Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 01768/08.1BEVIS |
Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
Data do Acordão: | 03/21/2024 |
Tribunal: | TAF de Viseu |
Relator: | ANA PATROCÍNIO |
Descritores: | REVERSÃO; GERÊNCIA DE FACTO; ÓNUS DA PROVA; |
Sumário: | I – É à administração tributária que cabe o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais de que depende a reversão, sendo o exercício efectivo de funções de gestão um dos pressupostos da responsabilidade tributária subsidiária dos gestores. II – Se, no despacho de reversão, se invoca, essencialmente, como fundamento da alegada gerência de facto, a assinatura de uma reclamação graciosa, na qualidade de reclamante em nome da devedora originária, esse elemento não permite, sem mais, que se conclua pelo exercício efectivo de funções de gestão, cabendo à AT o ónus da prova de demonstrar tal exercício efectivo de funções, não bastando a mera afirmação da probabilidade da sua existência.* * Sumário elaborado pela relatora (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
Votação: | Unanimidade |
Decisão: | Negar provimento ao recurso. |
Aditamento: |
Parecer Ministério Publico: |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: I. Relatório A Representação da Fazenda Pública interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, proferida em 11/02/2016, que julgou procedente a oposição intentada por «AA», contribuinte n.º ...52, e «BB», contribuinte n.º ...06, na qualidade de cabeça de casal da Herança Indivisa de «CC», ambos residentes em ..., em ..., na qualidade de revertidos, contra os processos de execução fiscal n.º...............995 e apensos, n.º .............007 e apensos, n.º .............539 e apensos, originariamente instaurados contra a sociedade comercial “[SCom01...], Lda.”, para cobrança de dívidas de Imposto sobre o Valor Acrescentado e Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Colectivas, referentes aos anos de 1999 a 2006, no montante global de €67.471,45. A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões: “a) Incide o presente recurso sobre a douta sentença que julgou procedente e provada a oposição em epígrafe, com a consequente extinção da reversão por falta de prova da gerência de facto por parte do oponente «AA»; b) É sobre este oponente que se deve limitar o presente recurso, uma vez que a outra oponente «BB» é chamada à reversão na qualidade de cabeça de casal na herança de seu marido; c) Para acionar a responsabilidade subsidiária, nos termos do art.º 153º n.º 2, é necessário que se verifique ou a inexistência de bens do devedor originário ou a fundada insuficiência dos bens do mesmo para o pagamento da dívida exequenda e acrescido; d) No caso dos autos, conforme se retira da factualidade considerada provada [alínea C) do probatório], verificou-se a insuficiência patrimonial da devedora originária, tendo a AT, face a esse cenário, procedido à responsabilização dos seus sócios gerentes, por via do instituto da reversão em execução fiscal; e) Independentemente do que se deixou dito, importa consignar que a douta decisão recorrida ao considerar procedente a oposição por falta de demonstração da gerência de facto, determinou a extinção da reversão dos oponentes; f) Devendo antes, no entendimento da Fazenda Pública e sempre com o respeito devido, a douta sentença atender às provas documentais trazidas ao processo que são esclarecedoras do exercício da gerência de facto por parte do Oponente «AA»; g) Isto porque ficou patente nos documentos trazidos aos autos, corroborados pelo depoimento da testemunha «DD» (TOC da sociedade à data dos factos), que o revertido «AA» figurou como representante legal da empresa nas declarações de rendimentos modelo 22 de IRC dos anos em causa, bem como na declaração de início de atividade; h) Assim, atentos o disposto no douto Acórdão do TCA Sul, de 2011.01.22, no processo n.º 04057/10, existe uma presunção de gerência de facto nas situações em que o gerente nomeado atuar como representante legal da sociedade originária devedora, o que não foi aquilatado por parte da douta sentença em crítica; i) Por outro lado, acompanhando a douta sentença na dúvida suscitada a propósito da assinatura da reclamação graciosa da originária executada pelo oponente «AA», estamos em crer que a mesma, efetuada de livre e espontânea vontade, expressa o seu reconhecimento como gerente, não podendo aceitar-se que seja mais um ato de ajuda e boa vontade para com o irmão; j) Este facto, desvalorizado pelo Mmo Juiz na douta sentença, demonstra uma participação ativa na administração da sociedade devedora originária, vinculando-a perante terceiros, no interesse e em representação da mesma sociedade; k) Como se percebe pelo disposto no art.º 260º do CSC, a assinatura dos gerentes vinculam a sociedade em atos escritos; l) Pelo que a assinatura aposta em documentos necessários ao giro comercial da sociedade é tida como um ato de gerência, por exteriorizar a vontade da sociedade nos diversos negócios da mesma; m) Do que vem de ser dito, fácil é perceber que o Oponente «AA», quer seja através da sua indicação como representante legal da sociedade nas declaração de rendimentos, quer seja através da sua assinatura em documentos vinculando a sociedade, é parte legítima nos processos de execução que originaram a reversão em causa; n) Labora em erro de julgamento sobre a matéria de facto, no modesto entendimento da Fazenda Pública, a douta sentença ao não valorizar os argumentos trazidos aos autos e comprovados pelo depoimento testemunhal, nomeadamente do TOC; o) Em suma, a procedência da oposição com fundamento na não demonstração da gerência do Oponente «AA», tendo como consequência a anulação dos atos que conduziram à sua responsabilidade em sede de reversão, lesa os interesses da AT que, conforme ficou demonstrado, agiu dentro dos parâmetros legais ao seu dispor, usando as faculdades que a lei permite, tendo logrado provar a gerência de facto do Oponente; Nestes termos e no mais de direito deve ser dado provimento ao presente recurso com a consequente revogação da douta sentença recorrida, como será de inteira JUSTIÇA!” **** O Recorrido não contra-alegou. **** O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso. **** Com dispensa dos vistos legais, tendo-se obtido a concordância dos Meritíssimos Juízes-adjuntos, nos termos do artigo 657.º, n.º 4 do CPC; submete-se o processo à Conferência para julgamento. **** II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa apreciar se a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento de facto e de direito, ao considerar que não estão reunidos os pressupostos para operar a reversão, nomeadamente, a verificação da gerência de facto. O recurso tem por objecto apenas a factualidade referente ao oponente «AA», que foi considerado parte ilegítima na sentença recorrida. III. Fundamentação 1. Matéria de facto Na sentença prolatada em primeira instância foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor: “Com interesse para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos: A) No serviço de Finanças ... foram instauradas as execuções fiscais n.º.................995 e apensos, n.º .............539 e apensos e n.º .............007 e apensos, contra a sociedade “[SCom01...], Lda.” para pagamento da quantia de € 70 714,25 respeitante a IVA e IRC dos anos de 2000 a 2006dos; B) Execuções onde os Oponentes e outro foram notificados para exercerem o direito de audição e, não o tendo exercido, foram proferidos despachos de reversão, em 13-11, comunicados aos revertidos em 18-11, ambos do ano de 2008, vide anexo II junto pela FP a instruir a contestação, constituído por cópias extraídas dos processos executivos; C) A reversão teve como base os seguintes fundamentos: “Não são conhecidos quaisquer bens susceptíveis de penhora, em nome da executada; durante o período a que respeitam as dívidas foram gerentes da executada, de direito e de facto” os Oponentes e outro. A conclusão da gerência fundamentou-se…: Fotocópia do teor da matrícula da referida sociedade da Conservatória de Registo Comercial ...; fotocópia do início de atividade; fotocópia da escritura da constituição da sociedade…; fotocópia de requerimento dirigido ao Exmo. Director de Finanças…; fotocópia de requerimento dirigido ao Exmo. Juiz de Direito….”, idem anterior, mormente fls. 86 a 88, 135 a 137, 175 a 177 do processo físico, anexo III da contestação e doc. 5 da PI ; D) A Petição Inicial que deu origem aos presentes autos foi apresentada no ... em 09-12-2008, cfr. carimbo aposto na parte superior direito da folha 1 da PI, folha 5 destes autos. E) Na certidão de matrícula da originária devedora o único gerente que é referido é o «CC», irmão e filho dos Oponentes, o qual foi nomeado gerente em 10-04-1996, um dia depois do início da sua atividade, na “ACTA NÚMERO UM” vide docs. n.ºs 1 e 5 que instruíram a PI e anexo III da contestação da FP; F) Na qualidade de gerente foi «CC» ouvido em sede de inspeção Tributária realizada à originária devedora no ano de 2004, cfr. fls. 2 do doc. n.º 1, doc. 3 e 4 que instruíram a PI; G) Também nessa qualidade movimentava, em exclusividade, a conta da originária devedora n.º ...03, da Banco 1... de ... e ..., vide o doc. n.º 2 junto com a PI e constituída por declaração emitida pela referida Entidade Bancária, datada de 21/11/2008; H) Foi o «CC» que contratou o contabilista «DD», quer para exercer funções na originária devedora quer em sociedade anterior que teve de cessar por falta de solvibilidade, cfr. depoimento dos referidos, 1ª e 3ª testemunhas; I) Era o «CC» que efetivamente exercia a atividade e exteriorizava a vontade da originária devedora sendo que a atividade desta decorreu no rés-do-chão da casa daquele e nunca os seus familiares, os ora Oponentes realizaram qualquer atividade em nome da sociedade tendo apenas dado o respetivo nome para a constituição desta porque o «CC» era irmão e filho e “não possuía nome na praça”, vide os já aludidos depoimentos, os restantes e o demais que dos autos consta e que alicerçou alguma da factualidade supra relatada; J) Nas execuções referidas em A), o Órgão de execução fiscal (OEF) procedeu, em 13- 02-2009, nos termos do n.º 3 do artigo 169º do Código de Procedimento e de Processo Tributário à constituição de penhora de bens imóveis pelo que se encontram suspensos nos termos dos n.ºs 1 e 5 da norma e diploma já referidos, cfr. informação prestada pelo OEF, em 06- 10-2010. III II Factos não provados Inexistem. Alicerçou-se a convicção do Tribunal, na consideração dos factos provados, no teor dos documentos referidos em cada uma das alíneas dos factos provados. No que respeita às 5 testemunhas, o depoimento que prestaram, no fundamental logrou convencer o Tribunal porque consonante com os demais elementos dos autos constantes. Apenas algumas dúvidas se colocaram relativamente à alegada aposição pelo punho da testemunha «CC» da assinatura do seu irmão o oponente «AA» nos documentos que constituem o anexo III que instruíram a contestação da FP. Dúvidas resultantes da conjugação do depoimento de «CC» e «DD». Dúvidas resultantes também da não compreensão de tal comportamento, o qual, a primeira testemunha também não soube explicar. Efetivamente não tendo a FP questionado o facto de ele, a primeira testemunha, ter sido nomeado o único gerente um dia depois da constituição e início de atividade da originária; considerando a demais prova testemunhal e documental que apontam para a exclusividade da gestão de «CC» não é compreensível a necessidade de a reclamação graciosa ter sido assinada pelo seu irmão o Oponente «AA», podia o «CC», na sua legitimidade de único gerente, ter assinado a reclamação; assumindo como assumiu e foi considerado na e pela inspeção realizada no ano de 2004. A tornar mais incompreensível o que vimos aludindo não se olvide que também o «CC» foi revertido nas execuções aqui em causa e, na consulta que realizei no SITAF não consta processo de oposição por ele instaurado.” *** Apreciação oficiosa por este tribunal a quem da decisão da matéria de facto, com especial incidência sobre o ponto I) do probatório, na medida em que o mesmo condiciona inelutavelmente o desfecho da causa: Independentemente da arguição da Recorrente, compete ao tribunal de recurso sindicar a natureza factual ou não dos juízos probatórios formulados pela instância a quo, que tenham relevo para apreciação das questões a resolver, nomeadamente dos tidos como matéria de facto e se traduzam em puras afirmações de direito ou em juízos meramente valorativos, vagos ou conclusivos. Considerando os articulados, o teor da sentença recorrida e o objecto do recurso, a questão fulcral a sindicar por este tribunal prende-se com a verificação dos pressupostos para operar a reversão, em concreto o pressuposto da “gerência de facto” – cfr. artigo 24.º da LGT. Saber quem, de facto, exerceu efectivamente a administração da sociedade devedora originária é a ilação que caberá ao tribunal realizar em sede de julgamento, aquando da subsunção dos factos ao direito, não podendo a matéria levada ao probatório condicionar esse julgamento, designadamente, por a decisão da matéria de facto não integrar factos simples. A matéria constante do ponto I) do probatório encerra, claramente, factos conclusivos – juízos/ilações – por conter em si a decisão da própria causa, ou seja, tal matéria foi considerada provada, pelo que a acção seria necessariamente resolvida, em termos de procedência, com base nessa única factualidade. É certo que, actualmente, não existe um normativo correspondente ao artigo 646.º, n.º 4 do anterior Código de Processo Civil, que determinava terem-se por não escritas as respostas do tribunal colectivo sobre questões de direito, e que se aplicava, por analogia, à matéria conclusiva. No entanto, o princípio subjacente ao preceito não desapareceu, como o revela a jurisprudência: “De resto, ainda que o actual CPC não inclua uma disposição legal com o conteúdo do artº 646º nº 4 do pretérito CPC (o qual considerava não escritas as respostas sobre matéria de direito), é todavia nossa convicção que tal não permite concluir que pode agora o juiz incluir no elenco dos factos provados meros conceitos de direito e/ou conclusões normativas, e as quais, a priori, e antecipada e comodamente, acabem por condicionar e traçar desde logo o desfecho da acção ou incidente, resolvendo de imediato o “thema decidendum”.” – cfr. Acórdão da Relação de Guimarães, de 11 de Outubro de 2018, proferido no âmbito do processo n.º 616/16.3T8VNF-D Assim, podemos ter por assente que a matéria de facto só deve integrar factos concretos e não formulações genéricas, de direito ou conclusivas, mormente quando preencha, só por si, a hipótese legal, dispensando qualquer subsunção jurídica, ou, dito de outro modo, traduzam uma afirmação ou uma valoração de facto que se insira na análise das questões jurídicas que definem o objecto da acção, comportando uma resposta ou componente de resposta àquelas questões, o que, a ocorrer, impede a sua valoração em sede de julgamento – cfr. Acórdão deste TCA Norte, de 22 de Fevereiro de 2024, proferido no âmbito do processo n.º 312/23.5BECBR. Ora, ser o «CC» que efectivamente exercia a actividade e exteriorizava a vontade da originária devedora, que a actividade desta decorreu no rés-do-chão da casa daquele e nunca os seus familiares, os ora Oponentes, realizaram qualquer actividade em nome da sociedade, tendo apenas dado o respetivo nome para a constituição desta, porque o «CC» era irmão e filho e “não possuía nome na praça”, tratam-se de asserções que, claramente, encerram juízos conclusivos, a formular a partir de factos simples, e cuja afirmação, por si só, comporta uma componente da resposta à questão de direito cuja resolução era solicitada ao tribunal, relativa à verificação da “gerência de facto”, e que, assim, não pode integrar o acervo factual, nos termos supra assinalados, devendo, em consequência, o ponto I) da decisão da matéria de facto ser desconsiderado para efeitos de subsunção jurídica da factualidade. 2. O Direito Antes de mais, importa referir que a AT deu conta, através da informação prestada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 208.º do CPPT, da extinção do processo n.º ...07 e de vários dos seus apensos nessa informação identificados, na medida em que estavam aí em cobrança coerciva dívidas referentes a coimas, tendo sido extintos os procedimentos contra-ordenacionais, por inexistência da infractora (a sociedade devedora originária foi, entretanto, dissolvida, ocorrendo o encerramento da liquidação e o cancelamento da respectiva matrícula, conforme apresentação ...22). Ainda assim, permanecem em discussão no âmbito da reversão as dívidas de IRC e IVA, referentes aos anos de 1999 a 2006. Compulsando as certidões de dívida e os respectivos actos de reversão, observamos ainda serem objecto do recurso as dívidas em cobrança no processo executivo n.º .............539 e apensos, referentes a IRC dos anos de 2000, 2001, 2002 e 2003 e a IVA dos períodos de 2001, 2002 e 2003, todas com o terminus dos prazos legais de pagamento voluntário em 2005 (ocorreram em 29/01/2005, 22/04/2005, 27/04/2005, 12/08/2005, 30/11/2005, 16/08/2005, 26/08/2005 e 04/09/2005). Estão em causa igualmente as dívidas em cobrança coerciva no âmbito do processo de execução fiscal n.º .......................995 e apensos, referentes a IRC dos anos de 1999, 2004 e 2005 e a IVA dos períodos de 2000, 2001/2002, 2004 e 2005, mostrando-se indicada a data limite de pagamento voluntário do IRC de 1999 em 04/02/2002, do IRC de 2004 em 05/06/2006, do IRC de 2005 em 16/06/2007, do IVA de 2000 em 31/10/2004, do IVA de 2001/2002 em 30/11/2004, do IVA de 2004 em 21/12/2006 e do IVA de 2005 em 03/05/2007. No concernente aos processos de execução fiscal n.º .............007 e apensos, apenas subsistem em discussão dívidas referentes a IVA de 2006, com data limite de pagamento voluntário em 06/12/2007 e referentes a IRC de 2006, com prazo para pagamento voluntário situado em 24/09/2007, dado que as restantes dívidas se reportam a coimas. Recordamos que o recurso tem por objecto apenas a factualidade referente ao oponente, aqui Recorrido, «AA». Face às conclusões de recurso, a primeira questão que importa apreciar e decidir é a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento quando concluiu não estarem verificados os pressupostos da responsabilidade subsidiária, no que concerne ao exercício da gerência de facto por parte do Recorrido. A decisão da matéria de facto não se mostra impugnada, pelo que se apresenta estabilizada, não obstante a desconsideração do seu ponto I) (por encerrar matéria conclusiva, como justificámos supra), centrando-se, então, a análise na apreciação da alegada errada valoração da factualidade apurada, na medida em que a Recorrente defende que os factos coligidos não permitem as ilações retiradas, nem afirmar que o Oponente/Recorrido não exerceu a gerência de facto da sociedade devedora originária e, nesse pressuposto, ter concluído pela sua ilegitimidade para a execução fiscal. Defende a Recorrente que o tribunal recorrido não atendeu às provas documentais trazidas ao processo que, na sua óptica, são esclarecedoras do exercício da gerência de facto [cfr. conclusão f) das alegações do recurso)]. Refere-se, em concreto, à declaração de início de actividade, à indicação como representante legal nas declarações de IRC, afirmando não ter sido aquilatado existir uma presunção de gerência de facto quando o gerente nomeado actua como representante legal [cfr. conclusão g)] e a assinatura da reclamação graciosa apresentada em 22/03/2001 [cfr. conclusão i)]. A sentença recorrida focou-se na circunstância de o ónus da prova da existência da gestão de facto caber à AT, acentuando que a Administração Fiscal considerou um ou dois elementos documentais, mas desatendeu aos demais, quer os documentais quer o que resultou do depoimento das testemunhas. Salientou que os Oponentes demonstraram até que a AT, por via de inspecção realizada em 2004, considerou como gerente da originária devedora a testemunha «CC». Sobre os documentos relevados pela AT, ponderou que a declaração de início de actividade tem a data do início de actividade da originária devedora e a alegada assinatura do Oponente «AA» tem a justificação de a Acta de nomeação de gerente do «CC» ter sido realizada no dia seguinte. Quanto à reclamação graciosa, já em sede de fundamentação da convicção do Tribunal, o tribunal recorrido havia expressado a dificuldade em compreender a “necessidade” de o Oponente «AA» assinar aquela reclamação. Neste contexto, o tribunal “a quo” expressou o entendimento de que a conclusão extraída pela AT de que os Oponentes foram gerentes de facto não tem consistência. Antes atendeu ao conjunto dos factos provados, permitindo resposta bem diversa da obtida pela AT, ou seja, a de os Oponentes não serem gerentes de facto da originária devedora, pelo que os considerou parte ilegítima nos processos de execução aqui em causa. É, com efeito, evidente ter o tribunal recorrido firmado convicção nos depoimentos testemunhais, considerando-os reveladores de que o Recorrido não exerceria, de facto, actos de gestão da devedora originária. Mas não terá desconsiderado a prova documental, pois revela a sua ponderação e as dúvidas que lhe suscitou, principalmente a assinatura da reclamação graciosa; porém, os elementos documentais indicados pela AT não seriam, em face da prova produzida, bastantes para demonstrar o efectivo exercício da gerência. A Recorrente insurge-se contra o assim decidido, por entender, no essencial, que os elementos constantes dos autos são de molde a extrair a conclusão de que o Oponente exerceu, no período a que respeitam as dívidas, a gerência de facto da sociedade devedora originária. Vejamos. As execuções fiscais a que se reporta a presente oposição destinam-se, como vimos, à cobrança coerciva de dívidas provenientes de IRC e IVA, relativas aos anos de 1999 a 2006, que deveriam ter sido pagas, grosso modo, em 2004 a 2007, e o Oponente foi chamado a essas execuções, enquanto gerente de facto, através do mecanismo da reversão e com vista à efectivação da sua responsabilidade subsidiária pelo pagamento daquelas dívidas. É sabido que o regime da responsabilidade subsidiária aplicável é o vigente no momento em que se verifica o facto gerador da responsabilidade (artigo 12.º do Código Civil), pelo que estando em causa dívidas cujos factos constitutivos ocorreram na vigência da Lei Geral Tributária, é de aplicar o regime previsto no artigo 24.º desta Lei. Este artigo 24.º, n.º 1 da LGT estabelece o seguinte: “1. Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si: a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação; b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento. (…)” Resulta inequivocamente deste normativo legal que a responsabilidade subsidiária é atribuída em função do exercício do cargo de gerente e reportada ao período do respectivo exercício. Ou seja, a gerência de facto constitui requisito da responsabilidade subsidiária dos gerentes, não bastando, portanto, a mera titularidade do cargo, a gerência nominal ou de direito. Ora, é sobre a administração tributária, enquanto exequente e como titular do direito de reversão, que recai o ónus de alegar e provar os pressupostos que lhe permitem reverter a execução fiscal contra o gerente da devedora originária, designadamente, os factos integradores do efectivo exercício da gerência de facto [de acordo com a regra geral de quem invoca um direito tem que provar os respectivos factos constitutivos - artigo 342.º, n.º 1, do CC e artigo 74.º, n.º 1, da LGT]. Com efeito, não há qualquer presunção legal que faça decorrer da qualidade de gerente de direito o efectivo exercício da função e que faça inverter o referido ónus que recai sobre a administração tributária. Como se refere no Acórdão do STA (Pleno da Secção do Contencioso Tributário) de 28/2/2007, Recurso n.º 1132/06, a prova da gerência de direito não permite presumir, nem legal nem judicialmente, a gerência de facto, impondo-se ao exequente fazer a respectiva alegação e subsequente prova. Assim, o que importa apurar é se os factos dados como provados na sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu permitem afirmar o exercício da gerência de facto por parte do Recorrido. Antes de mais, importa referir que a denominada gerência de facto de uma sociedade comercial consistirá no efectivo exercício das funções que lhe são inerentes e que passam, nomeadamente, pelas relações com os fornecedores, com os clientes, com as instituições de crédito e com os trabalhadores, tudo em nome, no interesse e em representação dessa sociedade. Para que se verifique a gerência de facto é indispensável que o gerente use, efectivamente, dos respectivos poderes, que seja um órgão actuante da sociedade, tomando as deliberações consentidas pelo facto, administrando e representando a empresa, realizando negócios e exteriorizando a vontade social perante terceiros - nestes termos, Rúben Anjos de Carvalho, Francisco Rodrigues Pardal, in Código de Processo das Contribuições e Impostos, anotado e comentado, 2ª Edição, Coimbra, 1969, p. 139 - citado, entre outros, nos Acórdãos do TCAN, de 18/11/2010 e de 20/12/2011, Processos n.º 00286/07 e n.º 00639/04, respectivamente. São, portanto, os gerentes de facto quem exterioriza a vontade das sociedades nos seus negócios jurídicos, são eles quem manifesta a capacidade de exercício de direitos da sociedade, praticando actos que produzem efeitos na esfera jurídica desta. Impõe-se esclarecer que, dos documentos indicados no despacho de reversão, que sustentam a responsabilidade subsidiária do Recorrido, «AA», somente a reclamação graciosa apresentada em nome da devedora originária em 22/03/2001 se mostra assinada por este (apesar da invocação na petição de oposição de tal assinatura não ter sido realizada pelo seu punho, desconhecendo quem a terá desenhado). Efectivamente, a declaração de início de actividade mostra-se assinada por «CC», na mesma indicado como sendo sócio, tal como o aqui Recorrido. A AT, na informação prestada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 208.º do CPPT, explicou que foi imputada aos oponentes a responsabilidade subsidiária em virtude de terem exercido actos de gerência, como se pode verificar pela assinatura do Sr. «CC» na Declaração de Início de Actividade, Mod. 1199, em 1996-04-09, bem como pela assinatura do Sr. «AA» na reclamação graciosa da empresa dirigida ao Sr. Director de Finanças do distrito ... assinando como reclamante. Não existindo informação sobre a gerência de Direito da sociedade até 20 de Janeiro de 2003, data obtida no registo da Conservatória e em que é designado o gerente «CC» presume-se que a gerência de facto pertencia a esses dois sócios. É importante salientar que a AT nunca imputou ao Recorrido a gerência nominal ou de direito, mas apenas a de facto. Ficando claro na explicação transcrita o motivo: a circunstância de a certidão permanente da Conservatória do Registo Comercial evidenciar o registo do cargo de gerente de «CC» assente em deliberação datada de 20/01/2003, pelo que, anteriormente, presumiu que a gerência de facto estaria a cargo dos dois sócios da sociedade devedora originária. Com efeito, tal poderá ser a explicação para no registo informático da AT das declarações de rendimentos de 1999, 2000, 2001 e 2002 constar como representante legal o Recorrido, consubstanciado na mera indicação do número de contribuinte ...52, pois tratava-se do primeiro sócio indicado na declaração de início de actividade. A AT insiste na presunção da gerência de facto quando o gerente nomeado actua como representante legal. Todavia, tal ilação, além de poder não se revelar linear, como vimos, cai na sua base, pois, in casu, o Recorrido nunca foi nomeado gerente da devedora originária, ou seja, nunca foi gerente de direito, nem nunca assinou qualquer documento na qualidade de gerente da sociedade, pelo que falha a base da presunção. Note-se que no único documento que ostenta o nome do Recorrido assinado, tal assinatura aparece na qualidade de reclamante (reclamação graciosa). Da matéria de facto assente, não se nos afigura que, contrariamente ao pretendido pela Recorrente, se possa afirmar o efectivo exercício da gerência da sociedade executada por parte do Oponente a partir da constatação da aposição da sua assinatura numa reclamação dirigida à AT, na qualidade de reclamante. Mesmo que tal documento se possa considerar relevante, não permite concluir, no caso concreto, pela prática efectiva de actos de gerência na data em que as dívidas deveriam ter sido pagas. O despacho de reversão enfatiza a gerência do Recorrido “durante o período a que respeitam as dívidas”. Mas, a final, refere-se aos períodos de vigência da legislação invocada: vigoraram não só para o período a que respeita a dívida como também para aquele em que decorreu o respectivo prazo legal de pagamento. Afirmando, expressamente, que a decisão se funda na presunção legal de culpa do gerente, funções que exercia efectivamente, apontando para o disposto no artigo 24.º, n.º 1, alínea b) da LGT (embora nunca seja mencionado este normativo, nem no projecto de reversão, nem na respectiva notificação, nem no despacho de reversão, nem na respectiva carta-citação). Impõe-se alertar que devemos concentrar-nos no período da constituição e do pagamento das dívidas exequendas, pois somente esse, verdadeiramente, nos interessa. Lembramos que as dívidas exequendas deveriam ter sido pagas em 2002, 2004, 2005, 2006 e 2007, suscitando-se, por isso, dúvida fundada se o Recorrido geria, de facto, a empresa aquando da data limite de pagamento voluntário das dívidas exequendas – cfr. artigo 24.º, n.º 1, alínea b) da LGT, uma vez que o despacho de reversão se funda na presunção legal de culpa, como vimos. Perante este circunstancialismo, não vislumbramos que a suposta assinatura da reclamação graciosa, na qualidade de reclamante, em 22/03/2001, anteriormente à constituição da maioria das dívidas e, sem dúvida, anteriormente à data limite de pagamento de todas as dívidas, assuma a força probatória necessária para se considerar demonstrada a gerência efectiva da mesma pelo Recorrido. Por conseguinte, não só a Fazenda Pública não provou os factos constitutivos do seu direito, como, pelo contrário, os elementos ínsitos nos autos e na decisão da matéria de facto apontam no sentido de que, nos períodos aqui em causa, o Oponente possa não ter exercido a efectiva gerência da executada originária e, como tal, não poderá ter lugar a sua responsabilização, a título subsidiário, pelo pagamento da dívida exequenda. Em suma, não tendo resultado provado nos autos que o Oponente exercia, de facto, a gerência da executada originária, praticando os actos próprios e típicos da gerência no período aqui em causa, não pode ser responsabilizado subsidiariamente pelo pagamento das dívidas exequendas e, com tal, deverá concluir-se, como o fez o tribunal a quo, apesar de ter aportado fundamentação diversa, pela ilegitimidade do Oponente para a execução, com a consequente procedência da oposição. Nesta conformidade, impõe-se negar provimento ao recurso. Conclusões/Sumário I – É à administração tributária que cabe o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais de que depende a reversão, sendo o exercício efectivo de funções de gestão um dos pressupostos da responsabilidade tributária subsidiária dos gestores. II – Se, no despacho de reversão, se invoca, essencialmente, como fundamento da alegada gerência de facto, a assinatura de uma reclamação graciosa, na qualidade de reclamante em nome da devedora originária, esse elemento não permite, sem mais, que se conclua pelo exercício efectivo de funções de gestão, cabendo à AT o ónus da prova de demonstrar tal exercício efectivo de funções, não bastando a mera afirmação da probabilidade da sua existência. IV. Decisão Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso. Custas a cargo da Recorrente, nos termos da tabela I-B – cfr. artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais. Porto, 21 de Março de 2024 Ana Patrocínio Ana Paula Santos Maria do Rosário Pais |