Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
RELATÓRIO
«AA», casado, arquiteto, NIF ...61, residente no Largo .... ... ..., instaurou AÇÃO ADMINISTRATIVA contra o FUNDO DE GARANTIA SALARIAL, com instalações na Praça ... ... ..., tendo em vista a anulação do ato administrativo de (in)deferimento parcial, proferido pela Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial, datado de 08-07-2022, do pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho, nos termos do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril, e a condenação da Entidade Demandada ao seu deferimento, nos termos por si requeridos.
Formulou os seguintes pedidos:
“Nestes termos, deve a presente acção ser julgada procedente, por provada, e, em consequência:
a) deve anular-se o despacho do Senhor Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial de 08/07/2022, que indeferiu parcialmente o requerimento, apresentado pelo Autor, para pagamento de créditos laborais pelo Fundo de Garantia Salarial;
b) condenar-se o Réu na prática de acto devido, traduzido na prolação de nova decisão que se pronuncie sobre o pedido de créditos laborais dirigido ao Réu pelo Autor, expurgado dos vícios referidos neste articulado e, concretamente, que defira a pretensão do Autor, também na parte em que a mesma tem por objecto o pedido de pagamento de crédito por formação profissional e de crédito decorrente da justa causa de resolução do contrato de trabalho, fixando-se custas a cargo do Réu.”.
Por sentença proferida pelo TAF de Braga foi julgada a acção improcedente.
Desta vem interposto recurso.
Alegando, o Autor formulou as seguintes conclusões:
1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida nos autos, que julgou a presente acção totalmente improcedente.
2. Como resulta da petição inicial de fls. 46 e seguintes do p.a. (e, ademais, do ponto 3 dos factos provados), o Autor, como causa de pedir para o pedido de insolvência, alegou precisamente os factos de que dependia o reconhecimento da justa causa de despedimento, designadamente, o atraso no pagamento da retribuição por período superior a 60 (sessenta) dias; para além disso, fez constar expressamente do total de créditos laborais reclamados a parcela indemnizatória correspondente à indemnização pela justa causa de despedimento – cfr. art. 19.°, al. j) desse articulado.
3. O Juízo do Comércio de Vila Nova de Famalicão, na sentença que se pronunciou sobre esse pedido, deu integralmente como provada toda a factualidade alegada nessa petição, entre a qual se integravam os factos acima reproduzidos – designadamente, o atraso no pagamento da retribuição por período superior a 60 (sessenta) dias e a titularidade do crédito devido pela justa causa de despedimento, tal como se alcança do ponto 3 dos factos dados como provados na douta sentença recorrida.
4. No caso dos autos, o crédito respeitante à justa causa de despedimento foi objecto de reconhecimento judicial, pois foi apreciado judicialmente e dado como provado, como fundamento para o decretamento da insolvência da entidade patronal.
5. A jurisprudência reproduzida na pág. 22 da douta sentença não é, de todo, similiar ao caso dos autos, porquanto nesse caso não houve, em momento algum, reconhecimento judicial do crédito por justa causa de despedimento – ou seja, não houve acção no Tribunal do Trabalho, nem pedido de insolvência com esse fundamento, nem sentença de reconhecimento e graduação de créditos.
6. No caso dos autos, pese embora não tenha havido acção no Tribunal do Trabalho nem sentença de graduação de créditos (por insuficiência de bens, por parte da Massa Insolvente), a existência do crédito por justa causa foi alegada como fundamento para o pedido de insolvência, e foi aí reconhecida e dada como provada.
7. O escrutínio judicial que existiria numa qualquer sentença de graduação de créditos (e que vale como reconhecimento judicial, para efeitos de legitimação do pagamento pelo FGA) existiu também na sentença de declaração de insolvência, precisamente por esse crédito ter sido alegado pelo Requerente da insolvência como fundamento para a pedir, pelo que inexiste qualquer razão que justifique, no plano prático, que aquela possa servir de base ao pedido de pagamento, pelo FGA, da parcela indemnizatória respeitante à justa causa de despedimento, e que esta já não possa servir para tal efeito.
8. Não deixa de relevar que, para efeitos de atribuição do subsídio de desemprego ao Autor, tenha sido suficiente a emissão de declaração modelo Mod. RP 5044/2018 – DGSS, em que a entidade patronal reconheceu a justa causa de despedimento (que era pressuposto desse subsídio), e que, para efeitos de pagamento de indemnização pela justa causa, seja agora exigida uma decisão judicial.
9. A douta sentença recorrida, nesta parte, violou o disposto no art. 2.°, n.° 1 e 4 do Decreto-Lei n.° 59/2015, de 21 de Abril, pelo que deve ser revogada e substituída por Acórdão que, julgando procedente a apelação, anule o acto impugnado e, ademais, condene o Réu a proferir nova decisão, que contemple o deferimento da pretensão deduzida pelo Autor no p.a., na parte em que o mesmo requereu o pagamento da parcela respeitante a indemnização devida pela justa causa de despedimento ou indemnização/compensação por cessação do contrato de trabalho.
10. A douta sentença recorrida entendeu que o Réu não teria de pagar ao Autor a parcela respeitante a créditos laborais por falta de prestação de formação profissional, sustentando que tais quantias não se consideram parte integrante da retribuição.
11. Não obstante, não se vislumbra com que fundamento legal, já que o art. 2.°, n.° 1 do Decreto-Lei n.° 59/2015, de 21 de Abril, não prevê semelhante exclusão, limitando-se a estatuir que “Os créditos referidos no n.º 1 do artigo anterior abrangem os créditos do trabalhador emergentes do contrato de trabalho ou da sua violação ou cessação.”
12. Se o crédito emergente da falta de prestação de formação profissional existia, se o mesmo emergia do contrato de trabalho ou da relação laboral ou da sua violação e se, por fim, os mesmos existiam à data de cessação do contrato de trabalho, não se vislumbra qualquer fundamento para se concluir, como concluiu o Tribunal recorrido, que tal crédito não é abrangido pela previsão do n.° 1 do art. 2.° do Decreto-Lei n.° 59/2015, de 21 de Abril.
13. A douta sentença recorrida violou, além de outras, a disposição do n.° 1 do art. 2.° do Decreto-Lei n.° 59/2015, de 21 de Abril.
14. Deve, pois, ser revogada, nesta parte, e substituída por Acórdão que, julgando procedente a apelação, anule o acto impugnado e, ademais, condene o Réu a proferir nova decisão, que contemple o deferimento da pretensão deduzida pelo Autor no p.a., na parte em que o mesmo requereu o pagamento da parcela respeitante a crédito por falta de formação profissional.
Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado procedente, com a consequente revogação da Douta Sentença recorrida e prolação, em sua substituição, de Acórdão que esteja em conformidade com as conclusões acima formuladas,
com o que se fará Justiça!
Não foram juntas contra-alegações.
A Senhora Procuradora Geral Adjunta notificada, nos termos e para os efeitos do artigo 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.
Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO
Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:
1) O Autor foi trabalhador da sociedade [SCom01...], Lda. - facto não controvertido e cfr. registo da Segurança Social, a fls. 19 do processo administrativo (doravante PA), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
2) Em 20-01-2021, o Autor cessou a relação laboral referida no ponto antecedente, invocando o não pagamento da sua retribuição - Cfr. registo da Segurança Social, a fls. 1 do PA e cfr. documentos n.° 6 a 9 juntos com a PI, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
3) Em 09-06-2021, o Autor intentou ação no Tribunal Judicial da Comarca de Braga - Juízo de Comércio de Famalicão, ação com vista ao decretar da insolvência da [SCom01...], Lda. - Cfr. fls. 71 a 86 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
4) Em 20-08-2021, pelo Tribunal Judicial da Comarca de Braga - Juízo de Comércio de Famalicão, no âmbito do processo de insolvência n.º 3287/21..., que ali correu termos, foi proferida sentença a decretar a insolvência da [SCom01...], Lda. - Cfr. fls. 42 a 45 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
5) No âmbito do processo de insolvência anteriormente referido, na relação de credores, o Administrador de Insolvência relacionou um crédito do Autor sobre a [SCom01...], Lda., no valor de 18.157,16€, referente a créditos emergentes de contrato de trabalho, sendo 17.157,16€ referentes a capital e 1.000,00€ referentes a juros - Cfr. fls. 59 e 60 do PA e cfr. documento n.° 12 junto com a PI, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
6) Pelo Administrador de Insolvência do processo de insolvência n.º 3287/21..., supra identificado, foi reconhecido um crédito do Autor sobre a [SCom01...], Lda., no valor de 17.157.16€, referente a créditos laborais, discriminados do seguinte modo:
- 5.851,50€ (Remunerações de Setembro a Dezembro/2020 e Janeiro de 2021)
- 3.878,26€ (Férias, Subsídio de Férias, proporcionais)
- 1.316,63€ (Subsídio de Natal e Proporcionais de Natal)
- 435,54€ (Subsídio de Alimentação)
- 4.734,41€ (Indemnização)
- 940,82€ (Formação Profissional).
- Cfr. fls. 5 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
7) Em 05-11-2021, o Autor apresentou requerimento, junto do Réu, referente a “pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho”, com vista ao pagamento da quantia de 17.157,16€ - Cfr. fls. 2 a 4 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
8) Em 15-12-2021, na ação de reclamação de créditos - processo n.º 3287/21...., no âmbito da ação de insolvência já identificada, foi proferida sentença, entre o mais, nos seguintes termos:
“(...) Considerando que os autos principais findaram por insuficiência da massa insolvente, inútil se toma, supervenientemente, o presente apenso.
Assim, e ao abrigo do disposto no art.º 277, e) CPC, declaro extinta a presente instância.
(...)”
- Cfr. fls. 109 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
9) Em 25-02-2022, com referência à situação do Autor, pelos serviços do Réu, foi proferida proposta, entre o mais, nos seguintes termos:
“(...) De acordo com a análise efetuada à pretensão formulada pelo ex-trabalhador requerente, para verificação dos pressupostos legais impostos no âmbito do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril, a saber: (...)
«AA» (...)
I - Foi declarada a Insolvência (data da propositura da ação de insolvência - 09/06/2021) da, empresa em referência, no âmbito do Processo N.º 3287/21... que correu os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo de Comércio de Vila Nova de Famalicão - Juiz ..., em 20/08/2021, encontrando-se preenchido o requisito previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 1.° do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril.
Foi junta ao presente processo administrativo a Relação dos Créditos Reconhecidos, elaborada pelo Administrador de Insolvência, nos termos do n.º 2, do Artigo 129.º, do CIRE.
Destaca-se que, de acordo com a informação obtida junto do Tribunal competente, não foi proferida Sentença de Verificação e Graduação de Créditos (SVGC).
Em 24/11/2021 foi proferido despacho de encerramento do processo de insolvência, por insuficiência da massa insolvente - artigo 232.º do CIRE.
II - O requerente reclama créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, em conformidade com a previsão do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril.
III - Verifica-se que o requerimento foi apresentado no prazo previsto no n.º 8 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril e observa as regras para instrução do mesmo, peio que se encontram preenchidos os requisitos exigidos pelo n.º 2 e 3 do artigo 5.º do referido diploma.
IV - O Fundo de Garantia Salarial (FGS) abrange os créditos que se tenham vencido nos seis meses que antecedem a data da propositura da ação ou apresentação do requerimento conforme plasmado no n.º 4 do artigo 2.º do Decreto-Lei n° 59/2015, de 21 de abril, ou seja, que se tenham vencido entre 09/12/2020 e 09/06/2021.
Por sua vez, o n.º 5 do artigo 2º do Decreto-Lei n° 59/2015, de 21 de abril, refere que caso não haja créditos vencidos no período de referência, ou o seu montante seja inferior ao limite máximo definido no n.º 1 do artigo 3.° do Decreto-Lei n° 59/2015, de 21 de abril, o FGS assegura até este limite o pagamento dos créditos vencidos após o referido período de referência, isto é, após 09/06/2021.
V - Análise dos créditos requeridos pelo requerente ao Fundo de Garantia Salarial {discriminação dos créditos, vencimento e sua abrangência ou não para pagamento):
Requerente com o n.º 1
A) Subsídio de férias do trabalho prestado no ano de 2019, vencido em 01/01/2020, no valor de 1.245,00€;
B) Remuneração do mês de 09/2020 e respetivo subsídio de alimentação, vencidos em 30/09/2020, no valor de 1.338,94€ (1245,00€+93,94€);
C) Remuneração do mês de 10/2020 e respetivo subsídio de alimentação, vencidos em 31/10/2020, no valor de 1.338,94€ (1245,00€+93,94€);
D) Remuneração do mês 11/2020 e respetivo subsídio de alimentação, vencidos em 30/11/2020, no valor de 1.338,94€ (1245,00€+93,94€);
E) Remuneração do mês 12/2020 e respetivo subsídio de alimentação, vencidos em 31/12/2020, no valor de 1.338,94€ (1245,00€+93,94€);
F) Remuneração de 01/2021 e respetivo subsídio de alimentação, vencidos em 20/01/2021 - data da cessação do contrato de trabalho, no valor de 931,28€ (871,50€+59,78€);
G) Subsídio de Natal correspondente ao trabalho efetuado no ano de 2020, vencido em 15/12/2020, no valor de 1.245,00€;
H) Férias e Subsídio de Férias correspondente ao trabalho prestado no ano de 2020 (vencimento do direito a 01/01/2021), vencidos na data da cessação do contrato de trabalho (20/01/2021), no valor de 2.490,00 (1.245,00€+1.245,00,00€);
I) Proporcionais de Férias e Subsídio de Férias correspondente ao trabalho prestado em 2021, vencido na dada da cessação do contrato de trabalho (20/01/2021), no valor de 143,26€ (71,63€+71,63€);
J) Proporcionais do Subsídio de Natal referente ao trabalho prestado no ano de 2021, vencido na data da cessação do contrato de trabalho, no valor de 71,63€;
K) Horas de formação, no valor de 940,82€;
L) Indemnização pela resolução do contrato de trabalho por justa causa - artigo 296.º do Código do Trabalho - no valor de 4.734,41€,
O crédito requerido a título de retribuição correspondente a formação não proporcionada pela Entidade Empregadora (EE) [alínea í)], face aos elementos anexos ao presente processo administrativo, não se encontra devidamente titulado por sentença judicial que reconheça o seu valor, pelo que não pode ser assegurado pelo Fundo de Garantia Salarial.
Quanto à Indemnização requerida - Indemnização por resolução do contrato por justa causa (falta culposa de pagamento pontua! das retribuições devidas), nos termos do artigo 396° do Código do Trabalho], uma vez que a resolução do contrato ocorreu por iniciativa do trabalhador alegando justa causa (a justa causa que só pode ser apreciada em Tribunal), não é assegurada pelo Fundo, por não se encontrar devidamente titulada/fixada por sentença judiciai que a reconheça, de acordo com a nova orientação do DGF-NFGS, emitida através de e-mail de 9 de março de 2018.
Relativamente aos créditos peticionados a título de subsídio de férias referente ao trabalho prestado no ano de 2019, com vencimento em 01/01/2020, bem como, a remuneração correspondente aos meses de setembro de 2020, outubro de 2020 e novembro de 2020, com vencimento no final de cada mês [alíneas A), B), C) e D)], encontram-se vencidos em data anterior ao período de referência previsto nos termos do n.º 4 e n.º 5 do artigo 2o do Decreto-Lei n° 59/2015, de 21 de abril, não sendo, portanto, assegurados pelo Fundo,
Os restantes créditos reclamados encontram-se vencidos dentro do período de referência previsto nos termos do n.º 4 e n.º 5 do artigo 2o do Decreto-Lei n° 59/2015, de 21 de abril, sendo assegurados pelo Fundo, mas:
a) Relativamente aos créditos requeridos a título de remuneração do mês 01/2021 e respetivo subsídio de alimentação, assim como, os proporcionais da retribuição correspondente a férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, atento a que o ex-trabalhador cessou o contrato de trabalho em 20/01/2021, foram reduzidos para o valor correspondente, correto e proporcional a 20 dias de trabalho, tendo em conta o salário base auferido e respetivo subsídio de alimentação.
b) Quanto aos créditos requeridos e abrangidos pelo Fundo de Garantia Salarial, com vencimento nos meses de dezembro de 2020 e janeiro de 2021, ultrapassam o limite máximo mensal estabelecido no n.º 1, do artigo 3.°, do DL n.º 59/2015, não sendo assegurados os créditos excedentes deste limite.
VI - Atribuiu-se prioridade no pagamento aos créditos por retribuição e diuturnidades nos termos do n.º 2 do artigo 3.° do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril, que dispõe que: «quando o trabalhador seja titular de créditos correspondentes a prestações diversas o pagamento é prioritariamente imputado à retribuição base e diuturnidades».
VII - Aos montantes de retribuição garantidos, quando aplicável, são deduzidos os valores correspondentes às contribuições para a Segurança Social e retenção na fonte de IRS, nos termos da disciplina contida no n.º 2, alínea a) e b) do artigo 2o do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril.
VIII - PROPOSTA
Nestes termos, não obstante, se encontrarem preenchidos os requisitos previstos nos artigos 1.° e seguintes do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril, conducentes à intervenção do FGS, propõe-se o Deferimento Parcial do requerimento entregue pelo requerente.
Pelo que submetemos a presente informação,
À consideração superior, (...)”
- Cfr. fls. 24 a 28 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
10) A proposta mencionada no ponto precedente mereceu despacho de concordância da Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial, em 10-032022 - Cfr. fls. 29 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
11) Em 30-03-2022, o Réu emitiu ofício dirigido ao Autor a comunicar a decisão identificada nos pontos antecedentes - Cfr. fls. 38 e 39 do PA e cfr. documento n.º 11 junto com a PI, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
12) Em 09-06-2022, com referência à situação do Autor, pelos serviços do Réu, foi proferida proposta, entre o mais, nos seguintes termos:
“(...) I. INTRODUÇÃO
Relativamente ao requerimento para pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho apresentado, em tempo, ao Fundo de Garantia Salarial (FGS) pelo ex-trabalhador abaixo identificado na [SCom01...] LDA., N1SS ...13, foi elaborada a informação n.º ...22..., de 25/02/2022, propondo o Deferimento Parcial da pretensão formulada pelo requerente. (...)
«AA» (...)
Em 10 de março de 2022, a Senhora Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial proferiu despacho concordante com a referida informação.
Do teor daquele despacho foi o interessado notificado para exercer, querendo, no prazo de 10 dias úteis, para exercer, querendo, o direito de audiência, nos termos do disposto no artigo 122.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA).
Aquele despacho foi remetido ao requerente, através de ofício expedido em 21/03/2022, que aqui se dá por reproduzido e do qual constam os fundamentos que sustentavam o projeto de decisão de Deferimento Parcial, a saber:
a) “O crédito requerido a título de retribuição correspondente a formação não proporcionada pela Entidade Empregadora (EE), face aos elementos anexos ao presente processo administrativo, não se encontra devidamente titulado por sentença judicial que reconheça o seu valor, pelo que não pode ser assegurado pelo Fundo de Garantia Salarial.”
b) “Quanto à indemnização requerida - Indemnização por resolução do contrato por justa causa [falta culposa de pagamento pontual das retribuições devidas), nos termos do artigo 396° do Código do Trabalho], uma vez que a resolução do contrato ocorreu por iniciativa do trabalhador alegando justa causa (a justa causa que só pode ser apreciada peio Tribunal), não é assegurada pelo Fundo, por não se encontrar devidamente titulada/fixada por sentença judicial que a reconheça."
c) “Relativamente aos créditos requeridos a título de remuneração do mês de janeiro de 2021 e respetivo subsídio de alimentação, assim como, os proporcionais da retribuição correspondente a férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, atento a que o ex-trabalhador cessou o contrato de trabalho em 20/01/2021, foram reduzidos para o valor correspondente, correto e proporcional a 20 dias de trabalho, tendo em conta o salário base auferido e respetivo subsídio de alimentação."
d) “No que se refere aos créditos peticionados a título de subsídio de férias relativo ao trabalho prestado no ano de 2019, com vencimento em 01/01/2020, bem como, a remuneração correspondente aos meses de setembro de 2020, outubro de 2020 e novembro de 2020, com vencimento no final de cada mês, encontram-se vencidos em data anterior ao período de referência.”
e) “Os créditos requeridos ultrapassam o plafond legal, no seu limite mensal, que não pode exceder por cada mês o triplo da retribuição mensal garantida, conforme estabelecido nos termos do n.º 1 do artigo 3.º do Dec-Lei 59/2015, de 21 de abril."
e) “Parte dos créditos requeridos encontra-se vencida em data anterior ao período de referência, ou seja, nos seis meses que antecedem a data da propositura da ação (insolvência, Falência, Revitalização, ou Procedimento extrajudicial de recuperação de empresas) previsto no n.º 4 do artigo 2.º do Dec-Lei 59/2015, de 21 de abril.”
Não concordando com o projeto de decisão acima mencionado, veio o requerente pronunciar-se, por escrito, através de carta registada remetida (registo de 07/04/2022), alegando, em síntese, o seguinte:
“(...)
1. A proposta de decisão que antecede, a confirmar-se, redundará na prática de um acto administrativo anulável, pelas razões que se passa a expor:
2. Os créditos respeitantes a formação Profissional e a Indemnização por Resolução do Contrato por Justa Causa encontram-se devidamente titulados.
3. Desde logo porque, o ora Requerente foi o requerente da Insolvência.
4. Nesse requerimento invocou a existência do seu crédito.
5. Face à não oposição da Insolvente, esse crédito foi integralmente dado como provado na própria sentença de declaração de insolvência.
6. A qual transitou em julgado.
7. O que significa que o crédito do Requerente está judicialmente dado como provado na própria sentença de declaração de insolvência.
8. Para além disso, o Requerente apresentou reclamação de créditos, no processo de insolvência respeitante à sua ex-entidade patronal.
9. Entre os créditos reclamados encontrava-se o crédito por formação profissional (940,82€) e o crédito decorrente da existência de justa causa de despedimento (4.734,41€).
10. A entidade Patronal reconheceu a existência de justa causa de despedimento, no modelo entregue para efeitos de atribuição de subsídio de desemprego.
11. O Senhor Administrador da Insolvência incluiu a totalidade do crédito reclamado pelo Requerente (que incluía as prestações referidas no precedente ponto 9) na lista de créditos reconhecidos e aprovados. (...)
14. A qual se encontra, ademais, dada como provada na própria sentença de declaração de insolvência.
15. Não foi instaurada qualquer acção visando a impugnação da lista de credores.
16. Pelo que tais créditos encontram-se devidamente reconhecidos, por decisão judicial transitada em julgado. (...)
O requerente conclui reiterando o teor do requerimento inicial.
Em 29/04/2022 deu entrada neste Centro Distrital, uma exposição apresentada pelo requerente, nos mesmos termos acima descritos.
Cumpre, então, analisar.
II-ANÁLISE
O requerente veio manifestar a sua não concordância com o projeto de decisão de Deferimento Parcial, da Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial, proferido em 10/03/2022.
Contudo, é nosso entendimento que não assiste razão ao requerente, pois não apresenta quaisquer argumentos juridicamente consistentes e que sustentem a sua argumentação. Senão vejamos,
No processo que correu termos sob o n.º 3287/21..., no tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo de Comércio de Vila Nova de Famalicão - Juiz ..., no qual a devedora [SCom01...], LDA, foi declarada insolvente, em 16/12/2021 foi proferida decisão de encerramento do processo por insuficiência da massa insolvente.
Sendo que, por sentença proferida em 15/12/2021, nos autos de reclamação de créditos apenso ao processo de insolvência, foi julgada extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, “Considerando que os autos principais findaram por insuficiência da massa insolvente.
Ora, é do entendimento do Fundo de Garantia Salarial que o crédito requerido a título de horas de formação profissional não proporcionada pela Entidade Empregadora, é considerado, apenas quando titulado por sentença judicial, (sublinhado nosso)
Outrossim, é entendimento do Fundo de Garantia Salarial, no que concerne ao crédito reclamado a título de indemnização decorrente da existência de justa causa de despedimento, tendo em conta que, quando a resolução do contrato ocorre por iniciativa do trabalhador, ocorrendo justa causa, esta tem de ser fixada pelo Tribunal para efeitos do seu pagamento pelo Fundo de Garantia Salarial.
Com efeito, estamos a falar de uma indemnização cujo montante não é determinável por simples cálculo aritmético, uma vez que a mesma varia entre 15 a 45 dias de retribuição base mais diuturnidades, competindo ao Tribunal de Trabalho fixá-la, nos termos do Art. 396.º do CT. Nesta decorrência, não pode o Fundo de Garantia Salarial aferir da eventual justa causa, nem propor um valor indemnizatório, porque tal competência é apenas do tribunal.
Pelo exposto, facilmente se verifica que o tribunal não verificou, não reconheceu, não homologou, nem tão pouco graduou os créditos peticionados pelo requerente a título de retribuição correspondente a formação não proporcionada pela Entidade Empregadora e a título de Indemnização por resolução do contrato de trabalho por justa causa.
E, não foi carreada para o processo nenhuma sentença judicial que confirme o alegado pelo requerente, pelo que a exposição apresentada pelo ex-trabalhador não pode proceder.
IV-CONCLUSÃO
Em face do que antecede, conclui-se que os argumentos aduzidos pelo requerente em audiência prévia não são juridicamente relevantes, não justificando, por isso, qualquer alteração da decisão de Deferimento Parcial, aprovada por despacho de 10 de março de 2022, da Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial, bem como dos fundamentos subjacentes à mesma.
Nesse sentido, propõe-se:
- A manutenção da decisão proferida pela Senhora Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial, em 10 de março de 2022, de Deferimento Parcial do requerimento apresentado pelo requerente com os mesmos fundamentos que a sustentaram e que agora se reiteram.
No entanto, submete-se a presente informação à consideração superior. (...)”
- Cfr. fls. 113 a 119 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
13) A proposta mencionada no ponto precedente mereceu despacho de concordância da Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial, em 08-072022 - Cfr. fls. 120 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
14) Em 29-07-2022, o Réu emitiu ofício dirigido ao Autor a comunicar a decisão identificada nos pontos antecedentes - Cfr. fls. 131 e 132 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
DE DIREITO
Conforme jurisprudência firmada, o objeto de recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do apelante, não podendo o Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPT.
Sem embargo, por força do artigo 149.º do CPTA, o Tribunal, no âmbito do recurso de apelação, não se quedará por cassar a sentença recorrida, conquanto ainda que a declare nula, decidirá “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”.
Assim,
É objecto de recurso a sentença proferida nos autos, que julgou a presente acção totalmente improcedente.
São as seguintes as razões da discordância do Recorrente:
I - Quanto ao reconhecimento judicial da justa causa de despedimento -
A sentença recorrida entendeu que o Réu não teria de pagar ao Autor a compensação respeitante à indemnização por justa causa de despedimento, por inexistir, na sua óptica, decisão judicial com o reconhecimento da justa causa do despedimento do Autor.
Invocando jurisprudência relativa a casos análogos, sustentou que teria de haver uma decisão judicial a declarar a justa causa de despedimento, designadamente, sentença proferida em acção própria instaurada na jurisdição laboral, que poderia ser substituída por sentença de reconhecimento e graduação de créditos que contemplasse o crédito decorrente da justa causa de despedimento (já que, nesta última hipótese, a decisão de pagamento dessa indemnização também seria escrutinada judicialmente).
O Autor até acompanha esse entendimento, já que o mesmo tem reflexo jurisprudencial, referindo-se, a título meramente exemplificativo, o Ac. TCAN de 03/11/2017, segundo o qual “Vale como decisão judicial para aqueles efeitos a sentença de verificação e graduação de créditos transitada em julgado, da qual resultem os elementos necessários ao reconhecimento judicial da ilicitude de despedimento”. Ou seja: de acordo com a jurisprudência firmada sobre a matéria, o pagamento da parcela indemnizatória respeitante à justa causa de despedimento, por parte do FGA, pressupõe a existência de um prévio reconhecimento judicial da existência desse crédito por justa causa, seja através de sentença proferida pelo Juízo do Trabalho competente, seja até de sentença proferida em apenso de verificação e graduação de créditos, em que tal crédito seja incluído na lista de créditos reconhecidos.
Esse raciocínio é, como alegado, válido, não fosse um pequeno pormenor, que o Tribunal recorrido não referiu: é que no caso dos autos, apesar de não haver decisão da jurisdição laboral a reconhecer a justa causa ou sentença a graduar os créditos, o referido crédito laboral (que inclui a justa causa) foi expressamente alegado como causa de pedir da petição inicial de insolvência, foi dado como provado na sentença proferida nesse processo e, como tal, serviu de base à declaração de insolvência da entidade empregadora.
Atente-se no teor do seguinte excerto da sentença de declaração de insolvência junta com a p.i.: “«AA», residente em ..., vem requerer a declaração de insolvência de “[SCom01...], Lda.”, com sede na Rua ..., ..., com os seguintes fundamentos:
Em abril de 2017 foi admitido ao serviço da requerida, a fim de desempenhar as funções de arquiteto, mas aquela deixou de proceder ao pagamento do salário em setembro de 2020, nem tendo pago os respetivos subsídios, ultrapassando a dívida o montante de €7.000,00.
Tendo o requerente cessado o contrato de trabalho, tem este a título de créditos laborais o montante de €17.157,16, sendo que a requerida após a venda da maquinaria pagou ao requerente o montante de €3.011,16.
Mais alega que a requerida desde dezembro de 2020 que deixou de exercer qualquer atividade, encerrou as instalações e mandou para casa todos os trabalhadores, contando apenas com um veículo automóvel como património. A isto acresce dívida de €40.000,00 à AT e a um outro trabalhador no montante de €8.000,00.
Conclui pela indisponibilidade financeira da requerida para fazer face às suas obrigações vencidas.
x A requerida foi regularmente citada nos termos do art. 29.° do C.I.R.E., mas não deduziu oposição.x III. Fundamentação
Considerando que a requerida foi devidamente citada e não contestou, consideram-se confessados os factos articulados pela requerente na petição inicial, nos termos do art. 30°, n°5, do C.I.R.E., os quais se dão aqui por integralmente reproduzidos.”
Resulta de fls. 46 e seguintes do p.a. que, como fundamento para o pedido de insolvência acima referido, o Autor alegou os seguintes factos:
I - Da origem, montante e natureza do crédito (art.° 25.°, n.° 1 do CIRE):
1.°
A Requerida é uma sociedade por quotas de responsabilidade limitada, que se dedica ao fabrico de estruturas de construções metálicas, portas, janelas elementos similares em metal - CAE 25110-R3: cfr. doc. n.° 1 que se dá por reproduzido.
2.°
Os gerentes de direito da Requerida são «BB» e «CC»: cfr. doc. n.° 1.
3.°
Em abril de 2017, o Requerente foi admitido ao serviço da Requerida, a fim de desempenhar funções correspondentes à categoria profissional de Arquitecto, por conta, no interesse e sob a direcção daquela sociedade, mediante o pagamento de retribuição: cfr. doc. n.° 2, que se dá por reproduzido.
4.°
A partir de abril de 2017, mais concretamente, a partir de 10 de abril de 2017, o Requerente passou a desempenhar, ao serviço daquela sociedade, as funções correspondentes à categoria profissional de Arquitecto: cfr. doc. n.° 2.
5.°
O Requerente foi contratado para exercer funções de Arquitecto numa das instalações da Requerida, sitas na Praça ..., ..., 3.°-AE, ...: cfr. doc. n.° 2.
6.°
E passou a auferir, como retribuição mensal base pelo desempenho dessas funções, a quantia de 775,00 € (setecentos e setenta e cinco euros), acrescida do subsídio de alimentação diário no valor de 4,27 € (quatro euros e vinte e sete cêntimos): cfr. doc. n.° 2.
7.°
Posteriormente, em data que o Requerente não consegue precisar, a quantia referida no artigo precedente do presente articulado, a título de retribuição mensal base, foi actualizada para o valor de 1.245,00 € (mil duzentos e quarenta e cinco euros): cfr. doc. n.° 3, que se dá por reproduzido.
8.°
Sucede que, até ao dia 19 de janeiro de 2021, a Requerida não pagou ao Requerente qualquer quantia como contrapartida pelo trabalho prestado nos meses de Setembro de 2020 e Dezembro de 2020 (nem a retribuição, nem os subsídios de alimentação), assim como não pagou os subsídios de férias e natal vencidos em agosto e dezembro de 2020, respectivamente,
9.°
E não pagou ainda o vencimento mensal do mês de janeiro de 2021, os proporcionais de férias, subsídios de férias e de Natal desse ano, bem como formação profissional do Requerente.
10.°
A retribuição e todos os créditos laborais do Requerente eram habitualmente pagos por transferência bancária para a conta daquele.
11.°
Verifica-se, assim, que, no dia 19/01/2021, existia um atraso no pagamento da retribuição e de todos os créditos laborais do Requerente por período superior a 60 (sessenta) dias.
12.°
Assim, considerando que a falta de pagamento pontual da retribuição e demais créditos laborais se prolongava já por período superior a 60 (sessenta) dias, o Requerente interpelou pessoalmente por diversas vezes os Sócios Gerentes da Requerida para que lhe fossem liquidados os mesmos.
13.°
Apesar das sucessivas interpelações do Requerente, a Requerida continuou sem liquidar ao àquele os créditos laborais que lhe eram devidos.
14.°
Por isso, no dia 19/01/2021, o Requerente pôs termo ao vínculo laboral celebrado com a Requerida, através de resolução do contrato de trabalho com justa causa, ao abrigo do disposto no art.° 394.°, n.° 2, al. a) do Cód. do Trabalho: cfr. doc. n.° 4, que se dá por reproduzido.
15.°
O Requerente resolveu o seu contrato de trabalho mediante a elaboração e entrega em mão de uma missiva ao Sócio Gerente da Requerida, «BB», recebida e assinada por este, na qual explanava as razões pelas quais procedia àquela resolução contratual: cfr. doc. n.° 4,
16º
Bem como reclamava o pagamento de todos os créditos laborais já vencidos.
17º
A Requerida, contudo, fez letra morta da missiva que recebeu do Requerente e ignorou por completo a sua interpelação no que concerne ao pagamento das quantias que se encontravam em dívida.
18º
Limitando-se apenas, no dia 13/02/2021, a pagar ao Requerente a quantia de 3.011,16 € (três mil e onze euros e dezasseis cêntimos), referente à retribuição mensal correspondente aos meses de setembro, outubro e novembro de 2020.
19º
Assim, em 19/01/2019, encontravam-se em dívida as seguintes quantias:
a) 1 245,00 € - subsídio de férias de 2020;
b) 1 245,00 € - subsídio de natal de 2020;
c) 1 245,00 € - retribuição mensal base de dezembro de 2020;
d) 871,50 € (1 245,00 € : 30 dias x 21 dias - salário de Janeiro);
e) 93,94 € - subsídio de alimentação de dezembro de 2020);
f) 59,78 € - subsídio de alimentação (93,94 € : 22 x 14 - janeiro de 2021);
g) 2 490,00 € (1 245,00 € x 2 - férias vencidas em 01/01/2021 e respectivo subsídio);
h) 214,89 € (1 245,00 € : 365 x 21 dias x 3 - proporcionais de férias, subsídio de férias e de natal de 2021) ;
i) 940,82 € (1 245,00 € : 22 : 8 horas x 133 horas) - formação profissional
j) 4 734,41 € [1 245,00 € x 3 + (1 245,00 € : 365 x 293)] - indemnização por despedimento ilícito, num total de 13 140,34€.
Como resulta da petição inicial de fls. 46 e seguintes do p.a. (e, ademais, do ponto 3 dos factos provados), o Autor, como causa de pedir para o pedido de insolvência, alegou precisamente os factos de que dependia o reconhecimento da justa causa de despedimento, designadamente, o atraso no pagamento da retribuição por período superior a 60 (sessenta) dias. Para além disso, fez constar expressamente do total de créditos laborais reclamados a parcela indemnizatória correspondente à indemnização pela justa causa de despedimento - cfr. art. 19.º, al. j) desse articulado.
O Juízo do Comércio de Vila Nova de Famalicão, na sentença que se pronunciou sobre esse pedido, deu integralmente como provada toda a factualidade alegada nessa petição, entre a qual se integravam os factos acima reproduzidos - designadamente, o atraso no pagamento da retribuição por período superior a 60 (sessenta) dias e a titularidade do crédito devido pela justa causa de despedimento, tal como se alcança do ponto 3 do probatório da sentença recorrida.
Assim e como resulta do acima exposto, no caso dos autos, o crédito respeitante à justa causa de despedimento foi objecto de reconhecimento judicial, pois foi apreciado judicialmente e dado como provado, como fundamento para o decretamento da insolvência da entidade patronal.
Ademais, a jurisprudência reproduzida na pág. 22 da sentença não é, de todo, similiar ao caso dos autos, porquanto nesse caso não houve, em momento algum, reconhecimento judicial do crédito por justa causa de despedimento - ou seja, não houve acção no Tribunal do Trabalho, nem pedido de insolvência com esse fundamento, nem sentença de reconhecimento e graduação de créditos.
Contrariamente ao caso aí em apreço, no caso posto, pese embora não tenha havido acção no Tribunal do Trabalho nem sentença de graduação de créditos (por insuficiência de bens, por parte da Massa Insolvente), a existência do crédito por justa causa foi alegada como fundamento para o pedido de insolvência, e foi aí reconhecida e dada como provada.
Assim, o escrutínio judicial que existiria numa qualquer sentença de graduação de créditos (e que vale como reconhecimento judicial, para efeitos de legitimação do pagamento pelo FGA) existiu também na sentença de declaração de insolvência, precisamente por esse crédito ter sido alegado pelo Requerente da insolvência como fundamento para a pedir, pelo que inexiste qualquer razão que justifique, no plano prático, que aquela possa servir de base ao pedido de pagamento, pelo FGA, da parcela indemnizatória respeitante à justa causa de despedimento, e que esta já não possa servir para tal efeito.
Além disso não deixa de relevar que, para efeitos de atribuição do subsídio de desemprego ao Autor, tenha sido suficiente a emissão de declaração modelo Mod. RP 5044/2018 - DGSS, em que a entidade patronal reconheceu a justa causa de despedimento (que era pressuposto desse subsídio), e que, para efeitos de pagamento de indemnização pela justa causa, seja agora exigida uma decisão judicial.
No que para aqui releva, a sentença recorrida, nesta parte, violou o disposto no art. 2.°, n.° 1 e 4 do Decreto-Lei n.° 59/2015, de 21 de abril, pelo que tem de ser revogada.
II - Quanto ao crédito por formação profissional:
A sentença recorrida entendeu que o Réu não teria de pagar ao Autor a parcela respeitante a créditos laborais por falta de prestação de formação profissional, sustentando que tais quantias não se consideram parte integrante da retribuição.
Ora, não se acompanha esta leitura, já que o art. 2.°, n.° 1 do Decreto-Lei n.° 59/2015, de 21 de abril, não prevê semelhante exclusão, limitando-se a estatuir que “Os créditos referidos no n.º 1 do artigo anterior abrangem os créditos do trabalhador emergentes do contrato de trabalho ou da sua violação ou cessação.”
Assim, se o crédito emergente da falta de prestação de formação profissional existia, se o mesmo emergia do contrato de trabalho ou da relação laboral ou da sua violação e se, por fim, os mesmos existiam à data de cessação do contrato de trabalho, não se vislumbra qualquer fundamento para se concluir, como concluiu o Tribunal a quo, que tal crédito não é abrangido pela previsão do n.° 1 do art. 2.° do Decreto-Lei n.° 59/2015, de 21 de abril.
Neste particular, como invocado, a sentença recorrida violou, além de outras, a disposição do n.° 1 do art. 2.° do Decreto-Lei n.° 59/2015, de 21 de abril, pelo que também se impõe a sua revogação.
Em suma,
A criação deste Fundo teve como objetivo fundamental garantir, essencialmente em tempo útil, o pagamento das prestações referidas na lei, bem sabendo o legislador que a habitual morosidade dos tribunais é incompatível com a liquidação célere dessas prestações;
Como consignado na decisão sob recurso, o regime legal em causa transpõe a Diretiva n.º 2008/94/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de outubro de 2008, onde se estabelece a necessidade de existirem disposições para proteger os trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador e para lhes assegurar um mínimo de proteção;
Em cumprimento de tal diretriz, o regime do Fundo de Garantia Salarial garante o pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho, mas com limites e sujeito às limitações legais;
O Fundo não substitui a entidade patronal insolvente no pagamento de todas as suas dívidas nem garante o pagamento de todas as dívidas desta, pois isso seria economicamente incomportável;
Assim, o acesso ao Fundo está condicionado ao cumprimento de requisitos e limitações legais;
In casu, como acima se deu conta, o Recorrente evidencia a satisfação desses pressupostos legais;
Sem embargo, convém atentar no artº 3º do novo regime do FGS;
E o artigo 3.º refere o seguinte:
Limites das importâncias pagas
1 - O Fundo assegura o pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho, referidos no n.º 1 do artigo anterior, com o limite máximo global equivalente a seis meses de retribuição, e com o limite máximo mensal correspondente ao triplo da retribuição mínima mensal garantida.
2 - Quando o trabalhador seja titular de créditos correspondentes a prestações diversas, o pagamento é prioritariamente imputado à retribuição base e diuturnidades.
(sublinhado nosso);
Conforme resulta dos normativos referidos, a entidade demandada tem como objetivo assegurar o pagamento aos trabalhadores de créditos resultantes do contrato de trabalho, sua violação ou cessação quando a respetiva entidade empregadora se encontre em situação de insolvência ou situação económica difícil. No entanto, essa garantia de pagamento (que é, na verdade, uma sub-rogação) não é absoluta ou ilimitada, sendo antes uma garantia mínima, que visa obstar a que os trabalhadores sejam colocados, subitamente, numa situação economicamente insustentável;
Um desses limites é o que se designa por plafond legal e que corresponde ao limite inscrito no artigo 3.º, n.º 1 do RFGS;
Como já se referiu supra a Diretiva da UE que está na origem da proteção conferida pelo FGS prevê a possibilidade de os Estados Membros estabelecerem apenas um nível de proteção mínimo, o que significa que podem ser estabelecidos limites temporais e quantitativos para a proteção oferecida pelo FGS. E o legislador português optou por estabelecer limites à garantia oferecida pelo FGS, determinando quer limites quantitativos quer limites temporais.
O artigo 3.º, n.º 1 do RFGS estabelece o limite quantitativo, prevendo que o FGS assegura o pagamento ao trabalhador de créditos emergentes do contrato de trabalho ou da sua violação ou cessação até ao “limite máximo global equivalente a seis meses de retribuição”;
Efetivamente, o artigo referido estabelece como limite quantitativo global máximo o equivalente a 6 meses de retribuição. Refere ainda que a retribuição a considerar não pode exceder o triplo da retribuição mínima mensal.
DECISÃO
Termos em que se concede provimento ao recurso, revoga-se a sentença recorrida e, em consequência, anula-se o ato administrativo de (in)deferimento parcial, proferido pela Senhora Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial, datado de 08/07/2022, condenando-se a Entidade Demandada ao seu deferimento, mas sempre em respeito do aludido plafon legal.
Custas da acção pelo Réu e, nesta instância, sem custas, atenta a ausência de contra-alegações.
Notifique e DN.
Porto, 25/10/2024
Fernanda Brandão
Isabel Jovita
Paulo Ferreira de Magalhães |