Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00704/20.1BEPNF
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:06/21/2024
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:ROGÉRIO PAULO DA COSTA MARTINS
Descritores:LEI DA AMNISTIA; APLICAÇÃO AO PROCESSO JUDICIAL;
INFRACÇÕES AMNISTIADAS; CRIME DE OFENSAS CORPORAIS; IDADE;
N.º1 DO ARTIGO 2º, ARTIGO 4º E ARTIGO 6 DA LEI DA AMNISTIA DE 2023 (LEI N.º 38-A/2023, DE 02.08)
Sumário:
1. A aplicação da Lei da Amnistia em processo disciplinar movido por entidade administrativa, como é o caso, cabe à Administração e não aos Tribunais.

2. Neste sentido, de resto, dispõe o artigo 14.º da Lei da Amnistia (Lei n.º 38-A/2023, de 02.08): “Nos processos judiciais, a aplicação das medidas previstas na presente lei, consoante os casos, compete ao Ministério Público, ao juiz de instrução criminal ou ao juiz da instância do julgamento ou da condenação.”

3. A ideia subjacente a este preceito é a seguinte: competente para aplicar as medidas previstas na Lei da Amnistia é quem aplicou a sanção criminal ou disciplinar.

4. Os juízes, em qualquer instância judicial, não são os juízes do “julgamento” da infracção nem da condenação. E apenas podem aplicar a Amnistia a sanções aplicadas nos processos judiciais, como decorre, a contrario, do citado preceito. Não podem aplicar a Lei da Amnistia, directamente, nos processos administrativos, disciplinares. Fazendo-o, violam o referido artigo 14.º da Lei da Amnistia e, com ele, o princípio constitucional da separação de poderes.

5. Não importa aqui saber se a Lei da Amnistia tem eficácia ex tunc ou ex nunc. Importa extrair da Lei da Amnistia a única solução compatível com a letra da lei: o tribunal não pode aplicar a Lei da Amnistia ao caso concreto em processo administrativo. E sendo certo que retirar efeitos jurídicos para o processo judicial da Lei da Amnistia aplicável ao processo disciplinar é aplicar a Lei da Amnistia no processo administrativo.

6. Os artigos 6º e 14º da Lei da Amnistia de 2023, na interpretação contrária a esta, são inconstitucionais, por violação do princípio constitucional, da separação de poderes.

7. No caso concreto sempre seria de não aplicar a Lei da Amnistia porque a infracção disciplinar em causa constitui também, em abstracto, crime de ofensas corporais simples, punível com pena de prisão superior a um ano - artigo 4º da Lei da Amnistia.

8. Assim como não está demonstrada a idade do Autor, de forma a permitir concluir que se encontra no intervalo etário contemplado pela Lei da Amnistia de 2023 –n.º1 do artigo 2º e artigo 6º.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

Ordem dos Enfermeiros veio interpor RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, de 20.01.2024, proferida na ação administrativa que «AA» moveu contra a Recorrente para declaração de nulidade ou anulação da deliberação do Conselho Jurisdicional da Ordem dos Enfermeiros, de 24.09.2020, que lhe aplicou a sanção disciplinar de censura escrita, sentença pela qual foi declarada amnistiada a infração disciplinar e, em consequência, se ordenou a extinção da instância, por impossibilidade superveniente da lide.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Ministério Público neste Tribunal não emitiu parecer.

*
Cumpre decidir já que nada a tal obsta.

*
I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

QUESTÃO PRÉVIA: DA ADMISSIBILIDADE DO RECURSO

A. Ainda que em sentença proferida tenha sido atribuído à ação o valor de 5.000,01 € (cinco mil euros e um cêntimo) – atendendo ao facto de ter sido o valor indicado pela Autora, não impugnado pela Entidade Demandada –, estando em causa decisões proferidas em matéria sancionatória, o presente Recurso de Apelação deve ser admitido, nos termos do disposto no artigo 142.º, n.º 3, alínea b), do CPTA.

ENQUADRAMENTO

B. Na presente ação está em causa uma sanção disciplinar aplicada à Autora, ora Recorrida, de censura escrita, por violação da obrigação constante na alínea g), do artigo 97.º e das alíneas a) e c), do artigo 111.º, ambos do EOE.

C. Apresentados os devidos articulados, foram as partes notificadas para se pronunciarem quanto à impossibilidade superveniente da lide e consequente extinção da instância, por aplicação da Lei da Amnistia.

D. Embora Entidade Demandada se tenha pronunciado no sentido do prosseguimento da ação, o Tribunal a quo decidiu pela extinção da instância por impossibilidade superveniente da lide com fundamento na aplicação da Lei da Amnistia, considerando que (i) cabe aos tribunais o apuramento da legalidade do ato emanado, cabendo igualmente a estes determinar a existência ou não dos pressupostos necessários à responsabilidade disciplinar da Autora, ora Recorrida; (ii) para efeitos da aplicação da Lei da Amnistia, no que contende com as infrações disciplinares, é absolutamente irrelevante a idade do alegado infrator; (iii) não se pode subsumir a prática levada pela Autora, ora Recorrida, ao crime de ofensa à integridade física, considerando que o procedimento criminal instaurado pelos factos em questão foi arquivado; (iv) a conduta praticada pela Arguida, ora Recorrida, não se pode enquadrar na exceção prevista no ponto iii), da alínea a), do artigo 7.º, da Lei da Amnistia; (v) nos termos do artigo 14.º, da Lei da Amnistia, compete ao Juiz da instância de julgamento aplicar as normas previstas nesse diploma.

E. Contudo, e com o devido respeito, andou mal o Tribunal a quo, não só porque ao aplicar a Lei da Amnistia aos presentes autos, afronta diretamente o princípio constitucional da separação de poderes, na concretização que lhe é conferida pelo n.º 1, do artigo 3.º, do CPTA, e, por outro lado, faz uma incorreta interpretação e aplicação de Direito, ao aplicar aos presentes autos a Lei da Amnistia.

DO ERRO DE JULGAMENTO DA SENTENÇA RECORRIDA

Da violação da separação de poderes

F. Entendeu a Sentença recorrida que compete ao Juiz da instância de Julgamento o apuramento da legalidade do ato emanado pela Entidade Demandada, por um lado, e, por outro, que não acompanha a Recorrente quanto à afirmação de que o Tribunal se encontra a substituir a Administração, em sede administrativa, face ao princípio da separação de poderes.

G. Contudo, com o devido respeito, decidiu mal o Tribunal a quo. De facto, a Sentença recorrida afronta diretamente o princípio constitucional da separação de poderes, na concretização que lhe é conferida pelo n.º 1, do artigo 3.º, do CPTA e pelo artigo 2.º, da CRP, na medida em que o Tribunal a quo profere uma decisão sobre um ato que manifestamente não é sindicável uma vez que o respetivo âmbito de aplicação se restringe às margens da discricionariedade administrativa.

H. De facto – e conforme ensinam Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha (cfr. Almeida, Mário Aroso de; Cadilha, Carlos Alberto Fernandes – Comentário ao Código de Processo dos Tribunais Administrativos. 5.ª edição, Coimbra: Almedina, 2021, pág. 52 e 53) –, por força do n.º 1, do artigo 3.º, do CPTA, aos Tribunais Administrativos cabe a sindicância judicial do cumprimento, pela Administração, das normas e princípios jurídicos que a vinculam, ainda que se encontre fora da jurisdição judicial a formulação de valorações que implicam juízos de conveniência ou oportunidade da atuação da Administração.

I. Acresce que, como explica Diogo Freitas do Amaral, a atividade administrativa está sujeita a diversos tipos de controlo, entre os quais se destacam o controlo administrativo e o controlo jurisdicional, sendo que “o controlo de legalidade, em princípio, tanto pode ser feito pelos tribunais como pela própria Administração, mas em última análise compete aos tribunais; o controlo de mérito só pode ser feito, no nosso país, pela Administração (sublinhado nosso) – cfr. Amaral, Diogo Freitas do – Curso de Direito Administrativo, Volume II. 4ª edição. Coimbra: Almedina, 2020, pág. 87.

J. Também a jurisprudência entendeu que “[o]s poderes dos tribunais administrativos abarcam apenas as vinculações da Administração por normas e princípios jurídicos, ficando de fora da sua esfera de sindicabilidade o ajuizar sobre a conveniência e oportunidade da actuação da Administração, mormente o controlo actuação ao abrigo de regras técnicas ou as escolhas/opções feitas pela mesma na e para a prossecução do interesse público, salvo ofensa dos princípios jurídicos enunciados no art. 266.º, n.º 2 da CRP” (cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, datado de 01/10/2010, proferido no âmbito do processo n.º 00514/08.4BEPNF).

K. Assim, existindo um ato administrativo, como é o caso, caberá em primeira linha à Administração, neste caso à Ordem dos Enfermeiros, a decisão quanto à aplicação ao ato administrativo da Lei da Amnistia, até porque a mesma não se aplica sem mais, carecendo de uma análise factual e tendo em conta cada caso em concreto.

L. Isto porque, os Tribunais Administrativos não são segunda instância administrativa e, nos termos do artigo 3.º, n.º 2, do EOE, a Recorrente tem como atribuições regular o exercício da profissão e o exercício profissional (alíneas d) e e), do n.º 3, do artigo 3.º, do EOE) e ainda exercer a jurisdição disciplinar sobre os Enfermeiros (alínea l), do n.º 3, do artigo 3.º, do EOE).

M. Assim, a Recorrente tramitou o processo disciplinar da aqui Recorrida, que culminou com a decisão disciplinar de censura escrita, pelo que, cabe-lhe uma reserva de matérias, por se encontrar mais apta – e legalmente habilitada – a regulá-las, sendo que se encontra mais legitimada para as executar, cumprindo, assim, o seu desígnio – a função administrativa.

N. Em face de todo o exposto, entende-se que os Tribunais podem condenar a Administração, mas deixam os juízos de mérito (oportunidade e conveniência) a cargo da própria, pelo que, no caso vertente, não pode o Tribunal substituir-se à Administração e ofender a sua autonomia administrativa, cabendo-lhe sindicar tão só os atos pelos mesmos proferidos.

O. Assim, a decisão sobre se certo facto ocorreu ou não pode ser avaliada pelo Tribunal, já a qualificação desse facto como infração disciplinar e a aplicação da Lei da Amnistia a uma infração, integram a margem de livre decisão administrativa que, no caso, é conferida à Recorrente pela alínea h), do n.º 1, do artigo 5.º, e pelo artigo 18.º, ambos da Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro e pelo EOE. De igual modo, determinar se uma determinada infração disciplinar deve ou não ser amnistiada, por aplicação da Lei da Amnistia, sempre caberá à Entidade Administrativa.

P. Ao pretender aplicar aos autos disciplinares a Lei da Amnistia, considerando que a infração se encontra amnistiada, a Sentença recorrida viola os artigos 2.º, 111.º e 268.º, n.º 4, da CRP e o artigo 3.º, n.ºs 1 e 2 , do CPTA. Ao entender desta forma, a Sentença recorrida interpretou e aplicou incorretamente os referidos preceitos, devendo os mesmos ser interpretados no sentido de que a determinação da Lei da Amnistia a uma infração disciplinar insere-se no âmbito da reserva da administração consubstanciada numa margem de livre decisão administrativa.

Caso assim se não entenda, o que se admite, sem conceder, por mera cautela de patrocínio, certo é que a Sentença recorrida faz uma incorreta interpretação e aplicação da Lei da Amnistia aos autos disciplinares. Vejamos:

Do erro de interpretação e aplicação do direito na aplicação da Lei da Amnistia

Q. Das diligências realizadas em sede de processo disciplinar, foi possível apurar que no dia 21/03/2018, no Gabinete da Enfermeira-Chefe no Bloco de Partos, a ora Recorrida, que exercia, em março de 2018, funções no Serviço de Partos, do Centro Hospitalar ... e ..., E.P.E., agarrou a Enfermeira-Chefe e empurro-a contra a parede, apertando-lhe o pescoço, tendo a mesma tido necessidade de ser observada e medicada.

R. Perante os factos provados, decidiu-se pela aplicação de uma sanção disciplinar de censura escrita, por violação da obrigação constante na alínea g), do artigo 97.º e das alíneas a) e c), do artigo 111.º, ambos do EOE, sanção esta que não foi objeto de amnistia, entendendo a Recorrente que a Lei da Amnistia nenhum efeito tem sobre o processo disciplinar em análise.

S. O mesmo raciocínio tem forçosamente de ser realizado no que aos autos judiciais diz respeito: a Lei da Amnistia não é de aplicar aos mesmos. De facto, o que está em causa nos presentes autos é a legalidade da deliberação impugnada e não as alegadas infrações disciplinares praticadas pela Autora, aqui Recorrida, pelo que a Deliberação impugnada pela Autora, aqui Recorrida, deve manter-se.

T. A Lei da Amnistia estabelece o perdão de penas e a amnistia de infrações e, uma vez que não estipula limites sobre quem é abrangido por esta, entende-se serem elegíveis todas as categorias profissionais, cabendo no âmbito da sua aplicação todas as infrações disciplinares.

U. O ponto de partida para a análise da extensão da amnistia nos processos disciplinares é o artigo 6.º, da Lei da Amnistia, que estabelece a regra de amnistiar todos os factos suscetíveis de enquadrar um ilícito disciplinar, com dois limites: por um lado, ela não é aplicável se estiverem em causa “ilícitos penais não amnistiados pela presente lei” e, por outro lado, que “a sanção aplicável, em ambos os casos, não seja superior a suspensão ou prisão disciplinar”.

V. Ainda que a Sentença recorrida faça referência aos artigos 2.º e 6.º, da Lei da Amnistia, a Recorrente não pode acompanhar a posição aposta na mesma, uma vez que da interpretação das normas dos artigos 2.º, 4.º e 6.º, da Lei da Amnistia resulta uma conclusão contrária.

W. De facto, se atentarmos ao disposto no artigo 2.º, n.º 1 e no artigo 4.º, da Lei da Amnistia, facilmente de percebe que, contrariamente ao que defende a Sentença recorrida, o legislador pretendeu fazer uma aplicação da Lei da Amnistia com uma incidência distinta em razão da idade, pelo que: a amnistia não abrange as infrações disciplinares por factos que consubstanciem um crime que tenha sido praticado por um agente com idade superior a 30 anos, nem por menor de 30 anos em caso de crime cuja moldura penal do crime seja superior a 1 ano.

X. Concluindo-se que a amnistia não abrange as infrações disciplinares por factos que consubstanciem um crime que tenha sido praticado por maior de 30 anos, nem por menor de 30 anos em caso de crime cuja moldura penal do crime seja superior a 1 ano ou em caso de crime que se inclua no âmbito do artigo 7.º, da Lei da Amnistia, importa perceber como essa conclusão se articula com a natureza e o conteúdo do processo disciplinar.

Y. De facto, os mesmos factos podem desencadear, cumulativamente e sem violação do princípio da presunção da inocência, responsabilidade disciplinar e responsabilidade penal (cfr. artigo 68.º, n.º 1, do EOE e artigo 2.º, n.º 2, do Regulamento Disciplinar da Ordem dos Enfermeiros), cabendo à Recorrente exercer a jurisdição disciplinar sobre os Enfermeiros (artigo 3.º, n.º 3, alínea l), dos EOE), encontrando-se vedada a condenação penal da conduta.

Z. Contudo, a Recorrente pode (tratando-se de um verdadeiro poder-dever), na prossecução normal dos seus poderes deveres – no caso, no exercício da jurisdição disciplinar que lhe está acometido – pronunciar-se sobre a relevância criminal dos factos integradores de faltas disciplinares, para os estritos efeitos de aplicação ou não aplicação da amnistia (cfr. Santos, José Beleza dos – Ensaio sobre a introdução ao direito criminal. Porto: Arquivo de Atlântida Editora, S.A.R.L., 1968, pp. 113 e 116). Ou seja, a Ordem dos Enfermeiros pode e deve analisar se a infração disciplinar cometida é subsumível à prática de um crime previsto no Código Penal ou em legislação avulsa, estando essa faculdade dentro do âmbito da jurisdição disciplinar que lhe compete exercer, sendo tal suficiente para efeitos de desaplicação da amnistia à infração disciplinar em causa.

AA. E note-se que, contrariamente àquele que é o entendimento do Tribunal a quo, a inexistência de processo criminal e de condenação criminal não obstam à integração dos factos do objeto do processo disciplinar na exclusão do âmbito da amnistia, nos termos fixados pelos artigos 2.º, 4.º, 6.º e 7.º, da Lei da Amnistia.

BB. De facto, para efeitos de aplicação da Lei da Amnistia revela-se importante determinar se o comportamento levado a cabo pela Arguida, aqui Recorrida, e que foi sancionado disciplinarmente é suscetível de se subsumir à prática de um crime, o que no caso nos parecer ser possível , designadamente ao crime de ofensa à integridade física qualificada, atenta a sua “especial censurabilidade ou perversidade”, crime este previsto nos artigos 143.º, n.º 1 e 145.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, ambos do Código Penal, por referência ao artigo 132.º, n.º 2, alínea l), do mesmo diploma, e ao qual é aplicável pena de prisão de 1 a 5 anos.

CC. Tal subsunção é efetuada, desde logo, nos autos disciplinares: ficou cabalmente demonstrado que com a atuação da Arguida, que motivou a aplicação da sanção disciplinar, a mesma agrediu a sua Enfermeira-Chefe, tendo-a empurrado contra a parede e apertado o seu pescoço, ficando esta com dor cervicodorsal e dificuldade na mobilização dos ombros.

DD. Ora, de toda a prova carreada para os autos disciplinares e transposta para os presentes autos judiciais, torna-se claro que a Recorrida, consciente da sua atuação, não agiu conforme aquilo que de si era esperado, estando preenchidos os elementos objetivo e subjetivo do ilícito penal aqui em causa.

EE. Por outro lado, sempre se dirá que ainda que tenha sido aplicada à Arguida, ora Recorrida, uma sanção disciplinar inferior à expulsão (artigo 6.º, da Lei da Amnistia), a sua conduta sempre poderia enquadrar-se na exceção prevista na última parte, do ponto iii), da alínea a), do n.º 1, do artigo 7.º, da Lei da Amnistia.

FF. Ora, atendendo a que a inexistência de processo criminal e de condenação criminal não obstam à integração dos factos objeto do processo disciplinar na exclusão do âmbito da amnistia (nos termos fixados pelos artigos 2.º, 4.º e 6.º, da Lei da Amnistia), não sendo necessário correr termos um processo-crime e ser proferida uma decisão judicial condenatória para definir se a conduta se trata de um crime não amnistiado, é forçoso concluir não ser de aplicar a Lei da Amnistia ao processo disciplinar.

GG. Assim, a Sentença recorrida, ao decidir pela aplicação da Lei da Amnistia ao caso concreto, extinguindo a instância por impossibilidade superveniente da lide e pretendendo condenar a Recorrente à aplicação da referida lei em sede de processo disciplinar, incorre num erro de interpretação e aplicação da Lei da Amnistia, designadamente dos artigos 2.º, 4.º, 6.º e última parte, do ponto iii), da alínea a), do n.º 1, do artigo 7.º, todos da Lei da Amnistia. As normas referidas devem ser interpretadas no sentido de não ser de aplicar aos autos disciplinares em apreciação nos presentes autos a Lei da Amnistia.

HH. Atento todo o exposto, razões não existem para que a instância seja declarada extinta, por impossibilidade superveniente da lide, uma vez que o objeto dos presentes autos se mantém, não tendo sido (nem podendo ser) amnistiado pela Entidade Demandada, ora Recorrente. Ao julgar a instância extinta por impossibilidade superveniente da lide, a Sentença recorrida faz uma incorreta interpretação e aplicação da Lei da Amnistia ao caso concreto, incorrendo em erro de direito. A Lei da Amnistia, designadamente as normas dos artigos 2.º, 4.º, 6.º e ponto iii), da alínea a), do n.º 1, do artigo 7.º, devem ser aplicadas e interpretadas no sentido de não ser amnistiada a infração disciplinar aplicada à ora Recorrida e aqui em apreciação, atento o não preenchimento dos pressupostos para tal aplicação, com consequente manutenção da infração disciplinar.

*
II –Matéria de facto.

A decisão recorrida deu como provados os seguintes factos, sem reparos nesta parte:

A) Por deliberação de 26.04.2018, do Conselho Jurisdicional da Ordem dos Enfermeiros, foi determinada a abertura de procedimento disciplinar à aqui Autora, na sequência da participação remetida pela Enfermeira «BB» – cfr. fls. 76-129 do SITAF.

B) Em 15.08.2020, foi elaborado relatório final no âmbito do processo disciplinar instaurado à aqui Autora, no qual propôs a aplicação da sanção disciplinar de censura escrita, nos termos do n.º 2 do art. 19.º do Regulamento disciplinar, pela violação da obrigação constante na alínea g) do art. 97.º e das alíneas a) e c) do art. 111.º do Estatuto da Ordem dos Enfermeiros, constando do mesmo o seguinte que ora se transcreve na parte que releva:


[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

- cfr. fls. 261/286 do SITAF.

C) Por deliberação do Conselho Jurisdicional da Ordem dos Enfermeiros, em reunião de 24.09.2020, foi proferida decisão final do processo disciplinar n.º ...18..., atentos os fundamentos invocados no Relatório Final do Instrutor, com proposta de aplicação de sanção disciplinar de censura escrita à aqui Autora - cfr. fls. 261/286 do SITAF.

D) Pelos factos em causa no processo disciplinar a aqui Autora («AA») apresentou igualmente queixa crime contra a queixosa («BB») do processo disciplinar e esta apresentou igualmente queixa crime contra a aqui Autora, assumindo ambas, cumulativamente, a qualidade de Arguidas e Assistentes, correndo termos tal processo sob o n.º 199/18...., no Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este (Juízo Local Criminal de Penafiel Juiz ...) – facto não controvertido; cfr. fls. 373/376 do SITAF.

E) No processo referido na alínea anterior, em 23.10.2020, foi proferida sentença que julgou válida a desistência das queixas formuladas pelas partes e, em consequência, declarou extintos os procedimentos criminais contra as aí Arguidas - cfr. fls. 373/376 do SITAF.

II – A decisão recorrida.

A decisão recorrida procedeu ao seguinte enquadramento jurídico:

“(…)
O Autor veio instaurar a presente acção administrativa com vista a obter a anulação da decisão de aplicação de sanção disciplinar de suspensão por 150 dias, no âmbito do processo disciplinar contra si instaurado em Agosto de 2017.

Sucede que, já na pendência destes autos, foi publicada (e entrou em vigor) a Lei nº 38A/2023, de 2 de Agosto, que veio estabelecer um perdão de penas e uma amnistia de infracções por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude.

Conforme decorre do art. 2º, nº 2, al. b), no seu âmbito de aplicação integram-se as sanções relativas a infracções disciplinares praticadas até às 00H00 de 19/06/2023, nos termos definidos no art. 6º do presente diploma, o qual prescreve o seguinte: "São amnistiadas as infrações disciplinares e as infrações disciplinares militares que não constituam simultaneamente ilícitos penais não amnistiados pela presente lei e cuja sanção aplicável, em ambos os casos, não seja superior a suspensão ou prisão disciplinar".

Entendeu, assim, o legislador amnistiar, sem dependência da idade do infractor, todas as infracções disciplinares praticadas até às 00H00 de 19/06/2023 que, por um lado, não constituam ilícito penal não amnistiado pela citada Lei e, por outro, não sejam puníveis com sanção superior à da suspensão.

Ora, no caso em apreço, é imputado ao Autor a infracção de deveres profissionais em 02/08/2017, a que corresponde a sanção disciplinar de suspensão.

E, compulsado o teor do art 7º da Lei nº 38-A/2023, afigura-se-nos que a infracção imputada não foi enquadrada como sendo passível, em simultâneo, de constituir qualquer ilícito penal não amnistiado.

Por outro lado, a infracção imputada terá sido praticada pelo Autor até às 00H00 de 19/06/2023 e sem que seja aplicável o limite de idade, expressamente previsto apenas para as situações elencadas no nº 1 do art. 2º da citada Lei.

Ademais, a sanção aplicável, atento, desde logo, o enquadramento dado pela ED na decisão impugnada, não é superior à sanção de suspensão.

Sendo certo que a infracção não terá sido praticada com violação de direitos, liberdades e garantias pessoais de cidadãos [art. 7º, nº 1, al. k) da Lei em apreço].

Acresce que, o Autor aceitou a amnistia, pugnando pela sua aplicação à infracção objecto do acto punitivo em causa nos autos.

Vale isto por dizer que a infracção disciplinar em causa se deve efectivamente considerar amnistiada ope legis, isto é, por via do disposto na al. b) do nº 2 do art. 2º e do art. 6º da Lei nº 38A/2023.

Deste modo, é incontornável que a infracção disciplinar que lhe vinha imputada pelo acto ora impugnado se deve considerar amnistiada e que essa amnistia leva inevitavelmente à inutilidade superveniente da presente lide.

E assim é, independentemente da questão suscitada pelo Autor relativa aos efeitos da amnistia aplicada.

Com efeito, como se exarou nos Acórdãos nºs 460/02 e 116/01 do Tribunal Constitucional, “nenhum princípio ou norma constitucional impede que uma amnistia tenha efeitos restritos ou determinadas repercussões processuais. Com efeito, a Constituição não veda a possibilidade de uma amnistia ter certas consequências ao nível processual, tendo então o particular de optar entre beneficiar da amnistia com certas limitações ou prosseguir com o processo contencioso, recusando a aplicação da amnistia. Não decorre da Constituição um "direito" à amnistia em determinadas condições e com certos efeitos (…). Caso se aceite, porém, a aplicação da amnistia (como acontece no presente processo), então tal aceitação estender-se-á também às condições específicas em que a amnistia é concedida, não sendo, nessa medida, procedente afirmar que a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide afecta qualquer dimensão do direito de acesso aos tribunais, constitucionalmente consagrado” (acessíveis em www.tribunalconstitucional.pt) – sublinhado nosso.

Ora, inexistindo uma oposição expressa do Autor a que a amnistia prevista na Lei nº 38A/2023 lhe seja aplicada (antes pelo contrário, como se viu), a aplicação da amnistia tem consequências imediatas na tramitação da presente acção, determinando a inutilidade superveniente da lide.

Efectivamente, o Autor podia ter requerido a não aplicação da amnistia, o que implicaria o prosseguimento deste processo, nos termos inicialmente apresentados, discutindo a legalidade da sanção aplicada, com possibilidade de obter uma decisão de anulação da decisão condenatória.

Todavia, conforme se extrai do seu requerimento de fls. 1207 e ss. dos autos (SITAF), não foi essa a posição assumida pelo Autor que, na verdade, o que pretendia era a aplicação da amnistia no que respeita aos eventuais efeitos da sanção ainda não produzidos e o prosseguimento do processo relativamente aos efeitos já produzidos. O que, à luz da jurisprudência acima referida, não se afigura admissível.

Posto isto, perante a amnistia da infracção disciplinar que vinha imputada ao Autor, forçoso será concluir pela existência de uma situação de inutilidade superveniente da lide, que conduz à extinção da instância, ao abrigo do disposto no art. 277º, al. e), do CPC (ex vi art. 1º do CPTA) – no mesmo sentido vejam-se, a título de exemplo, as decisões singulares do STA de 29/09/2023, no proc. nº 81/23.9BALSB; de 29/09/2023, no proc. nº 450/17.3BALSB; de 30/09/2023, no proc. nº 41/19.4BALSB e de 03/10/2023, no proc. nº 63/19.5BALSB (consultadas no SITAF, não publicadas).
(…)”.

Discordamos deste entendimento.

Não importa saber se a Lei da Amnistia tem eficácia ex tunc ou ex nunc.

Importa determinar se o Tribunal podia ou não aplicar a Lei da Amnistia ao caso concreto, encontrando-se verificados todos os seus pressupostos, e se podia, com esse fundamento, não conhecer, no todo ou em parte, do objecto da acção, com fez.

Entendemos que não.

Os tribunais não são segunda instância administrativa sob pena de violação do princípio da separação de poderes consagrado no artigo 2º da Constituição da República Portuguesa.

O objecto da decisão do Tribunal de Primeira Instância não é processo disciplinar em si – a que possa pôr termo por aplicação da Lei da Amnistia ou outra razão qualquer -, mas a decisão punitiva que pode, por exemplo, ter recusado a aplicação da Lei da Amnistia.

A aplicação da Lei da Amnistia em processo disciplinar movido por entidade administrativa, como é o caso, cabe à Administração e não aos Tribunais.

Neste sentido, de resto, dispõe o artigo 14.º da Lei da Amnistia (Lei n.º 38-A/2023, de 02.08):

“Nos processos judiciais, a aplicação das medidas previstas na presente lei, consoante os casos, compete ao Ministério Público, ao juiz de instrução criminal ou ao juiz da instância do julgamento ou da condenação.”

A ideia subjacente a este preceito é a seguinte: competente para aplicar as medidas previstas na Lei da Amnistia é quem aplicou a sanção criminal ou disciplinar.

Os juízes, em qualquer instância judicial, não são os juízes do “julgamento” da infracção nem da condenação. E apenas podem aplicar a amnistia a sanções aplicadas nos processos judiciais, como decorre, a contrario, do citado preceito. Não podem aplicar a Lei da Amnistia, directamente, nos processos administrativos, disciplinares. Fazendo-o, violam o referido artigo 14.º da Lei da Amnistia e, com ele, o princípio constitucional da separação de poderes.

A infracção disciplinar não é objecto de qualquer processo judicial; apenas de processos administrativos. Em particular, o objecto do processo nos tribunais administrativos em que se coloca a hipótese de aplicar a Lei da Amnistia, como aqui sucede, o objecto do processo não é a infracção disciplinar é o acto punitivo e as suas alegadas invalidades.

Sendo neste aspecto irrelevante a concordância das partes na aplicação, por não terem reagido contra ou por se declararem favoráveis, quanto à aplicação da Lei da Amnistia à infração disciplinar, directamente, pelo Tribunal “a quo”, por a lei ser imperativa e, por isso, não estar na disponibilidade das partes.

E sendo certo que retirar efeitos jurídicos para o processo judicial da Lei da Amnistia aplicável ao processo disciplinar mais não é do que aplicar a Lei da Amnistia no processo judicial.

Os artigos 6º e 14º da Lei da Amnistia de 2023, na interpretação feita na decisão recorrida, são inconstitucionais, por violação deste princípio constitucional, da separação de poderes.

Pelo que não cabia ao Tribunal recorrido aplicar à acção judicial a Lei da Amnistia, antes se impunha conhecer de mérito, logo por aqui.

Não por estar em causa o exercício de poderes discricionários da Administração em que o Tribunal, por regra não possa interferir.

A aplicação da Lei da Amnistia não envolve o exercício de qualquer poder discricionário, mas antes o exercídio de um poder estritamente vinculado, no cumprimento da legalidade: se estão preenchidos os pressupostos de facto e de direito pra aplicação da Lei da Amnistia, esta deve ser aplicada, se não estão, não pode ser aplicada.

A violação do princípio da separação de poderes dá-se, neste caso, porque o Tribunal, ao aplicar a Lei da Amnistia a uma infracção disciplinar, está a invadir a esfera de atribuições da Administração, a quem compete declarar a amnistia em processos disciplinares.

Em termos gerais e abstractos.

No caso concreto a Lei da Amnistia não podia, ainda que não fosse este o entendimento, ser aplicada.

A infracção imputada à Autor foi qualificada pelo Tribunal competente para proceder a essa qualificação, criminal, o Juízo Local Criminal de Penafiel – Juiz ... – como crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punível, em abstracto, pelo artigo 143. nº 1 Código Penal, com a pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.

Ora dispõe o artigo 4º da Lei da Amnistia, (Lei n.º 38-A/2023, de 02.08):

“São amnistiadas as infrações penais cuja pena aplicável não seja superior a 1 ano de prisão ou a 120 dias de multa.”

Como no caso a infracção disciplinar constitui, em simultâneo, ilícito criminal punível com pena superior a um ano, não está abrangida pela Lei da Amnistia que excluiu do seu âmbito, expressamente, ilícitos disciplinares que sejam também ilícitos criminais não amnistiados – artigo 6º.

Por outro lado, não foi apurada a idade da Autora para que se possa subsumir a infracção aqui em causa ao quadro legal das infracções disciplinares amnistiadas.

As infrações disciplinares que constituam, em simultâneo, ilícito criminal só estão amnistiadas (para além da moldura penal, já referida) se o respectivo agente tiver entre 16 e 30 nos de idade – n.º1 do artigo 2º e artigo 6º.

Pressuposto de facto que não se demonstrou nos autos.

O que determina a procedência do recurso, por erro da decisão recorrida, de determinar a extinção da instância por impossibilidade superveniente da lide, face à Lei da Amnistia (Lei n.º 38-A/2023, de 02.08).

Termos em que, na revogação da decisão recorrida, seja imperioso que os autos prossigam os seus normais termos na Primeira Instância para conhecimento de mérito, se nada mais a tal obstar.

*
III - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO pelo que:

1. Revogam a decisão recorrida.

2. Determinam a baixa dos autos para que prossigam os seus normais termos para conhecimento de mérito se nada mais a tal obstar.

Não é devida tributação em qualquer das instâncias.

*
Porto, 21.06.2024

Rogério Martins

Isabel Costa, com a declaração de voto que se segue:
Declaração de voto:
Voto a decisão e os fundamentos apenas na parte relativa à circunstância de a infração ter sido qualificada pelo tribunal criminal como crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punível, em abstrato, pelo artigo 143. nº 1 do Código Penal, com a pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa, o que inviabiliza a amnistia.

Fernanda Brandão, com a declaração de voto que se segue:
Declaração de voto:
Acompanho a decisão por entender que no caso concreto a sentença recorrida fez uma incorreta interpretação e aplicação da Lei da Amnistia aos autos disciplinares.

Com efeito, o ponto de partida para a análise da extensão da amnistia nos processos disciplinares é o artigo 6.º, da Lei da Amnistia, que estabelece a regra de amnistiar todos os factos suscetíveis de enquadrar um ilícito disciplinar, com dois limites: por um lado, ela não é aplicável se estiverem em causa “ilícitos penais não amnistiados pela presente lei” e, por outro lado, que “a sanção aplicável, em ambos os casos, não seja superior a suspensão ou prisão disciplinar”.

Entendendo-se que a amnistia não abrange as infrações disciplinares por factos que consubstanciem um crime que tenha sido praticado por maior de
30 anos, nem por menor de 30 anos em caso de crime cuja moldura penal do crime seja superior a 1 ano ou em caso de crime que se inclua no âmbito do artigo 7.º, da Lei da Amnistia, importa perceber como essa conclusão se articula com a natureza e o conteúdo do processo disciplinar.

Para efeitos de aplicação da Lei da Amnistia revela-se importante determinar se o comportamento levado a cabo pela Arguida, aqui Recorrida, e que foi sancionado disciplinarmente é suscetível de se
subsumir à prática de um crime, o que no caso nos parecer ser possível, designadamente ao crime de ofensa à integridade física qualificada, atenta a sua “especial censurabilidade ou perversidade”, crime este previsto nos artigos 143.º, n.º 1 e 145.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, ambos do Código Penal, por referência ao artigo 132.º, n.º 2, alínea l), do mesmo diploma, e ao qual é aplicável pena de prisão de 1 a 5 anos.

In casu afigura-se-nos estarem preenchidos os elementos objetivo e subjetivo do ilícito penal aqui em causa.

Ademais, entendemos que a inexistência de processo criminal e de condenação criminal não obstam à integração dos factos objeto do processo disciplinar na exclusão do âmbito da amnistia (nos termos fixados pelos artigos 2.º, 4.º e 6.º, da Lei da Amnistia), não sendo necessário correr termos um processo-crime e ser proferida uma decisão judicial condenatória para definir se a conduta se trata de um crime não amnistiado.

Assim, razões não existem para que a instância seja declarada extinta, por impossibilidade superveniente da lide, uma vez que o objeto dos presentes autos se mantém.

Ao julgar a instância extinta por impossibilidade superveniente da lide, a sentença recorrida fez uma incorreta interpretação e aplicação da Lei da Amnistia ao caso concreto.

A Lei da Amnistia, mormente as normas dos artigos 2.º, 4.º, 6.º e ponto iii), da alínea a), do n.º 1, do artigo 7.º, devem ser aplicadas e interpretadas no sentido de não ser amnistiada a infração disciplinar aplicada à ora recorrida e aqui em apreciação, atento o não preenchimento dos pressupostos para tal aplicação, com consequente manutenção da infração disciplinar.