de 1000m2, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...10, da freguesia ... e ..., e inscrito na matriz sob o artigo ...65; parcela de terreno a que se referem os pontos 4.º, 5.º e 6.º do probatório – cfr. documento n.º 3 junto com a petição inicial.
16.º Encontrava-se descrito na Conservatória do Registo Predial ..., freguesia ... e ..., sob a ficha n.º ..66/20060106, o prédio urbano situado em ..., com a área total de 1275m2, constituído por parcela de terreno destinada ao arredondamento do quintal do prédio ...10/15032004, confrontando a norte com estrada, a sul com «CC», a nascente com «BB» e «AA» e a poente com «JJ», o qual foi adquirido por «BB» e «AA», por compra a «CC» e mulher «DD» – cfr. documento de fls. 43 a 74 do processo físico.
17.º Na sentença da impugnação pauliana mencionada nos pontos 7.º e 8.º do probatório não foi declarada a ineficácia, em relação ao Estado Português, deste acto oneroso, de compra e venda desta parcela de terreno, justificando, além do mais, o julgamento de parcial procedência a que se refere o ponto 7.º, com os seguintes fundamentos:
“(…) Assim é que os 1.ºs RR (aqui executados) ali não outorgaram senão em representação das suas filhas… Não estando, evidentemente, em causa um acto de disposição ou alienação de património pelos 1.ºs RR, manifestamente excluído o negócio do âmbito da tutela conferida pelo convocado instituto.
Nesta parte, pois, s.m.o., a acção terá de improceder, cabendo apenas aferir da verificação dos pressupostos da impugnação pauliana com referência ao acto gratuito caracterizado sob a al. A) (“partilha e doação”) dos factos assentes. (…)”
18.º Em 18/04/2012, foi lavrado “auto de penhora” do prédio urbano sito em lugar ..., inscrito na matriz predial da freguesia ... e ..., concelho ..., sob o artigo n.º ...65, destinado a habitação, constituído por dois pavimentos e quintal, com superfície coberta de 85m2 e logradouro com 2275m2, com o valor patrimonial de €56.657,88, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob a ficha ..67/20060106, para pagamento da quantia de €423.865,71 e acrescidos, exigidos no processo de execução fiscal n.º ...40 e ...72 e apensos, por dívidas de IVA e IRS, sendo executado «CC», casado com «DD» – cfr. documento de fls. 76 do processo físico.

2. O Direito

Desde logo, ressalta que as duas Recorrentes não se conformam com a sentença recorrida, que julgou improcedentes os embargos de terceiro por si deduzidos, alegando, em suma, padecer a sentença de nulidade, por omissão de pronúncia, falta de fundamentação, com especial incidência sobre a decisão da matéria de facto, por não se ter pronunciado acerca dos negócios que efectivamente foram celebrados, e errada aplicação do direito, ofendendo a penhora do imóvel efectuada a posse e o direito de propriedade das Recorrentes.
Pela análise do teor do recurso, das suas alegações e respectivas conclusões, verifica-se não ser realizada qualquer abordagem à absolvição da instância da Fazenda Pública, por a embargante «BB» não ter pago a taxa de justiça devida pelo seu impulso processual, continuando a actuar como se, quanto a si, também tivesse ocorrido absolvição do pedido, agindo e fundando o seu recurso conjuntamente com a embargante «AA», apoiando-se no mesmo argumentário.
Com efeito, a decisão da primeira instância quanto à Recorrente «BB» foi a seguinte:
“(…) A embargante «BB», contribuinte fiscal n.º ...67 pediu a concessão do benefício de apoio judiciário para os presentes autos, tendo-lhe este sido indeferido, cf. resulta do teor de fls.134 a 140 dos autos.
Após essa notificação, a embargante dispunha do prazo de 10 (dez) dias para proceder ao pagamento da taxa de justiça devida nos presentes autos, nos termos do art.29°, n.°5, alínea c), da Lei 34/2004 de 20/07 e art.467°, n.°6, do anterior CPC e não procedeu ao referido pagamento.
Acresce que, foi notificada como resulta de fls.141 dos autos para proceder ao pagamento da taxa de justiça e multa devida, nos termos do art.486-A, n.°3, do anterior CPC ou art.570°, n.º3 do atual CPC, mas não procedeu ao pagamento da taxa de justiça devida.
A ausência do pagamento prévio da taxa de justiça funciona como a falta dum pressuposto processual, que obsta ao conhecimento do mérito da causa.
A falta de pagamento da taxa de justiça é para todos os efeitos uma exceção dilatória, nos termos definidos no art.576°, n.°2 do CPC, sendo que a enumeração que de algumas é feita no art.577° do mesmo diploma não é taxativa.
Deste modo, nos termos dos artigos 234°-A, n.°1 e 5, 288°, n.°1, alínea e), n.°3 do art.467°, 474°, alínea f), 493°, n.°2 e 494°, todos do anterior ÑÐÑ, aplicáveis por força do disposto no art.2°, alínea e), do CPPT, estando ultrapassada a fase em que se poderia decidir pela rejeição da petição e se poderia ordenar o desentranhamento da mesma, por falta de um dos pressupostos para o prosseguimento da ação (taxa de justiça), a Fazenda Pública é absolvida da instância quanto à embargante «BB», com custas a cargo desta, nos termos do disposto no art.527°, n.º1, do ÑÐÑ. (…)”
Ora, a Recorrente «BB» alheou-se completamente do julgamento efectuado no tribunal de primeiro conhecimento quanto a si, olvidando afrontar a decisão recorrida na parte do fundamento referente à falta de pagamento da taxa de justiça e à consequente absolvição da instância.
Ora, não tendo a Recorrente afrontado, por via do presente recurso, o “caso julgado” relativo à absolvição da instância da Fazenda Pública por falta de pagamento da taxa de justiça pela embargante «BB», tal fundamento para julgar os embargos improcedentes não é objecto do recurso, restando concluir que a sentença recorrida transitou em julgado nessa parte.
A total concentração das Recorrentes na apreciação do mérito da causa, acabou por gerar um recurso, parcialmente, ineficaz da sentença recorrida, dada a omissão de ataque nessa parte.
Ora, sendo objecto do recurso a impugnação da decisão judicial (cfr. o artigo 676.º do CPC, correspondente ao actual artigo 627.º do CPC), o recorrente terá de mobilizar os seus argumentos contra os vários fundamentos desfavoráveis da sentença sob pena de o decidido não poder ser alterado, na parte não impugnada - cfr. Acórdão do STA, de 15/05/2013, proferido no processo n.º 0508/13 ou os Acórdãos do TCAN, de 15/02/2012 e de 02/02/2017, proferidos nos processos n.º 01806/09.0BEBRG e n.º 00464/15.8BEMDL, respectivamente.
Se, em sede de recurso jurisdicional, o recorrente se alheou de algumas razões que fundamentaram a sentença recorrida, não atacando em parte o julgado, não poderá o tribunal de recurso alterar o decidido pelo Tribunal a quo, nessa parte, já que a tal se opõe o preceituado no artigo 635.º, n.º 5 do CPC: os efeitos do julgado, na parte não recorrida, não podem ser prejudicados pela decisão do recurso nem pela anulação do processo.
Na situação em análise, no concernente à Recorrente «BB», não tendo tal segmento sido impugnado, não pode este tribunal de recurso realizar um outro julgamento que possa colidir directamente com essa parte não recorrida, dado que a mesma transitou em julgado, a tal obstando o disposto, como vimos, no artigo 635.º, n.º 5 do CPC.
Como refere ALBERTO DOS REIS, com a imposição do ónus de alegação ao Recorrente teve-se «em vista obrigar o recorrente a submeter expressamente à consideração do tribunal superior as razões da sua discordância para com o julgado, ou melhor, os fundamentos por que o recorrente acha que a decisão deve ser anulada ou alterada, para que o tribunal tome conhecimento delas e as aprecie» - Cfr. Código de Processo Civil Anotado, volume V, página 357.
In casu, é notório, percorrendo integralmente as conclusões das alegações do recurso, que a Recorrente «BB» se alheou da razão que fundamentou a improcedência dos embargos quanto a si – a falta de pagamento da taxa de justiça pelo impulso processual.
Quer isto dizer, pois, que tendo a Recorrente «BB» se alheado do conteúdo integral da decisão recorrida, não vindo atacado o decidido sobre esta apontada questão, não pode o TCA alterar o decidido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, já que a tal se opõe o preceituado no artigo 635.º, n.º 5 do CPC.
Nesta conformidade, atendendo à parte do julgamento não recorrido, impõe-se, forçosamente, manter a sentença recorrida, no que tange à Recorrente «BB».

Vejamos, agora, os vícios que são imputados à sentença recorrida pela Recorrente «AA», começando pelo vício de nulidade, por ter atentado contra as regras próprias da sua elaboração.
Sustenta a Recorrente que a decisão da matéria de facto não se encontra fundamentada, nomeadamente, quanto à matéria de facto considerada provada; sendo a sentença nula, por violar os artigos 607.0, n.04 e 615.0, n.01, alínea b) do CPC, devido à inexistência de fundamentação.
Em princípio, a não apreciação de parte da prova oferecida poderá constituir erro de julgamento. Contudo, também contende com a fundamentação da própria decisão da matéria de facto, dependendo dos fundamentos invocados para a sua desconsideração, podendo ocorrer omissão de fundamentação quanto a factos essenciais para a decisão da causa [artigo 662.º, n.º 2, alínea d) do CPC] ou mesmo ausência total de fundamentação por a mesma se apresentar ininteligível [sendo nula, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea b) do CPC].
Assim, tendo sido suscitado erro de julgamento quanto à decisão da matéria de facto, importa iniciar a apreciação pela fundamentação constante da decisão recorrida.
O julgamento da matéria de facto é um momento essencial da realização da justiça constitucionalmente cometida aos tribunais. De acordo com o disposto no artigo 205.º da Constituição da República Portuguesa, as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.
O juiz tem, por isso, o dever de se pronunciar sobre a factualidade alegada e sobre a que lhe seja lícito conhecer oficiosamente e que se apresente relevante para a decisão, discriminando também a matéria provada da não provada e fundamentando as suas decisões, procedendo à apreciação crítica dos elementos de prova e especificando os fundamentos decisivos para a convicção formada - cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT.
Compulsando a decisão da matéria de facto, é certo que esta é omissa quanto à indicação da matéria de facto alegada, considerada como não provada, incumprindo assim o disposto no artigo 123.0, n.0 2 do CPPT.
Porém, a sentença contém fundamentação, embora sucinta e esparsa, no que se refere à matéria de facto assente, assim como quanto à factualidade alegada não levada ao probatório.
Ora, conforme refere Jorge Lopes de Sousa in Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, II volume, pág.357, só a absoluta falta de fundamentação constitui a nulidade da decisão nos termos dos artigos 125.0, n.0 1 do CPPT e 615.0, n.º 1, alínea b) do CPC, entendimento que se mostra uniforme na jurisprudência do STA.
No mesmo sentido, vide José Lebre de Freitas, in Acção Declarativa Comum, 3a edição, pág. 332: “Há nulidade quando falte em absoluto a indicação dos fundamentos de facto ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão, não a constituindo a mera deficiência de fundamentação (...)”.
Considerando o aditamento que fizemos oficiosamente à decisão da matéria de facto, ainda que atendendo, em parte, às alegações do recurso, tal é revelador da insuficiência da matéria que foi levada ao probatório, pois, manifestamente, não foi seleccionada, de entre a matéria alegada, toda a factualidade que seria imprescindível e pertinente para a decisão da causa.
Assim, apesar de reconhecermos a ostensiva deficiência na selecção e na fundamentação da matéria de facto, não se verifica a apontada nulidade por falta de fundamentação, por não ser absoluta, mas somente erro de julgamento, que já ensaiámos suprir com o aditamento realizado supra, uma vez que o processo facultava os elementos probatórios bastantes para o efeito.
No que se refere à nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, também julgamos não assistir razão à Recorrente.
Tal omissão é sustentada pela alegação de que foi invocado na petição inicial que a área e o valor patrimonial actual do imóvel penhorado resulta da anexação efectuada e que na decisão recorrida não se tomou decisão sobre a questão invocada de o imóvel penhorado resultar da doação e do negócio de compra e venda que se destinou a arredondamento do quintal. Defendendo a Recorrente que deveria ter sido realizada uma pronúncia pelo tribunal sobre a totalidade dos negócios efectivamente celebrados e sobre a área, configuração e valor do bem penhorado.
Segundo o preceituado no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento. Decorre de tal norma que o vício que afecta a decisão advém de uma omissão (1.º segmento da norma) ou de um excesso de pronúncia (2.º segmento da norma). Na verdade, é sabido que essa causa de nulidade se traduz no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artigo 608.º, n.º 2, do mesmo diploma, o qual consiste, por um lado, no resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes, salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente. Ora, como se infere do que já deixámos expresso, o excesso de pronúncia pressupõe que o julgador vai além do conhecimento que lhe foi pedido pelas partes. Por outras palavras, haverá excesso de pronúncia, sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido. Pelo que deve considerar-se nula, por vício de “ultra petita”, a sentença em que o juiz invoca, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que a parte colocou na base (causa de pedir) das suas conclusões (pedido). No entanto, uma coisa é a causa de pedir, outra os motivos, as razões, de que a parte se serve para sustentar a mesma causa de pedir. E nem sempre é fácil fazer a destrinça entre uma coisa e outra. Com base neste raciocínio lógico, a doutrina e a jurisprudência distinguem por um lado, “questões” e, por outro, “razões” ou “argumentos” para concluir que só a falta de apreciação das primeiras (ou seja, das “questões”) integra a nulidade prevista no citado normativo, mas já não a mera falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões - cfr. Prof. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil anotado, V volume, Coimbra Editora, 1984, pág.53 a 56 e 143 e seg.; Antunes Varela e Outros, in Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.690 e seg.; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. edição, Almedina, 2009, pág.37.
De facto, o tribunal recorrido não terá ponderado todos os factos alegados, mas tal falha subsume-se a erro de julgamento, dado que não estão propriamente em causa “questões” no sentido referido. É nossa convicção que a sentença recorrida se pronunciou sobre o núcleo essencial dos factos principais alegados como causa de pedir, sobre aqueles que considerou relevantes, não deixando de pronunciar-se sobre a questão fulcral subjacente à dedução dos presentes embargos, relativa à ofensa da posse e do direito de propriedade sobre o imóvel inscrito na matriz predial urbana sob artigo ...65.º e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...67/20060106, e sobre a existência de penhora sobre esse mesmo imóvel. Se as ilações que retirou não são consentâneas com a materialidade demonstrada nos autos, estamos perante erro de julgamento, mas não enferma a sentença recorrida de nulidade, por omissão de pronúncia.

Vejamos, então, se a sentença recorrida padece de errada subsunção dos factos ao direito.
Alerta a Recorrente para o circunstancialismo de o imóvel penhorado resultar, em parte, da doação do executado às filhas, ora embargantes, e, na restante parte, do negócio de compra e venda, entre as embargantes e outras pessoas, de uma parcela de terreno, destinada a arredondamento do quintal, dando origem a um prédio com mais área, diferente configuração e maior valor desse bem penhorado.
Mais acrescenta que a dedução de embargos teve como fundamento a ofensa da posse e do direito de propriedade das embargantes, incompatíveis com a concretização da penhora da globalidade do bem imóvel pelo seu valor actual. Concretizando que a decisão da improcedência dos embargos se apoiou no teor da sentença proferida no âmbito da impugnação pauliana, desconsiderando a qualidade das embargantes em relação à penhora.
É, ainda, destacada a importância que assume a circunstância de o prédio objecto de doação em 19.07.2004 (urbano, com superfície coberta de 85 m2 e superfície descoberta de 1000 m2, descrito pela ficha ...10 e inscrito na matriz sob o n.º...65), à data da escritura de doação, ter o valor patrimonial atribuído de €7.775.30. Sendo que, por escritura pública de compra e venda de 06.12.2005, as embargantes, pelo preço de €5.000.00, adquiriram em comum a «CC» e «DD», uma parcela de terreno, com área de 1275 m2, a destacar do prédio rústico descrito sob o n.º ...53 e inscrito na matriz sob o artigo rústico n....04. E que o imóvel penhorado, inscrito na matriz sob o artigo ..65, está descrito pela ficha n.º ..67/20060106, como tendo uma área total de 2360 m2, sendo 85 m2 de área coberta e 2275 m2 de área descoberta, com o valor venal de €50.000,00, resultando da anexação dos números ...10/15032004 e ...66/20060106.
Conclui, portanto, que há equívoco quanto ao bem penhorado, no que se refere à configuração, área e valor patrimonial, pois que o valor actual do imóvel penhorado resultou da anexação da parcela de terreno adquirida pelas embargantes para arredondamento do quintal e de obras realizadas na moradia, onde habitam.
Remata, afirmando que a penhora não pode incidir sobre o bem penhorado, por ofender a posse e o direito de propriedade das embargantes, que se mostra comprovado documentalmente; tendo a decisão recorrida considerado, erradamente, não se encontrarem as embargantes na posse do imóvel, por residirem com os executados.
No Código de Processo Civil, resultante da reforma operada pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12/12, os embargos de terceiro deixaram de ter a natureza de processo especial, passando a ser configurados como modalidade do incidente de oposição, ampliando-se os pressupostos da sua admissibilidade, assim deixando de estar ligados, necessariamente, à defesa da posse do embargante. Isto é, face a este novo regime, o embargante, através dos embargos, além da posse, pode defender qualquer outro direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência judicial, que se traduza num acto de agressão patrimonial [cfr. artigos 342.º a 350.º, do Código de Processo Civil (CPC) e relatório constante do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12/12].
Os requisitos da dedução dos embargos de terceiro, de acordo com a lei processual tributária, estão previstos no artigo 237.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), dispondo que: “1- Quando o arresto, a penhora ou qualquer outro acto judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens ofender a posse ou qualquer outro direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular um terceiro, pode este fazê-lo valer por meio de embargos de terceiro”.
Assim sendo, os embargos de terceiro não constituem actualmente um meio de defesa da posse, exclusivamente, podendo ser defendida através de embargos de terceiro a ofensa de qualquer outro direito cuja manutenção seja incompatível com a realização ou âmbito da diligência.
Os requisitos da dedução dos embargos de terceiro, de acordo com a lei processual tributária, são os seguintes (cfr. A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.670 e seguintes e Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 5.ª edição, 2007, pág.123 e seg.):
1-A tempestividade da petição de embargos;
2-A qualidade de terceiro face ao processo de execução no âmbito do qual se verificou a diligência judicial ofensiva da posse ou de qualquer outro direito incompatível com a realização ou o âmbito da mesma diligência;
3-A ofensa da posse ou de qualquer outro direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência judicial, que se traduza num acto de agressão patrimonial.
Nesta sede recursiva, no processo vertente é somente o exame do terceiro requisito que está em causa. Dado resultar pacífico, da matéria vertida nos pontos 1 e 18 da decisão da matéria de facto, que é «CC» (e mulher) o executado nos processos de execução fiscal onde foi realizada a penhora em apreço, não se podendo questionar a qualidade de terceiro da Recorrente, na medida em que aí não é parte, isto é, não é executada (nem exequente) nesses processos executivos.
Antecipamos que o tribunal recorrido não teve em devida conta a totalidade da matéria relevante, designadamente, o teor integral da sentença proferida no âmbito da acção pauliana mencionada nos pontos 7.º, 8.º, 9.º e 17.º do probatório.
É nossa firme convicção que a leitura atenta dessa sentença determina uma conclusão diferente da realizada pelo tribunal recorrido, entendendo-se assim que, face ao probatório fixado, deveriam ter sido julgados procedentes os embargos deduzidos pela Recorrente «AA», tendo já ficado claro que esta podia defender o seu direito de propriedade, face à penhora efectuada, enquanto tradução de um acto de agressão patrimonial.
Com efeito, o que foi penhorado foi a totalidade do imóvel, com extensão do seu âmbito ao prédio pertencente às embargantes, sendo a penhora incompatível com o direito de propriedade da Recorrente sobre a sua parcela de terreno, englobada (anexada) no imóvel objecto de penhora.
Recordamos que, por sentença de 07/02/2012, transitada em julgado em 19 de Março de 2012, proferida no processo n.º ..9/09...BMCN, no ... Juízo do Tribunal Judicial de Marco de Canaveses, a impugnação pauliana foi julgada parcialmente procedente, tendo sido reconhecida a ineficácia em relação ao Estado da doação feita pelo executado «CC» às suas filhas, aqui embargantes. Ora, o prédio objecto de doação tinha a superfície coberta de 85m2 e superfície descoberta de 1000m2, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ..10/15032004 – cfr. ponto 2 e 15 do probatório.
Na sentença da impugnação pauliana mencionada nos pontos 7.º e 8.º do probatório não foi declarada a ineficácia, em relação ao Estado Português, do acto oneroso, de compra e venda da parcela de terreno, com área de 1275 m2, a destacar do prédio rústico descrito sob o n.º ...53 e inscrito na matriz sob o artigo rústico n.º ...04, uma vez que não se tratava de um acto de disposição ou alienação do património dos executados marido e mulher (que apenas intervieram no negócio em representação de uma das filhas, a «AA», à data ainda menor).
Não existe notícia nos autos que esta parte da acção pauliana, que foi julgada improcedente, tenha sido judicialmente impugnada, pelo que somente a doação foi declarada ineficaz em relação ao Estado Português – cfr. ponto 17 aditado à decisão da matéria de facto. Subsistindo plenamente válido e eficaz o contrato de compra e venda da parcela para arredondamento do logradouro.
Na medida em que a parcela de terreno comprada pelas embargantes, com área de 1275 m2, foi anexada ao prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ..10/15032004, dando origem ao prédio penhorado descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ..67/20060106 – cfr. pontos 5 e 6 do probatório, é ostensivo que se não reagissem através dos embargos à penhora efectuada (cfr. ponto 18 do probatório) e à ordenada venda da totalidade do imóvel (cfr. ponto 10 d probatório), posto que não ocorreu prévia demarcação dos imóveis nos termos dos artigos 1353.º e 1354.º do Código Civil, veriam o seu direito de propriedade (e o seu direito de uso e fruição a ele inerente – artigo 1305.º do Código Civil) sobre o seu imóvel ser transmitido a quem viesse a adquiri-lo.
Nesta conformidade, face ao probatório fixado, a decisão recorrida, quanto à embargante «AA», deverá ser alterada, no sentido de julgar procedentes os embargos deduzidos, visto a penhora do imóvel, tal como se encontra efectuada - sobre a totalidade do prédio urbano, que se encontra registado na Conservatória de Registo Predial sob o n.º ..67/20060106 - ofender, pelo menos, o direito de propriedade da embargante sobre uma parte (parcela de 1275m2) por que é composto.
Logo, urge conceder parcial provimento ao recurso, revogar parcialmente a sentença recorrida e julgar os embargos de terceiro procedentes em relação a «AA», mantendo a absolvição da instância da Fazenda Pública quanto à embargante «BB».

Conclusões/Sumário

I - Decorre dos artigos 627.º, n.º 1 e 635.º, ambos do CPC, que os recursos têm como objecto decisões judiciais.
II - Sendo objecto do recurso a impugnação da decisão judicial (artigo 627.º do CPC), o recorrente terá de mobilizar os seus argumentos contra os vários fundamentos desfavoráveis da sentença, sob pena de o decidido não poder ser alterado, na parte não impugnada.
III – In casu, os efeitos do julgado, na parte não impugnada, ficariam necessariamente prejudicados se o recurso fosse decidido como pretendem as recorrentes.
IV – Os requisitos da dedução dos embargos de terceiro, de acordo com a lei processual tributária, são os seguintes (cfr. artigo 237.º, do CPPT):
a-A tempestividade da petição de embargos;
b-A qualidade de terceiro face ao processo de execução no âmbito do qual se verificou a diligência judicial ofensiva da posse ou de qualquer outro direito incompatível com a realização ou o âmbito da mesma diligência;
c-A ofensa da posse ou de qualquer outro direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência judicial, que se traduza num acto de agressão patrimonial.
V – Os embargos de terceiro servem, actualmente, não só para defender a posse, como também qualquer outro direito que se mostre incompatível com a diligência ordenada.
VI – No caso, após ponderação crítica dos factos provados, ficou demonstrado verificar-se ofensa de direito de propriedade da embargante incompatível com a realização da penhora, traduzindo-se esta num acto de agressão patrimonial, causal da procedência dos presentes embargos quanto a ela.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder parcial provimento ao recurso, revogar parcialmente a sentença recorrida e julgar os embargos de terceiro procedentes em relação a «AA», mantendo a absolvição da instância da Fazenda Pública quanto à embargante «BB».

Custas a cargo de ambas as partes, nas duas instâncias, que se fixam, na proporção do decaimento, em 50%.

Porto, 15 de Maio de 2025

Ana Patrocínio
Vítor Salazar Unas
Maria do Rosário Pais