| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte - Subsecção Social -:
RELATÓRIO
Nos presentes autos em que é Autor Dr. «AA» e Réu o
Conselho Superior da Ordem dos Advogados, ambos neles melhor identificados, foi proferida sentença pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que julgou verificada a exceção dilatória de caducidade do direito de ação ou de intempestividade da prática do ato processual e, em consequência, absolveu a Entidade Demandada da instância.
Desta vem interposto recurso.
Alegando, o Autor formulou as seguintes conclusões:
i) A Sentença apelada, id est: o despacho saneador, pôs termo ao processo sem realização de audiência prévia, por alegada procedência de excepção dilatória, com esteio no artigo 87.°-B, n.° 1, do CPTA;
ii) Acresce que o Tribunal singular judicante tampouco procedeu ao exame efectivo dos argumentos e meios de prova oferecidos e, inclusive, requeridos pelo Autor;
iii) Foi a norma jusprocessual invocada para essa decisão aplicada, determinantemente, portanto, segundo a interpretação ad hoc de que «a audiência prévia não se realiza quando seja claro que o processo deve findar no despacho saneador pela procedência de excepção dilatória sem que o tribunal tenha procedido ao exame efectivo dos meios, argumentos e provas oferecidas e requeridas pela parte que contesta os fundamentos da excepção alegada»;
iv) É essa interpretação normativa, porém, materialmente inconstitucional, porquanto ofensiva do princípio jusfundamental do processo equitativo, no quadro da garantia constitucional de acesso à tutela jurisdicional efectiva;
v) Por consequência, resulta esse julgado nulo pleno jure, por força conjugada dos artigos 204.° e 3.°, n.° 3, da CRP: terá, portanto, de ser superiormente revogado;
vi) Todavia, sobre algo mais caberá ao Tribunal de recurso certamente emitir pronúncia, em virtude do providencialmente estatuído no artigo 149.°, n.° 3, do CPTA;
vii) Isto porque, ao dessarte julgar procedente a excepção dilatória in concreto deduzida pelo Réu, o Tribunal a quo acabou por julgar de meritis a própria acção proposta, porquanto é, essencialmente, a respectiva causa de pedir que, in limine, declarou infundada: a nulidade intrínseca do acto conciliar da Ordem dos Advogados impugnado;
viii) Ora, o preceito jusprocessual supramencionado prevê, justamente, que, em caso de revogação da decisão apelada que não conheceu do pedido, o Tribunal de recurso, nada a seu juízo obstando, conheça do mérito da causa;
ix) Está em causa, portanto, preliminarmente, a questão da invalidade do acórdão de 24-9-1993 do CGOA que, sem audição prévia, sentenciou a suspensão sine die da inscrição do Autor no quadro geral da Ordem dos Advogados por pretextada “incompatibilidade”;
x) Consistindo a dita “incompatibilidade” no exercício coetâneo da função de revisor oficial de contas, será bom de ver, face ao estabelecido, principalmente, no artigo 69.° do EOA vigorante à época, que tal deliberação ordinal, simul:
- acusa usurpação pontual de poder próprio do legislador;
- é estranha às atribuições estatutárias do órgão seu autor;
- consuma um crime contra a realização da justiça; e
- ofende o conteúdo essencial dum direito fundamental,
xi) ou seja, por força do disposto, respectivamente, nas alíneas a), b), c) e d) do n.° 2 do artigo 133.° do CPA então vigente: resulta esse acto administrativo nulo ipso jure, sim, a quatro títulos distintos;
xii) Por alcance do artigo 134.°, n.° 1 e n.° 2, também do CPA de 1991, tal acórdão, porque nulo, nunca produziu quaisquer efeitos jurídicos, independentemente da competente declaração de nulidade, que, ademais, pode ser a todo o tempo declarada, mormente, pelos tribunais administrativos;
xiii) Também o acórdão de 5-7-2022 do CSOA sob impugnação resulta, por conseguinte, írrito e nulo: de nenhum efeito.
36. Fazendo no caso, como sói, sã e inteira justiça, deverá o Alto Tribunal ad quem, consequentemente:
(1) Revogar a Sentença recorrida;
(2) Decidir de contínuo conhecer do mérito da pendente causa,
(3) que, competentemente, julgará reconhecendo o bem fundado do duplo pedido do Autor desde o seu peticionado inicial,
o que vai, tudo, expressamente requerido.
O Réu juntou contra-alegações, concluindo:
I - Resulta à evidência dos presentes autos que a decisão proferida pelo Conselho Superior não padece de qualquer vício susceptível de ferir a sua legalidade, designadamente, por nulidade, pelo que o mesmo deve manter-se na ordem jurídica.
II - Com efeito, mantém a Recorrida todos os fundamentos aduzidos no processo judicial em apreço, devendo, em consequência, o recurso ser julgado improcedente, com as devidas consequências legais.
III - Inexistindo qualquer vicissitude em torno da matéria da incompatibilidade entre as funções de Advogado e Revisor Oficial de Contas, conforme resulta à evidência dos fundamentos aduzidos no Acórdão proferido pelo Conselho Superior que o Autor veio impugnar na ação.
IV - É, pois, inelutável que no caso em apreço, o direito de ação caducou, consubstanciando uma exceção que importa a absolvição da Ré, conforme doutamente decidido pelo Tribunal a quo.
V - Assim sendo, como é, sempre estarão as Alegações de recurso a que se responde, conforme já ficou supramencionado, fatalmente votadas ao insucesso por carecerem em absoluto de fundamento que as sustentem.
Pelo exposto,
Deve o presente recurso jurisdicional ser julgado improcedente, por não provado, com as devidas consequências legais, fazendo-se, assim, a tão almejada
JUSTIÇA!
O Senhor Procurador Geral Adjunto notificado, nos termos e para os efeitos do artigo 146º/1 do CPTA, emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso.
A este respondeu o Recorrente nos termos que aqui se dão por reproduzidos.
Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO -
Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:
1) Por ofício n.º ...3, de 28 de setembro de 1993, da escrivã do Conselho Geral da Ordem dos Advogados, foi comunicado ao Autor o acórdão do Conselho Geral de 24 de setembro de 1993, nos termos do qual foi aquele suspenso por existir incompatibilidade entre as funções de advogado e de Revisor Oficial de Contas que exercia (cfr. documento junto com a petição inicial constante a fls. 47 a fls. 52 do suporte digital cujo teor se considera integralmente reproduzido).
2) O ofício mencionado em 1) foi notificado ao Autor em 11 de outubro de 1993 (cfr. artigo 13.º da petição inicial).
3) No dia 24 de maio de 2001 foi proferido acórdão pelo Tribunal Central Administrativo, no âmbito do processo n.º 10604/01, instaurado pelo Autor, com o seguinte teor: “(...) «AA» veio interpor recurso jurisdicional da sentença do TAC do Porto que indeferiu o pedido de suspensão da eficácia da deliberação do Conselho Geral da Ordem dos Advogados aludida no Edital n.º 449/2000, publicada no DR, II Série, de 26/6/2000, por não verificação do requisito referido no artigo 76.º/1/a) da LPTA (...)
OS FACTOS:
Na decisão recorrida foi dado por assente o seguinte:
1 - O requerente tem inscrição definitiva no CGOA desde 16.VII.90;
2 - Em 10.11.95 o CGOA deliberou suspender a inscrição do requerente, por exercer funções de ROC - tudo conforme consta de fls. 8 dos autos, dada por reproduzida na parte pertinente;
3 - Tal decisão foi publicada pelo Edital n.º 449/2000 - in II Série DR, n.º 145 de 26/6/2000 - na folha 8 dita;
4 - Este processo deu entrada em tribunal a 26.09.2000.
O DIREITO:
A decisão recorrida deu por verificados os requisitos referidos nas als. b) e c), do artigo 76.º/1 da LPTA, pretendendo o recorrente que também se encontra preenchida a al. a) daquela disposição legal.
(...)
Através da deliberação suspendenda o ora recorrente ficou inibido de exercer a profissão de advogado, não resultando da matéria de facto apurada que o mesmo venha exercendo cumulativa e actualmente as profissões de economista e de revisor oficial de contas, nem qual dessas três actividades revestia - no momento em foi tomada a deliberação suspendenda -, um carácter principal, não obstante para tal estar habilitado (Cfr. o timbre e o carimbo aposto nas folhas de papel utilizadas pelo ora recorrente).
Ou seja, sobre este assunto nada é possível afirmar, tanto mais que a autoridade recorrida não respondeu ao pedido na 1.ª instância, nem contra-alegou no recurso jurisdicional.
Ora, quer a doutrina quer a jurisprudência administrativas vêm entendendo que a inibição do exercício de uma actividade liberal é susceptível de preencher o condicionalismo legal referido no art.º 76.º/1/a), da LPTA, na medida em que os prejuízos decorrentes dessa inibição serão sempre e por definição insusceptíveis de uma avaliação pecuniária exacta, havendo ainda a referir que as quantificações pecuniárias da não aquisição de nova “clientela” e de perda da já existente também não poderão ser realizadas com rigor.
Acresce que o acima dito se reveste de uma grande acuidade pois que é extremamente elevado o número de licenciados em direito inscritos na Ordem dos Advogados, face à procura dos serviços dessa profissão no nosso País.
Existindo, pois, uma grande “concorrência” na obtenção e fidelização de clientela.
Assim sendo, impõe-se sem necessidade de considerações adicionais dar por verificado o aludido condicionalismo legal e revogar a decisão recorrida, ficando prejudicado o conhecimento de tudo o mais alegado pelo recorrente.
Pelo exposto, acordam em deferir o pedido de suspensão de eficácia e em revogar a decisão recorrida (...)” (cfr. documento junto com a petição inicial constante a fls. 68 a fls. 71 do suporte digital cujo teor se considera integralmente reproduzido).
4) No dia 23 de janeiro de 2002 foi proferida sentença pelo Tribunal Administrativo de Círculo do Porto, no âmbito do processo n.º 1107/01, com o seguinte conteúdo: “(...) «AA» (...) veio requerer a suspensão de eficácia da deliberação do Conselho Geral da ordem dos Advogados mencionada no Edital n.º 449/2000, publicado no DR II° série, n.º 145, 26/6/2000, entretanto objecto da Rectificação n.º 2051/2001, publicada no DR, II Série, de 13/9/2001.
(...)
Com interesse para esta questão temos assente a seguinte factualidade concreta:
Em 26/6/2000 foi publicado no DR II° série um Edital com o n.º 449/2000, em que se dava conta que o conselho geral da ordem dos advogados, por deliberação datada de 10 de Novembro de 1995, havia suspendido a inscrição do Dr. «AA» (...)
Posteriormente em 13 de setembro de 2001 foi publicada no DR II° série a Rectificação n.º 2051/2001 em que se dizia que por ter saído com inexactidão no DR II° série de 26/6/2000, o edital n.º 449/2000, rectifica-se que onde se lê «Faz saber que, por deliberação do Conselho Geral de 10 de Novembro de 1995 foi suspensa a inscrição do Dr. «AA»» deve ler-se «Faz saber que, por deliberação do Conselho Geral de 24 de Setembro de 1993 foi suspensa a inscrição do Dr. «AA»»;
A deliberação publicada no Edital n.º 449/2000 foi objecto de uns autos de suspensão de eficácia que vieram a ser deferidos por Ac. do TCA de 24/5/2001.
(...)
Resulta com clareza da petição destes autos que o requerente pretende agora, de novo, a
suspensão de eficácia da deliberação constante do Edital n.º 449/2000, mas pretende-a com as rectificações que foram introduzidas àquele Edital pela Rectificação n.º 2051/2001. Ou seja, o que efectivamente foi suspenso pelo dito ac. do TCA foi a deliberação dada a conhecer pelo Edital n.º 449/2000 independentemente de ter sido erradamente identificada quanto ao seu momento temporal.
As rectificações agora introduzidas ao Edital n.º 449/2000 em nada alteram a anterior decisão do TCA que decidiu pela suspensão da dita deliberação.
A ser isso permitido poderia a entidade requerida a qualquer momento fazer “tábua rasa” daquela decisão do Tribunal de Recurso e executar a seu bel prazer a própria deliberação. Parece pois que, necessariamente, se tem que entender que a rectificação da deliberação deixa intocada a decisão do TCA e portanto, independentemente de se saber qual é a data dessa mesma deliberação que decidiu suspender a inscrição do requerente terá que ser facto indiscutível que essa mesma deliberação tem os seus efeitos suspensos por aquele Ac. do TCA, logo não há agora que requerer nova suspensão dos efeitos de tal deliberação.
(...)
Por tudo o que fica exposto, julga-se procedente a excepção invocada e em consequência absolve-se a entidade recorrida desta instância (...)” (cfr. documento junto com a petição inicial constante a fls. 74 a fls. 78 do suporte digital cujo teor se considera integralmente
reproduzido).
5) No dia 4 de setembro de 2015 o Relator Adjunto do Conselho de Deontologia do Porto da Ordem dos Advogados elaborou despacho de acusação, no âmbito do processo disciplinar n.º ...14..., no qual se consigna, além do mais, o seguinte: “(...) [declaro] encerrada a fase de instrução do processo, nos termos do art.º 147.º do EOA e por existirem indícios da prática de infração disciplinar, deduzo acusação contra o Sr. Dr. «AA» (...) porquanto indiciam os autos suficientemente
1. O Sr. Dr. «AA» foi inscrito como Advogado em 16/07/1990.
2. Por despacho de 24/09/1993 aquela inscrição foi suspensa por incompatibilidade em virtude do exercício da profissão de Revisor Oficial de Contas.
3. Por comunicação eletrónica de 14/05/2014 dirigida à Exma. Senhora Presidente do Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados, o Sr. Dr. «AA» utiliza na sua identificação a denominação de Advogado e indica o número da respetiva cédula profissional.
4. A referida comunicação foi recebida neste Conselho de Deontologia nessa mesma data (fls. 2);
5. Por carta expedida em 6 de novembro de 2014 o Sr. Dr. «AA» foi notificado para se pronunciar sobre o uso da denominação de advogado bem como da abertura de processo disciplinar, nos termos do art. 146.º, n.º 7 do EOA (fls. 13 e 14).
6. O Sr. Dr. «AA» não respondeu à notificação.
7. O Sr. Dr. «AA» tinha na data em que se dirigiu Exma. Senhora Presidente do Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados e, apesar de tal suspensão, fez uso da denominação de Advogado.
8. Não existem outros factos de que cumpra apurar nem outras diligências instrutórias que
se nos afigurem oportunas levar a efeito.
No nosso entendimento estão em causa no comportamento tido pelo participado a violação do artigo 65.º do EOA (...)
Consideramos que o Sr. Dr. «AA» ao dirigir-se à Exma. Senhora Presidente do Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados fazendo menção da denominação de advogado indicando o número da cédula profissional que lhe foi atribuída, mas que se encontra suspensa, violou a proibição ínsita no normativo atrás citado.
(...)
O Sr. Dr. «AA» cometeu, assim, infração disciplinar, de acordo com os artigos 65.º e 110.º do EOA, punível, em abstracto, nos termos do artigo 125.º do EOA, por uma das penas ali previstas, a graduar nos termos do artigo 126.º do citado diploma.
(...)” (cfr. fls. 20 a fls. 22 do p. a. constante a fls. 176 a fls. 425 do suporte digital cujo teor se considera integralmente reproduzido).
6) No dia 16 de dezembro de 2016 o Relator-Adjunto do Conselho de Deontologia do Porto da Ordem dos Advogados elaborou acusação, no âmbito do processo disciplinar n.º ...79..., com o seguinte conteúdo: “(...)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(...)” (cfr. fls. 37 e fls. 38 do p. a. constante a fls. 426 a fls. 477 do suporte digital cujo teor se considera integralmente reproduzido).
7) No mesmo dia o Relator-Adjunto do Conselho de Deontologia do Porto da Ordem dos Advogados proferiu acusação, no âmbito do processo disciplinar n.º ...15..., com o seguinte teor: “(...)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(...)” (cfr. fls. 21 e fls. 22 do p. a. constante a fls. 478 a fls. 517 do suporte digital cujo teor se considera integralmente reproduzido).
8) Em 20 de março de 2017 foram os processos disciplinares n.° ...79... e n.° ...15... apensos ao processo disciplinar n.° ...14... (cfr. fls. 29 do p. a. constante a fls. 176 a fls. 425 do suporte digital cujo teor se considera integralmente reproduzido).
9) No dia 13 de setembro de 2018 o Relator do Conselho de Deontologia do Porto da Ordem dos Advogados elaborou o relatório constante a fls. 35 a fls. 41 do p. a. constante a fls. 176 a fls. 425 do suporte digital, no qual concluiu que “(...) À data da prática dos factos, o arguido tinha averbado no seu registo disciplinar uma pena de suspensão.
O arguido actuou com dolo.
Não concorrem quaisquer circunstâncias atenuantes.
Ante o exposto, e considerando o elenco de penas previstas no artigo 125.º, n.º 1 do EOA (Lei n.º 15/2005, de 26/01) a que corresponde o artigo 130.º da Lei n.º 145/2015 de 09/09, entende-se que a pena disciplinar mais adequada ao caso será a pena de suspensão
pelo período de um ano prevista na alínea e) do preceito primeiramente enunciado (...)” (cfr. fls. 35 a fls. 41 do p. a. constante a fls. 176 a fls. 425 do suporte digital cujo teor se considera integralmente reproduzido).
10) Após realização da audiência pública de julgamento, em 22 de fevereiro de 2019, por acórdão, da mesma data, dos Membros do Conselho de Deontologia do Porto da Ordem dos Advogados foi o relatório final referido em 9) sufragado e o Autor condenado na pena disciplinar de suspensão pelo período de um ano por violação dos artigos 65.º e 83.º do EOA, na redação da Lei 15/2005, de 26/01 a que correspondem os artigos 70.º e 88.º do EOA em vigor (cfr. fls. 55 a fls. 56 verso do p. a. constante a fls. 176 a fls. 425 do suporte digital cujo teor se considera integralmente reproduzido).
11) No dia 21 de julho de 2019 o Autor apresentou o “recurso hierárquico” constante a fls. 69 a fls. 83 do p. a. constante a fls. 176 a fls. 425 do suporte digital cujo teor se considera integralmente reproduzido.
12) No dia 22 de julho de 2019, o Recorrente apresentou o “recurso hierárquico” constante a fls. 138 a fls. 151 do p. a. constante a fls. 176 a fls. 425 do suporte digital cujo teor se considera integralmente reproduzido.
13) No dia 5 de julho de 2022 o Relator do Conselho Superior da Ordem dos Advogados elaborou um parecer com o seguinte teor: “(...) [vem] o Sr. Dr. «AA» recorrer para este Conselho Superior da pena que lhe foi aplicada por Acórdão de 22 de fevereiro de 2018 pelo Conselho de Deontologia do porto que lhe aplicou uma pena de suspensão pelo prazo de um ano.
O Sr. Dr. «AA» pugna pela sua absolvição.
Cumpre, antes de mais, deixar claro que o arguido inscreveu-se na Ordem dos Advogados em 16-07-1990, sendo que em 24-09-1993 foi suspensa esta inscrição por incompatibilidade em virtude do exercício pelo arguido da profissão de revisor oficial de contas.
Acontece que essa suspensão veio a ser publicada por edital com o N.º 449/2000 datado de 09 de Junho e publicado a 26 de Junho na 23.° série do Diário da República de 26 de Junho desse mesmo ano e posteriormente retificado com publicação em 30 de setembro desse mesmo ano e, posteriormente ainda, com a retificação Sr. Dr. «AA» 2051/2001 de 25 de julho de 2001 e publicado na 2.° Série do D. R. em 13 de Setembro desse mesmo ano - tudo cf. se pode ver das fls. 103, 104 e 110 do processo.
O Sr. Dr. «AA» utiliza papel timbrado em que debaixo do seu nome refere “Economista Advogado” e debaixo destas “Pós-Graduado em Estudos Europeus” e ainda por baixo destas menções “Revisor Oficial de Contas” - tudo cf. se pode ver de fls. 68, 80, 136 e 148 - os requerimentos de recurso que deram entrada neste processo na O. A. em 22-07-2019, fls. 66.
Saneando o presente processo e indo ao essencial do seu objeto cumpre concluir que o Sr. Dr. «AA», apesar de ter a sua inscrição como advogado suspensa, continua a usar o título profissional de advogado, denominação que está exclusivamente reservada aos licenciados em direito com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados.
Dúvidas não há que o Sr. Dr. «AA» tem a sua inscrição na O. A. suspensa desde a data referida, não fazendo, como lhe competia, prova de que se encontra ou que se encontrava à data dos atos e documentos em que participou identificando-se como advogado, tinha a sua inscrição como advogado em vigor na Ordem dos Advogados.
Do n.º 1 do atual art.º 70.º do EOA que corresponde ao art.º 65.º do Estatuto em vigor aquando da participação resulta que quem “tenha a inscrição suspensa ou cancelada deixa de se poder intitular como advogado”.
O arguido, ora recorrente, o Sr. Dr. «AA», tinha a sua inscrição suspensa não podendo por isso identificar-se com a denominação de advogado, ao contrário do que diz. Pelo exposto, cumpre concordar na íntegra com a factualidade constante do Acórdão do Conselho de Deontologia do Porto, ora em recurso.
Quanto à pena aplicada ao arguido Sr. Dr. «AA» se alguma crítica há que fazer é pela brandura com que o mesmo foi sancionado face ao dolo intenso com que o referido arguido agiu e continua a agir.
Pelo que, sem necessidade de mais, somos de parecer que deve ser proferido Acórdão confirmativo do recorrido (...)” (cfr. fls. 176 e fls. 177 do p. a. constante a fls. 176 a fls. 425 do suporte digital cujo teor se considera integralmente reproduzido).
14) Em 7 de julho de 2022 os membros da 3.ª Secção do Conselho Superior da Ordem dos Advogados acordaram em manter o acórdão proferido pelo Conselho de Deontologia do Porto (cfr. fls. 178 do p. a. constante a fls. 176 a fls. 425 do suporte digital cujo teor se considera integralmente reproduzido).
15) Por ofício, com a referência ...35, enviado ao Autor, por meio de carta registada com aviso de receção, foi remetida cópia do parecer e do acórdão mencionados em 13) e em 14) (cfr. fls. 181 e fls. 181 verso do p. a. constante a fls. 176 a fls. 425 do suporte digital cujo teor se considera integralmente reproduzido).
16) O Autor recebeu o ofício a que se alude em 15) no dia 18 de julho de 2022 (cfr. fls. 181 verso do p. a. constante a fls. 176 a fls. 425 do suporte digital cujo teor se considera integralmente reproduzido).
17) A petição inicial que deu origem aos presentes autos foi apresentada em juízo no dia 2 de janeiro de 2023 (cfr. fls. 1 do suporte digital).
DE DIREITO -
É objecto de recurso a decisão que julgou verificada a excepção dilatória de
caducidade do direito de ação ou de intempestividade da prática do ato processual e, em consequência, absolveu da instância a Entidade Demandada.
Retira-se da fundamentação da decisão:
(…)
a alegada violação do direito do trabalho não constitui uma ofensa suscetível de aniquilar o sentido fundamental do direito subjetivo protegido, nem veda a titularidade do direito ao trabalho, que pode ser exercida desde que respeitadas determinadas circunstâncias (designadamente as estabelecidas no Estatuto da Ordem dos Advogados), sendo, a eventual verificação da mesma, sancionada com a anulabilidade do ato.
As demais invalidades alegadas não integram o elenco das nulidades previstas no artigo 161.º do CPA e no artigo 133.º do CPA de 1991, sendo, por isso, cominadas com a anulabilidade (cfr. artigo 163.º do CPA e artigo 135.º do CPA de 1991).
De acordo com o disposto no artigo 58.º, n.º 1, al. b) do CPTA, o Autor detinha um prazo de três meses para propor a presente ação administrativa. Prazo cuja contagem observa o disposto no artigo 279.º do Código Civil ex vi artigo 58.º, n.º 2 do CPTA.
(…)
considerando as datas em que o Autor tomou conhecimento dos atos impugnados (o último em 18 de julho de 2022), quando instaurou a referida ação administrativa (no dia 2 de janeiro de 2023), o prazo de três meses, previsto no artigo 58.º, n.º 1, al b) do CPTA, já se havia esgotado, verificando-se a caducidade do seu direito de ação ou a intempestividade da prática do ato processual.
(…)
O Recorrente discorda do assim decidido, alegando, em síntese, que:
ao dessarte julgar procedente a excepção dilatória in concreto deduzida pelo Réu, o Tribunal a quo acabou por julgar de meritis a própria acção proposta, porquanto é, essencialmente, a respectiva causa de pedir que, in limine, declarou infundada: a nulidade intrínseca do acto conciliar da Ordem dos Advogados impugnado;
Ora, o preceito jusprocessual supramencionado prevê, justamente, que, em caso de revogação da decisão apelada que não conheceu do pedido, o Tribunal de recurso, nada a seu juízo obstando, conheça do mérito da causa.
Pugnou a final, e mormente, pela revogação da sentença recorrida.
Todavia, sem razão.
Com efeito, a sentença colocada em crise não padece de qualquer vício que a inquine, encontrando-se devidamente fundamentada, de facto e de direito.
No caso, o despacho saneador pôs termo ao processo sem realização de audiência prévia, uma vez que a Senhora Juíza entendeu, e bem, que se encontrava habilitada a decidir.
Vejamos,
Inexiste, efetivamente, na ação objeto da decisão recorrida, qualquer vício assacado pelo Autor ao ato administrativo sub judice que, a existir, fosse gerador de nulidade.
A existir(em), a(s) invalidade(s) apontada(s) pelo Recorrente consubstanciar-se-ia(m) em vício(s) gerador(es) de (mera) anulabilidade.
Isto porque, nos termos dos artigos 161º e seguintes do CPA, a consequência jurídica perante atos inválidos, é, em regra, a anulabilidade.
Só perante as situações previstas no disposto no artigo 161º/2, do CPA é que o ato administrativo será nulo, em conformidade, porquanto, com o nº 1 desse preceito legal, de acordo com o qual: “1 - São nulos os actos para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade.”
O desvalor de nulidade previsto no artigo 161º/2, alínea d), do CPA, tem caráter excecional e, para o que ora releva, encontra-se circunscrito aos atos administrativos que ofendam o “conteúdo essencial” de um direito fundamental.
Ora, o Autor limitou-se a citar, de forma genérica, um princípio fundamental - direito ao trabalho -, sem sustentar qualquer alegação factual que possa ser subsumida a uma eventual violação do “conteúdo essencial” de um direito fundamental.
Destarte, a nulidade só é suscetível de se verificar se as circunstâncias alegadas forem suscetíveis de afetar aquele núcleo essencial do direito fundamental.
Como bem apontou o Tribunal a quo, o conteúdo essencial de um direito fundamental, previsto no art.º 161.º, n.º 2, alínea d) do NCPA, reporta-se ao núcleo duro de um direito, liberdade e garantia ou análogo, à ofensa chocante e grave de um princípio estruturante do Estado de Direito ou de outro direito fundamental suficientemente densificado na lei ordinária, só gerando a nulidade do acto administrativo quando, em consequência desse acto seja afectada a essência do valor fundamental que justificou a criação do direito em causa, sem o qual o mesmo não pode subsistir.
Ora, a alegada violação do direito do trabalho não constitui uma ofensa suscetível de aniquilar o sentido fundamental do direito subjetivo protegido, nem veda a titularidade do direito ao trabalho, que pode ser exercida desde que respeitadas determinadas circunstâncias (designadamente as estabelecidas no Estatuto da Ordem dos Advogados), sendo, a eventual verificação da mesma, sancionada com a anulabilidade do ato.
Por seu turno, o artigo 58º, nºs 1 e 2, alínea b), do CPTA, ex vi artigo 69º, nºs 2 e 3, do mesmo diploma, prevê que a impugnação de atos administrativos nulos não está sujeita a prazo, enquanto que para impugnar atos administrativos que padeçam de vício conducente ao regime da anulabilidade, o prazo para a propositura da ação é de três meses a contar da data da notificação do ato a impugnar (cf. artigo 59º, nº 1, do CPTA).
Por sua vez, quanto ao modo de contagem, o artigo 58º, nº 2, do mesmo diploma “sem prejuízo do disposto no n.º 4 do artigo 59.º, os prazos estabelecidos no número anterior contam-se nos termos do artigo 279.º do Código Civil, transferindo-se o seu termo, quando os prazos terminarem em férias judiciais ou em dia em que os tribunais estiverem encerrados, para o 1.º dia útil seguinte.”
É, pois, inelutável que no caso em apreço, o direito de ação caducou, consubstanciando uma exceção que importa a absolvição do Réu, conforme bem decidido pelo Tribunal a quo.
Logo, vista a factualidade demonstrada nos autos, resta concluir como na sentença, pela constatação da exceção dilatória de caducidade do direito de ação ou de intempestividade da prática do ato processual e consequente absolvição da Entidade Demandada da instância.
Em suma,
O “conteúdo essencial de um direito fundamental” reporta-se ao núcleo duro de um direito, liberdade e garantia ou análogo, à ofensa chocante e grave de um princípio estruturante do Estado de Direito ou de outro direito fundamental suficientemente densificado na lei ordinária;
A violação do “conteúdo essencial de um direito fundamental” só gera a nulidade do ato administrativo e, consequentemente, a possibilidade da sua impugnação a todo o tempo, quando, em consequência do ato administrativo em causa, seja afetado o mínimo sem o qual esse direito não pode subsistir enquanto tal;
A invalidade dos atos administrativos decompõe-se em duas modalidades essenciais: a nulidade e a anulabilidade;
A nulidade constitui a forma mais grave de invalidade. Um ato ferido de nulidade é ineficaz, não produzindo qualquer efeito ab initio, e insanável, quer pelo decurso do tempo, quer por ratificação, reforma ou conversão. É suscetível de impugnação a todo o tempo e perante qualquer tribunal e pode ser conhecida a todo o tempo por qualquer órgão administrativo e o seu reconhecimento tem natureza meramente declarativa;
A anulabilidade constitui uma forma de invalidade menos grave. Como tal, os atos meramente anuláveis são eficazes e produzem todos os seus efeitos até ao momento em que ocorra a sua anulação ou suspensão;
A regra no Direito Administrativo português é a de que todo o ato administrativo inválido é anulável; só excecionalmente é que o ato inválido é nulo;
Isto por razões de certeza e de segurança da ordem jurídica. Não se poderia admitir que, dado o regime da nulidade - e, designadamente, a possibilidade de ela ser declarada a todo o tempo - pairasse indefinidamente a dúvida sobre se os atos da Administração Pública são legais ou ilegais. É preciso que ao fim de algum tempo, razoavelmente curto, cessem as dúvidas e os atos da Administração possam claramente ser definidos como válidos ou como inválidos (Freitas do Amaral, em Curso de Direito Administrativo, vol. II, Coimbra, 2001, pág. 409);
Como é sabido, com a estipulação de prazos para a reação a atos administrativos, pretende o Legislador a estabilidade nas relações jurídico-administrativas, as quais não podem estar dependentes do mero alvedrio, liberalidade ou escolha de timing do interessado e/ou da Administração, sob pena de se eternizar a indefinição acerca da situação jurídica das partes; Sendo, portanto, forçoso, em nome da segurança jurídica, impor um limite à reação a atos administrativos, de modo a conciliar de forma equilibrada estes princípios com o da tutela jurisdicional efetiva;
Em absoluta sintonia com a análise em que lucubrou o Tribunal a quo, contrariamente ao que defende o Recorrente, inexistindo qualquer nulidade que possa ser assacada ao ato administrativo em apreço, tem-se por caducado o direito de ação, com todas as consequências legais;
A intempestividade da prática do acto processual é uma excepção dilatória que obsta ao prosseguimento do processo e importa a absolvição do Réu da instância, nos termos da al. h), do nº 1 e nº 2 do artigo 89º (actual artigo 89º, nºs 1, 2 e 4, al. k)) do CPTA, conjugado com os artigos 278º, nº 1, al. e), 576º, nº 2 e 577º do CPC, aplicável ex vi do artigo 1º do CPTA, mostrando-se por esse facto prejudicado o conhecimento do fundo da causa;
Na verdade, a caducidade do direito de acção é consagrada a benefício do interesse público da segurança jurídica que reclama que a situação das partes fique definida de uma vez para sempre com o transcurso do respectivo prazo - (v. Manuel Andrade “Teoria Geral da Relação Jurídica”, II, 3ª reimpressão, pág. 464);
De salientar ainda que a invocada inconstitucionalidade sempre estaria prejudicada, uma vez que o Recorrente não enunciou um pedido expresso de declaração, o que prejudica a observação do processo a que se alude no art.° 70.° da Lei n.° 28/82, de 15 de novembro - Lei Orgânica do Tribunal Constitucional;
Com efeito, a mera asserção de que ocorre uma inconstitucionalidade na aplicação de determinada norma, não permite desencadear, validamente, uma questão de inconstitucionalidade normativa no âmbito de um processo de fiscalização concreta de constitucionalidade.
Improcedem, in totum, as Conclusões das alegações.
DECISÃO
Termos em que se nega provimento ao recurso.
Custas pelo Recorrente, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário.
Notifique e DN.
Porto, 20/6/2025
Fernanda Brandão
Isabel Jovita
Rogério Martins |