Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00857/19.1BEBRG-S1
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/09/2025
Tribunal:TAF de Braga
Relator:RICARDO DE OLIVEIRA E SOUSA
Descritores:PROVA PERICIAL
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO;
Sumário:
I. Não obstante a prova pericial se destine, como qualquer outra prova, a demonstrar a realidade dos factos alegados pelas partes, aquilo que a singulariza é o seu objeto: a perceção ou averiguação de factos que reclamem conhecimentos especiais que o julgador não domina, nos termos do artigo 467.º do Código Civil.

II. Evidenciando-se que a matéria em causa comporta complexidade técnica, integrando domínios especializados de engenharia civil, economia, contabilidade e gestão empresarial aplicada ao sector da construção civil, extravasando manifestamente o conhecimento comum, deve viabilizar-se o recurso à prova pericial.

III- As meras expectativas ou presunções subjetivas quanto ao desfecho favorável da decisão, mesmo com base em atos anteriores do tribunal, não se afiguram suficientes para fundar a invocação do princípio do contraditório plasmado no artigo 3.º, n.º 3 do Código de Processo Civil.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Conceder parcial provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo Norte - Secção de Contencioso Administrativo, subsecção de Contratos Públicos:

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I – RELATÓRIO

1. A sociedade comercial [SCom01...] S.A, Autora nos presentes autos de AÇÃO ADMINISTRATIVA em que é Réu o MUNICÍPIO ..., vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL do despacho promanado pelo T.A.F. do Porto, datado de 28 de outubro de 2024, que indeferiu a realização da prova pericial requerida pela Recorrente.

2. Alegando, a Recorrente formulou as seguintes conclusões: “(…)

1) Afigura-se à ora Recorrente que a decisão aqui em recurso incorre em manifesto erro de apreciação e em violação das normas processuais relevantes, conforme se descreveu nas presentes alegações.

2) O Tribunal a quo proferiu a 28 de outubro de 2024 Despacho com o qual indeferiu a prova pericial requerida pela Recorrente.

3) No entanto, face aos elementos carreados aos autos e ao objeto da perícia, sempre se impunha uma decisão jurisdicional de deferimento da realização da requerida Prova Pericial.

4) A produção de prova pericial foi requerida pela Recorrente a 7 de Maio de 2019, com a apresentação da Petição Inicial.

5) Posteriormente, a 5 de setembro de 2019, a Autora foi notificada para formular os quesitos a que a prova pericial deveria dar resposta e que pretendia que fossem submetidos à prova pericial.

6) A 26 de junho de 2024, em audiência prévia realizada nessa data, foi proferido o Despacho Saneador (ref.ª sitaf: 008809098), tendo a Recorrente sido então notificada na própria audiência para “reformular as concretas questões de facto que pretende ver esclarecidas e que constitua o objeto da referida perícia”.

7) Em conformidade o decidido no Despacho Saneador, a Recorrente apresentou a 2 de Setembro de 2024, um Requerimento, no qual reformulou os quesitos apresentados e constituiu o objeto da Perícia.

8) Surpreendentemente, a 29 de outubro de 2024 foi a Recorrente notificada do despacho que indeferiu a Prova Pericial requerida.

9) Entendeu o Tribunal a quo que “os factos subjacentes a tais pedidos e que constituem a causa de pedir, não constituem juízos técnicos a que haja necessidade de esclarecimentos por um perito; sendo que, o julgamento da matéria de facto para conhecer de tais questões, não encerra qualquer juízo técnico.”

10) Porém, entende a Recorrente que o julgamento da matéria de facto depende, nestes autos, de um juízo técnico o qual apenas poderá ser formulado por via da prova pericial.

11) A prova pericial constitui um dos meios probatórios admissíveis e que se destina a permitir ao Tribunal aceder a conhecimentos técnicos específicos.

12) Tal meio probatório visa contribuir para a adequada apreensão e valoração dos factos que são objeto do processo.

13) A prova pericial destina-se, assim, a demonstrar, através da perceção e apreciação de factos carecidos de prova, por quem tem conhecimentos especiais que os Julgadores não possuem, a realidade ou irrealidade de determinados factos.

14) Na presente ação discute-se o direito da Recorrente ao pagamento de uma compensação no valor global de € 324 066,53, devida pelo Recorrido no âmbito da execução do Contrato de Empreitada de Reabilitação do Edifício da Antiga Adega e Área Envolvente celebrado entre as partes.

15) Tal compensação global subdivide-se nos seguintes pedidos: i) sobrecustos incorridos em consequência do aumento de custos de materiais, combustíveis e mão-de-obra, no valor de € 191 731,67; ii) Custos fixos incorridos pela impossibilidade de rentabilização de meios indiretos (mão-de-obra e equipamentos), no valor de € 72 638,37; iii) Custos acrescidos de manutenção de garantia bancária, no valor de € 1 082,03€; iv) Encargos de estrutura, no montante de € 33 418,24; v) Lucro cessante no montante de € 36 642,81 e vi) Encargos financeiros, no valor de € 1 549,56.

16) A perícia colegial requerida pela Recorrente tinha, por isso, como objeto o apuramento dos valores correspondentes aos pedidos formulados.

17) Com vista à prova dos danos e perdas e respetivo valor, a Recorrente juntou aos autos vários mapas e documentos comprovativos com a Petição Inicial.

18) A apreciação e apuramento e cálculo dos danos e perdas está plenamente depende de um juízo técnico típico da prova pericial.

19) Desde logo porque deverá ser produzido por especialistas que detenham conhecimentos técnicos específicos para apreciar e validar os valores peticionados, como a estrutura de custos que subjaz à prova da Recorrente.

20) A estrutura de custos constitui a referência orçamental do contrato no plano das várias componentes de custos e margem que integram a empreitada, sendo com base nessa referência orçamental que foram calculados os desvios de custos e a degradação da margem de lucro.

21) A racionalidade e a coerência dessa estrutura de custos tal como foi apresentada na petição inicial, carece de validação por meio de juízo técnico-financeiro específico, sem o qual não poderá o Julgador apreciar e valorar a matéria de facto que dela depende.

22) Por outro lado, a prova pericial requerida, além de se destinar a permitir a demonstração e validação da estrutura de custos do orçamento da proposta da Recorrente, no sentido de saber se a mesma se encontra elaborada de acordo com os padrões normais de mercado e com os encargos e margem habituais para uma empreitada como a dos autos, destina-se também a apurar o aumento dos custos das matérias-primas.

23) Além disso, afigura-se igualmente necessário aferir, em concreto, em que atividades se repercutiu o aumento desses custos.

24) A essencialidade da realização da perícia evidencia-se também quanto à questão de saber se a revisão de preços ordinária se afigura como suficiente para repor a equação financeira inicial do contrato quanto aos preços propostos pela Recorrente para cada atividade.

25) A par disso, a Perícia requerida destina-se a apreciar criticamente as taxas de afetação consideradas pela Recorrente para os recursos humanos afetos à Empreitada, sendo necessária uma apreciação crítica especializada dessa mesma afetação, apelando-se, por isso, à experiência dos Senhores Peritos.

26) Da mesma forma, o apuramento da percentagem considerada para os encargos de estrutura de sede e o apuramento e cálculo da margem de lucro que a Recorrente viu frustrada dependem de uma análise técnica que valide estes cálculos.

27) Sempre se deverá concluir que cálculo e apuramento dos sobrecustos incorridos pela Recorrente decorrentes da impossibilidade de iniciar a execução do Contrato na data prevista e a subsequente validação da estrutura de custos apresentada está inexoravelmente dependente de um juízo técnico e para o qual é necessária a formulação de juízos especializados de natureza técnica que não fazem parte da cultura geral ou da experiência comum que se deve presumir que o Julgador possui.

28) A prova pericial requerida não constitui qualquer expediente dilatório ou impertinente.

29) Face ao objeto da Perícia impunha-se que o Tribunal a quo tivesse deferido a prova pericial requerida pela Recorrente.

30) Não o tendo feito, o Tribunal a quo violou normas e princípios processuais (designadamente os princípios do inquisitório e do dispositivo) vertidos nos artigos 411º e 476º e do CPC.

31) Além do exposto, o Despacho recorrido configura também uma verdadeira decisão surpresa.

32) Desde logo porque, caso o Tribunal a quo considerasse que a matéria sujeita à prova pericial não encerra qualquer juízo técnico, sempre deveria ter indeferido, desde logo, a prova pericial requerida no Despacho Saneador.

33) O Tribunal a quo não só não indeferiu a prova pericial requerida como notificou a Recorrente para formular os quesitos que pretendia ver sujeitos a apreciação e, em seguida, ii) para aperfeiçoar os quesitos anteriormente formulados.

34) Atentas as diligências adotadas pelo Tribunal a quo, o mesmo formou na Recorrente a fundada expectativa, digna de tutela jurídica, de que a perícia requerida seria deferida.

35) Nunca o Recorrido se pronunciou no sentido de a Prova Pericial requerida pela recorrente dever ser indeferida.

36) Assim, sempre se deverá considerar que deveria o Tribunal a quo atuado em conformidade com as decisões anteriormente proferidas, deferindo, assim, a realização da prova pericial ou, caso assim não fosse, no limite, deveria ter notificado a Recorrente da intenção desse deferimento assegurando-lhe o direito ao contraditório.

37) Não tendo assegurado o direito ao contraditório, o Tribunal a quo violou o disposto no art. 3.º n.º3 do CPC.

38) Pelo que sempre se verá considerar que o Despacho recorrido configura uma verdadeira decisão-surpresa e consubstancia uma irregularidade que pode influir na decisão da causa e que é, por isso, geradora de nulidade processual, nos termos do disposto no art. 195.º n.º1 do CPC.(…)”.


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3. Notificado que foi para o efeito, o Recorrido não contra-alegou.

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4. O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida.

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5. O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior silenciou quanto ao propósito vertido no n.º1 do artigo 146.º do C.P.T.A.

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6. Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.

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II – DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR

7. O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.

8. Neste pressuposto, a questão essencial a dirimir resume-se a saber se o despacho recorrido incorreu em erro de julgamento de direito, por violação de “(…) normas e princípios processuais (designadamente os princípios do inquisitório e do dispositivo) vertidos nos artigos 411º e 476º e do CPC. (…)”, para além do “(…) disposto no art. 3.º n.º 3 do CPC (…)”.

9. É na resolução de tal questão que se consubstancia a matéria que a este Tribunal Superior cumpre solucionar.


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III – FUNDAMENTAÇÃO

III.1 – DE FACTO

10. As incidências fáctico-processuais a levar em linha de conta são as constantes do Relatório supra e ainda as seguintes que resultam da consulta do SITAF:

A. Em 07.05.2019, a sociedade comercial [SCom01...], S.A., intentou a presente ação no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga [cfr. fls. 1 e seguintes dos autos principais -suporte digital -, cujo teor se dá por integralmente reproduzido].

B. Nela demandou o MUNICÍPIO ... [idem].

C. E formulou o seguinte petitório: “(…) Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exa doutamente suprirá, deverá a presente acção ser julgada totalmente procedente, devendo, em consequência, ser o Réu MUNICÍPIO ... condenado a pagar à Autora:

a) Uma compensação no valor global de € 324.066,53 (trezentos e vinte e quatro mil e sessenta e seis euros e cinquenta e três cêntimos), discriminada da seguinte forma:

(i) Sobrecustos incorridos em consequência do aumento do custo de materiais, combustíveis e mão-de-obra, no montante de € 191.731,67; (ii) Custos fixos incorridos pela impossibilidade de rentabilização de meios indirectos (mão-de-obra e equipamentos), no montante de € 72.638,37; (iii) Custos acrescidos de manutenção da garantia bancária, no montante de € 1.082,03; (iv) Encargos de estrutura, no montante de € 33.418,24;

(v) Lucro cessante, no montante de € 36.642,81; (vi) Encargos financeiros, no montante de € 1.549,56. b) Os juros de mora vencidos à data da propositura da presente acção e os vincendos até ao efectivo e integral pagamento das quantias discriminadas em a); c) Devendo ainda o Réu condenado nas custas e procuradoria. (…)” [idem].

D. Tendo requerido a “(…) a realização de perícia aos factos articulados nos artigos 102°, 109° a 157°, 170° a 173°, 174° a 182° e 183° a 186° da presente petição inicial, indicando (…) como Perito «AA», engenheiro civil, com domicílio na Rua ..., I o esquerdo, ... ... (…)” [idem];

E. Após remessa ao Juízo de Contratos Públicos do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, foi por este emanado, em 26.06.2025, despacho do seguinte teor: “(…)

Como é consabido, a necessidade de prova pericial afere-se em função dos factos articulados pelas partes em cada concreto processo, sempre que à perceção ou apreciação desses factos sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, isto é, conhecimentos para além da ciência jurídica, sendo, por isso, necessária a cultura especial e a experiência qualificada do perito na matéria em causa.

O âmbito e objeto da perícia configuram realidades conceptuais distintas: - o âmbito deste meio de prova define-se pela matéria de facto articulada pelas partes e enunciada nos temas da prova; - o objeto da perícia, por sua vez, é determinado pelas concretas questões de facto que a parte requerente da perícia pretende ver esclarecidas.

Por seu lado, não obstante a produção de prova pericial comportar, em regra, um juízo de valoração e apreciação de factos a realizar pelo perito, a mesma não deve ser realizada de molde a que tal apreciação seja furtada à reapreciação do julgador. É que o perito informa e o juiz decide (art.º 389.º do CC).

Importa, ainda, considerar que o parecer pericial deve estribar-se em factos, não sendo admissível a quesitação de juízos de valor ou conclusões sobre factos; e que as questões de facto/quesitos devem ser formuladas em termos que permitam ao julgador apreciar a valoração do perito, isto é, acompanhar o raciocínio técnico do perito e, tanto quanto possível, apreender a sua razão de ciência.

No caso, veio a Autora, na sua petição inicial, requerer a realização de perícia “aos factos articulados nos artigos 102.º, 109.º a 157.º, 170.º a 173.º, 174.º a 182.º e 183.º a 186.º”.

Notificada para vir aos autos formular as questões de facto (quesitos) a que a prova pericial deve dar resposta, apresentou requerimento de 23-09-2019 (cf. fls. 411 a 420 Sitaf) a indicar os quesitos a submeter à perícia.

O que sucedeu é que algumas questões de facto enunciadas pela Autora naquele seu requerimento assentam em afirmações conclusivas ou juízos de valor e outras encontram-se enunciados de forma vaga, com recurso a conceitos indeterminados, referindo-se a título de exemplo, a utilização de expressões como “(…) é suficiente para repor a equação financeira inicial do contrato…”, “(…) aumentaram de forma anormal, imprevista e imprevisível entre a data da apresentação da proposta e a data da consignação?”, “Os preços que a Autora tem de pagar (…) é substancialmente mais elevado do que o que previa à data da elaboração da sua proposta (…)”.

O que sucede, ainda, por exemplo, no quesito 12: “Nas atividades de Betão Armado (Aço + Betão + Cofragem) respeitantes aos artigos 2.2.1. + 2.2.2. (excepto 2.2.2.11) + 2.4. da Lista de Preços Unitários (LPU), os preços unitários de betão, de fornecimento de aço e de aplicação de betão, cofragem e corte, moldagem e aplicação de armaduras sofreram, entre Junho de 2017 e Junho de 2018 um aumento anormal que se traduz num sobrecusto total, para a Autora, na importância de € 49.888,14, de acordo com os cálculos constantes dos Docs. 28 e 30 juntos à petição inicial?”.

Assim, de modo a determinar o objeto da perícia requerida (e as questões de facto que efetivamente são suscetíveis de ser submetidas a peritagem), convido a Autora a reformular as concretas questões de facto que pretende ver esclarecidas e que constitua o objeto da referida perícia.

Prazo: 20 dias. (…)”. [cfr. fls. 558 e seguintes dos autos principais -suporte digital, cujo teor se dá por integralmente reproduzido];

F. Em 02.09.2024, a Autora deu entrada no T.A.F. do Porto de peça processual do seguinte teor: “(…)


EXMO. SENHOR JUIZ DE DIREITO

[SCom01...] S.A. Autora nos autos identificados em epígrafe, notificada do Despacho Saneador no passado dia 26 de junho de 2024, vem, em cumprimento do determinado e nos termos do disposto no artigo 475.° do CPC (ex vi artigo 90.° n.°2 do CPTA), aperfeiçoar a delimitação do objeto da Perícia e as concretas questões de facto que pretende ver esclarecidas,

O que faz nos seguintes termos:

Objeto da Perícia:

Requer-se a V. Ex.a a realização de uma Perícia Colegial, conforme requerido na Petição Inicial, nos termos do disposto no artigo 468.° do Código de Processo Civil, com o seguinte objeto:

- O apuramento do valor dos sobrecustos incorridos pela Autora, decorrentes do aumento do custo de mão-de-obra, materiais e combustíveis;

- O apuramento do valor correspondente aos custos fixos incorridos pela impossibilidade de rentabilização de meios indiretos;

- O apuramento do valor dos custos acrescidos incorridos pela Autora com a manutenção da garantia bancária;

- O apuramento do valor correspondente aos Encargos de Estrutura, ao Lucro Cessante e aos Encargos Financeiros suportados pela Autora.

Para o que formula os seguintes quesitos:

1. De que forma se decompõe a estrutura de custos do orçamento da proposta de uma Empreitada, de acordo com os padrões normais de mercado e com os encargos e margem habituais? (artigo 102.° da Petição Inicial)

2. Na sequência da resposta ao quesito anterior, a estrutura do orçamento inicial apresentada no artigo 102.° da Petição Inicial relativamente à Empreitada em questão, é, ou não, compatível com os padrões normais de mercado e com os encargos habituais? (artigo 102.° da Petição Inicial)

3. No período que decorreu entre 31 de Julho de 2017 e a 26 de Junho de 2018, ocorreu, ou não, um aumento custo de aquisição de betão, dos combustíveis, dos metais (aço, zinco e alumínio) e da mão-de-obra, por referência ao custo de aquisição desses recursos no mês de junho de 2017? (artigos 109.° a 115.° da Petição Inicial)

4. Em concreto, foram, ou não, registados aumentos no custo das seguintes matérias-primas, entre Junho de 2017 e Julho de 2018, por referência ao mês de junho de 2017:

a) No cimento, necessário para a execução das estruturas de betão armado (artigos 2.2.1, 2.2.2, 2.2.4, 2.2.2.11 e 2.4.2.5 da Lista de Preços Unitários constante do processo administrativo)?

b) Nos combustíveis, necessários para todas as actividades da empreitada?

c) Nos metais (aço, zinco, cobre e alumínio), necessários para a execução das estruturas de betão armado, estruturas metálicas, nas serralharias e instalações especiais (artigos 1.5.1, 1.5.2, 1.7.1, 1.7.2, 1.7.3, 1.7.4, 1.7.5, 1.12.1, 2.2.1, 2.2.2, 2.2.2.11, 2.2.3, 2.2.4, 2.3, 2.4, 2.4.2.5, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, e 11 da Lista de Preços Unitários constante do processo administrativo)?

d) Na mão-de-obra necessária para todas as actividades da empreitada? (artigos 109.° a 115.° da Petição Inicial)

5. Por referência ao quesito anterior, em caso de resposta afirmativa, qual a percentagem de aumento do custo de aquisição daqueles materiais por comparação com o seu custo em junho de 2017? (artigos 109.° a 115.° da Petição Inicial)

6. Os custos de aquisição de recursos a que se refere o quesito 3. continuam, ou não, a aumentar até à presente data? Em caso afirmativo, em que percentagens tendo por referência o mês de junho de 2017? (artigo 110.° da Petição Inicial)

7. Quais as atividades da Empreitada cujo preço unitário, como previsto na Lista de Preços Unitários, foram afectadas pelo aumento do custo das matérias-primas e mão-de-obra a que se referem os quesitos 3 e 4, supra? (artigo 118.° da Petição Inicial)

8. Em caso de resposta afirmativa aos quesitos 3, 4 e 5, a revisão de preços ordinária, calculada através da fórmula contratualmente prevista, é, ou não, suficiente para repor a equação financeira inicial do contrato quanto aos preços propostos pela Autora para cada uma das atividades da empreitada? (artigo 109.° da petição inicial)

9. O mapa constante do Doc. 28 junto à petição inicial, bem como os anexos a esse mapa juntos como Docs. 29 e 30, refletem, ou não, corretamente a variação dos preços propostos para aquelas atividades pela Autora em junho de 2017 face aos preços que as mesmas atividades custaram à Autora a Junho de 2018? (artigo 119.° da Petição Inicial)

10. O sobrecusto apresentado pela Autora de € 49.888,14, relativo ao aumento dos preços unitários de betão, de fornecimento de aço e de aplicação de betão, cofragem e corte, moldagem e aplicação de armaduras sofreram é, ou não, ajustado face aos custos de aquisição das matérias-primas registados entre Junho de 2017 e Junho de 2018? (artigo 121.° e Docs. n.° 28 e 30 juntos com a Petição Inicial)

11. O sobrecusto apresentado pela Autora de € 56.319,65 respeitante às atividades de estrutura metálica (artigos 2.2.3, 2.2.4. e 2.3. da LPU) e ao aumento dos preços unitários correspondentes é, ou não, ajustado face ao aumento do custo de aquisição de matérias-primas entre Junho de 2017 e Junho de 2018? (Artigo 123.° da Petição Inicial e Docs. 28, 29 e 30 juntos com a Petição Inicial)

12. Do mapa junto como Doc. 28 à Petição Inicial extrai-se, ou não, um custo adicional no custo de execução das actividades de demolições e movimento de terras, serralharias de aço, zinco e alumínio, instalações especiais, revestimento de fachadas e carpintarias, fenólicos e gesso cartonado? (Artigo 119.° da Petição Inicial)

13. Por referência ao quesito anterior, o mapa junto como Doc. 28, é, ou não, compatível com os custos de aquisição de matérias-primas e mão-de-obra registadas no mercado em Junho de 2017 e em Junho de 2018? (Artigo 119.° da Petição Inicial)

14. No que respeita aos preços a que se refere no quesito 13, é, ou não, correcto afirmar que em cada fase da cadeia económica de criação do produto final, cada interveniente (a saber, o fabricante e o fornecedor e/ou subempreiteiro) faz refletir no preço o aumento dos custos que suporta no valor que acrescenta ao produto (respetivamente, no fabrico e na aplicação e/ou execução do trabalho)? (artigo 127.° da Petição Inicial)

15. Por referência ao quesito anterior, cada um daqueles intervenientes incorpora, ou não, a sua margem no preço? (artigos 127.° e 128.° da Petição Inicial)

16. Por referência aos quesitos anteriores, e em atenção a incidência, no preço unitário correspondente, das percentagens previstas para mão-de-obra, para materiais e combustíveis de acordo com o mapa junto como Doc. 28 à petição inicial, qual o valor dos sobrecustos incorridos pela Autora nos seguintes trabalhos:

a) Nas demolições e movimento de terras (artigos 1.2 + 1.5.4 +12.1. da LPU)? (artigo 130.° da petição inicial)

b) Nas serralharias em aço (artigos 1.7.4. + 1.7.5. da LPU)? (artigo 131.° da petição inicial)

c) Nas serralharias em zinco (artigos 1.5.2. + 1.7.3. da LPU)? (artigo 132.° da petição inicial)

d) Nas serralharias em alumínio (artigos 1.5.1. + 1.7.1. + 1.7.2. da LPU)? (artigo 133.° da petição inicial)

e) Nas instalações especiais (artigos 1.12.1. + 3 + 4 + 5 + 6 + 7 + 8 + 9 + 10 + 11 da LPU)? (artigo 134.° da petição inicial)

f) Nos revestimentos de fachadas (artigos 1.8.2.3 + 1.8.2.4 + 1.8.2.5 + 1.8.4.1 da LPU)? (artigo 135.° da petição inicial)

g) Nas carpintarias, fenólicos e gesso cartonado (artigos 1.6.1 +1.6.2 +1.6.3 +1.8.1 + 1.9 da LPU)? (artigo 136.° da petição inicial)

17. As taxas de afetação consideradas pela Autora para os recursos humanos de enquadramento [Director de Contrato (10%), Director de Obra (20%), Adjunto do Director de Obra (100%), Encarregado Geral (100%), Medidor Orçamentista/Preparador (50%), Engenheiro Electrotécnico (20%), Engenheiro Hidráulico (20%), Engenheiro Mecânico (20%) e Técnico de Segurança, Qualidade e Ambiente (50%)] com os técnicos que reservou para a execução da empreitada no período que decorreu entre Janeiro e Junho de 2018 são, ou não, adequadas e ajustadas face ao tipo de empreitada em questão? (artigo 150.° da Petição Inicial)

18. O valor apresentado pela Autora de € 66.386,84 relativo aos encargos incorridos com os técnicos que reservou para a execução da empreitada no período que decorreu entre Janeiro e Junho de 2018, é, ou não, ajustado face aos custos padrão do mercado para esses recursos naquele período? (Artigo 151.° da Petição inicial Doc. 31 junto com a Petição Inicial)

19. Os equipamentos de apoio reservados pela Autora para a execução da empreitada no período que decorreu entre Janeiro e Junho de 2018 (a saber, grua torre, contentores de escritório e ferramentaria, estação total, máquina de cortar e dobrar ferro e vibradores de agulha), são, ou não, adequados face ao tipo de empreitada dos autos? (Artigo 153.° a 156.° da petição inicial e Doc. 32 junto à Petição Inicial)

20. Os equipamentos de apoio que integram parte do imobilizado da Autora, do ponto de vista de gestão de custos, devem, ou não, ser debitados a cada obra em curso a preços normais do mercado de aluguer de cada um daqueles equipamentos, distribuído por dezoito meses (o prazo de execução da empreitada dos autos)? (artigos 153.° a 157.° da Petição Inicial)

21. Uma paralisação dos equipamentos de apoio desde Janeiro a Junho de 2018, ou seja, por um período adicional de seis meses, é, ou não, suscetível de impedir a absorção dos custos de amortização dos equipamentos correspondentes a esse período nas receitas da empreitada? (artigos 153.° a 157.° da Petição Inicial)

22. O valor apresentado pela Autora de € 6.251,53, relativo ao encargo adicional suportado com as circunstâncias aludidas nos três quesitos anteriores, é, ou não, ajustado face aos valores de mercado verificados no período que decorreu entre Janeiro e Junho de 2018? (artigo 157.° da petição inicial e Doc. 32 junto com a petição inicial)

23. Atendendo à estrutura de sede da Autora em 2018, a percentagem de 4,56% correspondente ao valor dos encargos de estrutura de sede, afigura-se, ou não, ajustado? (artigos 170.° a 173.° da Petição Inicial)

24. De acordo com o cronograma financeiro da proposta apresentada pela Autora junto à petição inicial como Doc. 35, é possível, ou não, estimar que a facturação acumulada entre Janeiro e Junho, caso não tivesse ocorrido o atraso na consignação, teria atingido o valor de € 732.856,18? (artigo 173.°da Petição inicial)

25. O valor apresentado de € 33.418,24 correspondente aos Encargos de Estrutura suportados entre Janeiro e Junho de 2018, afigura-se, ou não, ajustado? (Artigo 173.° da Petição inicial e Docs. 34 e 35)

26. Por referência ao quesito anterior, é, ou não, correcto afirmar que a Autora suportou um custo com os encargos relativos aos custos fixos com os meios humanos e materiais de enquadramento, à manutenção de garantia bancária e aos encargos de estrutura, por não ter obtido receitas no montante previsto de € 732.856,18, correspondente à faturação prevista de acordo com o cronograma financeiro? (artigo 172.° da Petição inicial)

27. A margem de lucro de 5% do preço da empreitada é, ou não, compatível com os padrões habituais para este tipo de empreitada? (artigo 174.° a 182.° da Petição Inicial)

28. De que forma se deve apurar a perda da margem de lucro da Autora? (artigo 181.° da Petição Inicial)

29. O valor dos encargos financeiros suportados pela Autora com o atraso na obtenção de receitas deve, ou não, ser calculado de acordo com a taxa média de financiamento bancário e qual a taxa que deve ser considerada para o período que decorreu entre janeiro e junho de 2018? (artigo 186.° da Petição Inicial)

30. O valor de € 1.549,56 correspondente aos encargos financeiros suportados pela Autora, de acordo com o mapa de cálculo de encargos financeiros junto como Doc. 34, junto à petição inicial, afigura-se, ou não, ajustado? (artigo 186.° da Petição Inicial) (…).” [cfr. fls. 601 e seguintes dos autos principais -suporte digital, cujo teor se dá por integralmente reproduzido];

G. Em 28.10.2024, o T.A.F. do Porto promanou despacho do seguinte teor: “(…)

Da Prova Pericial

A Autora requereu a realização da perícia, com o seguinte objecto:

- O apuramento do valor dos sobrecustos incorridos pela Autora, decorrentes do aumento do custo de mão-de-obra, materiais e combustíveis;

- O apuramento do valor correspondente aos custos fixos incorridos pela impossibilidade de rentabilização de meios indiretos;

- O apuramento do valor dos custos acrescidos incorridos pela Autora com a manutenção da garantia bancária;

- O apuramento do valor correspondente aos Encargos de Estrutura, ao Lucro Cessante e aos Encargos Financeiros suportados pela Autora.

Sucede que, a prova pericial não serve esse propósito.

Com a presente acção, a Autora pretende a condenação da Entidade Demandada no pagamento das seguintes quantias: i) 191.731,67 euros, como consequência do aumento de custos de materiais, combustíveis e mão-de-obra; ii) custos fixos incorridos pela impossibilidade de rentabilização de meios indirectos, no montante de 72.638,37 euros; iii) custos acrescidos de manutenção da garantia bancária, no valor de 1.082,03 euros; iv) encargos de estrutura, no valor de 33.418,24 euros; v) lucros cessantes, no valor de 36.642,81 euros; vi) encargos financeiros no valor de 1.549,56 euros.

Ora, os factos subjacentes a tais pedidos e que constituem a causa de pedir, não constituem juízos técnicos a que haja necessidade de esclarecimentos por um perito; sendo que, o julgamento da matéria de facto para conhecer de tais questões, não encerra qualquer juízo técnico.

Relativamente, e em concreto, aos custos de estrutura, a Autora tem de alegar em que se traduzem os mesmos e juntar os correspondentes comprovativos de pagamento ou “realização da despesa” [v.g. água, electricidade, salários, entre outros] ou documentos que demonstrem os custos efectivos em que incorreu [v.g. desgaste de maquinaria, entre outros].

Mas nada disso, como se disse, encerra um juízo técnico. Tudo se trata de uma questão de alegação, desde logo, e de prova pela Autora [essencialmente documental, que corrobore a existência dos custos que alega].

Quanto aos lucros cessantes, pressupõe-se que o lesado tinha, no momento da lesão, um direito a um ganho que se frustrou. Tal dano, mede-se pela diferença entre a situação (real) em que o lesado se encontra e a situação (hipotética) em que se encontraria se não tivesse ocorrido o facto gerador do dano.

A Autora alega que, tinha a perspectiva de obter 5% de lucro com a execução do contraro e que a maior permanência em obra não o permitiu; ora essa demonstração não encerra qualquer juízo técnico, passando pela demonstração dos custos inicialmente previstos com a execução do contrato e o preço que ria receber pelo mesmo, sendo o valor da diferença, em princípio, o lucro obtido.

Verificando-se que incorreu em custos de maior permanência em obra, apurando o seu valor, e comparando-o com os valores supra referidos, obtém-se a conclusão de que a Autora teria direito a um ganho que, fruto das circunstâncias que narra na petição inicial, não foi possível, devendo, por isso, ser indemnizada.

Mas nada disso, como se disse, encerra um juízo técnico. Tudo se trata de uma questão de alegação, desde logo, e de prova pela Autora [essencialmente documental, que corrobore a existência dos custos que alega].

O mesmo se diga quanto aos encargos financeiros e custos com a manutenção da garantia bancária.

Pelo exposto, indefere-se a prova pericial requerida (…)”. [cfr. fls. 610 e seguintes dos autos principais - suporte digital, cujo teor se dá por integralmente reproduzido];

H) Sobre o despacho que indeferiu a realização a prova pericial requerida pela Recorrente sobreveio, em 28.10.2024, o presente recurso jurisdicional [cfr. fls. 617 e seguintes dos autos principais - suporte digital, cujo teor se dá por integralmente reproduzido];


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IV- DO MÉRITO DA INSTÂNCIA DE RECURSO

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11. A decisão apelada, como sabemos, consubstancia-se no despacho proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datado de 28 de outubro de 2024, o qual indeferiu a realização da prova pericial requerida pela Recorrente, fundamentando tal decisão na asserção de que os factos controvertidos não carecem de juízo técnico especializado, sendo perfeitamente apreensíveis pelo julgador no âmbito das suas competências cognitivas ordinárias.

12. Insurge-se a Recorrente contra o assim decidido, sustentando, em síntese, que: (i) os factos objeto da perícia requerida exigem, efetivamente, conhecimentos técnicos altamente especializados, designadamente nos domínios da engenharia de construção, gestão orçamental de obras e contabilidade analítica; (ii) a estrutura de custos da empreitada, os sobrecustos invocados e a afetação de meios humanos e materiais configuram matérias de elevada complexidade técnica, insuscetíveis de apreciação judicial com recurso a meros conhecimentos de senso comum; e, in fine, (iii) o indeferimento da perícia, após sucessivas diligências promovidas pelo tribunal a quo para formulação e aperfeiçoamento dos quesitos, consubstancia uma decisão-surpresa, em violação do princípio do contraditório, conforme plasmado no artigo 3.º, n.º 3 do Código de Processo Civil.

13. Perlustrando a constelação argumentativa aduzida pela Recorrente, importa, desde já, adiantar que o presente recurso logrará obter provimento, conquanto não na integral extensão pretendida pela parte recorrente.

14. Expliquemos pormenorizadamente esta nossa convicção.

15. A Autora intentou a presente ação judicial visando obter o pagamento de uma compensação no montante global de 324.066,53 € [trezentos e vinte e quatro mil, sessenta e seis euros e cinquenta e três cêntimos], quantia essa alegadamente devida pela Recorrida no âmbito da execução de um Contrato de Empreitada.

16. Tal como conformado o pedido, o referido montante discrimina-se nas seguintes parcelas: sobrecustos resultantes do incremento de despesas com materiais, combustíveis e recursos humanos [191.731,67 €], custos fixos decorrentes da impossibilidade de rentabilização de meios indiretos [72.638,37 €], encargos suplementares relativos à manutenção de garantia bancária [1.082,03 €], encargos estruturais [33.418,24 €], lucros cessantes [36.642,81 €] e encargos de natureza financeira [1.549,56 €].

17. Com vista à determinação e comprovação dos valores supramencionados, a Recorrente requereu a realização de perícia colegial, delimitando como objeto da mesma o apuramento do: (i) valor dos sobrecustos efetivamente incorridos pela Autora, decorrentes do aumento do custo de mão-de-obra, materiais e combustíveis; (ii) valor correspondente aos custos fixos suportados pela impossibilidade de rentabilização de meios indiretos; (iii) valor dos custos acrescidos incorridos pela Autora com a manutenção da garantia bancária; e (iv) valor correspondente aos encargos de estrutura, ao lucro cessante e aos encargos financeiros, efetivamente, suportados pela Autora.

18. Após criterioso exame do objeto da perícia proposto, não se nos afigura existir qualquer hesitação em concluir que o mesmo se enquadra, indubitavelmente, no âmbito de aplicação do artigo 388.º do Código Civil, porquanto a matéria em causa comporta complexidade técnica, integrando domínios especializados de engenharia civil, economia, contabilidade e gestão empresarial aplicada ao sector da construção civil.

19. Com efeito, a determinação rigorosa dos valores peticionados pela Autora exige, inequivocamente, a aplicação de metodologias específicas de avaliação financeira, conhecimentos técnicos aprofundados sobre estruturas de custos em empreitadas de construção civil, domínio de técnicas avançadas de orçamentação, conhecimento específico sobre flutuações de preços de mercado em períodos determinados, bem como a análise meticulosa de impactos financeiros decorrentes de atrasos na execução de contratos de empreitada.

20. Tais matérias extravasam manifestamente o conhecimento comum, bem como o conhecimento técnico-jurídico próprio do tribunal, afigurando-se, por conseguinte, adequada e imprescindível a intervenção de peritos altamente especializados nestas áreas, com vista a auxiliar o tribunal na formação da sua convicção sobre factos relevantes para a boa e justa decisão da causa.

21. No que concerne aos quesitos formulados, impõe-se proceder à sua análise individualizada e criteriosa, verificando a sua pertinência face ao objeto da perícia e aferindo se os mesmos respeitam, escrupulosamente, os limites impostos pelos artigos 388.º do CPC e 467.º e seguintes do Código de Processo Civil.

22. Procedendo a tal análise, é nosso entendimento que são admissíveis, por se enquadrarem no âmbito da normação supra referenciada, requerendo inequivocamente conhecimentos técnicos especializados, os seguintes quesitos:

a) Quesitos n.º 1.º e 2.º - Relativos à estrutura de custos do orçamento de empreitada e a sua conformidade com os padrões normais de mercado.

Tais quesitos exigem conhecimentos técnicos específicos sobre estruturação orçamental em empreitadas, distribuição de custos e margens praticadas no mercado da construção civil, tratando-se de matéria técnico-económica especializada.

b) Quesitos n.º 3.º, 4.º, 5.º e 6.º - Concernentes à verificação e quantificação dos aumentos de custos de aquisição de materiais, combustíveis e mão-de-obra em períodos determinados.

A determinação da existência e quantificação de variações de preços no mercado de materiais de construção constitui matéria eminentemente técnica, cuja averiguação demanda conhecimentos específicos e metodologias próprias de análise económica e estatística.

c) Quesito n.º 7.º - Relativo à identificação das atividades da empreitada afetadas pelo aumento do custo das matérias-primas e mão-de-obra.

Tal apreciação exige conhecimentos técnicos especializados no domínio da engenharia civil e da gestão de projetos, para determinar o impacto da variação de preços de recursos nas diversas atividades que integram uma empreitada.

d) Quesitos n.º 9.º, 10.º, 11.º, 12.º e 13.º - Respeitantes à verificação da correção dos valores apresentados pela Autora relativamente a sobrecustos em diversas componentes da empreitada.

A análise da adequação dos valores apresentados face às variações de mercado verificadas constitui matéria que exige conhecimentos técnicos especializados em economia, contabilidade e gestão de projectos de construção.

e) Quesito n.º 16.º - Concernente à determinação do valor dos sobrecustos incorridos pela Autora em diversos trabalhos, considerando as percentagens previstas para mão-de-obra, materiais e combustíveis. Tal análise exige conhecimentos técnicos específicos em contabilidade analítica e gestão de custos em empreitadas, tratando-se de matéria eminentemente técnica.

f) Quesitos n.º 17.º, 18.º, 19.º, 20.º, 21.º, 22.º e 23.º - Relativos à adequação das taxas de afetação de recursos humanos, dos valores apresentados para encargos com técnicos, da adequação dos equipamentos de apoio reservados e dos valores de encargos de estrutura.

Tais matérias demandam conhecimentos especializados em gestão de recursos humanos e materiais em projetos de construção civil, bem como em contabilidade de custos e gestão financeira de empreitadas.

g) Quesitos n.º 24.º e 25.º - Respeitantes à estimativa de faturação acumulada e à adequação do valor apresentado para encargos de estrutura.

A análise da correção de estimativas financeiras e da adequação de valores de encargos constitui matéria técnico-económica de elevadíssima especialização, que extravasa manifestamente o conhecimento comum.

h) Quesito n.º 27.º - Relativo à compatibilidade da margem de lucro apresentada com os padrões habituais para este tipo de empreitada.

Tal análise requer conhecimentos específicos sobre margens praticadas no mercado da construção civil, constituindo matéria eminentemente técnico-económica.

i) Quesitos n.º 29.º e 30.º - Concernentes à determinação da forma de cálculo dos encargos financeiros e à adequação do valor apresentado.

A análise de metodologias de cálculo de encargos financeiros e a verificação da sua adequação face a padrões de mercado requer conhecimentos especializados em finanças e contabilidade.

23. Os quesitos que se vêm de indicar cumprem os requisitos legais estabelecidos no artigo 388.º do CPC, respeitando a disciplina contida no artigo 467.º e seguintes do Código de Processo Civil, na medida em que: (i) visam a perceção ou averiguação de factos que reclamam conhecimentos especiais que o julgador não possui, nomeadamente, conhecimentos técnicos em engenharia civil, economia, contabilidade e gestão financeira de empreitadas; (ii) relacionam-se diretamente com o objeto da perícia determinado, procurando obter elementos factuais necessários à determinação dos valores peticionados pela Autora; (iii) incidem sobre questões de facto e não sobre questões de direito, solicitando a averiguação de realidades objetivas e não a sua qualificação jurídica; e (iv) são manifestamente pertinentes e relevantes para a descoberta da verdade material, incidindo sobre factos essenciais ou instrumentais para a boa e justa decisão da causa.

24. A mesma asserção, todavia, já não é sustentável no que concerne aos quesitos n.ºs 8.º, 14.º, 15.º, 26.º e 28.º, pelos fundamentos que ora se explanam:

a) Quesito n.º 8.º ("Em caso de resposta afirmativa aos quesitos 3, 4 e 5, a revisão de preços ordinária, calculada através da fórmula contratualmente prevista, é, ou não, suficiente para repor a equação financeira inicial do contrato quanto aos preços propostos pela Autora para cada uma das atividades da empreitada?") – a formulação deste quesito não deve ser admitida, porquanto incide sobre matéria de interpretação e aplicação de cláusulas contratuais, a qual se insere no domínio da apreciação jurídica reservada ao tribunal, não constituindo matéria técnica que demande conhecimentos especializados externos.

b) Quesito n.º 14.º ("No que respeita aos preços a que se refere no quesito 13, é, ou não, correcto afirmar que em cada fase da cadeia económica de criação do produto final, cada interveniente faz reflectir no preço o aumento dos custos que suporta no valor que acrescenta ao produto?") – a formulação deste quesito deve ser rejeitada, porquanto formula uma questão de conhecimento geral no domínio económico, não exigindo conhecimentos técnicos especializados que o julgador não possua.

c) Quesito n.º 15.º ("Por referência ao quesito anterior, cada um daqueles intervenientes incorpora, ou não, a sua margem no preço?") - a formulação deste quesito não deve ser admitida pelos mesmos fundamentos aplicáveis ao quesito anterior.

d) Quesito n.º 26.º ("Por referência ao quesito anterior, é, ou não, correcto afirmar que a Autora suportou um custo com os encargos relativos aos custos fixos com os meios humanos e materiais de enquadramento, à manutenção de garantia bancária e aos encargos de estrutura, por não ter obtido receitas no montante previsto de € 732.856,18, correspondente à facturação prevista de acordo com o cronograma financeiro?") – a formulação deste quesito deve ser rejeitada, porquanto o estabelecimento do nexo causal entre factos constitui matéria de apreciação jurisdicional, inserindo-se no domínio da valoração probatória reservada ao tribunal.

e) Quesito n.º 28.º ("De que forma se deve apurar a perda da margem de lucro da Autora?") – a formulação deste quesito não pode ser acolhida, porquanto incide sobre matéria que pode ser objeto de apreciação jurídica [critérios para apuramento de lucros cessantes], extravasando o domínio estritamente técnico da prova pericial.

25. Ressuma assim, inequivocamente, que os quesitos ora indicados contrariam a natureza e finalidade da prova pericial, tal como configurada no regime legal, seja por incidirem sobre matérias de apreciação jurídica reservada ao tribunal, seja por formularem questões genéricas e abstratas que não contribuem para a perceção ou averiguação de factos concretos relevantes para a boa decisão da causa, não podendo, por conseguinte, ser admitida a sua formulação no domínio da prova pericial em curso.

26. Quanto ao demais argumentado pela Recorrente em esteio do presente recurso, entendemos ser forçosa a conclusão de que inexiste qualquer violação do princípio do contraditório, uma vez que as meras expectativas ou presunções subjetivas quanto ao desfecho favorável da decisão, mesmo com base em atos anteriores do tribunal, não se afiguram suficientes para fundar a invocação do artigo 3.º, n.º 3 do Código de Processo Civil.

27. In fine, impõe-se concluir que, não obstante não se vislumbrar qualquer preterição do princípio do contraditório, resulta patente a existência de um erro de julgamento parcial na questão tratada da admissibilidade da prova pericial requerida nos autos, impondo-se, por isso, conceder parcial provimento ao presente recurso, revogar o despacho recorrido e substituí-lo por decisão judicial que admita a produção da prova pericial requerida nos autos quanto aos quesitos n.ºs 1.º, 2.º, 3.º, 4.º, 5.º, 6.º, 7.º, 9.º, 10.º, 11.º, 12.º, 13.º, 16.º, 17.º, 18.º, 19.º, 20.º, 21.º, 22.º, 23.º, 24.º, 25.º, 27.º, 29.º e 30.º, rejeitando-a quanto aos demais.

28. Ao que se proverá no dispositivo.


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V – DISPOSITIVO

Nestes termos, acordam em conferência os Juízes da Subsecção de Contratos Públicos da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da CRP, em CONCEDER PARCIAL PROVIMENTO ao recurso jurisdicional “sub judice”, revogar o despacho recorrido e substituí-lo por decisão judicial que admita a produção da prova pericial requerida nos autos quanto aos quesitos n.ºs 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 9, 10, 11, 12, 13, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 27, 29 e 30, rejeitando quanto aos demais.

Custas do recurso pela Recorrente e Recorrido, na proporção do decaimento, que se fixa em 50%.

Registe e Notifique-se.


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Porto, 9 de maio de 2025,


Ricardo de Oliveira e Sousa

Tiago Afonso Lopes de Miranda

Clara Ambrósio