Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00334/21.0BEMDL
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:06/06/2024
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:ROGÉRIO PAULO DA COSTA MARTINS
Descritores:CADUCIDADE DA ACÇÃO; PRAZO PARA A ADMINISTRAÇÃO DECIDIR; PRAZO DE 60 DIAS;
PRAZO DE 90 DIAS; ARTIGO 128.º, N.º 1, DO CÓDIGO DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO;
ARTIGO 11º, N.º3, DA LEI 72/2020, DE 19.03;
Sumário:
1. Aplicam-se à sucessão de leis sobre prazos no procedimento administrativo as normas constantes do artigo 279º do Código Civil, no nosso entender, por serem os mesmos os princípios que lhes subjazem, a certeza e a segurança quanto ao cômputo dos prazos, em caso de sucessão de leis no tempo.

2. Por isso entendeu o legislador aplicar estas regras, por princípio, aos prazos fixados pelos tribunais ou por qualquer autoridade – n.º 3 do artigo 279º do Código Civil.

3. Nos termos do disposto no n. º1 do artigo 279º do Código Civil, se a lei estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar.

4. No caso concreto a entender-se, contra o estipulado no artigo 11º, n.º3, da Lei 72/2020, que o prazo mais reduzido de 60 para a administração se pronunciar sobre a pretensão de um particular se aplicava a um procedimento já em curso, então esse prazo apenas se poderia contar a partir da entrada em vigor do novo prazo, ou seja, a partir de 17.11.2020, o que significa que o termo inicial deste prazo de 60 dias seria mais de 7 meses depois do termo inicial considerado na decisão recorrida.

5. Por uma via ou por outra a solução da excepção de caducidade sempre seria a oposta à tomada na decisão recorrida. Seguindo a solução consignada no artigo 11º, n.º3, da Lei 72/2020, o prazo de 90 dias para a Entidade Demandada se pronunciar sobre o pedido da Autora, a que aludia o artigo 128.º, n.º 1, do Código de Procedimento Administrativo, na sua primitiva redacção, terminou em 21.08.2020. Somando ao prazo geral de um ano, para a propositura da acção – artigo 69º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos -, a suspensão de 74 dias de calendário, por força do disposto no artigo 6.º-B, números 1 e 3, aditado à Lei n.º 1- 21 A/2020, de 19.03, pelo artigo 2.º, da Lei n.º 4-B/2021, de 01.02, o prazo para intentar a presente acção terminava em 05.11.2021, depois de ter sido intentada, 30.10.2021.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

«AA» veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, de 20.11.2013, pela qual foi julgada verificada a excepção dilatória de caducidade do direito de acção e, em consequência, absolvida a Entidade Demandada da Instância, na acção administrativa que moveu contra o Instituto da Segurança Social, IP., Centro Distrital de Vila Real, para condenação à prática do acto devido, conceder e pagar à Autor o subsidio de desemprego, previsto no artigo 25º - 2, da Lei n.º 105/2009, e relativo às retribuições mensais, não recebidas pela Autora, desde o dia 01.12.2018 até ao dia 12.04.2020, ambos os dias inclusive, incluindo os subsídios de férias e de Natal, do ano de 2019, no montante total de retribuições em mora de, 22.898,68 euros a que corresponde a um subsidio de desemprego de um terço, ou seja 7.832,89 euros, tudo acrescido de juros.

Invocou para tanto, em síntese, que a decisão recorrida violou o disposto no artigo 128.º, n.º1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, na redação de tal número 1, aplicável a este caso, que é a constante do Decreto-Lei n.º 4/2015, de 07.01, na versão originária dele, 11.º-3, da Lei n.º 72/2020 e no artigo 5.º, da Lei nº 13-B/2021.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Ministério Público neste Tribunal não emitiu parecer.

*
Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
*

I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

1ª - Vai o presente recurso interposto, da sentença 20.11.2023.

2ª - Constituindo o fundamento específico de recorribilidade de tal sentença (artigos 637.º-2, do CPC e 1.º e 140.º-3, do CPTA), ela ter violado, como violou, diversas disposições legais, designadamente os artigos 128.º-1, do CPA, na redação de tal número 1, aplicável a este caso, que é a constante do Decreto de Lei n.º 4/2015, de 07 de janeiro, na versão originária dele, 11.º-3, da Lei n.º 72/2020 e 5.º, da Lei nº 13-B/2021.

3ª - Devendo, por isso, ou seja, por tal violação, e muito embora sem que isso possa constituir, nem constitua, qualquer demérito, por pequeno, ou mínimo até que seja, para com o Ilustre Senhor Doutor Juiz que a proferiu, até porque e como é por demais sabido, errar é próprio dos homens e também, naturalmente, das mulheres, ou, numa versão mais erudita, aliquando dormitat bonus Homerus, Homerus qui Homerus erat, ser essa sentença, posto que sendo, como, inequivocamente, e sem margem para quaisquer dúvidas, é, mui douta, e, face aos vícios genéticos de que ela padece, anulada (artigos 639.º-1, in fine, do CPC e 1.º e 140.º, do CPTA).

4ª - Prolatando-se, para isso, não menos douto acórdão, que, levando em conta que a sentença recorrida incorreu nos dois atrás referidos erros de julgamento, erros esses que deverão ser considerados ambos erros crassos, traduzidos na violação das normas legais atrás referidas, e utilizando a vertente cassatória do nosso sistema de recursos, anule tal sentença (artigos 639.º-1, in fine, do CPC e 1.º e 140.º, do CPTA), e, lançando mão da vertente de substituição, do mesmo sistema recursório, vertente esta prevista, aliás, nos artigos 665.º, do CPC e 1 e 140.º, do CPTA, e tendo também em conta, o estatuído no artigo 71.º-1 e 2, do CPTA e que a emissão do ato pretendido e peticionado pela autora, não envolve a formulação de valorações próprias do exercício da função administrativa, pois que se trata de um ato vinculado da administração e a apreciação do caso concreto permite identificar apenas uma solução, que é a pretendida e peticionada pela autora, como legalmente possível, condene a administração, ou seja, o réu, a praticar o ato omitido, concedendo e pagando à autora o subsidio de desemprego, a que alude o artigo 25.º-2, da Lei n.º 105/2009, no valor de 7.632,89 euros, acrescido de juros moratórios civis, incidindo sobre tal importância, à taxa legal anual, que atualmente é de 4%, a contar desde a data da citação do réu para a presente ação, até ao efetivo recebimento pela autora da importância em causa, e procedendo ao respetivo pagamento.

Assim decidindo, como, temos disso a mais firme e completa certeza, não poderá, nem irá, deixar de suceder, farão Vs.Exas., Exmos. (as) Senhores(as) Doutores(as) Juízes(as) Desembargadores(as) do Tribunal Central Administrativo Norte, a melhor e mais justa justiça, que aliás soem sempre fazer, pelo que a isso nos têm, e de uma forma sistemática, habituado.


*

II –Matéria de facto.

A decisão recorrida deu como provados os seguintes factos, sem reparos nesta parte:

1. A 14.04.2020, «AA» requereu a concessão de subsídio de desemprego relativo retribuições vencidas e não pagas - por acordo (cf. os artigos 7.º, 10.º e 11.º da petição inicial e 6.º e 7.º da contestação).

2. A 30.10.2021, foi submetida, via SITAF, a petição inicial que motivou os presentes autos - cf. o documento designado por petição inicial (Comprovativo Entrega), constante, no SITAF, sob o registo ...33, de 30.10.2021.

*
III - Enquadramento jurídico.

Este é o teor da decisão recorrida, na parte relevante:

(…)

Sob a epígrafe Prazos, consigna o artigo 69.º do CPTA o seguinte:

(…)
1 - Em situações de inércia da Administração, o direito de ação caduca no prazo de um ano contado desde o termo do prazo legal estabelecido para a emissão do ato ilegalmente omitido.
2 - Nos casos de indeferimento, de recusa de apreciação do requerimento ou de pretensão dirigida à substituição de um ato de conteúdo positivo, é aplicável o disposto nos artigos 58.º, 59.º e 60.º
(…)
Dispondo o artigo 128.º, n.ºs 1 e 3, do Código do Procedimento Administrativo (CPA), sob a epígrafe Prazos para a decisão dos procedimentos, o seguinte:
(…)
1 - Os procedimentos de iniciativa particular devem ser decididos no prazo de 60 dias
(…)
(…)
3 - O prazo referido no n.º 1 conta-se a partir da data de entrada do requerimento ou petição em qualquer entidade competente para o receber, independentemente da existência de formalidades especiais para a fase preparatória da decisão.
(…)

Dos citados normativos resulta que, em matéria de pedido de condenação da Administração à prática de actos administrativos devidos, existem dois prazos, consoante se esteja perante o silêncio da Administração ou perante o indeferimento ou a recusa de apreciação, por parte da Administração, de um pedido do administrado.

No primeiro caso (o do silêncio da Administração), o prazo para a propositura da acção administrativa é de um ano, contado a partir do termo final do prazo legal de que a Administração disponha para decidir (cf. o artigo 69.º, n.º 1, do CPTA).

No segundo caso (o do indeferimento ou a recusa de apreciação, por parte da Administração, de um pedido do administrado), o prazo para a propositura da acção administrativa é de três meses, contados a partir da data do indeferimento ou da recusa de apreciação (cf. os artigos 58.º, nº 1, alínea b), e 59.º, n.º 2, do CPTA, por remissão do artigo 69.º, n.º 2 do mesmo CPTA).

Por outro lado, ainda no primeiro caso (o do silêncio da Administração), o prazo de que a Administração dispõe para o cumprimento do seu dever de decisão (cf. o artigo 13.º, n.º 1, do CPA) é de 60 dias (cf. o artigo 128.º, n.º 1, do CPA), contados a partir da data de entrada do pedido formulado pelo administrado (cf. o artigo 128.º, n.º 3, do CPA).

Vertendo tais considerações ao caso em apreço, verifico que a Autora requereu a concessão de subsídio de desemprego relativo a retribuições vencidas e não pagas a 14.04.2020 (cf. o facto provado 1.), pelo que o termo final da contagem do prazo legal de 60 dias de que a Administração dispunha para emitir a sua decisão ocorreu a 10.07.2020, considerando que a contagem se suspendeu aos sábados domingos e feriados, nestes incluindo o feriado municipal (cf. o artigo 87.º, alíneas a) a c), do CPA).

Todavia, a Entidade Demandada, na parte relativa ao pretendido subsídio de desemprego relativo a retribuições vencidas e não pagas, não se pronunciou.

Daqui decorre que o prazo de um ano de que a Autora dispunha para propor a acção administrativa de condenação à prática de acto administrativo devido começou a correr no dia seguinte ao do termo do prazo para a decisão da Entidade Demandada, ou seja, a 11.07.2020, pelo que aquele prazo de um ano conheceu o termo final da respectiva contagem a 11.07.2021, que, por corresponder a um domingo, se transferiu para o 1.º dia útil seguinte, ou seja, para 12.07.2021 (cf. o artigo 279.º, alíneas b), c) e e), do Código Civil, por remissão do artigo 58.º, n.º 2, do CPTA).

Deste modo, verificando, como verifico, que a presente acção foi proposta a 30.10.2021, restaria concluir pela verificação da caducidade do direito de acção judicial da Autora, pois que já se mostrava decorrido mais do que um ano.

Digo restaria, pois, nos termos do que veio dispor o artigo 6.º-B, n.ºs 1 e 3, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, que implementou medidas excepcionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e pela doença COVID-19, a esta aditado pela Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, a contagem dos prazos ficou suspensa a partir de 22.01.2021, suspensão que perdurou até 04.04.2021, num total de 74 dias, já que, por força da Lei n.º 13-B/2021, de 5 de Abril, aquele artigo 6.º-B foi revogado.

Assim, ao termo final da contagem do prazo de um ano de que a Autora dispunha para propor a presente acção, ocorrido a 12.07.2021, são de acrescer os 74 dias em que a respectiva contagem esteve suspensa, o que tem como consequência que aquele termo final da contagem do prazo de um ano se transferiu para 24.09.2021.

Daqui decorre que, a 30.10.2021, quando a presente acção foi proposta, já se mostrava decorrido mais do que um ano, nele incluído o período de suspensão da contagem do prazo, de 74 dias, pelo que, como alegado pela Entidade Demandada, se verifica a caducidade do direito de acção da Autora.

A caducidade do direito de acção ou a (…) Intempestividade da prática do ato processual (…) constitui uma excepção dilatória (cf. o artigo 89.º, n.º 4, alínea k), do CPTA), que, como tal, obsta a que o Tribunal conheça do mérito da causa e tem como consequência a absolvição da instância (cf. o artigo 89.º, n.º 2, do CPTA).

Razão pela qual, nos presentes autos, verificando, como verifico, que a propositura da acção foi intempestiva, deverá a Entidade Demandada ser absolvida da instância, o que se provirá.

(…)”.

A decisão recorrida parte de um fundamento errado, decisivo, que determina o erro, adianta-se, do dispositivo decisório, a absolvição da instância por caducidade do direito de acção.

Tal como defende o Recorrente, o prazo que se deve considerar no artigo 128.º, n.º 1, do Código de Procedimento Administrativo, é o que consta da redacção anterior à Lei n.º 72/2020, de 16.11, que entrou em vigor em 17.11.2020 – artigo 12º deste diploma -, ou seja, o prazo de 90 dias e não o novo prazo, considerado na decisão recorrida, de 60 dias.

O prazo aplicável ao caso é o prazo de 90 dias contados desde a entrada do pedido formulado pelo administrado. Solução que é a consignada no artigo 11º, n.º3, da Lei 72/2020, que determina a aplicação do essencial das novas alterações, incluindo este prazo mais curto apenas aos procedimentos com início posterior a 01.12.2020.

Mas ainda que se considerasse aplicável ao caso, de imediato, o novo prazo, mais curto, de 60 dias, sempre a solução seria diferente da sufragada na decisão recorrida.

Como se refere na decisão recorrida o prazo para a Entidade Demandada ter decidido a pretensão da Autora começou a correr em 14.04.2020, antes da entrada em vigor da Lei 72/2020.

Não se pode considerar aplicável a um prazo que já se iniciou o termo final que ainda não existia nesse momento, sem mais.

Aplicam-se à sucessão de leis sobre prazos no procedimento administrativo as normas constantes do artigo 279º do Código Civil, no nosso entender, por serem os mesmos os princípios que lhes subjazem, a certeza e a segurança quanto ao cômputo dos prazos, em caso de sucessão de leis no tempo.

Por isso entendeu o legislador aplicar estas regras, por princípio, aos prazos fixados pelos tribunais ou por qualquer autoridade – n.º3 do artigo 279º do Código Civil.

Sendo que o n. º1 do artigo 279º do Código Civil, dispõe:

“1. A lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar.

No caso concreto, portanto, a entender-se, contra o estipulado no artigo 11º, n.º3, da Lei 72/2020, que o prazo mais reduzido de 60 para a administração se pronunciar sobre a pretensão de um particular se aplicava a um procedimento já em curso, então esse prazo apenas se poderia contar a partir da entrada em vigor do novo prazo, ou seja, a partir de 17.11.2020, o que significa que o termo inicial deste prazo de 60 dias seria mais de 7 meses depois do termo inicial considerado na decisão recorrida.

Por uma via ou por outra a solução da excepção de caducidade sempre seria a oposta à tomada na decisão recorrida.

Seguindo a solução consignada no artigo 11º, n.º3, da Lei 72/2020, o prazo de 90 dias para a Entidade Demandada se pronunciar sobre o pedido da Autora, a que aludia o artigo 128.º, n.º 1, do Código de Procedimento Administrativo, na sua primitiva redacção, terminou em 21.08.2020.

Somando ao prazo geral de um ano, para a propositura da acção – artigo 69º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos -, a suspensão de 74 dias de calendário, por força do disposto no artigo 6.º-B, números 1 e 3, aditado à Lei n.º 1- 21 A/2020, de 19.03, pelo artigo 2.º, da Lei n.º 4-B/2021, de 01.02, o prazo para intentar a presente acção terminava em 05.11.2021.

Como a acção foi proposta em 30.10.2021, mostra-se perfeitamente tempestiva, ao contrário do decidido.

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IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO, pelo que:

1. Revogam a decisão recorrida.

2. Ordenam a baixa dos autos ao Tribunal recorrido para que aí prossigam os seus termos normais, se nada mais a tal obstar.

Não é devida tributação neste recurso por não terem sido apresentadas contra-alegações.


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Porto, 06.06.2024


Rogério Martins
Fernanda Brandão
Paulo Ferreira de Magalhães