Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00249/20.0BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:05/15/2025
Tribunal:TAF de Braga
Relator:ANA PATROCÍNIO
Descritores:FUNDAMENTOS DE OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO;
FALTA DE REQUISITOS ESSENCIAIS DO TÍTULO EXECUTIVO;
Sumário:
A falta de requisitos essenciais do título executivo, que, quando não puder ser suprida por prova documental, constitui nulidade insanável do processo de execução fiscal – artigo 165.º, n.º 1, alínea b), do CPPT –, não constitui fundamento de oposição, não sendo enquadrável na alínea i) do n.º 1 do artigo 204.º do mesmo Código.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

«AA», residente na Rua ..., lote ..., ...., União de Freguesias ... e ..., em ..., interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, proferida em 05/09/2024, que julgou improcedente a oposição que deduziu contra o processo de execução fiscal n.º ...83, a correr termos na Secção de Processo Executivo de ... do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P. (IGFSS, I.P.), para cobrança coerciva de dívidas de prestações de subsídio de desemprego (reposição), referentes ao período de 04/2016, no montante de €5.975,11.

O Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
“1ª Nos termos legais elencados nas alegações supra, que por razões de brevidade aqui se dão por reproduzidos, o título executivo, para o ser, tem de conter em si os fundamentos natureza e proveniência da dívida, sendo estes seus requisitos essenciais.
2ª O título executivo objecto mediato da oposição deduzida nestes autos não preenche, nem contém, nenhum desses fundamentos e/ou requisitos, pelo que é um título absolutamente inexequível, o que conduz à extinção da presente execução, nos termos do disposto no artº 7º, nº 3, do Dec.Lei 42/2001, de 09.02, republicado pelo Dec.Lei 63/2014, de 28.04, o que se enquadra no fundamento da oposição à execução previsto na al. i), do artº 204º, do CPPT.
3ª Aquela falta de requisitos essenciais do título executivo constitui, ainda, nulidade insanável no processo de execução fiscal, quando não puder ser suprida por prova documental, como não foi neste caso, pelo que, tal nulidade deve ser reconhecida e declarada, o que se enquadra no fundamento da oposição à execução previsto na al. i), do artº 204º, do CPPT.
4ª Porquanto, “em relação à nulidade derivada da falta dos requisitos essenciais do título executivo, quando a falta não pode ser suprida por prova documental” (como sucede neste caso, acrescentamos nós) “pois, ocorrendo tal nulidade a execução fica extinta, consequência que se harmoniza com a finalidade do processo de oposição execução fiscal.
Aliás, a falta de requisitos do título executivo, implica a sua inexequibilidade, que é um dos fundamentos típicos do processo de oposição à execução regulado no CPC.
Por outro lado, apesar de não estar expressamente indicado nas várias alíneas do nº 1 do artº 204º do CPPT, a falta de requisitos do título executivo, quando não puder ser suprida por prova documental, cabe na fórmula genérica da referida alínea i), já que se trata de um fundamento que a provar documentalmente, não envolve apreciação da legalidade da liquidação da quantia exequenda, nem representa interferência em matéria da exclusiva competência da entidade que emitiu o título.”
(Obra citada nas alegações su pra, pág. 144)
5ª Por outro lado, o regime jurídico que resulta da interpretação conjugada do artº 34º, nºs 3 e 4, do Decreto - Lei nº 220/2006, na sua redacção actual, e do artº 12º, nº 2, da Portaria 985/2009, na sua redacção actual, impõe que o beneficiário exerça a actividade do próprio emprego que criou no projecto de criação desse emprego aprovado pela SS, a tempo inteiro, durante três anos, e sem poder exercer nesse período outra actividade que seja remunerada com carácter de regularidade, a não ser que ocorra causa justificativa para o efeito.
6 ª O conceito jurídico “a tempo inteiro” usado neste regime jurídico radica e conduz ao conceito de horário de trabalho de “tempo completo”, isto é, de 40 horas semanais, e não ao conceito jurídico bem distinto de exclusividade de trabalho.
7 ª O conceito jurídico “atividade normalmente remunerada” usado neste regime jurídico radica e conduz ao conceito de remuneração regular, frequente, por a remuneração ser elemento essencial do trabalho, e não à mera possibilidade normal de remuneração, porquanto todas as actividades de trabalho se presumem e podem ser remuneradas, sob pena de se cair no conceito de exclusividade do trabalho decorrente do próprio emprego criado pelo beneficiário da antecipação das prestações de subsídio de desemprego.
8 ª O conceito de incumprimento deste regime jurídico não é um incumprimento qualquer, mas sim um incumprimento injustificado, pelo que, atento o regime sancionatório que o mesmo encerra (restituição das prestações recebidas), o incumprimento imputado ao beneficiário, neste caso ao recorrente, tem de ser suportado em factos concretos e circunstanciados que permitam concluir pela injustificação do incumprimento do referido regime jurídico.
9 ª Neste caso, não há qualquer facto imputável ao recorrente para injustificar o seu alegado, porque inexistente, incumprimento do regime jurídico da aprovação do projecto de criação do próprio emprego, logo, não pode sequer considerar - se que houve incumprimento injustificado de tal regime.
10 ª Com efeito, não há factos que permitam concluir, quer que o recorrente não exerceu, durante os 3 anos, a actividade do próprio emprego que criou a tempo inteiro, isto é, durante 40 horas por semana; quer que, durante aquele período, o recorrente tenha exercido outra actividade remunerada ou sequer excepcionalmente remunerada.
11 ª Pelo que, inexistindo no processo e no título executivo quaisquer factos que possam ser imputados ao recorrente relativamente a um putativo incumprimento injustificado de referido regime jurídico, a sentença deve ser revogada e proferido acórdão que declare procedente a oposição.
12 ª Por outro lado, a interpretação, como adoptada na sentença, do artº 34º, nºs 3 e 4, do Decreto - Lei nº 220/2006, na sua redacção actual, e do artº 12 º, nº 2, da Portaria 985/2009, na sua redacção actual, no sentido de que o beneficiário tem de exercer a actividade do próprio emprego que criou no projecto de criação desse emprego aprovado pela SS, a tempo inteiro, em exclusividade, durante três anos, e sem poder exercer nesse período outra actividade que possa ser remunerada, é materialmente inconstitucional, por violar frontalmente o direito fundamental ao trabalho, previsto no artº 58º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP), o direito fundamental da livre iniciativa económica, previsto no artº 61º, nº 1, da CRP, o direito fundamental de acesso à propriedade privada, previsto no artº 62º, nº 1, da CRP e, ainda, o direito fundamental da liberdade de criação intelectual e científica, previsto no artº 42º, nº 1, da CRP, pelo que, deve desaplicar - se o referido regime assim interpretado.
13ª Deste modo, deve considerar - se também inexistente o tributo que deu origem à dívida exequenda, admitindo - se e declarando - se totalmente procedente a oposição.
Termos em que, deve o presente recurso ser considerado provado e procedente e, por via disso, deve proferir - se douto acórdão que revogue a sentença recorrida e declare procedente a oposição, só assim se fazendo a usual e esperada JUSTIÇA.”

Não houve contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento.
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Com dispensa dos vistos legais, tendo-se obtido a concordância dos Meritíssimos Juízes-adjuntos, nos termos do artigo 657.º, n.º 4 do CPC; submete-se o processo à Conferência para julgamento.

II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa apreciar se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao decidir pela improcedência da oposição, por não estarem presentes quaisquer dos fundamentos desse meio processual, previstos nas diversas alíneas do artigo 204.º do CPPT.
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III. Fundamentação
1. Matéria de facto
Na sentença prolatada em primeira instância foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
“Com relevo para a decisão a proferir, consideram- se provados os seguintes factos:
A) Em 11-06-2019 o ISS, IP, remeteu ao Oponente documento designado “RESTITUIÇÃO DE PRESTAÇÕES INDEVIDAMENTE PAGAS”, e do qual consta, além do mais, o seguinte teor (cfr. fls. 44/45 do documento inserto a fls. 1/70 SITAF e cujo teor se dá por reproduzido):
“ (...)
Prazos para reclamar, recorrer ou impugnar
A partir dos 10 dias úteis acima indicados, se pretender pedir a revisão da decisão, poderá no prazo de:
-15 dias úteis, reclamar para o autor desta notificação. A reclamação não suspende o prazo para recorrer da decisão;
-3 meses, recorrer hierarquicamente para o Presidente do Conselho Diretivo do Instituto da Segurança Social;
-3 meses, impugnar contenciosamente (recorrer para o tribunal).
(...) ” ;
B) Corre termos no OEF o PEF nº ...83, resultante de dívidas de prestações de subsídio de desemprego (reposição), referentes ao período de 04/2016, cuja dívida exequenda ascende a € 5.975,11 (cfr. fls. 27/28 do documento a fls. 1/70 SITAF);
C) Em 28-10-2019 foi emitido pelo OEF no âmbito do PEF m.i. em B), documento designado “CITAÇÃO”, dirigido e remetido ao Oponente por via postal registada com aviso de recepção (cfr. fls. 27 do documento inserto a fls.1/70 SITAF );
D) O Oponente tomou conhecimento dos documentos referidos supra (facto não controvertido);
E) Em 06- 12- 2019 o Oponente remeteu a PI da presente acção por correio electrónico para o OEF (cfr. fls. 3 SITAF).
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Inexistem outros factos provados ou não provados com relevo para a decisão a proferir.
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M o t i v a ç ã o
A decisão da matéria de facto dada por assente estribou-se, em geral, no exame crítico dos documentos juntos aos autos e no PEF e na posição das partes, conforme discriminado em cada uma das alíneas do probatório.
Foi da análise de toda a prova assim enunciada que, em conjugação com as regras da experiência comum, se sedimentou a convicção do Tribunal quanto aos factos dados como provados e não provados – cfr. artigo 74º LGT, 76º nº 1 LGT e artigo 362º e ss do CC.”

2. O Direito

O Recorrente pretende a revogação da sentença recorrida, mas não parece ter-se debruçado devidamente sobre os seus termos, motivação e julgamento. No fundo, alheando-se do que aí foi decidido, insiste em questionar, nesta sede, a falta de requisitos essenciais do título executivo, insurgindo-se, também, contra a legalidade da dívida, como se a sentença recorrida tivesse tomado posição sobre essa matéria. O que não foi manifestamente o caso, porém, dando a conhecer as razões para os fundamentos invocados não se enquadrarem nos previstos na alínea a), h) ou i) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT. O Recorrente chega a afirmar que a interpretação, como adoptada na sentença, do artº 34º, nºs 3 e 4, do Decreto-Lei nº 220/2006, na sua redacção actual, e do artº 12º, nº 2, da Portaria 985/2009, na sua redacção actual, no sentido de que o beneficiário tem de exercer a actividade do próprio emprego que criou no projecto de criação desse emprego aprovado pela SS, a tempo inteiro, em exclusividade, durante três anos, e sem poder exercer nesse período outra actividade que possa ser remunerada, é materialmente inconstitucional, quando a sentença recorrida nem sequer se pronunciou sobre essas normas.
Provavelmente, o Recorrente terá aproveitado, parcialmente, os argumentos que desferiu no recurso que interpôs no âmbito do processo n.º 486/20.7BEBRG - acção administrativa onde foi apreciada a legalidade do acto administrativo que decidiu pela restituição do valor que lhe foi pago a título de montante global das prestações de desemprego de €5.849,70 e que subjaz à dívida aqui exequenda.
Essa acção administrativa de impugnação desse acto já foi objecto de acórdão proferido por este Tribunal Central Administrativo Norte em 25/10/2024, transitado em julgado, negando provimento ao recurso e confirmando o acto administrativo aí em crise.
O julgamento, nesse acórdão, começa com os seguintes considerandos, transponíveis para a apreciação do presente recurso:
“(…) Como assim dispõe o artigo 627.º, n.º 1 do CPC, as decisões judiciais podem ser impugnadas por meio de recursos, para efeitos de poderem ser evidenciadas perante o Tribunal Superior as irregularidades de que a Sentença pode enfermar [que se reportam a nulidades que afectam a Sentença do ponto de vista formal e provocam dúvidas sobre a sua autenticidade], assim como os erros de julgamento de facto e/ou de direito, que por si são resultantes de desacerto tomado pelo Tribunal na formação da sua convicção em torno da realidade factual, ou da interpretação e aplicação do direito, em termos tais que o decidido não está em correspondência com a realidade fáctica ou normativa. Constituindo os recursos jurisdicionais os meios específicos de impugnação de decisões judiciais, por via dos quais os recorrentes pretendem alterar as sentenças recorridas, nas concretas matérias que os afectem e que sejam alvo da sua sindicância, é necessário e imprescindível que no âmbito das alegações de recurso os recorrentes prossigam de forma clara e objectiva as premissas do silogismo judiciário em que se apoiou a decisão recorrida, por forma a evidenciar os erros em que a mesma incorreu. (…)”
Ora, não detectamos no recurso que nos é apresentado para apreciação esse cuidado, dado não se mostrarem apontados os erros em que a sentença recorrida incorreu.
Nas conclusões 2.ª a 4.ª das alegações do recurso, o Recorrente reitera que a falta de requisitos do título executivo, quando não puder ser suprida por prova documental, cabe na fórmula genérica da alínea i) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT, indicando doutrina nesse sentido.
A sentença recorrida decidiu que a nulidade/falta de requisitos essenciais do título executivo, nos termos do artigo 165.º, n.º 1, alínea b), do CPPT, não é fundamento de Oposição à execução fiscal por não ser enquadrável na alínea i) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT nem nas restantes alíneas. Invocando, no mesmo sentido, entre outros, os Acs. do STA de 26-06-2013, proferido no proc. n.º 01373/12; de 27-11-2013, proferido no proc. n.º 0345/13; de 08-07-2015, proferido no proc n.º 0512/14; de 16-11-2016, proferido no proc. n.º 0715/16.
A questão de saber se a nulidade do título executivo, decorrente da falta de requisitos essenciais [artigo 165.º, n.º 1, alínea b) do CPPT], poderá ser invocada como fundamento de oposição à execução, nem sempre foi tratada de forma uniforme pela jurisprudência dos tribunais superiores, designadamente, pelo STA.
No entanto, actualmente, a corrente jurisprudencial contrária à defendida pelo Recorrente mostra-se perfeitamente consolidada, sendo, por isso, e por concordarmos com a motivação para afastar tal fundamento dos possíveis para deduzir oposição judicial, que acompanhamos o julgamento realizado pela primeira instância.
Já há cerca vinte anos que se mostra consolidado o seguinte: “A nulidade de falta de requisitos essenciais do título executivo não consubstancia o fundamento de oposição previsto na alínea i) do nº 1 do artigo 204º do CPPT, podendo ser invocada no processo executivo” – cfr. Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, de 23/02/2005, proferido no âmbito do processo n.º 0574/04.
De facto, encontra-se actualmente pacificada a jurisprudência dos nossos tribunais superiores no sentido de que a falta de requisitos essenciais do título executivo, que, quando não puder ser suprida por prova documental, constitui nulidade insanável do processo de execução fiscal – cfr. artigo 165.º, n.º 1, alínea b), do CPPT –, não constitui fundamento de oposição, não sendo enquadrável na alínea i) do n.º 1 do artigo 204.º do mesmo Código - cfr. Acórdão do Pleno da Seção de Contencioso Tributário do STA, de 16/11/2016, proferido no processo n.º 0715/16, assim como toda a jurisprudência ali citada, e, posteriormente ao mesmo, os Acórdãos proferidos pelo STA em 22/11/2017, no processo n.º 0833/17, em 11/07/2019, no processo n.º 0860/08.7BEPRT 0349/18, e em 06/10/2021, no processo n.º 0351/14.7BECBR, revendo-se este Tribunal integralmente na jurisprudência emanada dos citados acórdãos, à qual se adere sem qualquer reserva.
Como já adiantámos, a nulidade insanável do processo de execução fiscal, por alegada falta de requisitos essenciais do título executivo, quando não puder ser suprida por prova documental, não constitui fundamento de oposição à execução fiscal, não sendo enquadrável na alínea i) do n.º 1 do artigo 204.º do mesmo CPPT; deve, antes, ser arguida perante o órgão da execução fiscal, com a possibilidade de reclamação para o Tribunal Tributário de eventual decisão desfavorável (cfr. a alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º e o artigo 276.º, ambos do CPPT, bem como a reiterada jurisprudência mais recentemente firmada).
Esta questão não foi isenta de dificuldades, existindo bons argumentos num e noutro sentido, daí a longa controvérsia jurisprudencial e o elevado número de acórdãos prolatados pelo Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA.
A título de exemplo, vejamos, entre muitos outros, o que ficou salientado no Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, de 19/11/2008, proferido no âmbito do processo n.º 430/08: «(…) há que reconhecer que tal fundamento cabe na literalidade da referida norma pois que patentemente não envolve a apreciação da legalidade da liquidação – desde logo, é-lhe posterior – nem interfere em matéria da exclusiva competência da entidade que emitiu o título.
Por outro lado, tal nulidade conduz à extinção da execução pelo que, sendo esta o fim primacial da oposição, não haverá, por aí, obstáculo à predita resposta afirmativa. Cfr. JORGE DE SOUSA, CPPT anotado, 2.º volume, nota 16 ao artigo 165.º.
Todavia, outros parâmetros há a considerar.
Dispõe o artigo 2.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, que “a todo o direito (…) corresponde a acção adequada a fazê-lo reconhecer em juízo”.
E, em termos semelhantes, preceitua o artigo 97.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária, que “a todo o direito de impugnar corresponde o meio processual mais adequado de o fazer valer em juízo”. Assim, a cada direito corresponde uma só acção: unidade, que não pluralidade. Cfr. o acórdão do STJ, de 28 de Janeiro de 2003, in Colectânea, 166, p. 61.
Ora, o artigo 165.º do CPPT considera nulidade insanável em processo de execução fiscal “a falta de requisitos essenciais do título executivo, quando não puder ser suprida por prova documental”.
E estabelece o respectivo regime, e efeitos: a anulação dos termos subsequentes do processo que do acto anulado dependam absolutamente, sendo (a nulidade) de conhecimento oficioso e podendo ser arguida até ao trânsito em julgado da decisão.
A lei elegeu, pois, tipicamente, o respectivo regime legal: trata-se de uma nulidade.
E, como tal, estabelece-se igualmente o seu regime de arguição.
Assim sendo, foi propósito legal desconsiderá-la como fundamento de oposição, ainda que seja a mesma, substancialmente, a consequência resultante: a extinção da execução consubstanciada na nulidade do próprio título.
Por outro lado, a tutela jurídica concedida à nulidade é, até, mais consistente do que a resultante da oposição, na medida em que pode ser arguida até ao trânsito em julgado da decisão final, que não apenas no prazo de 30 dias contados da citação – cfr. artigo 203.º, n.º 1, do CPPT.
Aliás, a entender-se dever ser conhecida pelo Chefe do Serviço de Finanças (ou, porventura, pelo juiz – cfr. o artigo 151.º, n.º 1, do CPPT), sempre o respectivo processo seria urgente – artigo 278.º, n.º 5 – o que é mais consentâneo com a celeridade querida para o processo de execução fiscal, atenta essencialmente a sua finalidade de cobrança de impostos que visam “a satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas” e a promoção da justiça social, da igualdade de oportunidades e das necessárias correcções das desigualdades na distribuição da riqueza e do rendimento – artigo 5.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária.
Nada, pois, parece justificar a apontada dualidade – em termos de nulidade processual da execução fiscal e de fundamento de oposição à mesma –, aliás proibida nos termos do referido artigo 2.º do Código de Processo Civil. Conclui-se, assim, que a nulidade da falta de requisitos essenciais do título executivo – nos termos do artigo 165.º, n.º 1, alínea b), do CPPT – não é fundamento de oposição à execução fiscal por não enquadrável no seu artigo 204.º, n.º 1, alínea i) (…)».
É certo que a solução adoptada por esta jurisprudência tem merecido críticas (cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Áreas Editora, 2011, 6.ª edição, III volume, anotação 13 ao art. 165.º, págs. 144 a 146.). Essencialmente, motivadas pelo facto de a nulidade insanável por falta de requisitos do título executivo, quando não puder ser suprida por prova documental, determinar a extinção da execução fiscal (finalidade típica da oposição à execução fiscal), implicar a inexequibilidade do título executivo (fundamento típico da oposição à execução) e caber na previsão da alínea i) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT, pois é a provar por documento, não contende com a legalidade da liquidação subjacente à dívida exequenda e não representa matéria da exclusiva competência do órgão da entidade que emitiu o título; mas também alicerçadas nos princípios da economia processual e do anti-formalismo.
Reconhecemos a pertinência de algumas das objecções à tese que fez vencimento na jurisprudência, maxime a do prejuízo para a economia processual e a do excessivo formalismo. Mas, salvo o devido respeito, fica por rebater aquele que será o argumento mais convincente da tese adoptada pelos sucessivos acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA e em muitos outros acórdãos da mesma Secção, qual seja o de que a lei para cada pretensão susceptível de ser deduzida em juízo faz corresponder um e um único meio processual adequado.
Por outro lado, como bem salienta JORGE LOPES DE SOUSA, é «aconselhável o acatamento desta última jurisprudência uniforme mais recente para evitar mais tergiversações jurisprudenciais sobre esta matéria, por a estabilidade jurisprudencial e a confiança que ela gera nos cidadãos serem valores a prosseguir pelos tribunais que, quando não estão em causa reflexos substantivos, se devem sobrepor à adequação dos meios processuais» (Ibidem.).
Recorde-se que o n.º 3 do artigo 8.º do Código Civil (CC) impõe aos tribunais que tenham em «consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, obter uma interpretação e aplicação uniforme do direito».
Acresce que a tese que ora subscrevemos não constitui restrição alguma do direito de acesso dos executados ao tribunal para garantia da defesa dos seus direitos e interesses legítimos ou controlo dos órgãos da Administração (designadamente do órgão da execução fiscal), em eventual violação do disposto no n.º 4 do artigo 268.º da Constituição da República Portuguesa (CRP).
Na verdade, esse direito não fica prejudicado pelo facto de a lei ordinária impor ao executado uma determinada forma processual, com exclusão de outras. Tal só sucederia se, proibida a aplicação de determinada forma processual – no caso a oposição à execução fiscal – lhe ficasse vedado o acesso a qualquer outra.
Não é o caso, pois o executado que entenda que o título executivo enferma de nulidade insanável por falta de requisitos essenciais do título executivo, não susceptível de ser suprida por prova documental, poderá argui-la até ao trânsito em julgado da decisão final (n.º 4 do artigo 165.º do CPPT) junto do órgão da execução fiscal, com reclamação para o tribunal tributário de eventual decisão desfavorável (artigo 276.º do CPPT).
É este o entendimento vertido no Acórdão do STA, de 06/10/2021, proferido no processo n.º 0351/14.7BECBR, que aqui, concordantemente, se reitera.
Razão pela qual deve improceder a alegação do Recorrente no sentido de constituir fundamento de oposição, enquadrável na alínea i) do n.º 1 do artigo 204º do CPPT, a nulidade do título executivo, por falta dos requisitos essenciais.

Relativamente à matéria vertida nas conclusões 5.ª a 13.ª das alegações do recurso, concernente à ilegalidade da dívida e à inexistência do tributo que está na origem da dívida exequenda, o Recorrente não ataca o julgamento realizado em primeira instância.
Ora, sendo objecto do recurso a impugnação da decisão judicial (cfr. o artigo 627.º do CPC), o Recorrente terá de mobilizar os seus argumentos contra os vários fundamentos desfavoráveis da sentença sob pena de o decidido não poder ser alterado, na parte não impugnada - cfr. Acórdão do STA, de 15/05/2013, proferido no processo n.º 0508/13 ou os Acórdãos do TCAN, de 15/02/2012 e de 02/02/2017, proferidos nos processos n.º 01806/09.0BEBRG e n.º 00464/15.8BEMDL, respectivamente.
Como refere ALBERTO DOS REIS, com a imposição do ónus de alegação ao Recorrente teve-se «em vista obrigar o recorrente a submeter expressamente à consideração do tribunal superior as razões da sua discordância para com o julgado, ou melhor, os fundamentos por que o recorrente acha que a decisão deve ser anulada ou alterada, para que o tribunal tome conhecimento delas e as aprecie» - Cfr. Código de Processo Civil Anotado, volume V, página 357.
A sentença recorrida decidiu que as alegações do Oponente remetem-nos para a apreciação sobre a (i)legalidade, em concreto, da dívida, que não é fundamento de oposição a não ser quando esta não tenha origem em ato tributário ou administrativo prévio e não exista, em abstrato, outro meio adequado à sua discussão, conforme resulta da al. h) do n.º 1 do artigo 204.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Com efeito, a alínea h) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT permite que a oposição tenha por fundamento a ilegalidade da liquidação da dívida exequenda sempre que a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação.
Casos em que a lei não assegura meios de impugnação dos actos de liquidação são aqueles em que se permite a extracção de certidões de dívida perante a mera constatação de omissão de um pagamento sem que haja um acto administrativo ou tributário prévio, definidor da obrigação.
São, portanto, as situações em que o título é uma mera nota informal que não integra nenhum acto administrativo ou em que não há propriamente um acto de liquidação anterior à execução.
Ora, in casu, é notório, percorrendo integralmente as conclusões das alegações do recurso, que o Recorrente se alheou das razões que fundamentaram a improcedência da oposição, continuando a querer discutir a (i)legalidade da dívida nesta sede.
Quer isto dizer, pois, que tendo o Recorrente se alheado do conteúdo integral da decisão recorrida, não vindo atacado o decidido sobre esta apontada questão, não pode o TCA alterar o decidido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga.
De todo o modo, não podemos deixar de reafirmar ser jurisprudência uniforme dos tribunais tributários, designadamente do Supremo Tribunal Administrativo, que não é possível discutir em sede de oposição à execução fiscal a legalidade da liquidação que deu origem ao tributo, nem a legalidade do acto administrativo que esteja na origem da dívida exequenda, uma vez que a lei assegura meio judicial de impugnação desses actos.
Encontrando-nos perante dívida emergente de acto administrativo de restituição de prestação de desemprego, a extracção da certidão de dívida tem na sua génese o respetivo acto administrativo. Pelo que a discussão da legalidade desse acto deverá ser realizada através do meio que a lei assegura – a acção administrativa – como, efectivamente, o foi no processo n.º 486/20.7BEBRG e cuja decisão já transitou em julgado. Pelo que a questão relativa à legalidade do acto que subjaz à dívida exequenda já foi decidida por este tribunal nessa acção administrativa de impugnação do acto administrativo, como resulta da consulta que efectuámos à tramitação constante no sistema informático SITAF.
Nestes termos, falecendo todas as conclusões do recurso, impõe-se negar provimento ao mesmo e manter a sentença recorrida na ordem jurídica.

Conclusão/Sumário

A falta de requisitos essenciais do título executivo, que, quando não puder ser suprida por prova documental, constitui nulidade insanável do processo de execução fiscal – artigo 165.º, n.º 1, alínea b), do CPPT –, não constitui fundamento de oposição, não sendo enquadrável na alínea i) do n.º 1 do artigo 204.º do mesmo Código.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.

Custas a cargo do Recorrente, nos termos da tabela I-B – cfr. artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais.

Porto, 15 de Maio de 2025

Ana Patrocínio
Ana Paula Rodrigues Coelho dos Santos
Cláudia Almeida