Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00031/12.8BELRS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:05/29/2025
Tribunal:TAF do Porto
Relator:VITOR SALAZAR UNAS
Descritores:OPOSIÇÃO;
TAXAS DE PORTAGEM;
COIMAS; INEXIGIBILIDADE;
Sumário:
I - Tanto a falta de notificação das taxas de portagem como das decisões de aplicação de coima, por implicar com a inexigibilidade da quantia exequenda, constitui fundamento de oposição, nos termos da alínea i), do n.º 1, do art. 204.º, do CPPT.

II – No recurso da matéria de facto tem o recorrente que cumprir rigorosamente com os pressupostos cumulativos previstos no art. 640.º, do CPC, aplicável por força do art. 281.º do CPPT, sob pena de rejeição.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais, do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte:

I – RELATÓRIO:
o MINISTÉRIO pÚBLICO, vem interpor recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra que julgou procedente a oposição apresentada por «AA», contra a execução fiscal n.º ...59, a correr temos para cobrança de dívidas por taxas de portagem, coimas e custas, no valor de € 2.229,05.
O Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
«(…).
1. A oposição foi intentada na sequência de instauração de PEF para cobrança de taxas de portagem, coima e custas, como resulta da certidão constante de folhas 12.
2. O opoente alega possuir dispositivo electrónico para pagamento das portagens, mantendo saldo disponível na conta bancária que permite o pagamento das taxas de portagem resultantes do uso de vias portajadas.
3. Alterou a residência em 2008, que comunicou à concessionária.
4. Nunca foi notificado pela concessionária da existência de problemas relacionados com a falta de pagamento das portagens.
5. Não lhe foi comunicada a resolução do contrato de pagamento por débito bancário.
6. Todavia, da leitura dos autos resulta ter sido notificado para a morada constante do contrato de adesão ao sistema de pagamento automático —Via Verde — antes da alteração da residência, para regularizar a situação, na sequência de substituição de cartão multibanco, a que o identificador estava associado.
7. Também, de acordo com a informação prestada pelo INIR, IP — folhas 21 — opoente notificado nos termos previstos no artigo 14º, da lei 25/2006, das coimas aplicadas.
8. Resulta, assim, ter sido cumprido o formalismo legal exigido, razão pela qual não se verificam os factos dados como provados na decisão recorrida, quando se conclui pela falta de notificação, quer por carta registada com aviso de recepção ou carta simples, fundamento da decisão recorrida.
9. A decisão recorrida fez uma errada apreciação da matéria de facto e consequente aplicação do direito, mostrando-se violado o disposto nos artigos 74º, da Lei Geral Tributária, 341º e 342º, do Código Civil.
Termos em que, atento o preceituado nos artigos 341º, 342º, Código Civil, e 74º, Lei Geral Tributária, resulta não ter sido feita qualquer prova da alegada falta de notificação, antes resultando o inverso.
Assim, dando-se provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida, far-se-á JUSTIÇA!»
O Autor/Recorrido «AA», apresentou contra alegações que concluiu nos seguintes termos:
«Pelos fundamentos aqui invocados, que vão desde a inexigibilidade da dívida ou insuficiência do título por falta de definitividade da decisão exequenda e, consequentemente, prescrição do procedimento e da coima, deverá manter-se a decisão proferida pelo tribunal a quo declarando-se a extinção da execução fiscal.»

O Digno Procurador Geral Adjunto teve vista nos autos.
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Com dispensa dos vistos legais, [cfr. 657.º, n.º 4, do Código de Processo Civil], cumpre agora apreciar e decidir o presente recurso.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR.
A questão que cumpre responder prende-se com o erro de julgamento imputado à sentença na por ter considerado ser a quantia exequenda inexigível e, em consequência, a oposição procedente.
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III – FUNDAMENTAÇÃO:
III.1 – DE FACTO
Na sentença foi fixada matéria de factos nos seguintes termos:
«Com interesse para a decisão do mérito da causa resultaram provados os seguintes factos:
1. Foram instaurados, em concurso, contra o Oponente os processos de contraordenação n.os ...14, ...15, ...18, ...19, ...21, ...25, ...27, ...29, ...33, ...34 e ...35, por transposição de barreiras de portagem, nos dias 12, 14, 16, 23, 24, 26 e 27 de Dezembro de 2008 e nos dias 2, 10 e 15 de Janeiro de 2009 (cf. decisão condenatória a fls. 18 a 19 do processo físico);
2. No dia 17 de Dezembro de 2009 foi elaborada “Notificação da Decisão Condenatória, abreviadamente com o seguinte teor: “(…) «AA», nos dias e horas constantes da relação que segue em anexo, transpôs as barreiras de portagem ali discriminadas, conforme fotografia que consta dos Autos através de via reservada a aderentes ao sistema electrónico de cobrança de portagem da Via Verde Portugal, sem que o veículo utilizado estivesse a esse sistema associado, por meio de contrato de adesão válido. Tal facto, consubstancia uma contra-ordenação prevista e punida pelos artigos 5.º, alínea a) e 7.º, ambos da Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho, sancionável com coimas de valor mínimo e máximo que igualmente constam da referida relação, às quais acresce o valor das taxas de portagem nos montantes também aí referidos, calculado nos termos do n.º 2 do artigo 7.º da referida Lei. Notificado nos termos legais, o arguido não se prontificou a pagar voluntariamente os valores mínimos das coimas nem das taxas de portagem, nem tão pouco apresentou defesa escrita, no prazo legalmente fixado. DECISÃO: Ao agir da forma descrita, o arguido agiu dolosa e conscientemente, bem sabendo que a sua actuação era ilícita, pois sabia que a viatura em causa não estava associada ao sistema electrónico de cobrança de portagens e, consequentemente, ao não pagar a taxa devida pela utilização daquela infra-estrutura rodoviária, lesava, com a sua conduta, a concessionária da mesma. Pelo exposto, é condenado o arguido no pagamento ao INIR, I.P., da quantia global de EUR 2226,05, que inclui os valores das taxas de portagem EUR 215,55, da coima aplicada EUR1985,00, ao abrigo do artigo 19.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, e das custas EUR 25,50, fixadas estas nos termos do artigo 92.º do mesmo diploma legal, para cujo pagamento dispõe de 15 (quinze) dias, após decorrido o prazo de 20 (vinte) dias para eventual impugnação da presente decisão ou do trânsito em julgado desta decisão, sob pena de, não o fazendo, serem os Autos remetidos ao Ministério Público para execução, podendo ser indicado o veículo com que a infracção foi cometida como bem a executar. A decisão torna-se definitiva e exequível se não for judicialmente impugnada nos termos do art.º 59º do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, a remeter para o INIR, I.P. – Rua ... – ... ..., podendo o Tribunal decidir mediante audiência de julgamento ou, caso o arguido ou o Ministério Público não se oponham, mediante simples despacho. Finalmente, no caso de impossibilidade de pagamento tempestivo do valor em que é condenado, deve comunicar o facto, por escrito, ao INIR, I.P. para o Apartado acima indicado, no prazo de 15 (quinze) dias após o recebimento desta Notificação e requerer, querendo, o pagamento em prestações.” (cf. decisão condenatória a fls. 18 a 19 do processo físico);
3. A decisão descrita em 2 tinha aposto registo de correio n.º ...35 e encontrava-se dirigida ao Oponente, para a morada “R ..., ... ...”, (cf. decisão condenatória a fls. 18 a 19 do processo físico);
4. No dia ../../2011 foi instaurado contra o Oponente o processo de execução fiscal n.º ...59, no valor de €2.226,05, por falta de pagamento de taxa de portagem, coimas e custas referentes aos períodos de 1 de Dezembro de 2008 a 31 de Janeiro de 2009 (cf. certidão de dívida e informações a fls. 4, 11 e 23 do processo físico);
5. Da certidão de dívida, emitida em ../../2011, resulta o seguinte: “(…) Natureza: Taxas de portagem, coimas e custos administrativos, decorrentes da prática de contra-ordenações previstas na Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho, pelo não pagamento ou pelo pagamento viciado de taxas de portagem em infra-estruturas rodoviárias. Proveniência: Por deliberação do Conselho Directivo do INIR, I. P. de 01-11-2009, no âmbito do processo de concurso de contra-ordenações n.º ...38 o(a) Executado(a) foi condenado(a) ao pagamento de uma quantia global de € 2226,05, que abrange os valores da taxa de portagem (€ 215,55), da coima (€ 1985) e dos custos (€25,5), por ter transposto, nos dias e horas constantes do quadro anexo, que constitui parte integrante da presente Certidão para todos os efeitos legais, as barreiras de portagem nele discriminadas, através da via reservada a aderentes a sistema electrónico de cobrança de portagens, sem que o veículo utilizado respeitasse a obrigação legal relativa ao pagamento de taxas de portagem devidas em infra-estruturas rodoviárias e, em consequência, ter cometido infracções previstas e punidas nos arts. 5.º e 7.º, ambos da Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho (…)” (cf. fls. 12 e 13 do processo físico).
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Não resultaram provados outros factos com interesse para a decisão do mérito da causa.»
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IV –DE DIREITO:
Conforme se extrai das conclusões de recurso, que constitui o objeto da pretensão recursiva, impõe-se verificar se a sentença padece de erro de julgamento da matéria de facto e, por consequência, de direito.
Erro de julgamento da matéria de facto?
Alega, em suma, o Recorrente que não se podem ter como verificados «os factos dados como provados na decisão recorrida, quando se conclui pela falta de notificação, quer por carta registada com aviso de recepção ou carta simples, fundamento da decisão recorrida.». Apresentando-se a questão de direito de forma conclusiva e totalmente dependente da alteração da matéria de facto.
Liminarmente, assentamos que tanto a falta de notificação das taxas de portagem como das decisões de aplicação de coima, por implicar com a inexigibilidade da quantia exequenda, constitui fundamento de oposição, nos termos da alínea i), do n.º 1, do art. 204.º, do CPPT.
Neste entendimento, afirma-se, de forma lapidar, no acórdão do STA de 18.06.2014, proferido no processo ...49/13, disponível para consulta em www.dgsi.pt), que «a falta de notificação da liquidação das taxas de portagem, bem como a falta de notificação da decisão administrativa de aplicação da coima, porque determinam a inexigibilidade das dívidas que tenham origem nesses atos, integram, em abstrato, o fundamento de oposição à execução previsto na alínea i) do artigo 204.º, n.º 1 do CPPT.»
E foi neste enquadramento que a questão foi conhecida pelo tribunal recorrido e a final julgada procedente a oposição na consideração de que «o Oponente não foi regularmente notificado para pagamento voluntário das dívidas exequendas», pelo que «as dívidas exequendas, provenientes de coima, custos administrativos e taxa de portagem, são inexigíveis, facto que constitui fundamento de oposição à execução fiscal, nos termos da alínea i) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT, devendo ser, por isso, extinta a execução fiscal instaurada contra o Oponente».
Entende o Recorrente que não se podem manter os factos dados como provados relativamente à falta de notificação da quantia exequenda, o que nos remete para o recurso da matéria de facto, conforme previsto no art. 640.º do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT.
Considerando o disposto no art. 640.º do CPC, a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto caracteriza-se pela existência de um ónus de alegação a cargo do Recorrente, que não se reduz à mera manifestação de inconformismo com tal decisão.
Assim, o regime vigente atinente à impugnação da decisão relativa à matéria de facto impõe ao Recorrente o ónus de especificar, sob pena de rejeição [art. 640.º, n.º 1, do CPC]:
a) Os concretos pontos de facto que considere incorretamente julgados [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. a), do CPC];
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo (ou de registo ou gravação nela realizada), que impõem, em seu entender, decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. b), do CPC];
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. c), do CPC].
Destarte, não basta ao Recorrente manifestar de forma não concretizada a sua discordância com a decisão da matéria de facto efetuada pelo Tribunal a quo, impondo­-se-lhe os ónus já mencionados.
Tendo como assente estes pressupostos para a impugnação da matéria de facto, avançamos, desde já, que o Recorrente não cumpriu, sequer minimamente, com o ónus que lhe estava incumbido.
Na realidade, não indica quais os concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados [alínea a)], omissão que, por si só, basta para a rejeição do recurso neste segmento, uma vez que os pressupostos são cumulativos.
No entanto, o Recorrente, também, não especifica os meios probatórios, no caso, os documentos que, no seu entendimento, impõem decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida [alínea b)] e nem a decisão que deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas [alínea c)].
Em suma, não tendo o Recorrente cumprido com o ónus que sobre si recaía quanto ao recurso da matéria de facto, rejeita-se o recurso nos termos do disposto no n.º 1 do art. 640.º, do CPC, mantendo-se incólume a decisão da matéria de facto.
Face à rejeição do recurso da impugnação da matéria de facto e na medida em que a decisão da matéria de facto se mantém intacta e estabilizada, nenhuma outra questão se mostra suscitada à apreciação deste tribunal. Pois, como referimos supra, a questão de direito está colocada de forma conclusiva e totalmente dependente da alteração da matéria de facto, que não ocorreu.
Nesta conformidade, impõe-se negar provimento ao recurso e manter na ordem jurídica a sentença recorrida.
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Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais, do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso e, nessa sequência, manter a sentença na ordem jurídica.
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Nos termos do n.º 7 do art.º 663.º do CPC., formula-se o seguinte SUMÁRIO:
I - Tanto a falta de notificação das taxas de portagem como das decisões de aplicação de coima, por implicar com a inexigibilidade da quantia exequenda, constitui fundamento de oposição, nos termos da alínea i), do n.º 1, do art. 204.º, do CPPT.
II – No recurso da matéria de facto tem o recorrente que cumprir rigorosamente com os pressupostos cumulativos previstos no art. 640.º, do CPC, aplicável por força do art. 281.º do CPPT, sob pena de rejeição.

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V – DECISÃO:
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais, do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso e, nessa sequência, manter a sentença na ordem jurídica.

Sem custas por não serem devidas.

Porto, 29 de maio de 2025


Vítor Salazar Unas
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