Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 02322/14.4BEPRT-B |
Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
Data do Acordão: | 09/13/2024 |
Tribunal: | TAF do Porto |
Relator: | TIAGO MIRANDA |
Descritores: | CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL; EXECUÇÃO DE SENTENÇA; |
Sumário: | I – Também quanto ao disposto no artigo 476º nº 1 do CC sobre o documento particular “cuja autoria seja reconhecida nos termos dos artigos antecedentes” se impõe fazer a distinção conceptual entre as “declarações atribuídas ao seu autor” por um lado, e o objecto destas, designadamente os factos nelas narrados ou descritos, por outro, no sentido de que apenas a emissão das primeiras se poder e dever considerar plenamente provada. II - O Tribunal a quo não estava obrigado a mencionar, na especificação dos factos provados e relevantes, esse de que “a exequente apresentou no concurso objecto dos presentes autos, uma proposta e nota justificativa do preço, onde o lucro por cada refeição era de 0,000001 €”, porque tal facto não foi alegado nem é instrumental ou complementar de qualquer facto alegado. Esta questão, aliás, revela-se inócua para o recurso, pois a sentença recorrida, embora não tenha especificado como provado esse facto agora em causa, na discussão da matéria de facto deu-o tacitamente como provado e recusou expressamente que dele resultasse o lucro que a exequente obteria. III - Adequado aos limites do provado julgamos ser, outrossim, o raciocínio de aplicar uma taxa de lucro verosímil e eticamente aceitável ao valor, certo e determinado, da proposta. Uma margem de lucro de 10% afigura-se-nos verosímil, dentro do ético juridicamente aceitável e, na circunstância, equitativo. Porém, não há razões para a referir a mais do que o valor da proposta do único contrato cuja adjudicação era directa e efectivamente objecto do concurso.* * Sumário elaborado pelo relator (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
Votação: | Unanimidade |
Meio Processual: | Execução de Sentença |
Decisão: | Conceder parcial provimento ao recurso. |
Aditamento: |
Parecer Ministério Publico: |
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Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I - Relatório Município ..., não se conformando com a sentença a fls. 827 do SITAF, que, no processo de execução de sentença em epígrafe, o condena, a pagar à exequente, ora recorrida, [SCom01...], S.A., o valor total de 183.610,11 €, acrescido de juros de mora comerciais desde o trânsito em julgado da decisão recorrida, nos termos do § 5º do artº 102º do Cód. Comercial, apresenta recurso ordinário de apelação. Remata a sua alegação com as seguintes conclusões: «CONCLUSÕES a) O objecto do recurso é a decisão proferida pelo Tribunal a quo, que condenou o executado a pagar à exequente a quantia de 183.610,11 €, acrescido de juros de mora, desde o trânsito em julgado da presente decisão, à taxa legal de juros moratórios relativos a créditos de que sejam titulares de empresas comerciais, singulares ou colectivas nos termos do § 5º do artº 102º do Cód. Comercial. b) O documento 1 do requerimento de 20.11.2020, apresentado pela exequente, faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, a aqui exequente, pelo que, tais declarações não se encontram sujeitas à livre apreciação do julgador, conforme resulta da conjugação do disposto nos artigos 374.º n.º 1 e 376.º n.º 1 do Código Civil. c) A sentença considerou como não provado o lucro que a exequente obteria por cada refeição no contrato em questão, apesar das declarações vertidas no documento supra-referido, não estarem sujeitas à livre apreciação do julgador. d) Pelo exposto encontra-se incorrectamente julgado o ponto 1 dos factos não provados, pois, resulta do documento 1 do requerimento de 20.11.2020, que a exequente apresentou no concurso objecto dos presentes autos, uma proposta e nota justificativa do preço, onde o lucro por cada refeição era de 0,000001 €. e) Pelo que, entende o recorrente que o ponto 1 dos factos não provados deverá ser eliminado e, consequentemente, aditada um novo ponto aos factos provados nos seguintes termos: “a exequente apresentou no concurso objecto dos presentes autos, uma proposta e nota justificativa do preço, onde o lucro por cada refeição era de 0,000001 €.”. f) O lucro apresentado pela exequente na proposta do concurso deve ser considerado um elemento norteador na determinação da indemnização justa. g) Na verdade, a exequente quando concorre a concursos públicos., como qualquer outra empresa colocada na sua posição, tem outros objectivos para além do lucro, designadamente permanecer no mercado para não dar indicadores de alerta aos restantes concorrentes. h) Neste sentido é claro o depoimento da testemunha «AA», cuja reprodução é possível na consulta das audiências realizadas no âmbito do processo na plataforma SITAF, ficheiro com a data 17/04/2023 e horário 11:00 horas – 13;00 horas, entre o minuto 33.03 e 37:40 e transcritas na motivação. i) Por esta razão é que não anda bem a douta sentença, quando, para apurar a indemnização, utiliza apenas critérios referentes ao lucro baseado nas demonstrações financeiras e EBITDA’s da exequente. j) Na verdade, o que não é verosímil, nem aceitável, é um lucro de 183.610,11 € conforme o alcançado pela douta sentença em crise, pois corresponde a um lucro superior em 1.649,38 % àquele que a exequente declarou que iria obter quando se apresentou a concurso. k) Note-se que, quando a exequente se apresentou ao concurso, o lucro não era o seu único objectivo; era também um critério importante para a exequente, manter-se no mercado e, por isso, é que aceitou concorrer nos termos propostos pela executada, sem sequer questionar os mesmos no momento próprio, ou seja, em sede de procedimento concursal. l) Entende-se no entanto que, apesar da inviabilidade do apuramento real e efectivo do montante dos lucros cessantes da exequente com base nos critérios utilizados na douta sentença em crise, impõe-se o direito desta a ser indemnizada através do mecanismo previsto no n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, ou, na sua impossibilidade, através de um juízo equitativo, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo. m) Assim, e na falta de outros elementos, julga-se adequado aqui aplicar-se a tese vertida no douto acórdão do STA de 13/07/2021, no processo 1676/14.7 BEPRT-A e disponível em www.dgsi.pt, o qual, em suma, aponta para um valor correspondente a 5% do valor da proposta da exequente. n) Em todo o caso e para um contrato em que é claro que a exequente apenas concorreu “para se manter no mercado”, ou seja, não tendo como objectivo principal a obtenção de lucro, mesmo aqueles 5% do valor da adjudicação (1.485.518,75 €), é manifestamente exagerado. o) Pelo que, o valor daquele resultado (74.275,93 €) deverá ser reduzido em metade (37.362,97 €) pois a situação relatada no acórdão transcrito, aplica-se a um caso em que a empresa se apresenta no concurso com o objectivo principal de gerar lucro e não apenas de se manter no mercado como é a posição da exequente neste processo. p) De tudo o exposto, resulta que a douta sentença em crise violou o disposto no n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, porquanto, não se socorreu dos critérios mais adequados para calcular a indemnização a atribuir à exequente. Nestes termos e nos melhores de direito, o presente recurso deverá ser procedente e, por via disso, ser revogada a decisão proferida na douta sentença em crise, e substituída por outra que fixe a indemnização no valor de 37.362,97 €, fazendo-se assim, inteira e sã JUSTIÇA.». Notificada, a Recorrida respondeu à alegação, concluindo nos seguintes termos: «CONCLUSÕES A. Quanto à matéria de facto, o Recorrente entende que o facto não provado n.º 1 da sentença recorrida deverá ser eliminado, e que deve ser aditado aos factos provados que “a exequente apresentou no concurso objecto dos presentes autos uma proposta e nota justificativa de preço, onde o lucro por cada refeição era de 0,000001 €”, tendo em conta o disposto no Facto Provado n.º 4, e na Nota Justificativa de Preço, junta como documento n.º 1 do requerimento de 20.11.2020. B. Não está, no entanto, em causa nos presentes autos determinar qual o lucro que foi declarado pela [SCom01...] na sua Nota Justificativa de Preço, mas sim determinar qual o lucro que a mesma efectivamente esperava obter com a execução do contrato, sendo esse o critério para a fixação da indemnização devida à Autora e Recorrida. C. Ou seja, não está em causa a veracidade deste documento, nos termos do artigo 374.º n.º 1 e 376.º n.º 1 CC, do artigo 62.º do Código dos Contratos Públicos, e da Lei n.º 96/2015, de 17 de Agosto, mas sim a análise e ponderação do seu conteúdo na fixação da indemnização. D. O conteúdo da Nota Justificativa de Preços foi, por isso, analisado pelo Tribunal de forma crítica, nos termos do artigo 607.º, n.º 4 e n.º 5 do Código de Processo Civil, e conciliado com a restante prova produzida nos autos (concretamente, com a restante prova documental, com as declarações de parte e com a prova testemunhal), bem como de acordo com as regras da experiência. E. Tendo todos estes elementos em consideração, o Tribunal concluiu que não era razoável, verosímil ou realista assumir que a [SCom01...] apenas previra obter um lucro de 0,000001 € por refeição com a apresentação da proposta, motivo pelo qual deu esse facto como não provado. F. Ainda que assim não se entendesse, o que não se concede e por mero exercício de raciocínio se equaciona, a modificação da matéria de facto pela instância de apelação apenas poderia suceder no caso de a decisão ter sido arbitrária, não apresentando qualquer fundamento racional ou, ainda, se fosse evidente, de acordo com as regras da ciência, da lógica e da experiência que a mesma é manifestamente irrazoável, o que, manifestamente, não sucede in casu. G. Pelo que deve o recurso interposto pelo Recorrente relativamente à impugnação a matéria de facto ser rejeitado ou, em qualquer caso, ser julgado totalmente improcedente, por não provado. H. Quanto à matéria de direito, entende o Recorrente que a indemnização fixada pelo tribunal deveria ter sido calculada em função do lucro de 0,000001 € por refeição, que a [SCom01...] teria indicado na Nota Justificativa de Preços, dado que o seu intuito com esta proposta não seria, alegadamente, a obtenção de lucro, mas apenas a manutenção da sua posição no mercado. I. No entanto, este facto não resultou do depoimento do representante legal da [SCom01...]; pelo contrário, resultou deste depoimento que o lucro era tão importante como a presença no mercado (00:37:23), e que um lucro de 0,000001 € por refeição, como o que teria sido proposto, seria absolutamente surreal, e não justificaria qualquer tipo de risco de investimento. J. De resto, a Recorrida tem liberdade para formular a sua proposta (e, designadamente, a sua Nota Justificativa de Preço) como entender, e para gerir os custos e ganhos com a execução contratual do modo que for considerado mais adequado pelo concorrente – cf. Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 03.12.2015 (processo n.º 0657/15) e de 16.12.2015 (processo n.º 01047/15). K. A Nota Justificativa de Preço não pode, por isso, ser utilizada como critério para a fixação da indemnização devida à Recorrente, uma vez que o lucro referido naquele documento não permite aferir, de modo exacto, qual seria o real lucro que a [SCom01...] previa obter com a devida execução do contrato. L. A indemnização deverá ser fixada de acordo com o critério da reconstituição natural pelo interesse contratual positivo. M. Ou seja, a Recorrida tem direito a que lhe sejam indemnizados os danos decorrentes da impossibilidade da reconstituição natural do contrato, i.e., tem direito a que o Réu e Recorrente a coloque na situação em que se encontraria caso o contrato tivesse sido devidamente celebrado e executado. N. Assim sendo, e uma vez que não está em causa a mera possibilidade de adjudicação, mas a certeza de que a [SCom01...] deveria ter sido a adjudicatária, e a condenação do Município à celebração do contrato (condenação essa que o mesmo admitiu não poder cumprir), a indemnização deverá ser fixada de acordo com os lucros que a Recorrida deixou de auferir pela não execução do contrato, de acordo com as margens de lucro e com os valores de facturação estimados para os anos lectivos em que o contrato foi celebrado. O. É este o entendimento maioritário da jurisprudência – cfr. acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul, de 22.03.2012 (processo n.º 07045/10), de 23.11.2017 (processo n.º 13023/16) e do Supremo Tribunal Administrativo, de 07.05.2015 (processo n.º 47307). P. Acresce que, tendo o contrato sido executado durante três anos lectivos (de 2014/2015, 2015/2016 e 2016/2017), a reconstituição natural deve ter em consideração a duração efectiva do contrato em apreço – até porque foi a contínua renovação do contrato celebrado que impediu que o Município executasse a sentença exequenda. Q. No mais, e na ausência de outros elementos directamente relacionados com a execução do Contrato – como, por exemplo, fichas de custeio, ou outros elementos de contabilidade analítica que permitam calcular o lucro exacto que a [SCom01...] auferiria com a execução do contrato – a indemnização foi calculada de acordo com os resultados financeiros obtidos pela [SCom01...] durante os três anos de execução contratual. R. Assim sendo, o tribunal analisou a prova pericial, e considerou que a indemnização deveria ser calculada de acordo com o resultado líquido operacional que a Autora e Recorrida previsivelmente obteria com a execução do contrato durante três anos de execução contratual. S. A Recorrida concorda integralmente com este modo de calcular a indemnização, ascendendo a mesma ao montante de 183.610,11 €. T. Por fim, mesmo que se recorresse a um juízo de equidade para fixar a indemnização, nos termos do artigo 566.º do Código Civil, o Tribunal sempre deveria atender à margem de lucro tida pela Recorrida durante o período da execução contratual, e não à Nota Justificativa de Preço, pois esse é o único critério que permite perceber verdadeiramente qual o lucro que esta deixou de auferir ao não ter celebrado o contrato com o Réu – Cfr. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 29.20.2015 (processo n.º 413/13), e acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul, de 22.03.2012 (processo n.º 07045/10) e de 03.11.2016 (processo n.º 13438/16). U. Sem prescindir, se se considerasse que deveria ser seguida a doutrina do acórdão transcrito nas páginas 8 a 13 das alegações, então tal teria de ser feito em toda a sua plenitude, devendo o Recorrente ser condenado a pagar à recorrida uma indemnização no valor de 74.275,93€ por cada ano de vigência do contrato, num total de 222.827,79€.» Dispensados os vistos, nos termos do artigo 657º nº 4 do CPC, cumpre apreciar e decidir. II - Do objecto do recurso Conforme jurisprudência pacífica, o âmbito do recurso é delimitado pelo objecto das conclusões das alegações, interpretadas em função daquilo que se pretende sintetizar, isto é, o corpo das alegações. Assim, as questões que a Recorrente pretende ver apreciadas em apelação são as seguintes: 1ª Questão A sentença recorrida padece de erro de julgamento de direito em matéria de facto quanto ao ponto 1 dos factos não provados, na medida em que não julgou provado o objecto das declarações contidas no documento 1 junto com o requerimento de 20/11/2020, designadamente a de que a exequente auferiria o lucro de 0,000001 € por refeição servida, pois, tratando-se de um documento particular assinado e não impugnado, resultava da conjugação dos artigos 374º nº 1 e 376º nº 1 do CC que o mesmo fazia prova plena desse facto? 2ª Questão A sentença recorrida devia ter seleccionado como facto provado e relevante que “a exequente apresentou no concurso objecto dos presentes autos, uma proposta e nota justificativa do preço, onde o lucro por cada refeição era de 0,000001 €”? 3ª Questão A sentença recorrida errou no julgamento de direito quanto à fixação do valor da indemnização a atribuir à Exequente, violando o disposto no n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, porquanto, não se socorreu dos critérios adequados para calcular a indemnização, designadamente: - Pressupôs infundadamente que a proposta da exequente tinha em vista não apenas gerar lucros, mas também e sobretudo a permanência no mercado; - Laborou sobre uma estimativa de lucros infundada e desproporcional (porque baseada apenas nas demonstrações financeiras da exequente) e não na declarada pela exequente conforme o sobredito facto provado a aditar. 4ª Questão Na impossibilidade de equacionar os termos do nº 2 do artigo 566º do CC, a sentença devia ter fixado a indemnização com recurso à equidade, nos termos do nº 3 do mesmo artigo 566º, pela qual se chegaria a um valor de 37 362,97 €, correspondente a metade da percentagem dos 5% do valor da proposta, que são considerados no ac. do STA de 13/07/2021, no processo 1676/14.7 BEPRT-A, disponível em www.dgsi.pt, percentagem que in casu carece desta redução por o seu resultado (74 275,93 €) se mostrar ainda “manifestamente exagerado”? III – Apreciação do objecto do recurso A sentença recorrida operou a seguinte selecção de factos provados e não provados, relevantes: «MATÉRIA DE FACTO FACTOS PROVADOS Com relevância para a apreciação das questões que ao tribunal cumpre solucionar, consideram-se provados os seguintes factos: 1. Por deliberação de 28.5.2014 da Câmara Municipal ... foi aberto o concurso público visando o “Fornecimento de Refeições Escolares às Escolas do 1º Ciclo do Ensino Básico e Jardins de Infância da Rede Pública do Município ...” (doravante Concurso) e aprovadas as peças do procedimento. – fls. 530 e ss. do p.a. apenso ao processo 2322714.4BERT; 2. Constava do Programa de Concurso, Artigo 1.º Objecto do Concurso 1 — O concurso tem por objecto o fornecimento de refeições escolares, para urna quantidade máxima de 1 113 120 unidades, que deverão ser confeccionadas, transportadas e servidas nas Escolas do 1.° Ciclo do Ensino Básico e nos Jardins de Infância, da Rede Pública do Município ..., de acordo com o discriminado no caderno de encargos, que faz parte integrante deste processo de concurso. (…) Veja-se imagem no original da sentença. - doc. 1 do processo 2322/14.4BEPRT apenso; 3. Do Caderno de Encargos extrai-se, Cláusula 1.ª Objecto 1 — O presente Caderno de Encargos compreende as cláusulas a incluir no contrato a celebrar na sequência do procedimento pré-contratual que tem por objecto principal o fornecimento de refeições escolares, para uma quantidade máxima de contratação de l 113 120 unidades, que deverão ser confeccionadas, transportadas e servidas nas Escolas do l .° Ciclo do Ensino Básico e nos Jardins de Infância, da rede pública, do Município ..., em perfeita conformidade com as condições estabelecidas nos documentos contratuais e demais legislação em vigor. (…) 3 — As refeições escolares deverão ser servidas, durante o ano lectivo 2014/2015, em todos os refeitórios, das escolas do Ciclo do Ensino Básico e nos Jardins de Infância, da rede pública do Município ele ..., (…) * Cláusula 3.ª 1— O contrato mantém-se em vigor durante um período de cerca de 10 meses, reportando-se ao ano lectivo 2014/2015 para uma quantidade máxima de contratação de 1 113 120 refeições, renovável automaticamente por períodos de um ano lectivo e num máximo de duas vezes, por iniciativa do Município ..., de acordo com o mencionado nos artigos 440.º e 451.º do diploma legal, sem prejuízo das obrigações acessórias que devam perdurar para além da cessação do Contrato. - doc. 2 do processo 2322/14.4BEPRT apenso; 4. A Exequente apresentou proposta ao Concurso pelo valor total de 1.485.518,75 €, integrando-a com o seguinte documento: [… ] – vide imagem no original da sentença – doc. 1 do requerimento de 20.11.2020 (doc. 693481 dos autos; 4. A Exequente apresentou proposta ao Concurso pelo valor total de 1.485.518,75 €, integrando-a com o seguinte documento, PROPOSTA E NOTA JUSTIFICATIVA DO PREÇO a que se refere o Anexo A ao Programa de Concurso) Fornecimento de Refeições Escolares [Imagem que aqui se dá por reproduzida] A estes preços acresce IVA à taxa legal em vigor Nota Justificativa do Preço Unitário: 0 preço unitário do lr334557C [um euro vírgula três três quatro cinco cinco sete), maís l. V.A à taxa legal em vigor, para as refeições escolares, é composto pelas seguintes rubricas e respectivos valores: a) Matéria prima alimentar b) Matéria prima não alimentar c) Encargos com pessoal: vencimentos, encargos sociais, 0,5345521 seguros, medicina trabalho, subsídios de férias e Natal outros encargos, conforme discriminado no anexo Al, que (aí parte integrante desta proposta d) Encargos com a manutenção do equipamento 0,000001€ e) Transporte e acondicionamento da refeição 0,0000011 f) Encargos gerais 0,0000011 g) Lucro 0,0000011 - doc. 1 do requerimento de 20.11.2020 (dco. 693481 dos autos; 5. Na sequência do relatório final, a Câmara Municipal ... proferiu em 8.9.2014 deliberação de adjudicação do concurso à [SCom02...]. – cf. sentença proferida no processo 2322/14.4BEPRT. 6. Em 01.10.2014 foi celebrado o contrato entre o Município ... e a [SCom02...] tendo por objecto o “Fornecimento de Refeições Escolares às Escolas do 1º Ciclo do Ensino Básico e Jardins de Infância da Rede Pública do Município ...” para o ano lectivo 2014/2015. - cf. sentença proferida no processo 2322/14.4BEPRT. 7. Em 8.10.2014 a Executada instaurou, junto do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, acção de contencioso pré-contratual, a que foi atribuído o número 2436/14.0BEPRT, contra o Município ..., peticionando: “1. ANULADO O ACTO DE ADJUDICAÇÃO A SOCIEDADE [SCom02...] LDA., EMITIDO IJO ÂMBITO do CONCURSO PUBLICO Nº 04/14 - FORNECIMENTO DE REFEIÇÕES ESCOLARES ÀS ESCOLAS DO 1.º CICLO DO ENSINO BÁSICO E AOS JARDINS DF INFÃNCIA DA REDE PÚBLICA DO Município ..., CONSUBSTANCIADO NA DELIBERAÇÃO DA CÂMARA MJÍJICLPAL DE GON DOMAR, DE 3 SETEMHRO OE 2014; 2. EXCLUÍDAS AS PROPOSTAS APRESENTADAS PELAS SOCIEDADES [SCom02...] LDA, E [SCom03...], LDA; 3. SER ANULADO O CONTRATO OE FORNECIMENTO DE REFEIÇÕES QUE EVENTUALMENTE TENHA SJDO OU VENHA A SER CELEBRADO NA PENDÊNCIA DA PRESENTE AÇÇÃO ENTRE O RÉU E A [SCom02...] LDA; 4. E SER O RÉU CONDENADO À PRÁTICA OD ACTO DF ADJUDICAÇÃO DO REFERIDO CONTRATO À AUTORA, COM A CONSEQUENTE CELEBRAÇÃO DO MESMO COM A AUTORA. – Cf. fls. 1 e ss. do processo 2322/14.4.BEPRT e apensos; 8. O processo 2436/14.0BEPRT foi apensado ao processo 2322/14.4BEPRT. – Cf. fls. s/n do processo 2322/14.4.BEPRT e apensos; 9. Em 7.12.2015 o TAF do Porto proferiu decisão no processo 2322/14.4BEPRT e apensos da qual se extrai VI - Decisão final Ante o exposto, decido o seguinte : (i) Julgo procedente, por provado, o pedido de anulação do acto de adjudicação e do contrato celebrado na sequência do mesmo, com fundamento nos vícios de violação de lei por incumprimento do dever de exclusão das propostas apresentadas pela [SCom02...] e pela [SCom03...]; (ii) Julgo improcedente, por não provado, o pedido de anulação do acto de adjudicação com fundamento no vício de violação de lei por incumprimento do dever de exclusão da proposta apresentada pela [SCom01...]; (iii) Em consequência, condeno o R. Município ... à adjudicação do fornecimento à proposta apresentada pela [SCom01...] e a com esta celebrar o respectivo contrato. – doc. 6237672 do processo 2322/14.4BEPRT e apensos; 10. Na sequência da interposição de recurso, a decisão referida no ponto anterior foi confirmada por Acórdão do TCA Norte de 8.4.2016. – fls. 19712 e ss. do processo 2322/14.4BEPRT e apensos; 11. Na sequência da interposição de recurso, o Acórdão referido no ponto anterior foi confirmado por Acórdão do STA de 11.1.2017. – fls. 7610 e ss. do processo 2322/14.4BEPRT e apensos; 12. O contrato referido em 6. foi renovado por mais dois anos lectivos. – Facto não controvertido; 13. O contrato de “Fornecimento de Refeições Escolares às Escolas do 1º Ciclo do Ensino Básico e Jardins de Infância da Rede Pública do Município ...” foi executado pela [SCom02...] nos anos lectivos de 2014/2015, 2015/2016 e 2016/2017. – Facto não controvertido; 14. Nos anos de 2014 a 2017 a actividade da Exequente desenvolveu-se no sector do fornecimento de refeições, incluindo ao sector escolar, sector hospitalar e prisional, com contratos públicos e privados, - Declarações de «AA»; 15. Representando o sector de fornecimento de refeições escolares a entidades públicas cerca de 52% da actividade da A. - Declarações de «AA»; 16. Nos exercícios de 2014 a 2017 a Exequente obteve os seguintes resultados dos exercícios, apurando-se a média infra indicada
- cf. resposta ao quesito 1 constante do relatório pericial e esclarecimentos a este, documentos 1 e ss. do requerimento da A. de 2.11.2020 (relatório e contas dos anos de 2014 a 2017); 17. Entre os anos de 2014 e 2017 a Exequente obteve uma margem bruta média de 37,04%, uma margem líquida de 4,12% e um resultado líquido de cerca de 2,68%. – Resposta ao quesito 1 no relatório pericial. IV.2. FACTOS NÃO PROVADOS Com relevância para a apreciação das questões que ao tribunal cumpre solucionar, não se provaram os seguintes factos: 1. Aquando da apresentação da proposta ao Concurso a Exequente aplicou e previu auferir uma margem de lucro de 0,000001 € por refeição fornecida, 2. Reflectindo a Nota Justificativa apresentada o quadro de custos previstos suportar pela A. e de lucros previstos auferir. Fundamentação de facto A matéria de facto provada resultou da consideração dos meios de prova produzidos à luz regras gerais de distribuição do ónus da prova, nos termos dos arts. 342.º e ss. do CC e 83.º, n.º 3 do CPTA. Na formação da convicção do Tribunal quanto à matéria de facto procedeu-se a uma avaliação das várias versões relativas ao circunstancialismo factual do caso dos autos, analisando as provas que militam a favor de cada uma das hipóteses. Valorou-se a prova de forma global com vista a formar a convicção sobre a totalidade dos factos, com apoio nos critérios de prova que conferem prevalência a uma hipótese sobre a hipótese alternativa, designadamente a coerência, a confirmação ou refutação pelos dados empíricos, a simplicidade, a probabilidade prática da ocorrência do facto, o apoio em meios de prova diversificados, e a aptidão para extrair novos elementos factuais. Neste contexto teve-se em consideração que a versão factual que terá correspondência à realidade é não só adequada a obter múltiplas provas, como coerente com todas as provas e perspectivas e dotada de maior coesão num contexto de probabilidade. A respeito dos meios de prova foi considerada a prova testemunhal, valorando-se os depoimentos incidentes sobre circunstâncias ou eventos que a testemunha constatou por si própria e os termos em que a presenciou e ponderados/valorados os depoimentos indirectos pela sua verosimilhança, convencimento que resultou do mesmo e/ou pela sua sustentabilidade face à restante prova produzida. A credibilidade das testemunhas foi avaliada em função de circunstâncias subjectivas (em face do interesse no resultado da causa, as relações da testemunha, a sua pertença a grupo de interesses, as relações sociais com as parte), objectivas (conformidade do depoimento com as regras da experiencia, probabilidade de ocorrência dos factos, o grau de corroboração ou infirmação dos factos afirmados por outros meios de prova, a sua coerência interna e externa) e, bem assim, à luz das condições psicológicas evidenciadas pela testemunha, como o seu grau de nervosismo, de assertividade e, no essencial, a sua conduta na audiência final. Valorou-se a contextualização espontânea e plausível do relato, em termos temporais, espaciais e até emocionais, existência de corroborações periféricas, produção inestruturada, descrição de cadeias de interacções, reprodução de conversações, existência de correcções espontâneas, segurança/assertividade e fundamentação, vividez e espontaneidade das declarações e reacção da testemunha perante perguntas inesperadas, autenticidade. Relevaram-se, ainda, as declarações de parte do representante legal da Exequente, sujeitas à livre apreciação do tribunal, repudiando um pré-juízo de desvalorização das declarações de parte, assumindo-se que o interesse na causa é ponderado como um dos factores a ter em conta na valoração do testemunho e apreciando-se as declarações de acordo com a experiência e bom senso. Neste contexto, assumiu o Tribunal, os seguintes parâmetros na valoração das declarações de parte: secundarização do funcionamento da coerência como parâmetro de credibilização das declarações de parte e relativização de um discurso no qual são enxertados amiúde detalhes que favoreçam a posição que sustenta no processo, optando-se pela valorização da contextualização espontânea e plausível do relato, em termos temporais, espaciais e até emocionais, existência de corroborações periféricas, produção inestruturada, descrição de cadeias de interacções, reprodução de conversações, existência de correcções espontâneas, segurança/assertividade e fundamentação, vividez e espontaneidade das declarações, reacção da parte perante perguntas inesperadas, autenticidade. A prova documental foi valorada em concordância com o disposto nos arts. 362.º e ss. do CC, indicando-se em cada um dos pontos do probatório os elementos documentais que estiveram na base da demonstração do facto e da formação da convicção do Tribunal. Dispensamos, pois, nesta sede e quanto à factualidade demonstrada por via documental, de repetir a indicação do documento subjacente à mesma, exactamente por o mesmo estar já revelado no correspondente ponto dos Factos Provados. Foi, ainda, valorada positivamente a prova pericial realizada e os esclarecimentos prestados pelo senhor perito na medida em que, pela sua concretização e clareza, não suscitou ao Tribunal razões que levassem ao afastamento das razões e conclusões ali evidenciadas. Esclarece-se, neste ponto, que não obstante a produção de prova pericial comportar em regra um juízo de valoração e apreciação de factos a realizar pelo perito, a mesma não deve ser realizada de molde a que tal apreciação seja furtada à reapreciação do julgador. É que o perito informa e o juiz decide (art. 389.º do CC). Daqui resulta que, cabendo ao Tribunal apurar qual a indemnização a atribuir às Exequentes e, concretamente face aos termos alegados, apurar (na medida do possível) qual o valor do lucro que a Exequente teria na hipótese de ter executado o contrato, a resposta dada ao quesito b., não podendo conduzir à substituição do Tribunal pelo perito, serve apenas como critério ao juízo a formular pelo Tribunal em sede de direito. Neste sentido o Tribunal extraiu da prova pericial os factos para cujo apuramento careceu dos conhecimentos especiais do perito, fazendo assentar a sua convicção nos elementos obtidos na perícia e expostos seja nos relatórios produzidos, seja nos esclarecimentos prestados. Assim, provou-se os pontos 16 e 17 com base no relatório pericial, cujas conclusões se mostram fundadas na análise da informação financeira e contabilística da Exequente, não tendo sido trazidos aos autos elementos que determinem a ausência de suporte das respostas dadas pelos peritos. Mais foram dados como provados os factos resultantes de acordo das partes, o que ficou indicado no concreto ponto do probatório. Foram prestadas declarações de parte por «AA», administrador do Conselho de Administração da [SCom01...] desde 2019 e, bem assim, foi ouvido como testemunha, «BB», director comercial da [SCom01...] há 23 anos e que indicou ter participado na elaboração da proposta apresentada ao Concurso. Neste ponto, cumpre esclarecer que, seja em sede de declarações de parte, seja de depoimento de testemunha, o Tribunal não considerou o que se reputou serem meras opiniões e juízos especulativos, resultantes da circunstância de, em parte, a parte e testemunha estarem a debruçar-se sobre cenários hipotéticos respeitantes ao lucro que a Exequente obteria com a execução do contrato. Assim, retenha-se que no que respeita à consideração dos índices económicos adequados para o apuramento do lucro previsto obter, as declarações de «AA» mais não consubstanciam que uma opinião técnica resultante dos seus conhecimentos na área económica e contabilística (já que exerceu funções de ROC). E tratando-se de opiniões técnicas o que daí se extrai não consubstancia factualidade a demonstrar, mas tão só dotar uma tentativa de questionar o critério obtido em sede de relatório pericial. Quanto aos factos 15 e 16 o Tribunal considerou as declarações de parte de «AA», o qual, pela sua qualidade de administrador da A., revelou um conhecimento aprofundado sobre a actividade desta. As suas declarações mostraram-se coerentes, uniformes e sustentadas, denotando conhecer o mercado e, no essencial, os termos em que a actividade da Exequente se desenvolve. Neste sentido, identificou que a actividade actual da A. não diverge da exercida entre 2014 e 2017, enunciando de forma sustentada que actua no mercado do fornecimento de refeições e decompondo, com referência a percentagens, a maior incidência no sector escolar com primordial relevância nos contratos celebrados com entidades públicas. A forma concretizada e fundamentada com que depôs conduziu o Tribunal a convencer-se do seu depoimento no que a esta factualidade respeita. Quanto a 1 e 2 dos factos não provados não obstante a indicação na nota justificativa do preço apresentada pela A. aquando da sua proposta o Tribunal considerou que a mesma não reflectia o lucro previsto obter pela Exequente com a execução do contrato, nem tão pouco a estrutura de custos. Com efeito, o Tribunal conjugou as declarações de «AA» com o depoimento de «BB», cuja razão de ciência emerge da sua qualidade de director comercial da A. tendo colaborado na elaboração da proposta. A testemunha, de forma consistente e objectiva, esclareceu pormenorizadamente os termos em que a proposta foi elaborada, notando as exigências do procedimento concursal em conformidade e com sustentação no que resulta seja do Anexo A1 do Programa de Procedimento do Concurso, que definia o número de trabalhadores exigindo a indicação dos valores dos encargos com estes, seja do Caderno de Encargos no que respeita a ementas e matérias primas. Deu nota que a consideração do lucro indicado na Nota Justificativa resultou dos elementos pré-considerados nas peças do procedimento e que não permitiam muita liberdade na sua enunciação pelos concorrentes, mas que não consideravam os termos da real execução do contrato no que respeitava às vantagens concorrenciais da A. no mercado em que actua, quanto a negociação de preços com os fornecedores. Concretizou, ainda, o funcionamento do mercado à data, esclarecendo que a inserção de margens de lucro irrisórias em sede de nota justificativa tratava-se de uma forma utilizada para elaboração das propostas que permitia a sua apresentação competitiva, mas que não considerava os ganhos trazidos pela execução contratual ao nível negocial. O seu depoimento foi, de resto, corroborado de forma consistente por «AA» que, embora não tenha intervindo na elaboração da proposta, esclareceu a forma como é obtida a diminuição de custos em sede de execução contratual, a justificar que a inserção desse tipo de margem na nota justificativa não tem coerência com o lucro que efectivamente o concorrente prevê obter e que o quadro de custos considerado resultava da forma como as peças do procedimento eram, à data, elaboradas. Efectivamente, importa dar nota que, in casu, a formação do preço encontrava-se limitada ab initio por um conjunto de factores pré-definidos, como sejam os que resultam do Anexo A1 do Programa de Procedimento do Concurso, que definia o número de trabalhadores exigindo a indicação dos valores dos encargos com estes e do Caderno de Encargos no que respeita a ementas e matérias primas que, no essencial, limitavam os concorrentes nessa formação de preço. Por outro lado, a necessidade de tornar a proposta competitiva sem expor aos demais concorrentes os elementos da actividade do concorrente, justificam, à luz das regras da experiência, que, na apresentação dessas propostas, os concorrentes enunciem a formação do preço de forma não totalmente conforme à realidade, designadamente não considerando as vantagens comerciais que poderão obter na negociação com os seus fornecedores. Ademais, em termos de regras da experiência não se afigura verosímil que uma empresa com a dimensão da A., previsse, aquando da apresentação da proposta, auferir um lucro praticamente irrisório como o que resultaria da aplicação do montante de 0,000001€ ao número de refeições. Face ao exposto, o Tribunal não considerou demonstrado, como alegado pela R., que efectivamente fosse o referenciado valor correspondente ao lucro previsto pela A. aquando da execução do contrato, não sendo suficiente para essa prova a nota justificativa do preço apresentada aquando da proposta.» Retomemos, enfim, as questões acima enunciadas. 1ª Questão A sentença recorrida padece de erro de julgamento de direito em matéria de facto quanto ao ponto 1 dos factos não provados, na medida em que não julgou provado o objecto das declarações contidas no documento 1 junto com o requerimento de 20/11/2020, designadamente a de que a exequente auferiria o lucro de 0,000001 € por refeição servida, pois, tratando-se de um documento particular assinado e não impugnado, resultava da conjugação dos artigos 374º nº 1 e 376º nº 1 do CC que o mesmo fazia prova plena desse facto? Recordemos o facto não provado nº 1. Não se provou que: “1. Aquando da apresentação da proposta ao Concurso a Exequente aplicou e previu auferir uma margem de lucro de 0,000001 € por refeição fornecida”. O artigo 374º nº 1 d CC dispõe: “A letra e a assinatura, ou só a assinatura, de um documento particular consideram-se verdadeiras, quando reconhecidas ou não impugnadas pela parte contra quem o documento é apresentado, ou quando esta declare não saber se lhe pertencem, apesar de lhe serem atribuídas, ou quando sejam havidas legal ou judicialmente como verdadeiras.” Por sua vez o nº 1 do artigo 376º do mesmo diploma reza assim: O documento particular cuja autoria seja reconhecida nos termos dos artigos antecedentes faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento. No que respeita ao artigo 374º nº 1 do CC é manifesta a falta de sentido da sua alegação, já que o discurso de fundamentação da decisão de facto, na sentença recorrida, não põe em causa, seja tácita seja expressamente, a genuinidade da assinatura de qualquer documento pelo legal representante da Exequente. No que respeita à invocação do artigo 376º nº 1 a argumentação da recorrente nesta questão releva de um erro de interpretação análogo àquele relativamente ao qual se tornou “de escola” advertir o aplicador do direito, quanto ao verdadeiramente disposto no artigo 371º nº 1 do mesmo Código sobre a força probatória dos documentos autênticos. Referimo-nos à destrinça que sempre se impõe fazer entre os “factos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora”, designadamente e para o que aqui interessa, as declarações que o oficial público atesta terem sido emitidas na sua presença, por um lado, e o objecto destas declarações, por outro, no sentido de que só aquele primeiro facto, efectivamente percepcionado, fica plenamente provado. Também quanto ao disposto no artigo 476º nº 1 do CC sobre o documento particular “cuja autoria seja reconhecida nos termos dos artigos antecedentes” se impõe fazer a distinção conceptual entre as “declarações atribuídas ao seu autor” por um lado, e o objecto destas, designadamente os factos nelas narrados ou descritos, por outro, no sentido de que apenas a emissão das primeiras se pode e deve considerar plenamente provada. Feita esta distinção, que não é mais do que uma precisão lógica, fica evidente que a sentença recorrida, ao dar como não provado o facto nº 1, não violou, sequer, o artigo 376º nº 1 do CC. Desta norma apenas decorria a prova legal – salva falsidade – de que a Executada emitira a declaração escrita de que, com o preço proposto, se propunha auferir uma margem de lucro de 0,000001 € por refeição fornecida: não que efectivamente se propusesse auferir apenas esse lucro; e muito menos que, objectivamente, a proposta apenas lhe permitiria auferir esse irrisório lucro. Pelo exposto, a resposta a esta 1ª questão é negativa. 2ª Questão A sentença recorrida devia ter seleccionado como facto provado e relevante que “a exequente apresentou no concurso objecto dos presentes autos, uma proposta e nota justificativa do preço, onde o lucro por cada refeição era de 0,000001 €”? Conforme revelam a sua estrutura e o seu objecto, a execução de uma sentença em matéria de anulação de actos administrativos ou de condenação à sua prática é um processo que, embora assente num conjunto de pressupostos de facto e de direito que, por julgados, se tornaram incontrovertíveis, sempre tem umas natureza e estrutura de acção declarativa quanto a esses outros que, relevantes para o julgamento sobre a inexecução e a determinação do modus concreto da execução, careçam de instrução e decisão sobre a sua prova. É nesse sentido que MÁRIO AROSO DE ALMEIDA E CARLOS FERNANDES CADILHA, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2017 – 4ª edição, Almedina, pág. 1294) afirmam que o processo de execução de sentenças de anulação “…assume a natureza de um processo primacialmente declarativo, em que se vai discutir pela primeira vez o conteúdo das relações jurídicas emergentes da anulação (ou da declaração de nulidade) de um acto administrativo…”. Quanto à alegação desses factos relevantes e ainda em aberto valem os princípios do dispositivo, do contraditório e do inquisitório, bem como a delimitação dos poderes/deveres de cognição do tribunal traçada em geral no artigo 5º nºs 1 e 2 do CPC. Designadamente: 1 - Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções invocadas. 2 - Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz: a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa; b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar; c) Os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções. Assim, para se responder à pergunta sobre se o juiz a quo devia ter seleccionado como facto provado esse de que a exequente apresentou no concurso objecto dos presentes autos uma proposta e nota justificativa do preço onde o lucro por cada refeição era de 0,000001 €, há, antes de mais, que verificar se tal facto foi alegado, designadamente na contestação do executado. Depois, no caso negativo, haveria que julgar, a partir do alegado pela recorrente, se esse facto, apesar de não alegado, resultou da instrução da causa e era instrumental ou complementar relativamente a um concreto facto efectivamente alegado e, neste último caso, se fora dada oportunidade ao Exequente para se pronunciar sobre a prova dele e o seu relevo na decisão da causa. Por último haveria que apreciar se o facto alegadamente omitido ou ignorado pelo Tribunal era um facto notório ou conhecido em virtude do exercício das suas funções, sendo certo que neste último caso nada dispensaria o dever de dar contraditório às partes (artigo 3º nº 2 do CPC). Percorrida a contestação, verificamos que o facto não foi alegado. Percorridas alegações e conclusões do recurso, não se topa com a menção do facto alegado de que este outro fosse instrumental. O Tribunal não encontra na contestação relação de instrumentalidade com facto alegado na contestação, desde logo porque não se alegou que o lucro que a proposta se prestava a auferir fossem apenas 0,000001 € por refeição. Não vem identificado nem vemos, tão pouco, facto alegado de que este possa dizer-se complementar. Facto notório, manifestamente, não é. Tão pouco se pode ter este facto como um desses que o tribunal deve considerar por o ter conhecido no exercício das suas funções. É certo que a sua ocorrência está documentada no procedimento concursal junto aos autos, mas daí não decorre, a não ser que o tribunal o diga expressamente, que se trata de um facto de que o tribunal teve conhecimento por virtude do exercício das suas funções. Tanto basta para se poder julgar quer o Tribunal a quo não estava obrigado a mencionar, na especificação dos facos provados e relevantes, esse de que “a exequente apresentou no concurso objecto dos presentes autos, uma proposta e nota justificativa do preço, onde o lucro por cada refeição era de 0,000001 €”. Esta questão, aliás, revela-se inócua para o recurso, pois toda a fundamentação da não prova do facto não provado “um” vem feita no pressuposto da aceitação deste outro facto, consistindo numa explicitação dos motivos por que a sua realidade não obstava ao juízo de “não provado” relativamente ao facto não provado 1. Quer dizer, a sentença recorrida não especificou como provado esse facto agora em causa (que a exequente apresentou no concurso objecto dos presentes autos, uma proposta e nota justificativa do preço, onde o lucro por cada refeição era de 0,000001 €) mas, na discussão da matéria de facto, deu-o tacitamente como provado e recusou expressamente a sua força probatória relativamente à prova daquele outro, dado como não provado. Pelo exposto é negativa a resposta a esta 2ª questão. 3ª Questão A sentença recorrida errou no julgamento de direito quanto à fixação do valor da indemnização a atribuir à Exequente, violando o disposto no n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, porquanto não se socorreu dos critérios adequados para calcular a indemnização, designadamente: - Pressupôs infundadamente que a proposta da exequente tinha em vista não apenas gerar lucros, mas também e sobretudo a permanência no mercado; - Laborou sobre uma estimativa de lucros infundada e desproporcional (porque baseada apenas nas demonstrações financeiras da exequente) e não na declarada pela exequente conforme o sobredito facto provado a aditar. Uma parte desta questão está prejudicada pela reposta negativa às primeira e segunda questões. Com efeito, se não ocorreu o alegado erro de direito objecto da questão de facto sobre a prova ou não prova do facto não provado 1; e se não havia que aditar aos factos provados esse outro de que a exequente entregara, no procedimento concursal, uma declaração de que se propunha auferir o lucro de 0,000001 € por refeição, então não se pode dizer que se tenha errado de direito ao determinar a indemnização do dano da inexecução da sentença com base num lucro cessante calculado sem ter em consideração o lucro alegadamente preconizado naquela declaração. Quanto ao mais, isto é, no mais que se supõe para dizer violado o artigo 566º nº 2 do CC, a questão labora num pressuposto de facto que não foi alegado nem está dado como provado, a saber, que a exequente não concorreu tanto tendo em vista auferir lucros como, sobretudo, com o objectivo de permanecer no mercado, pelo que, com este argumento, não se pode dizer que tenha sido violada tal norma. Julgamos, porém, que, como a própria recorrente admite, o nº 2 do artigo 566º do CC não se prestava, de todo, a fixar a medida daa indemnização devida à exequente pelo dano da inexecução da sentença declarativa. Com efeito, dado que apenas nos podemos representar expectativas inverificadas e inverificáveis, sobre factos que não ocorreram, isto é, a execução inocorrida, num tempo já decorrido, de um contrato de prestação de serviços, não é teórica nem praticamente possível operar esse raciocínio exacto do cálculo da diferença entre duas situações patrimoniais concretas, que o nº 2 do artigo 566º do CC enuncia. Desde logo, muitas intercorrências poderiam dar-se, ou não, com repercussão no cumprimento ou incumprimento do contrato; o contrato inicial poderia ter sido renovado, ou não, pela necessária iniciativa Recorrente, a gestão da execução poderia ter sido melhor ou pior, como reflexos nos lucros ou até em prejuízo. Enfim, não era nem é possível conhecer o “valor exacto dos danos” no interesse contratual positivo da exequente em consequência de não ter podido exercer o seu direito a celebrar e executar o contrato objecto do concurso. Por isso julgamos que se estava perante um caso em que se impunha o recurso à equidade, conforme impõe o nº 3 do mesmo artigo 566º, segundo o qual “se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados”. A própria sentença recorrida revela conformar-se com os pressupostos de uma fixação da indemnização por recurso à equidade “(…) cumpre notar que não se assume como desprovido de dificuldade a quantificação do valor dos lucros que a Exequente auferiria com a execução do contrato num quadro em que esta, efectivamente, não forneceu as refeições escolares. Por isso, sem prejuízo de se assentar essa quantificação na factualidade dada como provada, a mesma não pode deixar de ser feita com recurso a juízos prognósticos de verosimilhança e probabilidade. e acaba por fazer um julgamento nesses termos embora nunca chegue a invocar o nº 2 do artigo 566º do CC: Com efeito, todas as estimativas que opera, por muitas contas que sejam feitas, por muito que cheguem à unidade de Euro, não são mais do que um modo concreto de julgar equitativamente, putativamente nos limites dos facos provados, tal como impõe o citado nº 3. Assim sendo, concluímos que a sentença recorrida não violou o artigo 566º nº 2 do CC na determinação da indemnização a arbitrar, simplesmente por que não aplicou tal norma, nem a mesma era aplicável in casu. É negativa, portanto, a resposta a esta 3ª questão. 4ª Questão Na impossibilidade de equacionar os termos do nº 2 do artigo 566º do CC, a sentença devia ter fixado a indemnização com recurso à equidade, nos termos do nº 3 do mesmo artigo 566º, pela qual se chegaria a um valor de 37 362,97 €, correspondente a metade da percentagem dos 5% do valor da proposta, que são considerados no ac. do STA de 13/07/2021, no processo 1676/14.7 BEPRT-A, disponível em www.dgsi.pt, percentagem que in casu carece desta redução por o seu resultado (74 275,93 €) se mostrar ainda “manifestamente exagerado”? Está aqui em crise, antes de mais, o mérito do (inominado) julgamento de equidade feito pelo tribunal a quo na fixação da indemnização pela inexecução da sentença dada na acção declarativa. Julgamos que o método seguido não foi o melhor, isto é, não foi o mais adequado aos limites do provado. É certo que se partiu de factos tidos por provados, designadamente que “os resultados das demonstrações financeiras da Exequente, cujos relatórios e contas foram certificados pelo Revisor Oficial de Contas garantindo-lhes credibilidade” revelavam “a média da margem de lucro bruta, liquida e o resultado liquido do projecto, dos anos de 2014 a 2017. Concretamente, margem (lucro) bruta (média) de 37,04%, margem (lucro) líquida (média) de 4,12% e o resultado líquido (médio) de 2,68%.” Porém, não só se supôs uma renovação automática do contrato, por vários anos, quando o certo é que o contrato previa a renovação, sim, mas apenas por iniciativa do contratante público, como se partiu de resultados gerais, para cuja replicação na sorte deste concreto contrato não se vê motivo racional. Adequado aos limites do provado julgamos ser, outrossim, o raciocínio de aplicar uma taxa de lucro verosímil e eticamente aceitável ao valor, certo e determinado, da proposta. Visto o acórdão invocado pela recorrente, não topamos qualquer menção de que uma taxa de 5% do valor da proposta seja a ali tida por verosímil equitativa ou, sequer, aplicada. Vistas as decisões das instâncias nesse processo, verifica-se que tão pouco aí se laborou em tal pressuposto. A referida percentagem não pode ser mais do que o resultado de uma operação aritmética a posteriori sobre os valores da proposta e da margem de lucro hipotético a que ali, por outras vias, se chegou. Uma margem de lucro de 10% afigura-se-nos verosímil, dentro do ético-juridicamente aceitável e, na circunstância, equitativo. Porém, não há razões para a referir a mais do que o valor da proposta do único contrato cuja adjudicação era directa e efectivamente objecto do concurso. Como já se deixou aflorado, entre a adjudicação – praticamente certa para a exequente, não fora a inexecução – e as hipotéticas renovações, está a alia de uma renovação da vontade contratual da entidade adjudicante, que introduz uma solução de continuidade no nexo de causalidade entre a inexecução da sentença e um alegado dano por não se ter executado o contrato nos anos objecto da hipotética renovação. Aplicando a percentagem de 10% ao valor da proposta (1.485.518,75 €,) depara-se-nos, arredondadamente, o valor de 148 500 €. Sobre esta quantia, que não é fixada com fundamento em um lucro concreto e provado, mas apenas numa hipótese, e tomada como referência para se chegar a um valor equitativo actual, apenas acrescerão juros de mora a partir do trânsito em julgado da presente decisão. Assim a resposta a esta questão é positiva, no sentido de que houve erro de julgamento de direito na concretização do julgamento de equidade, e reputamos equitativa e devida, pela inexecução da sentença exequenda, a indemnização de 148 500 €. Conclusão Do exposto quanto à derradeira questão resulta a procedência parcial do recurso, devendo fixar-se a indemnização, devida pela Recorrente à exequente pela inexecução da sentença, em 148 500 €, a que acrescerão juros de mora comerciais desde o trânsito da decisão que puser termo ao processo, conforme já decorre do mais decidido, e não impugnado, na 1ª instância. Custas As custas, da acção e do recurso, serão repartidas em função do vencimento, que se fixa, para a executada em 63%, na acção, e 80%, no recurso; e, para a exequente, em 37% e 20%, respectivamente, tudo conforme artigo 527º do CPC. Dispositivo Assim, acordam em conferência os juízes da subsecção de contratos públicos da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal em conceder parcial provimento ao recurso, fixando o valor da indemnização pela inexecução da sentença na quantia de 148 500 €, a que acrescerão juros de mora comerciais desde o trânsito em julgado da decisão que puser termo ao processo. Custas, na acção e no recurso, por ambas as partes, em função do respectivo decaimento em cada instância, conforme especificado supra. Porto, 13/9/2024 Tiago Afonso Lopes de Miranda Ricardo Jorge Pinho Mourinho de Oliveira e Sousa Maria Clara Alves Ambrósio |