Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01786/21.4BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:06/06/2024
Tribunal:TAF do Porto
Relator:RICARDO DE OLIVEIRA E SOUSA
Descritores:C.C.P. - SANÇÃO CONTRATUAL;
CLÁUSULA PENAL SANCIONATÓRIA – LIMITAÇÃO TEMPORAL;
RECEÇÃO PROVISÓRIA DA OBRA;
Sumário:
I – A prerrogativa do contraente público impor uma multa contratual tem a natureza de uma clausula penal sancionatória, podendo assacar-se à mesma uma função preventiva ou dissuasora e uma função reintegradora ou indemnizatória.

II - Não é, portanto, aceitar qualquer lógica interpretativa no sentido que a sanção contratual prevista no artigo 403º do CCP visa estimular o correto cumprimento do contrato e não como um mecanismo de ressarcimento de danos, não sendo, por isso, passível de aplicação depois da receção provisória da obra.

III- Em todo o caso, a admitir-se tal cenário, a possibilidade de aplicação de tal sanção contende – na senda da normação contida no já revogado artigo 233º, nº. 4 do D.L. nº. 59/99 – com a data dos atrasos na execução da obra - se anteriores ou não à receção provisória da obra – e nunca com a data de prolação do ato impugnado.

IV- Legitimando os autos a aquisição processual de que que a sanção contratual é reportável a factos verificados antes da receção provisória da obra, forçoso se torna concluir que nada obsta à aplicação da sanção contratual que transveste o ato impugnado.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo Norte - Secção de Contencioso Administrativo, subsecção de Contratos Públicos:

* *

I – RELATÓRIO

1. O Município ..., Réu nos presentes autos de AÇÃO ADMINISTRATIVA em que é Autora a sociedade comercial [SCom01...], LDA., vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do T.A.F. do Porto, editada em 20.06.2022, que julgou a presente ação totalmente procedente e, em consequência, anulou “(…) o ato administrativo ora impugnado, consubstanciado na aplicação de sanção contratual à Autora, no montante de € 118.320,23, por atraso da execução da obra “Manutenção/Recuperação Substituição e Novos Espaços de Recreio (…)”.

2. Alegando, o Recorrente formulou as seguintes conclusões: “(…)

a) O objeto do presente recurso é a decisão vertida na douta sentença que anula o ato administrativo impugnado e consubstanciado na aplicação de sanção contratual à autora no montante de 118.320,23 €, por atraso na Execução da obra “Manutenção/Recuperação substituição e Novos Espaços de Recreio".

Recurso da matéria de facto:

b) A douta sentença em crise não se pronunciou sobre a matéria de facto alegada pela ora recorrente na sua contestação relativamente ao incumprimento da autora e que consta dos artigos 57.º a 81.º da contestação.

c) Ora, a autora nunca se referiu quanto à matéria do incumprimento que lhe foi imputada e que decorre também dos documentos constantes no PA (Cfr. fls. 904, 903, 287, 362 a 367, 363, 364, 401 a 403, 858, 850 a 852 e 849 do PA), que consubstanciam os concretos meios probatórios, constantes do processo que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnada, diversa daquela que agora é objeto de recurso, designadamente deveriam ser aditados aos factos provados na douta sentença, os artigos 57.º a 81 da contestação do réu ora recorrente.

d) No sentido do supra exposto, dever-se-ão manter os factos provados 1 a 25 da douta sentença e aditarem-se os seguintes:

26. Assim, no dia 16/11/2017, o empreiteiro inicia os trabalhos em diversos parques sem a colocação das placas de obra e sem dar conhecimento à fiscalização.

27. Deste facto, a autora foi alertada pela ré, por mail de 21/11/2017, ou seja, que as placas deveriam ter sido colocadas previamente, e que deveria ter sido 10 comunicada a entrada em obra e em que local (Cfr. página 904 do PA).

28. Mais informou ainda a ré que não era sua intenção a intervenção em todos os parques em simultâneo, mas sim iniciar e terminar os espaços, sob pena de comprometer a segurança das crianças bem como o cumprimento do estabelecido no plano de trabalhos (Cfr. página 904 do PA).

29. Do dia 16/11/2017 ao dia 22/11/2017, foram retirados pisos e equipamentos nos parques CH Padre Vidinha, CH Padre Vaz ZORRA, CH da Ponte (neste foi iniciada uma “manutenção” deixada por concluir), CH Santo António, Rua ... e CH de ... (cfr. página 904 do PA).

30. No dia 11/12/2017, a ré enviou à autora um mail a reforçar pedido envio BAM’s para análise, chamando atenção para atraso na obra relativamente ao plano de trabalhos já em incumprimento. (Cfr. página 903 do PA).

31. No dia 12/12/2017, a autora enviou à ré os BAM’s para análise.

32. No dia 12/12/2017, a ré enviou à autora uma comunicação com a referência ...01, dando conta do incumprimento do plano trabalhos (Cfr. página 287 do PA).

33. Consequentemente, nesta mesma comunicação a ré solicitou à autora o cumprimento do plano de trabalhos e apresentação de plano de trabalhos modificado e plano de pagamentos, bem como das medidas de correção necessárias à recuperação do atraso verificado (Cfr. página 287 do PA).

34. No dia 9/01/2018 a autora apresentou à ré o Plano de trabalhos modificado, o qual veio a ser aprovado (Cfr. páginas 362 a 367 do PA).

35. No dia 9/01/2018 a ré enviou à autora as respostas aos BAM’s apresentados, 11 de onde resulta que as fichas técnicas dos equipamentos alternativos ao caderno de encargos enviadas são manifestamente incompletas, suscitando dúvidas.

36. Conforme ofício com o registo n.º ...05 da autora, esta discordou dos materiais não aprovados (Cfr páginas 363 e 364 do PA).

37. A ré respondeu à autora no dia 18/1/2018 (Cfr. página 401 a 403 do PA).

38. Sucede que, as dúvidas da ré foram, mais tarde, a 16/10/2018, aceites pela diretora de obra da autora, a Engenheira «AA» que, após ter que substituir prumos de equipamentos recém colocados em duas obras, tomou a iniciativa de enviar à ré um mail solicitando que se procedesse à alteração dos BAM’s “anteriormente aprovados de forma a não adquirirmos mais nada ao fornecedor [SCom02...] pois este demonstra alguma falta de qualidade nos produtos que comercializa” (Cfr. página 858 do PA).

39. Tudo o supra exposto ficou sumariamente referido na ata da reunião que teve lugar no dia 20/02/2018 e onde participaram dois representantes da autora. (Cfr. páginas 850 a 852 do PA).

40. No dia 12/04/2018 a autora enviou um mail informando da encomenda (parcial) dos equipamentos da marca ..., quase um mês após a sua aprovação e adianta que a data de entrega será dia 13/05/2018.

41. Porém, não informa as datas nem encomenda dos restantes equipamentos da marca ... nem da marca husson (Cfr. página 849 do PA).

42. No dia 09/04/2018 foi aprovada a prorrogação solicitada de 60 dias solicitada

43. No dia 17/05/2018 são assinaladas fissuras nos postes de madeira dos equipamentos instalados no JI da Portelinha 2.

44. A autora tentou proceder à reparação das fissuras referidas no artigo anterior, o que não foi capaz, acabando por assumir a fraca qualidade das madeiras e, assim, proceder à substituição dos prumos destes equipamentos no Ji da Portelinha, tando adotado igual procedimento no equipamento JI da Arroteia.

45. No dia 28/05/2018 a autora retoma os trabalhos no parque infantil da quinta do sol e Rua ....

46. Como no dia 12/07/2018 (data de término da empreitada com prorrogação) a obra ainda não se encontrava concluída, a autora envia novas datas de entrega dos equipamentos, passando assim a ser o dia 18/07/2018 para equipamentos marca ... e de 6 a 8 semanas para adjudicações até 11 de junho para os equipamentos husson.

47. Assim e em virtude dos sucessivos incumprimentos da ré verifica-se que:

a. O valor da adjudicação do contrato de “Obras de manutenção/recuperação, substituição e novos espaços de jogo e recreio” foi de 394.400,77 €;

b. A data da assinatura do contrato ocorreu no dia 19/10/2017;

c. A data da consignação ocorreu no dia 06/11/2017;

d. O prazo de execução da obra era de 180 dias;

e. O prazo para conclusão da obra com prorrogações deveria ocorrer no dia 12/06/2018.

48. Pelo que, o valor da multa diária fixada no artigo 11.º do caderno de encargos obtemos o valor de 788,80 € (394.400,77 € x 0,002).

49. Entre o dia 12/06/2018 (data prevista para a conclusão da obra com prorrogações), até à data da informação para aplicação da multa (08/12/2018), decorreram 179 dias, pelo que, multiplicando pelo valor diário obtemos o resultado de 141.195,20 €.

50. Sendo certo que a ré não resolveu o contrato por daí resultar dano para o interesse público, o valor máximo admitido de acordo com o n.º 3 do artigo 329.º do CCP fixou-se em 118.320,23 € (394.400,77 € x 30%).

Recurso da matéria de direito:

e) Nos termos do disposto no artigo 329.º n.º 1 do CCP, o contraente público pode, a título sancionatório, resolver o contrato e aplicar as sanções previstas no contrato ou na lei em caso de incumprimento pelo cocontratante.

f) A sanção contratual não tem apenas uma função preventiva ou dissuasora, mas também, e em geral, uma função reintegradora ou indemnizatória (Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 17/10/2002, proferido no âmbito do processo n.º 0574/02 e disponível em www.dgsi.pt).

g) Natureza esta que não é afastada pela natureza preventiva das sanções.

h) O que se terá que apreciar é se, no caso concreto, a autora iria alterar o seu comportamento com a aplicação das sanções.

i) E a resposta terá que ser negativa porquanto, os incumprimentos da autora foram recorrentes e, em alguns casos, definitivos, conforme resulta da matéria cujo aditamento se requer.

j) Por outro lado, a douta sentença em crise socorre-se também do anterior regime que regulava esta matéria, designadamente o disposto no artigo 233.º n.º 4 do Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de março.

k) Porém, e perante as situações de verdadeira injustiça material que tal regime criava, deixando de lado as pretensões, legítimas, dos donos da obra em serem ressarcidos pelos danos causados com a mora dos empreiteiros, o certo é que, do ponto de vista formal, com a entrada em vigor do Código dos Contratos Públicos, o impedimento expresso constante do Decreto-Lei n.º 55/99, de 2 de março desapareceu, não tendo sido transposto para o artigo 403.º que regula agora a matéria do “Atraso na execução da obra”, deixando assim transparecer que foi intenção do legislador fazer cessar a restrição temporal à aplicação das sanções que vigorava anteriormente, tanto que, em tudo o mais o anterior regime se mantém.

l) No sentido em que a legislação que anteriormente regulava esta matéria é insuficiente para secundar a decisão proferida pelo tribunal a quo, vai o Acórdão do STA de 25-022021, proferido no âmbito do processo n.º 0205/14.7BESNT e disponível em www.dgsi.pt, o qual admitiu a revista de um acórdão confirmativo da sentença anulatória do ato aplicador de uma multa contratual – no âmbito de uma empreitada e já após a receção provisória da obra – por entender ser necessário que o Supremo defina se o artigo 403.º do Código dos Contratos Públicos pode ser ativado nessa fase.

m) Por tudo o exposto, o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 403.º do CCP ao interpretar que o mesmo cria um limite temporal (até à receção provisória da obra) para aplicação de sanções contratuais decorrentes do incumprimento do empreiteiro, quando, o sentido correto da interpretação do supra referido preceito seria no sentido de não existir qualquer limite temporal para a aplicação de sanções decorrentes do incumprimento do empreiteiro. (…)”.


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3. Notificada que foi para o efeito, a Recorrida não contra-alegou.

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4. O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida.

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5. O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior silenciou quanto ao propósito vertido no nº.1 do artigo 146.º do C.P.T.A.

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6. Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.

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II – DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR

7. O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.

8. Neste pressuposto, a questão essencial a dirimir resume-se a saber se a sentença recorrida incorreu em (i) erro de julgamento de facto, por errada apreciação e fixação da matéria de facto, em (ii) erro de julgamento de direito, por violação do artigo 403º do C.C.P.

9. É na resolução de tais questões que se consubstancia a matéria que a este Tribunal Superior cumpre solucionar.


* *

III – DO MÉRITO DA INSTÂNCIA DE RECURSO

10. A Autora [SCom01...], Lda., aqui Recorrida, intentou a presente ação administrativa comum contra o Município ..., aqui Recorrente, peticionando, em substância, a declaração de ilegalidade, por nulidade ou anulabilidade, do ato de aplicação de sanção contratual pecuniária no valor de € 118.320,23 por atraso da execução da obra “Manutenção/Recuperação Substituição e Novos Espaços de Recreio”.

11. Substanciou tal pretensão jurisdicional no entendimento que o ato impugnado é nulo ou inexistente, em razão de diversos vícios, que elencou [(i) preterição de audiência prévia de interessados; (ii) violação dos artigos 394.º e 403.º do Código dos Contratos Públicos; (iii) inexistência de ato primitivo sustentador; (iv) caducidade do procedimento administrativo; (v) falta de preenchimentos dos pressupostos para aplicação da coima; e (vi) inexistência de grave prejuízo para o interesse público].

12. O T.A.F. do Porto, como é sabido, julgou totalmente procedente a presente ação, tendo anulado “(…) ora impugnado, consubstanciado na aplicação de sanção contratual à Autora, no montante de € 118.320,23, por atraso da execução da obra “Manutenção/Recuperação Substituição e Novos Espaços de Recreio”.

13. Fê-lo por entender que o ato impugnado enfermava de vício de violação de lei, por ofensa do disposto no artigo 403º do CCP.

14. Patenteiam as conclusões alegatórias que o Recorrente insurge-se contra esta decisão judicial, por manter a firme convicção de a mesma enferma de (i) erro de julgamento de facto, por errada apreciação e fixação da matéria de facto; e ainda de (ii) erro de julgamento de direito, por violação do no artigo 403 do C.C.P.

15. Vejamos estas questões especificadamente.

16. Assim, e com reporte para o primeiro esteio argumentativo, cabe notar que, regra geral, a razão determinante da inclusão de um facto na matéria assente prende-se com a sua relevância para a decisão a proferir segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, e não com a circunstância de terem sido alegados e não terem sido impugnados.

17. De facto, é perfeitamente supérflua a inclusão de factos não controvertidos na matéria de facto assente que não servem nenhum propósito em termos da definição da solução da causa.

18. Assim também o entendeu Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil [anotado], vol. II, 4.ª edição-reimpressão, pág.204, «desde que um facto é inútil ou irrelevante para a solução da causa incluí-lo na especificação é excrescência pura».

19. Cientes destes considerandos de enquadramento, importa, então, analisar a situação sob apreciação aferindo do acerto da matéria de facto sob impugnação.

20. Efetivamente, veio o Recorrente pugnar pela alteração da decisão sobre a matéria de facto, por entender que o Tribunal a quo teria feito uma errada interpretação e valoração da prova produzida, já que a mesma permitiria que se desse como demonstrados factos omitidos no elenco dos provados, importando por isso proceder à alteração do probatório coligido nos autos por forma a que sejam aditados os seguintes factos: “(…)

26. Assim, no dia 16/11/2017, o empreiteiro inicia os trabalhos em diversos parques sem a colocação das placas de obra e sem dar conhecimento à fiscalização.

27. Deste facto, a autora foi alertada pela ré, por mail de 21/11/2017, ou seja, que as placas deveriam ter sido colocadas previamente, e que deveria ter sido 10 comunicada a entrada em obra e em que local (Cfr. página 904 do PA).

28. Mais informou ainda a ré que não era sua intenção a intervenção em todos os parques em simultâneo, mas sim iniciar e terminar os espaços, sob pena de comprometer a segurança das crianças bem como o cumprimento do estabelecido no plano de trabalhos (Cfr. página 904 do PA).

29. Do dia 16/11/2017 ao dia 22/11/2017, foram retirados pisos e equipamentos nos parques CH Padre Vidinha, CH Padre Vaz ZORRA, CH da Ponte (neste foi iniciada uma “manutenção” deixada por concluir), CH Santo António, Rua ... e CH de ... (cfr. página 904 do PA).

30. No dia 11/12/2017, a ré enviou à autora um mail a reforçar pedido envio BAM’s para análise, chamando atenção para atraso na obra relativamente ao plano de trabalhos já em incumprimento. (Cfr. página 903 do PA).

31. No dia 12/12/2017, a autora enviou à ré os BAM’s para análise.

32. No dia 12/12/2017, a ré enviou à autora uma comunicação com a referência ...01, dando conta do incumprimento do plano trabalhos (Cfr. página 287 do PA).

33. Consequentemente, nesta mesma comunicação a ré solicitou à autora o cumprimento do plano de trabalhos e apresentação de plano de trabalhos modificado e plano de pagamentos, bem como das medidas de correção necessárias à recuperação do atraso verificado (Cfr. página 287 do PA).

34. No dia 9/01/2018 a autora apresentou à ré o Plano de trabalhos modificado, o qual veio a ser aprovado (Cfr. páginas 362 a 367 do PA).

35. No dia 9/01/2018 a ré enviou à autora as respostas aos BAM’s apresentados, 11 de onde resulta que as fichas técnicas dos equipamentos alternativos ao caderno de encargos enviadas são manifestamente incompletas, suscitando dúvidas.

36. Conforme ofício com o registo n.º ...05 da autora, esta discordou dos materiais não aprovados (Cfr páginas 363 e 364 do PA).

37. A ré respondeu à autora no dia 18/1/2018 (Cfr. página 401 a 403 do PA).

38. Sucede que, as dúvidas da ré foram, mais tarde, a 16/10/2018, aceites pela diretora de obra da autora, a Engenheira «AA» que, após ter que substituir prumos de equipamentos recém colocados em duas obras, tomou a iniciativa de enviar à ré um mail solicitando que se procedesse à alteração dos BAM’s “anteriormente aprovados de forma a não adquirirmos mais nada ao fornecedor [SCom02...] pois este demonstra alguma falta de qualidade nos produtos que comercializa” (Cfr. página 858 do PA).

39. Tudo o supra exposto ficou sumariamente referido na ata da reunião que teve lugar no dia 20/02/2018 e onde participaram dois representantes da autora. (Cfr. páginas 850 a 852 do PA).

40. No dia 12/04/2018 a autora enviou um mail informando da encomenda (parcial) dos equipamentos da marca ..., quase um mês após a sua aprovação e adianta que a data de entrega será dia 13/05/2018.

41. Porém, não informa as datas nem encomenda dos restantes equipamentos da marca ... nem da marca husson (Cfr. página 849 do PA).

42. No dia 09/04/2018 foi aprovada a prorrogação solicitada de 60 dias solicitada

43. No dia 17/05/2018 são assinaladas fissuras nos postes de madeira dos equipamentos instalados no JI da Portelinha 2.

44. A autora tentou proceder à reparação das fissuras referidas no artigo anterior, o que não foi capaz, acabando por assumir a fraca qualidade das madeiras e, assim, proceder à substituição dos prumos destes equipamentos no Ji da Portelinha, tando adotado igual procedimento no equipamento JI da Arroteia.

45. No dia 28/05/2018 a autora retoma os trabalhos no parque infantil da quinta do sol e Rua ....

46. Como no dia 12/07/2018 (data de término da empreitada com prorrogação) a obra ainda não se encontrava concluída, a autora envia novas datas de entrega dos equipamentos, passando assim a ser o dia 18/07/2018 para equipamentos marca ... e de 6 a 8 semanas para adjudicações até 11 de junho para os equipamentos husson.

47. Assim e em virtude dos sucessivos incumprimentos da ré verifica-se que:

a. O valor da adjudicação do contrato de “Obras de manutenção/recuperação, substituição e novos espaços de jogo e recreio” foi de 394.400,77 €;

b. A data da assinatura do contrato ocorreu no dia 19/10/2017;

c. A data da consignação ocorreu no dia 06/11/2017;

d. O prazo de execução da obra era de 180 dias;

e. O prazo para conclusão da obra com prorrogações deveria ocorrer no dia 12/06/2018.

48. Pelo que, o valor da multa diária fixada no artigo 11.º do caderno de encargos obtemos o valor de 788,80 € (394.400,77 € x 0,002).

49. Entre o dia 12/06/2018 (data prevista para a conclusão da obra com prorrogações), até à data da informação para aplicação da multa (08/12/2018), decorreram 179 dias, pelo que, multiplicando pelo valor diário obtemos o resultado de 141.195,20 €.

50. Sendo certo que a ré não resolveu o contrato por daí resultar dano para o interesse público, o valor máximo admitido de acordo com o n.º 3 do artigo 329.º do CCP fixou-se em 118.320,23 € (394.400,77 € x 30%).

21. Contudo, a formulação de juízos conclusivos e/ou de direito não têm lugar no domínio da fixação da matéria de facto.

22. Realmente, a matéria de facto a coligir no probatório reporta-se exclusivamente à verificação de “eventos históricos” e não à qualificação subjetiva e/ou legal de tais eventos.

23. Os juízos valorativos, a existir, devem ser formulados, se for esse o caso, em sede de direito, em face dos factos dados como provados.

24. Assim, sendo essa a natureza substancial do tecido alegado pelo Recorrente nos sobreditos pontos 47), 48), 49) e 50), é para nós absolutamente apodítico que o mesmo não deve integrar o probatório reunido nos autos, sob pena de se incorrer em violação das regras que devem presidir à fixação da matéria pertinente à boa decisão da causa.

25. Idêntica asserção é atingível no tocante à demais materialidade supra elencada, desta feita, em razão da sua inocuidade para a boa decisão da causa recursiva.

26. Realmente, conforme se depreenderá mais adiante, são os demais factos ora pretendidos aditar ou alterar inócuos e insuficientes para - de per se, conjugados um com o outro, ou conjuntamente com os demais provados – relevar em termos de definição da solução da causa recursiva.

27. E nesta impossibilidade de “apropriação” da alegação da Recorrente com recurso ao aditamento do quadro fáctico pretendido reside o “punctum saliens” distintivo da falta de préstimo à boa decisão de causa recursiva.

28. Nestes termos, e com os fundamentos acima expendidos, improcedem o invocados erros de julgamento de facto.

29. Ponderado o acabado de julgar, temos então que a matéria de facto pertinente é a dada como provada na sentença «sub censura», a qual aqui damos por integralmente reproduzida, como decorre do art. 663º, n.º 6, do CPC.

30. Dissolvida esta segunda problemática, resta-nos, pois, a questão de saber se a sentença incorreu [ou não] em erro de julgamento de direito, por violação do disposto no artigo 403º do C.C.P.

31. A indagação suscitada encontra, desde logo, resposta positiva.

32. Realmente, perlustrando a fundamentação de direito vertida na sentença recorrida, logo constatamos que o juízo de procedência da presente ação estribou-se no pressuposto de que a figura da multa contratual assume uma natureza compulsória e não indemnizatória, de modo que a sanção contratual plasmada no artigo 403º do CCP não pode ser aplicada depois da receção provisória da obra, impondo-se, por isso, anular a sanção contratual determinada pelo ato impugnado, por ter sido aplicada após a obra ter sido provisoriamente recebida.

33. Salvo o devido respeito, não acompanhamos esta posição.

34. Na verdade, se é certo que a letra da lei é o ponto de partida da tarefa de interpretação jurídica, não menos é que esse mesmo elemento hermenêutico constitui o limite do resultado interpretativo [artigo 9.º, n.º 2, do Código Civil].

35. Isto para dizer que, tendo o C.C.P. procedido à desintegração jurídica da previsão legal contida no artigo 233º, nº. 4 do D.L. nº. 59/99, que impossibilitava a aplicação de multas contratuais após a recepção provisória da obras por factos ou situações anteriores, não há como assumir que tal limitação legal atualmente se mantém, precisamente, por falta de suporte legal.

36. Nem se diga – como ponderou o Tribunal a quo - que tal limitação é de aplicar em função da eventual natureza compulsória da sanção contratual prevista no artigo 403º do C.C.P..

37. De facto, como se decidiu no aresto do S.T.A., de 05.05.2022, tirado no processo nº. 01973/20.2BEPRT: “(…) Como resulta do artigo 329º, nº1 do CCP «o contraente público pode, a título sancionatório, resolver o contrato e aplicar as sanções previstas no contrato ou na lei em caso de incumprimento pelo cocontratante». (…) Esta prerrogativa de impor uma multa contratual tem a natureza de uma cláusula penal sancionatória consagrada legalmente, podendo assacar-se à mesma uma dupla natureza ou função:

1- uma função preventiva ou dissuasora, com objetivos semelhantes à das coimas aplicadas por incumprimento de obrigações de conduta.

2 - uma função reintegradora ou indemnizatória dos prejuízos sofridos pelo dono da obra com esse incumprimento, independentemente de o valor dos prejuízos reais ser superior ou inferior a esse valor (…)” [destaque e sublinhado nosso].

38. Não é, portanto, aceitar qualquer lógica interpretativa no sentido de que a sanção contratual prevista no artigo 403º do CCP visa estimular o correto cumprimento do contrato e não é concebida como um mecanismo de ressarcimento de danos, não sendo, por isso, passível de aplicação depois da receção provisória da obra.

39. Mas se dúvidas houvesse quanto a este cenário, elas ficariam absolutamente dissipadas com a evidência de que, mesmo a admitir-se tal cenário, sempre a possibilidade de aplicação de tal sanção contenderia – na senda da normação contida no já revogado artigo 233º, nº. 4 do D.L. nº. 59/99 – com a data dos atrasos na execução da obra - se anteriores ou não à receção provisória da obra - e nunca com a data de prolação do ato impugnado, como claramente sustenta o Tribunal a quo.

40. Efetivamente, a possibilidade de lançar mão da faculdade consignada no artigo 403º do CPC dependeria sempre da antecedência temporal dos atrasos em relação à data de receção provisória da obra e nunca relativamente à data de prolação do ato impugnado.

41. Assim, e na exata medida que é o próprio Tribunal a quo a reconhecer que a sanção contratual é reportável a factos verificados antes da data de recepção provisória da obra, forçoso se torna concluir que nada obsta[va] à aplicação da sanção contratual que transveste o ato impugnado.

42. Deste modo, não tendo sido este o caminho trilhado na sentença recorrida, é mandatório concluir que esta é merecedor da censura que o Recorrente lhe dirige.

43. Concludentemente, deverá ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e revogada a sentença recorrida.

44. Ao que se proverá no dispositivo.


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V – DISPOSITIVO

Nestes termos, acordam em conferência os Juízes da Subsecção de Contratos Públicos da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da C.R.P., em CONCEDER PROVIMENTO ao recurso jurisdicional subjudice e revogar a sentença recorrida.

Custas do recurso pela Recorrida.

Registe e Notifique-se.


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Porto, 06 de junho de 2024,

Ricardo de Oliveira e Sousa

Tiago Afonso de Miranda

Clara Ambrósio