Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:03517/22.2BELSB
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/24/2025
Tribunal:TAF do Porto
Relator:MARIA CLARA ALVES AMBROSIO
Descritores:INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL;
CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO;
ART. 7º DO DECRETO-LEI N.º 62/2013, DE 10 DE MAIO;
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Execução de Sentença
Decisão:Negar provimento ao recurso do R.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção Administrativa, subsecção de Contratos Públicos, do Tribunal Central Administrativo Norte,

I. RELATÓRIO
[SCom01...] – SUCURSAL EM PORTUGAL intentou procedimento de injunção no Balcão Nacional de Injunções contra o [SCom02...], E.P.E., peticionando a condenação do R. no pagamento da quantia de € 1.574.553,23.
Alega a A., em síntese, que no âmbito da sua actividade, o Réu adquiriu vários produtos e serviços junto de seis fornecedores, não tendo, todavia, procedido à liquidação das facturas emitidas no prazo do seu vencimento; que celebrou com tais fornecedores contratos designados de “factoring”, mediante os quais adquiriu os créditos decorrentes dos contratos de fornecimento subscritos pelo Réu; através de tal contrato, foram transmitidos créditos que ascendem a € 1.336.027,00, transmissão esta que foi devidamente notificada ao Réu, mas que este não pagou; a adquiriu ainda a tais fornecedores os créditos decorrentes de facturas as quais, não obstante terem sido pagas, o foram muito depois do prazo de vencimento, ascendendo os juros de mora ao valor de € 123.815,32; que o Réu é devedor da referida quantia de € 1.336.027,00, a título de capital, bem assim como do valor de € 96.517,91 a título de juros de mora vencidos e a quantia de € 18.040,00 a título de indemnização por despesas de cobrança, de acordo com o artigo 7º do Decreto-Lei nº 62/2013, de 10 de Maio.
Face à apresentação de oposição à injunção, foi o processo remetido ao Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa (TAC Lisboa), que passou a ser tramitado como acção administrativa nos termos do CPTA.
Em 5/1/2023 o TAC proferiu o seguinte despacho: “Os presentes autos tiveram início através da apresentação de um requerimento de injunção no Balcão Nacional de Injunções; todavia, os termos daquele requerimento apresentado pela Autora não são os mais adequados a fundamentar um pedido condenatório no âmbito de uma acção declarativa. Termos em que determino que se notifique a Autora para, querendo, no prazo de 10 dias, vir aperfeiçoar o articulado que apresentou no Balcão Nacional de Injunções — tendo em conta que os autos prosseguirão sob a forma de acção administrativa [art.º 37.º/1/h) do CPTA] —, alterando ou, sendo caso disso, juntando outros requerimentos probatórios [art.º 552.º/2 do CPC, aplicável ex vi, art.º 35.º/1 do CPTA] — tudo nos termos do art.º 7.º do Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro, aplicável nos termos do art.º 14.º do Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de Maio.”
Em 25/1/2023 a A. apresentou petição inicial aperfeiçoada, na qual terminou requerendo o seguinte: “Requer a redução ao seu pedido da quantia de € 153,00 (cento e cinquenta e três euros), referente à taxa de justiça paga pela Autora com a submissão da injunção, e a correção do valor da autuação, na medida em que tal valor, sendo devido pelo Réu, a final, a título de custas de parte, é incluído de forma automática no valor total da injunção e este, por seu turno, no valor dado à acção aquando da sua autuação como acção administrativa. Termos em que requer a V. Exa. se digne admitir nos autos o presente aperfeiçoamento da petição inicial, bem como os 474 (quatrocentos e setenta e quatro) documentos que se juntam à mesma, condenando o Réu como peticionado no pagamento de € 1 574 400,23 (um milhão, quinhentos e setenta e quatro mil e quatrocentos euros e vinte e três cêntimos), mais devendo o Réu ser condenado no pagamento das custas processuais e de parte devidas.”
Por despacho de 20/2/2023, o TAC de Lisboa admitiu a petição inicial aperfeiçoada.
Em 30/5/2023 o TAC de Lisboa declarou-se incompetente em razão do território para conhecer da acção e declarou territorialmente competente o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto.
O TAF do Porto proferiu despacho em 11/7/2023 do seguinte teor:
Notifique a A. para, em 10 dias, a. Juntar aos autos os documentos em suporte pen drive; b. Elaborar e remeter a este Tribunal, via SITAF e via pendrive em ficheiro editável (word ou excel), tabela nos seguintes termos,
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
1 identificar pelo nome/partes e pelo número do contrato e de documento junto à petição. 2 identificar pelo número da fatura/nota de débito e pelo número de documento que conste nos autos. c. Esclarecer os cálculos de juros.”
A A. respondeu por requerimento junto aos autos em 7/8/2023 nos seguintes termos: “vem informar que na presente data remeteu quer a este tribunal, quer ao Ilustre Mandatário da Ré, via CTT (...54... e ...68..., respectivamente), pen drive contendo os documentos a que é feita alusão na petição aperfeiçoada e bem assim ficheiro editável em excel contendo todas as indicações referentes aos montantes reclamados nos presentes.”
O TAF do Porto, Juízo dos Contratos Públicos, proferiu em 25/10/2023 o seguinte despacho: “Considerando o aperfeiçoamento da p.i. e, bem assim, a junção pela A. dos documentos, notifique o R. para, em 10 dias, querendo se pronunciar e/ou apresentar contestação aperfeiçoada”.
O Réu apresentou contestação, na qual se defende por excepção - ineptidão da petição inicial; inadmissibilidade do recurso a requerimento de injunção e incompetência dos tribunais comuns, em razão da matéria, para apreciar e decidir da presente lide - alegando que se exime a Autora de elencar os factos essenciais necessários para que possa o Tribunal apreciar a sua pretensão, designadamente, os montantes de cada uma das facturas, a data sua emissão, data de notificação e recepção, data de vencimento, bem como as datas de notificação ao Réu dos contratos de cessão de créditos e as cláusulas dos contratos de cessão de créditos que permitem fundar o direito de que a Autora se arroga, incluindo de juros.
Defendeu-se ainda o Réu por impugnação. Invoca que nunca aceitou as aludidas cessões de créditos, sublinhando que, de acordo com as peças concursais que regeram os contratos celebrados, sempre se exigiria a autorização expressa das cessões por banda do devedor.
Mais alega que o Réu manifestou à Autora à sua oposição à sobredita cessão, pelo que a mesma não produz efeitos sobre a esfera jurídica do Réu.
Por fim, quanto ao pedido de juros de mora e da indemnização prevista no artigo 7º do Decreto-Lei 62/2013, argumenta que a Autora formula o mesmo pedido de forma duplicada, sendo assim ininteligível.
Pugna, a final, pela total improcedência da acção e pela sua consequente absolvição do pedido.
Em sede de réplica, veio a Autora exercer o contraditório. Invoca ser-lhe lícito usar do requerimento de injunção para tutela dos seus direitos, conforme o discriminado no artigo 2º do Decreto-Lei 62/2013, de 10 de Maio. Sublinha que, quer no requerimento de injunção, quer na petição inicial aperfeiçoada, a Autora cuidou de invocar os factos jurídicos concretos que integram a respectiva causa de pedir, assim pugnando pela improcedência da invocada ineptidão da petição inicial. Argumenta que, estando em causa obrigação de pagamento de quantias pecuniárias, com prazo certo, o Réu está obrigado a efectuar os pagamentos até à data do vencimento de cada factura, sendo devidos juros de mora, sem necessidade de interpelação, caso o não faça. Reforça que os juros de mora não constituem um compromisso, nos termos e para os efeitos do previsto na Lei nº 8/2012, de 21 de Fevereiro. Por outro lado, argui que foi o Réu notificado das cessões de crédito identificadas pela Autora, não havendo necessidade de consentimento por parte daquele, conforme o previsto nos artigos 577º e 583º do Código Civil. Conclui como na petição.
O Tribunal recorrido em 8/1/2025 proferiu despacho saneador – sentença, no qual conheceu da matéria de excepção, julgando-a improcedente e julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou o Réu no pagamento da quantia de € 1.499.880,23 (um milhão, quatrocentos e noventa e nove mil, oitocentos e oitenta euros e vinte e três cêntimos), à qual acrescem juros de mora vincendos sobre o montante de capital, até efectivo e integral pagamento, absolvendo-o de tudo o demais peticionado.
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Inconformado com a decisão proferida, o R. interpôs recurso de apelação, formulando as seguintes Conclusões:
“1. O requerimento de injunção está pensado para que o credor de uma dívida obtenha, de forma célere e simplificada, um título executivo, que implica uma necessária concisão, mas a lei não dispensa que se invoquem os factos jurídicos concretos que integram a respectiva causa de pedir, para que se compreenda, incluindo o requerido, o negócio que está na origem do litígio.
2. E uma coisa é a apresentação no requerimento de injunção, de forma sucinta, do pedido e da causa de pedir, contendo os elementos mínimos da causa de pedir, outra coisa, bem diferente, é a (total) falta de indicação da causa de pedir, que é, de facto, o que se verifica no caso vertente.
3. O que a Recorrida alegou neste requerimento de injunção não permite qualquer julgamento de mérito, devendo o Tribunal de 1.ª Instância julgar tout cour, tal requerimento como inepto insusceptível de correcção.
4. A Recorrida não logrou concretizar no requerimento de injunção, através da enunciação sucinta de factos, como se lhe exigia, os factos essenciais necessários para o tribunal apreciar em que medida é que tais facturas e os juros de mora estão, de facto, cobertos pelas “cessões de créditos”, sequer a efectiva constituição do Réu em mora (o tal momento de constituição em mora, que marca o desencadear das consequências que lhe estão associadas).
5. No caso vertente, as indicações dadas pela Requerente/Autora, como causa de pedir, sobre as facturas e as cessões de crédito não satisfaz minimamente o ónus de indicação da factualidade concreta que deve integrar a pertinente causa de pedir de um requerimento de injunção, ao invés do decidido pelo Tribunal de 1.ª Instância.
6. Logo, não deveria o Tribunal de 1.º instância convidar ao aperfeiçoamento, conhecer dos fundamentos do requerimento injuntivo.
7. À Recorrida que competia alegar, em primeira linha, no requerimento de injunção, todos os factos essenciais necessários para o tribunal apreciar a sua pretensão sobre facturas relativas a sociedades cedentes e a contratos de cessão de créditos, indicando, designadamente, os montantes de cada uma das facturas, a data da sua emissão, data de notificação e recepção, data de vencimento, bem como as datas de notificação ao Réu dos contratos de cessão de créditos e as cláusulas dos contratos de cessão de créditos que permitem fundar o direito de que a Recorrida arroga, incluindo o de juros.
8. E a importância e a essencialidade destas questões não podem ser desconsideradas pois, como é sabido, é de liminar exigência, no domínio da causa de pedir, que tais factos figurem (e sem ambiguidade) no elenco do alegado e que sustentam a pretensão, o que não aconteceu in casu, nem sequer a defesa apresentada pelo Réu na oposição à injunção permite infirmar esta conclusão.
9. Seria absurdo concluir que o Recorrente interpretou correctamente um requerimento de injunção na qual nem sequer foram cabalmente identificados os actos jurídicos concretos que integram a respectiva causa de pedir.
10. Nesta conformidade, o Tribunal a quo decidiu incorrectamente, ao não considerar verificada a excepção dilatória de ineptidão do requerimento de injunção, por falta de indicação causa de pedir, insusceptível de sanação.
11. Este vício obsta a que o Tribunal de 1.º Instância conheça do mérito da causa, pelo que deve a sentença proferida nestes autos ser revogada, e como tal, dar lugar à absolvição do Réu da instância.
12. Violou o Tribunal a quo os artigos 89.º, n.ºs, 1, 2 e 4 do CPTA e artigos 278.º, n.º 1, alínea e) e n.º 3, 576.º, n.ºs 1 e 2, 279.º, n.º 1, 577.º e 578.º, do CPC, aplicáveis por remissão do artigo 1.º do CPTA].
Nestes termos e nos melhores de direito deve o Presente Recurso de Apelação merecer provimento, e como tal ser revogada a sentença proferida pelo Tribunal a quo, substituída por Acórdão, que julgue como inepto o Requerimento de Injunção, insusceptível de aperfeiçoamento, devendo a Recorrente ser absolvida da Instância, Assim, fazendo Vs. Exs. Justiça.”
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Também a A. interpôs recurso de apelação, formulando as seguintes Conclusões:
“a) O presente recurso tem por objeto a sentença por meio da qual, julgou a ação parcialmente procedente e, condenou a Ré no pagamento da quantia de € 1.499.880,23 (um milhão, quatrocentos e noventa e nove mil, oitocentos e oitenta euros e vinte e três cêntimos), acrescida dos juros de mora vincendos sobre o montante de capital, até efetivo e integral pagamento, absolvendo quanto ao demais peticionado pela Autora, nomeadamente, do pagamento da indemnização peticionada por conta do disposto no artigo 7º do Decreto-Lei nº 62/2013, de 10/05.
b) A Recorrente apresentou requerimento de injunção requerendo o pagamento do capital de € decorrente de faturas emitidas, cujos créditos foram adquiridos pela Recorrente por contrato de cessão celebrado com diversas sociedades cedentes, juros de mora, e, por fim as quantias de 17.760 € – correspondente ao valor de 40,00€ multiplicado pelo total de faturas aqui peticionadas (444) – e de € 56.480,00 decorrentes da faturas nºs 90000723, 90000310, 90000138, 90000536, 90000146, 90000408 e 90000647 a título de outras quantias, mormente relativo ao pagamento da indemnização mínima prevista no artigo 7.º, do Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de maio, no montante de 40,00 €, por cada uma das faturas não pagas atempadamente.
c) Contudo, a douta sentença recorrida (mal), entendeu que a Recorrida entendeu que a Recorrida não tem direito a tais montantes, fundamentando-se para o efeito no entendimento de que a Recorrente deveria ter alegado factualidade que permitisse aferir quais os custos suportados com a cobrança dos créditos aqui reclamados.
d) Ora, salvo o devido respeito, não pode a Recorrente conformar-se com tal decisão e entendimento, absolutamente contrária ao que resulta do regime legal aqui aplicável.
Vejamos pois,
e) A indemnização prevista no Artigo 7.º Decreto-lei n.º 62/2013 corresponde a um direito do credor (Recorrente), nascido ope legis, e que, de acordo com previsão da supramencionada norma, não depende sequer da prova do prejuízo – sendo este prejuízo corporizado nos atrasos nos pagamentos.
f) A Recorrente apenas peticionou nestes autos o valor mínimo previsto de € 40,00 por cada fatura paga tardiamente, e tal montante é devido por cada uma das faturas cujo pagamento atempado não foi possível, uma vez que, o que se propõe naquela Diretiva é uma verdadeira medida de desincentivo ao incumprimento dos devedores (e não apenas o pagamento de um valor simbólico), sendo a indemnização devida sem necessidade de interpelação e logo que ultrapassado o prazo de cumprimento da obrigação – titulado por cada uma das faturas e determinado pelo seu prazo de vencimento,
g) Entendimento contrário, como aquele acolhido pelo douto Tribunal a quo, é contrário aos próprios Parlamento Europeu e Conselho da União Europeia em resposta às perguntas frequentes (FAQ’s) sobre a Diretiva em causa, disponível para consulta em sítio oficial da União Europeia, pergunta n.º 7, onde responde claramente que os credores têm direito a receber o montante de 40,00€, por cada fatura cujo pagamento foi feito após o prazo de vencimento, acrescido de – eventualmente – outros custos adicionais em que Credor prove ter incorrido (... ices%20to%20be%20paid)
a) A Recorrida apenas reclama nestes autos o pagamento do montante mínimo previso (40,00€), pelo que o direito acessório à indemnização, não depende de qualquer outra alegação ou prova por parte da credora, já que os mesmos nascem sem necessidade de interpelação, nos termos do disposto no art. 7º do Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de Maio, sendo que, como também resulta da previsão legal, só há lugar à demonstração dos custos efetivos no caso de Autora pretender obter pagamento de montante superior, o que não é o caso.
b) Pelo contrário, a Autora-Recorrente apenas requereu a condenação da Ré-Recorrida no pagamento do montante de 40,00€ por cada fatura não paga ou paga com atraso.
c) Isto porque, como vem já sendo jurisprudência pacífica do Tribunal de Justiça da União Europeia, que o valor indemnizatório estabelecido por tal preceito é devido por cada transação comercial – aqui corporizada numa fatura.
d) É neste exato sentido que tem decidido o Tribunal de Justiça da União Europeia, em diversas decisões recentes, em que é por demais evidente que valor de € 40,00 (quarenta euros) previsto no nosso ornamento no Artigo 7.º Decreto-lei n.º 62/2013, é devido por cada fatura, e não por processo judicial – tanto assim que se trata de uma indemnização de natureza extrajudicial,
e) Ou seja, é devida logo que existam juros de mora relativos a cada fatura, sem necessidade de qualquer processo judicial ou sequer interpelação para o seu pagamento!
f) Leia-se nomeadamente nos pontos 34 a 37 do douto Acórdão Tribunal de Justiça da União Europeia em 20 de outubro de 2022, no processo C-585/20 “34 Por conseguinte, resulta de uma interpretação literal e sistemática desta disposição que o montante fixo mínimo de 40 euros, a título de indemnização pelos custos suportados com a cobrança da dívida, é devido ao credor que cumpriu as suas obrigações, por cada pagamento não efetuado na data de vencimento da remuneração e uma transação comercial, expressa numa fatura ou num pedido equivalente de pagamento, salvo se o atraso não for imputável ao devedor. 35 Em terceiro lugar, esta interpretação do artigo 6.o da Diretiva 2011/7 é confirmada pela sua finalidade. Nos termos do seu artigo 1.o, n.o 1, lido à luz do seu considerando 3, esta diretiva visa combater os atrasos de pagamento nas transações comerciais, devido aos efeitos negativos desses atrasos na liquidez das empresas, bem como na sua competitividade e viabilidade. 36 Assim, a Diretiva 2011/7 visa não só desincentivar os atrasos de pagamento, evitando que se tornem financeiramente aliciantes para os devedores, visto serem baixas ou inexistentes as taxas de juro que se aplicam aos atrasos de pagamento nessa situação, como também a proteção efetiva do credor contra esses atrasos, assegurando-lhe uma indemnização que compense do modo mais completo possível os custos suportados com a cobrança do crédito (v., neste sentido, Acórdão de 13 de setembro de 2018, Èeská pojišovna, C-287/17, EU:C:2018:707, n.os 25 e 26, bem como jurisprudência referida). O considerando 19 da referida diretiva enuncia que os custos suportados com a cobrança da dívida deverão também incluir a cobrança dos custos administrativos e a indemnização pelos custos internos decorrentes de atrasos de pagamento e que a indemnização sob a forma de um montante fixo deverá ter por objetivo limitar os custos administrativos e internos ligados à cobrança da dívida. 37 Nesta perspetiva, a apresentação de uma reclamação de pagamento único que abranja várias transações comerciais não remuneradas na data do vencimento, devidamente comprovadas por faturas ou pedidos de pagamento equivalentes, não pode ter por efeito reduzir o montante fixo mínimo devido a título de indemnização pelos custos suportados com a cobrança de cada atraso de pagamento. Semelhante redução equivaleria, desde logo, a privar de efeito útil o artigo 6.o da referida diretiva, cujo objetivo é, como foi sublinhado no número anterior, não só desincentivar esses atrasos de pagamento mas também indemnizar «o credor pelos custos de cobrança da dívida», custos que tendem a aumentar na proporção do número de pagamentos e de montantes que o devedor não paga na data de vencimento. Tal redução equivaleria, além disso, a conceder ao devedor uma derrogação ao direito ao montante fixo previsto no artigo 6.o, n.o 1, da referida diretiva, sem nenhuma «razão objetiva» para tal, em violação do artigo 7.o, n.o 1, segundo parágrafo, alínea c), da mesma diretiva. Por último, esta redução equivaleria a dispensar o devedor de uma parte do encargo financeiro decorrente da sua obrigação de pagar, a título de cada fatura não paga na data de vencimento, o montante fixo de 40 euros, previsto no referido artigo 6º, nº 1.” (realces nossos)
g) E, no mesmo sentido se pode ler o Acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia em 1 de dezembro de 2022, no processo C-585/20, disponível em https://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf;jsessionid=49B21D4A9F602A63AFE33074 89558A02?text=&docid=267402&pageIndex=0&doclang=PT&mode=lst&dir=&occ=first&part=1 &cid=492481, e ainda, mais recentemente, o douto Acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia em 4 de maio de 2023, no processo C-78/22 , onde se pode ler ainda “32 Atendendo ao que precede, há que responder à primeira questão que o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2011/7, em conjugação com o artigo 3.o desta diretiva, deve ser interpretado no sentido de que, quando um único contrato prevê pagamentos de caráter periódico, devendo cada um deles ser efetuado num determinado prazo, o montante fixo mínimo de 40 euros, previsto nesse artigo 6º, nº 1, é devido, a título de indemnização pelos custos suportados pelo credor com a cobrança da dívida, por cada atraso de pagamento.” (realces nossos)
h) À semelhança, também na jurisdição nacional já existem decisões no mesmo sentido, como seja a douta sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco - Unidade Orgânica – no processo que corre termos sob o n.º 674/21.9BELSB, já transitada em julgado, da qual resultava que “[c]onsiderando que a lei refere que o valor mínimo de € 40,00 será aplicado quando se vençam juros de mora em transacções comerciais, cada uma das faturas representa uma transacção comercial” e que, assim sendo, “será devido o valor de € 40,00 por cada uma das facturas em que se venceram juros de mora, que, no que aqui releva, serão todas cujo pagamento é peticionado nos presentes autos (...)” (realces nossos)
i) Bem como a douta sentença proferida no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa - Unidade Orgânica 2 – no processo que correu termos sob o n.º 828/23.3BELSB, já transitada em julgado, na qual se refere que, embora o artigo 7.º do Decreto-Lei nº 62/2013, de 10 de Maio confira um direito à indemnização pelos custos de cobrança da dívida “sem se referir expressamente a cada fatura”, o “Tribunal de Justiça decidiu, em 20.10.2022, no processo C-585/20, que foi publicado no JOUE C 472/5, em 12.12.2022, que: «O artigo 6.º da Diretiva 2011/7/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de fevereiro de 2011, que estabelece medidas de luta contra os atrasos de pagamento nas transações comerciais, deve ser interpretado no sentido de que: o montante fixo mínimo de 40 euros, a título de indemnização do credor pelos custos de cobrança suportados na sequência de um atraso de pagamento do devedor, é devido por cada transação comercial não remunerada na data de vencimento, comprovada numa fatura, incluindo quando essa fatura é apresentada conjuntamente com outras, numa reclamação administrativa ou judicial única.» (também Acórdão do Tribunal de Justiça, de 01.12.2022, Processo C-370/21).”, pelo que deve ser concedido o direito à indemnização no valor mínimo de 40,00 € por cada fatura, “ao abrigo do disposto no artigo 7.º do DL n.º 62/2013, de 10.05, e em conformidade com a jurisprudência do TJUE, pelos custos suportados com a cobrança”.
j) Por fim, também os Tribunais superiores nacionais têm vindo a preconizar o mesmo entendimento, podendo ler-se nos doutos Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, datados de 17/04/2024 e 30/04/2024, processos n.º 473/21.8BELSB e 472/21.0BELSB: “Assim, tem de se concluir que do art. 7º, do DL 62/2013, de 10/5, decorre que, quando se vençam juros de mora em transacções comerciais - conceito que abrange cada um dos fornecimentos de mercadorias ou prestações de serviços sucessivos efectuados em execução de um único contrato - , o credor tem o direito de receber, de forma automática, o valor de € 40 por cada atraso no pagamento de cada uma das facturas, a fim de ser ressarcido dos custos com a sua cobrança extrajudicial (sem prejuízo da possibilidade de receber quantia superior desde que devidamente comprovada), mesmo que essa factura seja apresentada conjuntamente com outras facturas numa reclamação administrativa ou judicial única.» “(realces nossos)
k) Ora, conforme resulta por demais evidente, a Recorrente tem então direito ao montante de 40,00€ relativamente a cada uma das faturas consideradas nos factos provados da douta sentença de que se recorre, como não poderá este Venerando Tribunal deixar de reconhecer.
l) Impondo-se, como tal, a alteração da sentença recorrida para que passem a contemplar o pagamento do montante de 40,00€ por cada fatura não paga, ou paga tardiamente – após decorrido o prazo de vencimento.
m) Considerando que – sem exceção – todas as faturas identificadas pela douta sentença recorrida nos factos provados: ou permanecem em dívida a esta data, ou foram pagas em datas posteriores ao seu vencimento, deverá ser ordenada a substituição da douta sentença recorrida, por outra, que condene a Ré Recorrida no pagamento à Autora Recorrente, no pagamento de 40,00 € por cada uma das 444 faturas pagas tardiamente, reconhecidas na douta sentença recorrida, num total de 17.760,00 € (dezassete mil, setecentos e sessenta euros),
n) Bem como no montante de 56.480,00 € (cinquenta e seis mil, quatrocentos e oitenta euros), relativo às faturas nºs 90000723, 90000310, 90000138, 90000536, 90000146, 90000408 e 90000647, emitidas pela Autora, referentes a custos suportados com a cobrança de documentos, de acordo com o artigo 7º do Decreto-Lei nº 62/2013, de 10 de Maio por conta de faturas pagas com atraso.
o) Sendo apenas assim que tal decisão ficará de acordo com a previsão legal, condenando a Recorrida no pagamento à Recorrente dos da indemnização prevista no art. 7.º do Decreto-Lei n.º 62/2013 no valor de 40,00€ por cada uma das faturas, tudo com custas a cargo da Recorrida.
p) Face ao exposto, deverá este douto Tribunal revogar e substituir a decisão recorrida por outra que julgue totalmente procedente a ação, nomeadamente, condenando a Recorrida no pagamento de 74.240,00 €, correspondente ao valor de 40,00€ por cada fatura identificadas nas alíneas N) a S) e V) dos factos provados, correspondente à indemnização prevista no art. 7.º do Decreto-Lei n.º 62/2013, com o que farão V. Exas. a tão esperada e costumada JUSTIÇA! NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO, SEMPRE COM O MUI DOUTO SUPRIMENTO DE V. EXAS. DEVERÁ SER CONCEDIDO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, CONSIDERANDO-SE INEXISTENTE E REVOGANDO-SE A DECISÃO RECORRIDA, SUBSTITUINDO-A POR OUTRA QUE JULGUE TOTALMENTE PROCEDENTE A AÇÃO NOMEADAMENTE QUE CONDENE A RECORRIDA NO PAGAMENTO DE 74.240,00 €, CORRESPONDENTE AO VALOR DE 40,00€ POR CADA FATURA IDENTIFICADAS NOS FACTOS PROVADOS COMO EMITIDA A EXISTENTE, CORRESPONDENTE À INDEMNIZAÇÃO PREVISTA NO ART. 7.º DO DECRETO-LEI N.º 62/2013, ASSIM SE FAZENDO A COSTUMADA JUSTIÇA”.
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A A. apresentou contra-alegações ao recurso do R. com as seguintes conclusões:
“A) O recurso interposto pelo Recorrente tem por objeto o saneador-sentença proferido pelo Tribunal a quo por meio do qual foi a ação julgada parcialmente procedente e, condenou a Ré/ Recorrente no pagamento à ora Recorrida da quantia de € 1.499.880,23 (um milhão, quatrocentos e noventa e nove mil, oitocentos e oitenta euros e vinte e três cêntimos), acrescida dos juros de mora vincendos sobre o montante de capital, até efetivo e integral pagamento, decisão com a qual a Recorrente não concorda, alegando que a mesma não fez a correta aplicação do direito, nomeadamente ao não considerar verificada a ineptidão do requerimento injuntivo por este arguida.
B) Ora, salvo o devido respeito, e conforme melhor se demonstra nas presentes contra-alegações, bem andou Tribunal a quo ao não julgar procedente tal exceção, que manifestamente não tem aplicação no caso dos autos recorridos, devendo a decisão manter-se no que a tanto diz respeito.
C) Para fundamentar a sua pretensão, a Recorrente considera (mal em nosso entender) que a Recorrida não alegou todos os factos necessários para sustentar a sua pretensão, não respeitando os elementos obrigatórios do requerimento de injunção, nos termos do art. 10.º, n.º 2, d) do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro. Vejamos,
D) Nos termos do artigo n.º 2, n.º 1 do Decreto-lei n.º 62/2013, de 10 de Maio à Autora – aqui Recorrida – é perfeitamente legitimo e legal a utilização do requerimento de injunção com vista ao ressarcimento dos seus créditos perante o Réu – aqui Recorrente, nomeadamente, podendo este procedimento ser utilizado, no caso do atraso de pagamento de transações comerciais, independentemente do valor da dívida, cf. artigo 10.º, n.º 1 do aludido diploma.
E) O requerimento de injunção trata-se de um procedimento judicial simplificado, que obedece a razões de economia processual e dispensa algumas das formalidades exigidas às ações stricto sensu, e tal vem refletido no formulário eletrónico obrigatório criado para execução do mesmo, onde a Recorrida dispõe de um número muito limitado de caracteres disponíveis para articular a sua pretensão.
F) Resultando ainda do n.º 1 do art. 10.º do DL 269/98 de 1 de Setembro que salvo manifesta inadequação ao caso concreto, o requerimento de injunção deve constar de impresso de modelo aprovado por portaria do Ministério da Justiça, disposição a que Recorrida deu cabal cumprimento.
G) A Recorrida indicou, ainda que sucintamente, os factos essenciais nos quais fundamenta a sua pretensão, nomeadamente, as concretas faturas cujo pagamento se reclama, bem como as entidades emissoras destas (cedentes), que as emitiram no âmbito dos fornecimentos de bens e serviços igualmente invocados, a celebração dos ditos contratos de cessão de créditos por meio dos quais a Recorrida passou a ser a legítima detentora e títular dos créditos reclamados, e ainda, os valores que peticiona a título de capital, juros e outras quantias, tudo conforme lhe é exigido naquele formulário.
H) De tanto resultando que a Recorrida indicou os factos concretos e essenciais que integram a causa de pedir.
I) Mais se diga que, a alegação sucinta e não articulada dos factos, própria dos procedimentos de injunção, mas com um grau mínimo de concretização fáctica, ainda que possa ser considerada como deficiente, não é sinónimo de falta ou ininteligibilidade da causa de pedir.
J) Concluindo-se como bem decidiu a sentença recorrida, que os factos essenciais estão alegados sucintamente, resultando da lei a admissibilidade de que os restantes factos, instrumentais, complementares ou concretizadores, advenham aos autos através da instrução ou de convite ao aperfeiçoamento, como sucedeu, podendo até ler-se na sobredita sentença “Não há assim motivos para entender que o requerimento de injunção fosse inepto, tendo o réu, de qualquer modo, evidenciado ter percebido a alegação na oposição que apresentou nos autos, o que sempre impediria a procedência da excepção, como resulta do n.º 3 do artigo 186.º do CPC.”
K) A existir qualquer imperfeição/ incompletude, caberia ao douto Tribunal, como fez por despacho proferido em 09/01/2023, convidar a Recorrida para, querendo, apresentar articulado aperfeiçoado, tendo a Recorrida dado cumprimento ao convite formulado e apresentando o aperfeiçoamento do petitório em 25/01/2023.
L) No aperfeiçoamento do petitório foram cabalmente indicados todos os factos essenciais, e acessórios que fundamentam o pedido da Recorrida, tendo a Recorrente sido devidamente notificada do mesmo e, até, oferecido resposta.
M) Sendo, também ao abrigo do principio da economia processual, incompreensível o entendimento em que se alicerça o Recorrente para defender a existência de uma pretensa ineptidão do requerimento de injunção, que de todo modo sempre teria de se considerar sanada com a apresentação nos autos do aperfeiçoamento do petitório!
N) O Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora em 25-11-2011, proc. 99/10.1TBMTL-E1 (RELATOR JOSÉ LÚCIO), disponível para consulta in www.dgsi.pt clarifica: “E, repete-se, só a falta total (não a escassez) ou a ininteligibilidade da causa de pedir é que geram a ineptidão da petição inicial.”
O) E, no mesmo sentido esclarece também o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, processo 99/10.1TBMTL-E1 (Relator José Lúcio), disponível para consulta em www.dgsi.pt: “Se os contornos desse negócio não estão perfeitamente desenhados, se não estão devidamente concretizados os seus termos, se alguma deficiência é detectável no articulado, afigura-se de todo razoável o convite ao respectivo aperfeiçoamento, previsto no art. 508º, n.º 3, do CPC (colaborar com as partes no suprimento das insuficiências na exposição ou na concretização da matéria de facto alegada significa dar prioridade à finalidade de justa composição do litígio em detrimento dos aspectos formais, em louvável aplicação do princípio da economia processual e sem prejuízo do princípio do contraditório).”
P) Do exposto resulta claro que a sentença recorrida está de acordo com as normas de direito aplicáveis, devendo a mesma manter-se no que a tanto concerne, mantendo-se a improcedência da alegada ineptidão do requerimento injuntivo e a condenação da Recorrida no pagamento à Recorrente da quantia de € 1.499.880,23 (um milhão, quatrocentos e noventa e nove mil, oitocentos e oitenta euros e vinte e três cêntimos), acrescida dos juros de mora vincendos sobre o montante de capital, até efetivo e integral pagamento.
NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO, SEMPRE COM O MUI DOUTO SUPRIMENTO DE V. EXAS. NÃO DEVERÁ SERCONCEDIDO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, MANTENDO-SE A DECISÃO RECORRIDA QUE CONSIDEROU IMPROCEDENTE A EXCEÇÃO DE INEPTIDÃO DO REQUERIMENTO DE INJUNÇÃO ARGUIDA PELA RECORRENTE E CONDENOU O RECORRENTE NO PAGAMENTO À RECORRIDA DOS MONTANTES DE CAPITAL E JUROS ATÉ EFETIVO E INTEGRAL PAGAMENTO, ASSIM SE FAZENDO A COSTUMADA JUSTIÇA!”
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Foi proferido despacho que admitiu o recurso interposto.
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Remetidos os autos a este TCAN, o Ministério Público foi notificado nos termos e para os efeitos do artigo 146º do CPTA.
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Cumpre entrar na análise dos fundamentos dos recursos interpostos circunscrevendo-se as questões a apreciar às que integram o respectivo objecto de cada recurso interposto tal como foi delimitado pelos recorrentes nas suas alegações, à luz das disposições conjugadas dos artigos 144º nº 2, do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA.
Assim, as questões a apreciar e decidir reconduzem-se a saber: - Quanto ao recurso do R.: se a sentença recorrida padece de erro de julgamento ao não considerar verificada a excepção dilatória de ineptidão do requerimento de injunção; - Quanto ao recurso da A.: Se a sentença recorrida padece de erro de julgamento na parte em que absolveu o R. do pagamento da indemnização peticionada ao abrigo do disposto no artigo 7º do Decreto-Lei nº 62/2013, de 10/05.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
II.1- DE FACTO
Na sentença recorrida foram dados como provados os seguintes factos:
A) A Autora é a representação permanente em Portugal da sociedade de direito italiano “[SCom03...].”, com sede na Via ..., ..., em Milão, Itália, constituída como sucursal (cf. acordo das partes);
B) No âmbito da sua actividade, e a 16/12/2020, a Autora celebrou com a entidade “[SCom04...], Unipessoal, Lda.” um designado contrato de cessão dos créditos desta última sobre o Réu, referente a fornecimentos de bens e serviços (cf. documentos juntos com a petição inicial sob os números 1 e 2);
C) Na mesma data, e através de carta registada com aviso de recepção, a Autora comunicou ao Réu a cessão de créditos identificada no ponto anterior (cf. idem);
D) No âmbito da sua actividade, e a 09/06/2020, a Autora celebrou com a entidade “[SCom05...]” um designado contrato de cessão dos créditos desta última sobre o Réu, referente a fornecimentos de bens e serviços (cf. documentos juntos com a petição inicial sob os números 3 e 4);
E) Na mesma data, e através de carta registada com aviso de recepção, a Autora comunicou ao Réu a cessão de créditos identificada no ponto anterior (cf. idem);
F) No âmbito da sua actividade, e a 28/12/2021, a Autora celebrou com a entidade “[SCom06...], Lda.” um designado contrato de cessão dos créditos desta última sobre o Réu, referente a fornecimentos de bens e serviços (cf. documentos juntos com a petição inicial sob os números 5 e 6);
G) Na mesma data, e através de carta registada com aviso de recepção, a Autora comunicou ao Réu a cessão de créditos identificada no ponto anterior (cf. idem);
H) No âmbito da sua actividade, e a 11/12/2020, a Autora celebrou com a entidade “[SCom07...], S.A.” um designado contrato de cessão dos créditos desta última sobre o Réu, referente a fornecimentos de bens e serviços (cf. documentos juntos com a petição inicial sob os números 7 e 8);
I) Na mesma data, e através de carta registada com aviso de recepção, a Autora comunicou ao Réu a cessão de créditos identificada no ponto anterior (cf. idem);
J)No âmbito da sua actividade, e a 02/12/2020, a Autora celebrou com a entidade “[SCom08...], Lda.” um designado contrato de cessão dos créditos desta última sobre o Réu, referente a fornecimentos de bens e serviços (cf. documentos juntos com a petição inicial sob os números 9 e 10);
K) Na mesma data, e através de carta registada com aviso de recepção, a Autora comunicou ao Réu a cessão de créditos identificada no ponto anterior (cf. idem);
L) No âmbito da sua actividade, e a 27/01/2021, a Autora celebrou com a entidade “[SCom09...]), S.A.” um designado contrato de cessão dos créditos desta última sobre o Réu, referente a fornecimentos de bens e serviços (cf. documentos juntos com a petição inicial sob os números 11 e 12);
M) Na mesma data, e através de carta registada com aviso de recepção, a Autora comunicou ao Réu a cessão de créditos identificada no ponto anterior (cf. idem);
N) Os créditos adquiridos pela Autora à cedente “[SCom04...], Unipessoal, Lda.” são os seguintes e estão titulados nos seguintes documentos:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(cf. documentos juntos com a petição inicial aperfeiçoada sob os números 13 a 22);
O) Os créditos adquiridos pela Autora à cedente “[SCom05...]” são os seguintes e estão titulados nos seguintes documentos:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(cf. documentos juntos com a petição inicial aperfeiçoada sob os números 23 a 33);
P) Os créditos adquiridos pela Autora ao cedente “[SCom10...], Lda.” são os seguintes e estão titulados nos seguintes documentos:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

(cf. documentos juntos com a petição inicial aperfeiçoada sob os números 34 a 88);
Q) Os créditos adquiridos pela Autora à cedente “[SCom07...], S.A.” são os seguintes e estão titulados nos seguintes documentos:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(cf. documentos juntos com a petição inicial aperfeiçoada sob os números 89 a 128);
R) Os créditos adquiridos pela Autora à cedente “[SCom08...], Lda.” são os seguintes e estão titulados nos seguintes documentos:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(cf. documentos juntos com a petição inicial aperfeiçoada sob os números 129 a 147);
S) Os créditos adquiridos pela Autora à cedente “[SCom09...]) S.A.” são os seguintes e estão titulados nos seguintes documentos:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(cf. documentos juntos com a petição inicial aperfeiçoada sob os números 148 a 460);
T) A Autora celebrou ainda com entidades privadas contratos de cessão de créditos decorrentes de facturas por aquelas emitidas ao Réu, as quais não foram pagas nas datas dos respectivos vencimentos, mas apenas em datas posteriores (cf documentos juntos com a petição inicial aperfeiçoada sob os números 463 a 474);
U) Em virtude do atraso no pagamento das facturas indicadas no ponto anterior, a Autora emitiu as seguintes notas de débito/facturas, relativamente a juros de mora: factura nº 90000478, no valor de € 2.058,27; factura nº 90000041, no valor de € 5.088,20; factura nº 90000274, no valor de € 9.069,53; factura nº 90000696, no valor de € 19.034,52; factura nº 90000058, no valor de € 7.701,11; factura nº 90000339, no valor de € 21.226,28; e factura nº 90000597, no valor de € 3.157,41 (cf. documentos juntos com a petição inicial aperfeiçoada sob os nºs 463, 464, 465, 468, 469, 472 e 474);
V) A Autora emitiu ainda as facturas nºs 90000723, 90000310, 90000138, 90000536, 90000146, 90000408 e 90000647, referentes a custos suportados com a cobrança de documentos, de acordo com o artigo 7º do Decreto-Lei nº 62/2013, de 10 de Maio (cf. documentos juntos com a petição inicial aperfeiçoada sob os nºs 461, 462, 466, 467, 470, 471 e 473);
W) O requerimento de injunção foi submetido a 13/10/2022 (fls. 1 e seguintes dos presentes autos).
Factos não provados:
1) A cessão de créditos à Autora carecia de autorização expressa por parte do Réu;
2) O Réu manifestou à Autora a sua oposição à sobredita cessão de créditos.
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II. 2. DE DIREITO
A sentença recorrida julgando a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenando o Réu no pagamento da quantia de € 1.499.880,23 acrescida de juros de mora vincendos sobre o montante de capital, até efectivo e integral pagamento, absolveu o R. do pagamento do montante indemnizatório previsto no artigo 7º do Decreto-Lei nº 62/2013, de 10 de Maio, e que contabilizou em € 17.760,00, valor que corresponde ao valor mínimo de € 40,00 por factura.
Quanto ao recurso do R.
Sustenta o R. nas suas alegações de recurso, o seguinte:
- O que a Recorrida alegou no requerimento de injunção não permite qualquer julgamento de mérito, devendo o Tribunal de 1.ª Instância julgar tout cour, tal requerimento como inepto insusceptível de correcção;
- A Recorrida não logrou concretizar no requerimento de injunção, através da enunciação sucinta de factos, como se lhe exigia, os factos essenciais necessários para o tribunal apreciar em que medida é que tais facturas e os juros de mora estão, de facto, cobertos pelas “cessões de créditos”, sequer a efectiva constituição do Réu em mora (o tal momento de constituição em mora, que marca o desencadear das consequências que lhe estão associadas);
- As indicações dadas pela Requerente/Autora, como causa de pedir, sobre as facturas e as cessões de crédito não satisfaz minimamente o ónus de indicação da factualidade concreta que deve integrar a pertinente causa de pedir de um requerimento de injunção, ao invés do decidido pelo Tribunal de 1.ª Instância; - Logo, não deveria o Tribunal de 1.º instância convidar ao aperfeiçoamento, conhecer dos fundamentos do requerimento injuntivo;
- À Recorrida é que competia alegar, em primeira linha, no requerimento de injunção, todos os factos essenciais necessários para o tribunal apreciar a sua pretensão sobre facturas relativas a sociedades cedentes e a contratos de cessão de créditos, indicando, designadamente, os montantes de cada uma das facturas, a data da sua emissão, data de notificação e recepção, data de vencimento, bem como as datas de notificação ao Réu dos contratos de cessão de créditos e as cláusulas dos contratos de cessão de créditos que permitem fundar o direito de que a Recorrida arroga, incluindo o de juros.
Assim, para o recorrente, no requerimento de injunção não foram cabalmente identificados os actos jurídicos concretos que integram a respectiva causa de pedir e, por isso, não podia o Tribunal ter feito o convite ao aperfeiçoamento do requerimento de injunção, por falta de indicação causa de pedir, que determinava a sua ineptidão e consequente absolvição do R. da instância.
Vejamos.
Como resulta da tramitação processual descrita no relatório inicial, o Tribunal recorrido decidiu no despacho saneador–sentença que não se verificava a excepção de ineptidão da petição inicial com fundamento em que: “no caso em apreço, analisados os pedidos formulados na petição inicial, bem assim como as causas de pedir que lhes servem de base, resulta claro para este Tribunal não assistir qualquer razão ao Réu. Na realidade, pese embora possa a Autora ter apresentado factos menos densificados no seu articulado inicial, a verdade é que os mesmos se encontram relatados e sustentam com suficiência a causa de pedir. Resulta ainda da leitura dos autos que o Réu apresentou contestação, deduzindo defesa por excepção e por impugnação, relatando a sua própria versão dos factos, de um modo que revela inequivocamente ter compreendido o que contra ele era dito e concluindo pela improcedência do pedido. Ou seja, revela o Réu que logrou compreender cabalmente o articulado da Autora. Não se verificando, assim, a excepção de ineptidão da petição inicial, deverão os autos prosseguir, para o conhecimento do mérito da lide.”
Adianta-se que o assim decidido é para manter.
Dispõe o artigo 78º do CPTA o seguinte:
“1 - A instância constitui-se com a propositura da ação e esta considera-se proposta logo que a petição inicial seja recebida na secretaria do tribunal ao qual é dirigida.
2 - Na petição inicial, deduzida por forma articulada, deve o autor:
a) Designar o tribunal em que a ação é proposta;
b) Identificar as partes, incluindo eventuais contrainteressados, indicando os seus nomes, domicílios ou sedes e, sempre que possível, números de identificação civil, de identificação fiscal ou de pessoa coletiva, profissões e locais de trabalho, sendo a indicação desta informação obrigatória quando referente ao autor;
c) Indicar o domicílio profissional do mandatário judicial;
d) Indicar a forma do processo;
e) Identificar o ato jurídico impugnado, quando seja o caso;
f) Expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à ação;
g) Formular o pedido;
h) Declarar o valor da causa.
3 - Para o efeito do disposto na alínea b) do número anterior, a indicação como parte demandada do órgão que emitiu ou devia ter emitido uma norma ou um ato administrativo é suficiente para que, nos processos com esse objeto, se considere indicada, quando o devesse ter sido, a pessoa coletiva, o ministério ou a secretaria regional, pelo que a citação que venha a ser dirigida ao órgão se considera feita, nesse caso, à pessoa coletiva, ao ministério ou à secretaria regional a que o órgão pertence.
4 - Quando o autor pretenda apresentar rol de testemunhas e requerer outros meios de prova, deve fazê-lo no final da petição, podendo indicar, quando seja caso disso, que os documentos necessários à prova constam do processo administrativo.
5 - (Revogado.)
Por seu turno, o 87.º do CPTA, estabelece que:
“1- Findos os articulados, o processo é concluso ao juiz, que, sendo caso disso, profere despacho pré-saneador destinado a:
a) Providenciar pelo suprimento de exceções dilatórias;
b) Providenciar pelo aperfeiçoamento dos articulados, nos termos dos números seguintes;
c) Determinar a junção de documentos com vista a permitir a apreciação de exceções dilatórias ou o conhecimento, no todo ou em parte, do mérito da causa no despacho saneador.
2 - O juiz convida as partes a suprir as irregularidades dos articulados, fixando prazo para o suprimento ou correção do vício, designadamente quando careçam de requisitos legais ou a parte não haja apresentado documento essencial ou de que a lei faça depender o prosseguimento da causa.
3 - Incumbe ainda ao juiz convidar as partes ao suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada, fixando prazo para a apresentação de articulado em que se complete ou corrija o inicialmente produzido.
4 - Os factos objeto de esclarecimento, aditamento ou correção ficam sujeitos às regras gerais sobre contraditoriedade e prova.
5 - As alterações à matéria de facto alegada não podem implicar convolação do objeto do processo para relação jurídica diversa da controvertida, devendo conformar-se com os limites traçados pelo pedido e pela causa de pedir, se forem introduzidas pelo autor, e pelos limites impostos pelo artigo 83.º, quando o sejam pelo demandado.
6 - Não cabe recurso do despacho de convite ao suprimento de irregularidades, insuficiências ou imprecisões dos articulados.
7 - A falta de suprimento de exceções dilatórias ou de correção, dentro do prazo estabelecido, das deficiências ou irregularidades da petição inicial determina a absolvição da instância.
8 - A absolvição da instância sem prévia emissão de despacho pré-saneador, em casos em que podia haver lugar ao suprimento de exceções dilatórias ou de irregularidades, não impede o autor de, no prazo de 15 dias, contado da notificação da decisão, apresentar nova petição, com observância das prescrições em falta, a qual se considera apresentada na data em que o tinha sido a primeira, para efeitos da tempestividade da sua apresentação.
9 - Em tudo o que não esteja expressamente regulado neste artigo, aplica-se, com as necessárias adaptações, o disposto no Código de Processo Civil em matéria de despacho pré-saneador e de gestão inicial do processo.”
Os presentes os autos tiveram origem num procedimento de injunção, cujo formulário permite apenas uma exposição sucinta dos factos que fundamentam a pretensão (artigo 10º, n.º 2, al. d) do Decreto-Lei n.º 269/98, de 01/09) que é o que sucede no caso em apreço, mas de onde é possível retirar os factos jurídicos concretos que integram a causa de pedir e se identifica com clareza o pedido.
Sucede que, na sequência da remessa dos autos ao Tribunal Administrativo passaram os mesmos a seguir forma processual distinta, sujeita aos termos estabelecidos no artº 78º do CPTA e, nessa medida, foi a A. convidada a aperfeiçoar o requerimento inicial, ou seja, apresentar petição inicial que se harmonizasse com a forma processual adequada, de forma a contemplar todos os elementos obrigatórios elencados no artº 78º do CPTA.
O convite ao aperfeiçoamento que foi dirigido à A. motivado pela apresentação sucinta dos factos que deriva da apresentação de acção na forma simplificada de injunção, traduzindo-se num convite para a A. suprir insuficiências, imprecisões e falta de concretização da matéria de facto e que, contrariamente ao que defende o recorrente, o Tribunal a quo não fez mais do que exercer o poder-dever que lhe é imposto pelo nº3 do artº 87º do CPTA.
Tendo presente a previsão legal supracitada, não há dúvida que o Tribunal de 1ª instância ao dirigir à A. o convite para aperfeiçoar o articulado que apresentou no Balcão Nacional de Injunções, deu cumprimento a essa imposição, na sequência do qual, a A. apresentou petição aperfeiçoada, anexando vários documentos, resultando desse convite o efectivo aperfeiçoamento do articulado inicial onde a Autora identifica claramente a causa de pedir, o que, no caso, estando em causa o pedido de pagamento de facturas e juros de mora, em que estão envolvidas sociedades cedentes de créditos, cada uma delas com mais que um contrato de cessão de créditos, exigia como foi feito pela A. a identificação dos contratos de cessão de créditos, data da celebração de cada um desses contratos e a sua notificação ao Réu bem assim como a identificação das facturas, datas de emissão e de vencimento e, sendo esse o caso, datas de pagamento; a respetiva taxa de juro considerada e o valor de juros calculado.
Nessa medida, com a petição aperfeiçoada foi efectuada a concretização das imprecisões de que enfermava o requerimento de injunção de modo a permitir conhecer, como aconteceu, do mérito da causa, o que significa que não oferece razão ao recorrente no imputado erro de julgamento.
Termos em que, improcede o recurso apresentado pelo R.
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Quanto ao recurso da Autora
Sustenta a A. nas suas alegações de recurso, que apenas reclama nestes autos o pagamento do montante mínimo previso (40,00€), pelo que o direito acessório à indemnização, não depende de qualquer outra alegação ou prova por parte da credora, já que os mesmos nascem sem necessidade de interpelação, nos termos do disposto no art. 7º do Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de Maio, sendo que, como também resulta da previsão legal, só há lugar à demonstração dos custos efetivos no caso de Autora pretender obter pagamento de montante superior, o que não é o caso e que considerando que – sem exceção – todas as faturas identificadas na sentença recorrida nos factos provados ou permanecem em dívida a esta data, ou foram pagas em datas posteriores ao seu vencimento, deverá ser a R. condenada no pagamento de 40,00 € por cada uma das 444 faturas pagas tardiamente, reconhecidas na sentença recorrida, num total de 17.760,00 € (dezassete mil, setecentos e sessenta euros) bem como no montante de 56.480,00 € (cinquenta e seis mil, quatrocentos e oitenta euros), relativo às faturas nºs 90000723, 90000310, 90000138, 90000536, 90000146, 90000408 e 90000647, emitidas pela Autora, referentes a custos suportados com a cobrança de documentos, de acordo com o artigo 7º do Decreto-Lei nº 62/2013, de 10 de Maio por conta de faturas pagas com atraso.
A sentença recorrida considerou não ser devida a indemnização que a A. considera ser devida ao abrigo do artigo 7º do Decreto-Lei nº 62/2013, de 10 de Maio, com base na seguinte fundamentação:
“(…) no que a esta matéria concerne, não assiste qualquer razão à Autora. Conforme tem sido afirmado, de forma reiterada, unânime e pacífica pela jurisprudência dos Tribunais superiores portugueses, a compatibilização da norma do artigo 7º, do D.L. nº 62/2013, de 10/05 com o regime relativo às custas de parte, “(…) implica a conclusão de que os «custos de cobrança» aludidos naquele só podem respeitar à cobrança extrajudicial, pelo que não basta a Autora invocar tal preceito para lhe ser devido o montante que peticiona, pois no caso não discrimina especificamente tais custos, por forma a aferir da sua razoabilidade. Para além do mais, os eventuais custos para a instrução do processo podem efectivamente integrar as custas de parte (cf. artigo 25º do RCP)”. Neste sentido, vejam-se os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, de 22/02/2024, P. 28180/22.7T8LSB.L1-6, da Relação do Porto, de 21/05/2024, P. 3321/23.0T8VLG-A.P1, e do Supremo Tribunal Administrativo, de 10/02/2022, P. 01354/17.5BESNT, entre muitos outros (todos disponíveis em www.dgsi.pt). Não tendo a Autora alegado qualquer factualidade por forma a poder o Tribunal aferir quais os custos que suportou com a cobrança de dívidas, não é devida a reclamada indemnização.”
O que está em causa é, pois, saber se, como alega a Recorrente, ao contrário do decidido pelo Tribunal de 1ª instância, tem direito ao pagamento de indemnização mínima de 40,00 € prevista no artigo 7.°, do Decreto-Lei n.° 62/2013, de 10 de maio, por cada fatura não paga no prazo contratual estipulado.
Vejamos.
O Decreto-Lei n.° 62/2013, de 10 de maio transpôs para a ordem jurídica nacional a Diretiva n.º 2011/7/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de fevereiro de 2011 que revogou, com efeitos a partir de 16 de março de 2013, a Diretiva n.º 2000/35/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de julho de 2000, e introduziu medidas adicionais de combate aos atrasos de pagamentos nas transações comerciais.
Como se pode ler no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de maio, “Esta diretiva regula todas as transações comerciais, independentemente de terem sido estabelecidas entre empresas (a estas se equiparando os profissionais liberais) ou entre empresas e entidades públicas, tendo em conta que estas são responsáveis por um considerável volume de pagamentos às empresas. Por conseguinte, regula todas as transações comerciais entre os principais adjudicantes e os seus fornecedores e subcontratantes. Todavia, não se aplica às transações com os consumidores, aos juros relativos a outros pagamentos, como por exemplo os pagamentos efetuados nos termos da legislação em matéria de cheques ou de letras de câmbio, ou aos pagamentos efetuados a título de indemnização por perdas e danos, incluindo os efetuados por companhias de seguro”.
E, de acordo com o Considerando 19 da Directiva, “É necessária a justa indemnização dos credores pelos custos suportados com a cobrança da dívida devido a atrasos de pagamento, a fim de desincentivar tais práticas. Os custos suportados com a cobrança da dívida deverão também incluir a cobrança dos custos administrativos e a indemnização pelos custos internos decorrentes de atrasos de pagamento para os quais a presente diretiva deverá prever um montante fixo mínimo que pode ser cumulado com os juros de mora. A indemnização sob a forma de um montante fixo deverá ter por objetivo limitar os custos administrativos e internos ligados à cobrança da dívida.
Quanto a “Indemnização pelos custos suportados com a cobrança da dívida”, estabelece o Artigo 7.º Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de Maio:
Quando se vençam juros de mora em transações comerciais, nos termos dos artigos 4.º e 5.º, o credor tem direito a receber do devedor um montante mínimo de 40,00 EUR (quarenta euros), sem necessidade de interpelação, a título de indemnização pelos custos de cobrança da dívida, sem prejuízo de poder provar que suportou custos razoáveis que excedam aquele montante, nomeadamente com o recurso aos serviços de advogado, solicitador ou agente de execução, e exigir indemnização superior correspondente.”
Este dispositivo legal corresponde ao art. 6º da Directiva n.º 2011/7/EU que estabelece o seguinte:
1. Os Estados-Membros asseguram que, caso se vençam juros de mora em transacções comerciais nos termos dos artigos 3.º ou 4.º, o credor tenha direito a receber do devedor, no mínimo, um montante fixo de 40 EUR.
2. Os Estados-Membros asseguram que o montante fixo referido no n.º 1 é devido sem necessidade de interpelação, enquanto indemnização pelos custos de cobrança da dívida do credor.
3. O credor, para além do montante fixo previsto no n.º 1, tem o direito de exigir uma indemnização razoável do devedor pelos custos suportados com a cobrança da dívida que excedam esse montante fixo e sofridos devido ao atraso de pagamento do devedor. A indemnização pode incluir despesas, nomeadamente, com o recurso aos serviços de um advogado ou com a contratação de uma agência de cobrança de dívidas”.
No sentido de interpretar a norma nacional – artº 7º do DL n.º 62/2013, de 10 de Maio - em conformidade com o direito da União Europeia, vejamos o que o TJUE tem decidido quanto à interpretação, nomeadamente, do referido art. 6º, da Directiva n.º 2011/7/EU.
Em Acórdão de 20/10/2022 processo C-585/20 na sequência de Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Juzgado Contencioso-Administrativo Valladolid, em que uma das questões colocadas se prende com indemnização pelos custos de cobrança suportados pelo credor em caso de atraso de pagamento do devedor, o TJUE adoptou o seguinte entendimento:
26 Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 6.o da Diretiva 2011/7 deve ser interpretada no sentido de que o montante fixo mínimo de 40 euros, a título de indemnização do credor pelos custos de cobrança suportados na sequência de um atraso de pagamento do devedor, é devido por cada transação comercial não paga na data do vencimento e comprovada numa fatura, incluindo quando essa fatura é objeto, entre outras faturas, de uma reclamação administrativa ou judicial única, e se, nessa hipótese, o credor é obrigado a apresentar a fatura correspondente a cada transação comercial não paga. 27 A este respeito, importa recordar, em primeiro lugar, que o artigo 6º, nº 1, da Diretiva 2011/7 impõe aos Estados‑Membros que assegurem que, caso se vençam juros de mora em transações comerciais, o credor tem o direito de receber do devedor, no mínimo, um montante fixo de 40 euros, a título de indemnização pelos custos de cobrança da dívida. Além disso, o nº 2 deste artigo 6.o impõe aos Estados‑Membros que assegurem que esse montante fixo mínimo seja devido automaticamente, mesmo na falta de interpelação ao devedor, e que o referido montante vise indemnizar o credor pelos custos de cobrança da dívida. Além disso, o nº 3 do referido artigo 6.o reconhece ao credor o direito de exigir ao devedor, além do montante fixo mínimo de 40 euros, uma indemnização razoável por todos os outros custos suportados com a cobrança da dívida que excedam o referido montante fixo e sofridos devido a um atraso de pagamento do devedor. 28 O conceito de «atraso de pagamento» previsto no artigo 6º, nºs 1 e 3, da Diretiva 2011/7, enquanto fundamento do direito não só aos juros, mas também a um montante fixo mínimo de 40 euros, é definido no artigo 2.o, ponto 4, desta diretiva como qualquer falta de pagamento dentro do prazo contratual ou legal. Ora, uma vez que esta diretiva abrange, em conformidade com o seu artigo 1º, nº2, «todos os pagamentos efetuados como remuneração de transações comerciais», este conceito de «atraso de pagamento» é aplicável, como salientou o advogado‑geral no nº 28 das suas conclusões, a cada transação comercial considerada individualmente. 29 A Diretiva 2011/7 estabelece, assim, um nexo entre o montante fixo mínimo previsto no artigo 6º, nº 1, e cada transação comercial não remunerada na data de vencimento, normalmente comprovada numa fatura ou aviso equivalente de pagamento. Com efeito, como enuncia o considerando 18 dessa diretiva, as faturas constituem avisos de pagamento e são documentos importantes na cadeia de valor das transações comerciais, nomeadamente para determinar os prazos de pagamento. 30 Em segundo lugar, importa sublinhar que o artigo 6º, nº 1, da Diretiva 2011/7 define as condições de exigibilidade do montante fixo mínimo de 40 euros, remetendo, no que respeita às transações comerciais entre empresas e entidades públicas, para as condições de exigibilidade dos juros de mora, definidos no artigo 4.o desta diretiva. 31 Nos termos deste artigo 4º, nº 1, os Estados‑Membros asseguram que, nessas transações comerciais, um credor que tenha cumprido as suas obrigações e que não tenha recebido o montante devido na data de vencimento, tem direito, no termo do prazo fixado nos n.os 3, 4 e 6 do referido artigo, a juros de mora legais, sem necessidade de interpelação, salvo se o atraso não for imputável ao devedor (Acórdão de 16 de fevereiro de 2017, IOS Finance EFC, C‑555/14, EU:C:2017:121, n.o 27). 32 Decorre desses elementos, por um lado, que o direito de reclamar juros legais pelo atraso de pagamento e o direito ao montante fixo mínimo previsto no artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2011/7 têm origem num «atraso de pagamento», nos termos do artigo 2.o, ponto 4, da referida diretiva e estão, portanto, ligados a «transações comerciais» consideradas individualmente. Por outro lado, estes juros legais, tal como o montante fixo, tornam‑se exigíveis automaticamente no termo do prazo de pagamento previsto nos n.os 3, 4 e 6 do mesmo artigo 4.o da Diretiva 2011/7, desde que estejam preenchidas as condições previstas no n.o 1 do mesmo artigo. O considerando 17 desta diretiva precisa, a esse respeito, que «[o] pagamento do devedor deverá ser considerado como feito fora do prazo, para efeitos do direito a cobrar juros de mora, caso o credor não tenha a soma devida à sua disposição na data de vencimento fixada, desde que tenha cumprido as suas obrigações contratuais e legais». 33 Ora, nada no texto do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2011/7 indica que a escolha do credor de apresentar a um mesmo devedor uma única reclamação que engloba várias faturas não pagas na data de vencimento é suscetível de alterar os requisitos de exigibilidade de juros de mora legais pelo atraso de pagamento previstos nessa disposição, ou os requisitos de exigibilidade do montante fixo mínimo de 40 euros previsto no artigo 6.o, n.o 1, dessa diretiva. Pelo contrário, o facto de esses juros legais e esse montante fixo serem automaticamente exigíveis, «sem necessidade de interpelação», pressupõe que as escolhas do credor quanto às modalidades de cobrança dos créditos não pagos são irrelevantes para efeitos da exigibilidade tanto dos referidos juros legais como do referido montante fixo. 34 Por conseguinte, resulta de uma interpretação literal e sistemática desta disposição que o montante fixo mínimo de 40 euros, a título de indemnização pelos custos suportados com a cobrança da dívida, é devido ao credor que cumpriu as suas obrigações, por cada pagamento não efetuado na data de vencimento da remuneração e uma transação comercial, expressa numa fatura ou num pedido equivalente de pagamento, salvo se o atraso não for imputável ao devedor. 35 Em terceiro lugar, esta interpretação do artigo 6.o da Diretiva 2011/7 é confirmada pela sua finalidade. Nos termos do seu artigo 1.o, n.o 1, lido à luz do seu considerando 3, esta diretiva visa combater os atrasos de pagamento nas transações comerciais, devido aos efeitos negativos desses atrasos na liquidez das empresas, bem como na sua competitividade e viabilidade. 36 Assim, a Diretiva 2011/7 visa não só desincentivar os atrasos de pagamento, evitando que se tornem financeiramente aliciantes para os devedores, visto serem baixas ou inexistentes as taxas de juro que se aplicam aos atrasos de pagamento nessa situação, como também a proteção efetiva do credor contra esses atrasos, assegurando‑lhe uma indemnização que compense do modo mais completo possível os custos suportados com a cobrança do crédito (v., neste sentido, Acórdão de 13 de setembro de 2018, Èeská pojišovna, C‑287/17, EU:C:2018:707, n.os 25 e 26, bem como jurisprudência referida). O considerando 19 da referida diretiva enuncia que os custos suportados com a cobrança da dívida deverão também incluir a cobrança dos custos administrativos e a indemnização pelos custos internos decorrentes de atrasos de pagamento e que a indemnização sob a forma de um montante fixo deverá ter por objetivo limitar os custos administrativos e internos ligados à cobrança da dívida. 37 Nesta perspetiva, a apresentação de uma reclamação de pagamento único que abranja várias transações comerciais não remuneradas na data do vencimento, devidamente comprovadas por faturas ou pedidos de pagamento equivalentes, não pode ter por efeito reduzir o montante fixo mínimo devido a título de indemnização pelos custos suportados com a cobrança de cada atraso de pagamento. Semelhante redução equivaleria, desde logo, a privar de efeito útil o artigo 6.o da referida diretiva, cujo objetivo é, como foi sublinhado no número anterior, não só desincentivar esses atrasos de pagamento mas também indemnizar «o credor pelos custos de cobrança da dívida», custos que tendem a aumentar na proporção do número de pagamentos e de montantes que o devedor não paga na data de vencimento. Tal redução equivaleria, além disso, a conceder ao devedor uma derrogação ao direito ao montante fixo previsto no artigo 6.o, n.o 1, da referida diretiva, sem nenhuma «razão objetiva» para tal, em violação do artigo 7.o, n.o 1, segundo parágrafo, alínea c), da mesma diretiva. Por último, esta redução equivaleria a dispensar o devedor de uma parte do encargo financeiro decorrente da sua obrigação de pagar, a título de cada fatura não paga na data de vencimento, o montante fixo de 40 euros, previsto no referido artigo 6.o, n.o 1. 38 Esta interpretação não é posta em causa pelo argumento do Governo espanhol segundo o qual, uma vez que a indemnização prevista no artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva 2011/7 deve ser «razoável», o credor não pode invocar este artigo para reclamar um montante fixo mínimo de 40 euros por cada fatura incluída numa reclamação única, uma vez que isso equivaleria a conceder‑lhe uma indemnização repetida e excessiva dos custos associados a essa reclamação. 39 Com efeito, o direito a uma indemnização «razoável», previsto no artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva 2011/7, «para todos os outros custos suportados com a cobrança da dívida que excedam o montante fixo e em consequência de um atraso de pagamento do devedor», diz respeito aos custos suportados com a cobrança da dívida, sejam eles quais forem, que excedam o montante de 40 euros a que o credor tem direito, de modo automático, por força do artigo 6.o, n.o 1, desta diretiva, quando sejam exigíveis juros de mora por uma transação comercial, em conformidade com o artigo 3.o ou com o artigo 4.o da referida diretiva. Tal indemnização não pode, portanto, cobrir a parte desses custos já abrangida pelo montante fixo mínimo de 40 euros nem custos que, tendo em conta todas as circunstâncias do caso concreto, se afigurem excessivos (v, neste sentido, Acórdão de 13 de setembro de 2018, Èeská pojišovna, C‑287/17, EU:C:2018:707, n.os 22 e 30). 40 Assim, o artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva 2011/7 não pode ser invocado para limitar o direito do credor a receber o pagamento do montante fixo previsto no artigo 6.o, n.o 1, desta diretiva. Em contrapartida, é possível tomar em consideração, dentro dos limites fixados no número anterior, o facto de as remunerações por transações comerciais que esse devedor não lhe pagou na data de vencimento terem dado lugar a uma reclamação única, a fim de apreciar o caráter razoável da indemnização dos outros custos suportados com a cobrança da dívida devido ao atraso de pagamento do devedor. 41 Nessas circunstâncias, a interpretação do artigo 6.o da Diretiva 2011/7 no sentido de que o montante fixo mínimo é devido por cada transação comercial não remunerada na data de vencimento, comprovada numa fatura, quando esta é apresentada conjuntamente com outras faturas numa reclamação administrativa ou judicial única, não equivale a impor uma penalidade ao devedor. Essa reclamação deve, no entanto, permitir estabelecer a correspondência entre cada uma das faturas que engloba e as transações comerciais não remuneradas em causa. 42 Com base no que precede, cabe responder à primeira questão que o artigo 6.o da Diretiva 2011/7 deve ser interpretado no sentido de que o montante fixo mínimo de 40 euros, a título de indemnização do credor pelos custos de cobrança suportados na sequência de um atraso de pagamento do devedor, é devido por cada transação comercial não remunerada na data de vencimento, comprovada numa fatura, incluindo quando essa fatura é apresentada conjuntamente com outras faturas numa reclamação administrativa ou judicial única. (…) Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara: 1) O artigo 6.o da Diretiva 2011/7/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de fevereiro de 2011, que estabelece medidas de luta contra os atrasos de pagamento nas transações comerciais, deve ser interpretado no sentido de que: o montante fixo mínimo de 40 euros, a título de indemnização do credor pelos custos de cobrança suportados na sequência de um atraso de pagamento do devedor, é devido por cada transação comercial não remunerada na data de vencimento, comprovada numa fatura, incluindo quando essa fatura é apresentada conjuntamente com outras faturas numa reclamação administrativa ou judicial única.(…)”.
Também num Acórdão mais recente do TJUE, de 11 de julho de 2024, Processo C-279/23, em sede de decisão prejudicial que tem por objeto a interpretação do artigo 6º nº 1, da Diretiva 2011/7/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de fevereiro de 2011, manteve o entendimento do Acórdão anteriormente referido, podendo ler-se o seguinte. “24 Em segundo lugar, de acordo com as disposições conjugadas do artigo 3º, n.o 1, e do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2011/7, no que respeita às transações comerciais entre empresas, e com as disposições conjugadas do artigo 4.o, n.o 1, e do artigo 6.o, n.o 1, dessa diretiva, no que respeita às transações entre empresas e entidades públicas, os juros por atraso no pagamento, tal como o montante fixo de 40 euros, tornam‑se exigíveis automaticamente no termo do prazo de pagamento previsto respetivamente no artigo 3.o e no artigo 4.o, dessa diretiva. O considerando 17 desta diretiva precisa, a esse respeito, que «[o] pagamento do devedor deverá ser considerado como feito fora do prazo, para efeitos do direito a cobrar juros de mora, caso o credor não tenha a soma devida à sua disposição na data de vencimento fixada, desde que tenha cumprido as suas obrigações contratuais e legais».25 Nada na redação do artigo 3.o, n.o 1, do artigo 4.o, n.o 1, ou do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2011/7 indica que o montante fixo mínimo previsto nesta última disposição não seja devido em caso de atraso de pagamento insignificante ou devido ao baixo montante do crédito em causa, atraso pelo qual o devedor é o único responsável. 26 Por conseguinte, resulta de uma interpretação literal e contextual do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2011/7 que o montante fixo mínimo de 40 euros, previsto a título de indemnização pelos custos suportados com a cobrança da dívida, é devido ao credor, que tenha cumprido as suas obrigações, por cada pagamento não efetuado na data de vencimento de uma transação comercial, independentemente do montante do crédito afetado pelo atraso de pagamento ou da duração desse atraso. 27 Em terceiro lugar, essa interpretação do artigo 6.o da Diretiva 2011/7 é confirmada pela finalidade da mesma. Com efeito, resulta do artigo 1.o, n.o 1, desta diretiva, lido à luz dos seus considerandos 12 e 19, que esta visa não só desincentivar os atrasos de pagamento, evitando que se tornem financeiramente aliciantes para os devedores, devido às baixas ou inexistentes taxas de juro faturadas nessa situação, mas também proteger efetivamente o credor contra esses atrasos. Esse considerando 19 especifica, por um lado, que os custos suportados com a cobrança da dívida deverão também incluir a cobrança dos custos administrativos e a indemnização pelos custos internos decorrentes de atrasos de pagamento e, por outro, que a indemnização sob a forma de montante fixo deverá ter por objetivo limitar os custos administrativos e internos ligados à cobrança da dívida [v., neste sentido, Acórdãos de 20 de outubro de 2022, BFF Finance Iberia, C‑585/20, EU:C:2022:806, n.os 35 e 36, e de 1 de dezembro de 2022, X (Fornecimento de material médico), C‑419/21, EU:C:2022:948, n.o 36]. 28 Nesta perspetiva, nem o baixo montante do crédito devido nem o caráter insignificante do atraso de pagamento podem justificar que se isente o devedor do pagamento do montante fixo mínimo devido a título de indemnização pelos custos suportados com a cobrança da dívida por cada atraso de pagamento de que seja ele o único responsável. Essa isenção equivaleria a privar de efeito útil o artigo 6.o da Diretiva 2011/7, cujo objetivo é, como foi sublinhado no número anterior do presente acórdão, não só desincentivar esses atrasos de pagamento como também, através desses montantes, indemnizar o credor «pelos custos de cobrança da dívida», custos que tendem a aumentar na proporção do número de pagamentos e de montantes que o devedor não paga no vencimento. Nestas condições, não se pode considerar que esse devedor tenha uma «eventual razão objetiva», na aceção do artigo 7.o, n.o 1, segundo parágrafo, alínea c), desta diretiva, para derrogar o pagamento do montante fixo referido no artigo 6.o, n.o 1, da referida diretiva, precisando o n.o 3 deste artigo 7.o que, para efeitos do seu n.o 1, «uma cláusula contratual ou prática que exclua a indemnização por custos suportados com a cobrança da dívida, tal como referido no artigo 6.o, é considerada manifestamente abusiva» [v., neste sentido, Acórdãos de 20 de outubro de 2022, BFF Finance Iberia, C‑585/20, EU:C:2022:806, n.o 37, e de 1 de dezembro de 2022, X (Fornecimento de material médico), C‑419/21, EU:C:2022:948, n.o 37]. 29 Por último, quanto ao artigo 5.o do Código Civil polaco, mencionado pelo órgão jurisdicional de reenvio, nos termos do qual um direito exercido em violação da sua finalidade socioeconómica ou dos princípios da vida em sociedade não beneficia de proteção, há que lembrar que o princípio da interpretação conforme do direito nacional com o direito da União exige que os órgãos jurisdicionais nacionais, nomeadamente no respeito da proibição de interpretação contra legem do direito nacional, façam tudo o que for da sua competência, tomando em consideração o direito interno no seu conjunto e aplicando os métodos de interpretação por este reconhecidos, a fim de garantir a plena eficácia da diretiva em causa e alcançar uma solução conforme com o objetivo por ela prosseguido (Acórdãos de 24 de janeiro de 2012, Dominguez, C‑282/10, EU:C:2012:33, n.o 27, e de 4 de maio de 2023, ALD Automotive, C‑78/22, EU:C:2023:379, n.o 40). 30 A exigência de tal interpretação conforme inclui, nomeadamente, a obrigação de os tribunais nacionais alterarem, sendo caso disso, uma jurisprudência constante, caso esta se baseie numa interpretação do direito nacional incompatível com os objetivos de uma diretiva. Por conseguinte, um órgão jurisdicional nacional não pode validamente considerar que lhe é impossível interpretar uma disposição nacional em conformidade com o direito da União pelo simples facto de essa disposição ter sido interpretada de forma constante num sentido que não é compatível com esse direito (Acórdão de 6 de novembro de 2018, Max‑Planck‑Gesellschaft zur Förderung der Wissenschaften, C‑684/16, EU:C:2018:874, n.o 60). 31 Na medida em que o artigo 5.o do Código Civil polaco não pode ter uma interpretação conforme com o artigo 6.o da Diretiva 2011/7, tal como interpretado nos n.os 26 a 28 do presente acórdão, e tendo em conta as exigências recordadas no número anterior, o juiz nacional encarregado de aplicar, no âmbito da sua competência, as disposições do direito da União tem a obrigação de garantir o pleno efeito destas, não aplicando, se necessário e por sua própria autoridade, uma disposição da legislação nacional como a que está em causa no processo principal, mesmo posterior, sem ter de pedir ou esperar pela sua revogação prévia por via legislativa ou por qualquer outro procedimento constitucional (Acórdão de 24 de junho de 2019, Pop³awski, C‑573/17, EU:C:2019:530, n.o 58 e jurisprudência referida). 32 Pelos fundamentos expostos, há que responder à questão que o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2011/7 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma prática dos órgãos jurisdicionais nacionais que consiste em julgar improcedentes as ações destinadas a obter o montante fixo mínimo a título de indemnização pelos custos suportados com a cobrança da dívida previsto nesta disposição, com o fundamento de que o atraso de pagamento do devedor é insignificante ou de que o montante da dívida afetado pelo atraso de pagamento do devedor é reduzido. (…) Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Oitava Secção) declara: O artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2011/7/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de fevereiro de 2011, que estabelece medidas de luta contra os atrasos de pagamento nas transações comerciais, deve ser interpretado no sentido de que: se opõe a uma prática dos órgãos jurisdicionais nacionais que consiste em julgar improcedentes as ações destinadas a obter o montante fixo mínimo a título de indemnização pelos custos suportados com a cobrança da dívida previsto nesta disposição, com o fundamento de que o atraso de pagamento do devedor é insignificante ou de que o montante da dívida afetado pelo atraso de pagamento do devedor é reduzido.”
Tendo presente a interpretação do artº 6º da Directiva pelo TJUE cuja transposição para o direito nacional vem reflectida no artº 7º do DL 62/2013, de 10/5, concluímos que deste último dispositivo legal, decorre que, quando se vençam juros de mora em transacções comerciais, o credor tem o direito a receber, de forma automática, o valor de € 40 pelo atraso no pagamento de cada uma das facturas, a fim de ser ressarcido dos custos com a sua cobrança.
Ora, como foi decidido na sentença recorrida e não vem impugnado, o R. está obrigado ao pagamento dos montantes reclamados pela Autora a título de capital e juros de mora correspondentes às faturas identificadas na sentença recorrida nas alíneas N) a S) e V) dos factos provados, umas porque foram pagas em datas posteriores ao seu vencimento e, outras, porque permanecem em dívida.
E, se assim é, mostram-se verificados os pressupostos para a atribuição da indemnização prevista nesse art. 7º, do DL 62/2013, de 10/5, pelo que, sendo tal indemnização devida pelo atraso no pagamento de cada factura, deverá a ré ser condenada a pagar à autora o valor de € 40 por cada atraso no pagamento de cada uma das facturas identificadas nas alíneas N) a S) e V) dos factos provados.
Nessa medida, não se pode manter a sentença recorrida no segmento em que julgou improcedente o pagamento da indemnização ao abrigo do artº 7º do DL e absolveu, nessa parte a R.
Termos em que, se julga procedente o recurso interposto pela A.
*
III. DECISÃO
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção Administrativa, Subsecção de Contratos Públicos, do Tribunal Central Administrativo Norte, em:
a) julgar improcedente o recurso interposto pelo Réu;
b) julgar procedente o recurso interposto pela Autora e, em consequência, revogar a sentença recorrida no segmento em que absolveu o R. do pagamento de indemnização pelos custos com a cobrança das facturas e, em consequência, condenar o R. a pagar à A. o valor de € 40 pelo atraso no pagamento de cada uma das facturas identificadas nas alíneas N) a S) e V) dos factos provados.
Custas a cargo do R./recorrente (artº 527º, nºs 1 e 2 do CPC).
Notifique.

Porto, 24 de Abril de 2025.

Maria Clara Ambrósio
Ricardo de Oliveira e Sousa
Tiago Afonso Lopes de Miranda