Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00013/16.0BEMDL
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:07/04/2019
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Pedro Vergueiro
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL. REVERSÃO. FALTA OU INSUFICIÊNCIA DE BENS PENHORÁVEIS DA SOCIEDADE DEVEDORA ORIGINÁRIA.
Sumário:
I) Do carácter subsidiário da responsabilidade tributária, imposto no nº 3 do artigo 22º da LGT, decorre que a execução fiscal só pode ser revertida contra o responsável subsidiário depois de excutidos os bens do devedor originário. Daqui resulta, por um lado, que o órgão de execução fiscal está obrigado a exigir a prestação tributária em primeiro lugar ao devedor originário ou aos eventuais responsáveis solidários, satisfazendo o crédito somente à custa dos seus bens, e apenas pode exigi-la do devedor subsidiário no caso de se provar a inexistência ou insuficiência de bens daqueles e, por outro, que o devedor subsidiário pode recusar o cumprimento da dívida tributária enquanto não tiver sido excutido todos os bens daqueles devedores.
II) Ora, no caso concreto, não resultou demonstrado pela Recorrente que o património da devedora originária não integra bens penhoráveis, nem a sua fundada insuficiência para satisfazer a divida tributária, até porque também não pode conferir-se carácter decisivo à alusão ao facto de estarem em causa bens de valor venal residual, o que não lhe retira a natureza de bem patrimonial redutível a um equivalente pecuniário.
III) Isto porque para se determinar a insuficiência do património do devedor originário, ainda que em termos qualitativos, era necessário descrever o estado de conservação dos bens e, em face dele, prognosticar quais as possibilidades de alienação. Havendo possibilidade de alienação, ainda que seja para sucata, o responsável subsidiário só responde pela diferença entre o valor dessa alienação e o valor da quantia exequenda. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Autoridade Tributária e Aduaneira
Recorrido 1:JLRG
Votação:Unanimidade
Decisão:
Negar provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
O Excelentíssimo Representante da Fazenda Pública, devidamente identificado nos autos, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, datada de 10-05-2018, que julgou procedente a pretensão deduzida por JLRG na presente instância de OPOSIÇÃO relacionada com o processo de execução fiscal n.º 2496201501021150, no qual figura como devedora originária a sociedade “AVM - IR, Lda.”, e contra aquele revertida, por dívida de IRC do ano de 2011, no valor de € 6.032,32.
Formulou nas respectivas alegações (cfr. fls. 87-88), as seguintes conclusões que se reproduzem:
“(…)
. A reversão da execução contra o responsável subsidiário deve ser ordenada quando se mostre fundada a insuficiência de bens do devedor originário e dos responsáveis solidários.
. A AT - Autoridade Tributária na detecção de bens penhoráveis, recorre ao sistema SIPE - Sistema Informático de Penhoras Electrónicas, sistema com acesso a inúmeras bases de dados que lhe permite assegurar com elevado grau de certeza a inexistência ou insuficiência de bens na esfera patrimonial dos executados.
. A referência à penhora dos bens indicados pelo Oponente, como indicador da “suficiência” e do não cumprimento do privilégio de excussão prévia legalmente determinado, para além de incluir bens de valor venal residual, omite a circunstância dos mesmos estarem fora do âmbito de penhora por se tratarem de instrumentos de trabalho e objectos indispensáveis ao exercício de actividade da executada e consequentemente subtraídos ao universo de bens penhoráveis - cf. art. 737º nº 2 do CPC.
. Constatando-se, pelos elementos integrantes dos autos, a fundada insuficiência de bens penhoráveis do devedor principal.
. A sentença recorrida incorreu, assim, em erro de julgamento por errada valorização da prova produzida face ao disposto no art. 153º n.º 2 do CPPT e art. 23º nº 2 da LGT, pois não é hoje necessária a prévia excussão do património do devedor originário para que seja possível a reversão, basta a fundada insuficiência baseada por exemplo no Auto de Penhora.
Nestes termos, devem as presentes conclusões ser consideradas parte integrante das alegações de recurso anteriormente apresentadas, para as quais se remete, devendo ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, prosseguirem os termos da execução fiscal contra o Oponente.
Assim decidindo, far-se-á a acostumada JUSTIÇA.”
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O Recorrido JLRG não apresentou contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso.
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Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.
2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que as questões suscitadas resumem-se, em suma, em indagar se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento na apreciação que fez dos pressupostos da responsabilidade subsidiária da Oponente, ora Recorrida, concretamente, ao considerar que a AT não logrou demonstrar o pressuposto da reversão consubstanciado na fundada insuficiência de bens penhoráveis da devedora originária, e consequentemente ao julgar procedente a oposição deduzida pelo Revertido, ora Recorrido.
3. FUNDAMENTOS
3.1. DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“…
1. Em 17/1/2015 foi instaurado processo de execução fiscal contra a sociedade “AVM - IR, Lda”, com sede na Av. A…, 5000-413 Vila Real, “, por dívida de IRC do ano de 2011, no valor de 6.032,32 € - Cfr. fls. 24 e 24/V do PA (que começa a fls. 23) e 38;
2. A Oponente foi citada, por reversão daquela dívida, conforme fls. 47 a 48 do PA, que aqui se reproduz, com o seguinte destaque: “(…)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
(…)”
3. O Oponente é gerente (de direito) da sociedade inicial executada, pelo menos desde 1/3/2011 - Fls. 36 a 37/v
4. A AT fundamentou a inexistência de bens ou rendimentos penhoráveis daquela sociedade pela consulta de um documento, designado “Inicio/ Contribuintes/Recolha de bens/Penhoras//Embargos de Terceiros/Pedidos/Gestão de Pedidos/ Gestão de credores” – Cfr. art.º 4º da contestação e doc 2 desse articulado;
5. A devedora originária tinha à data da reversão, e tem, o seguinte património: 11 secretárias de marca Kabra, 26 cadeiras de escritório, 4 maples de escritório, 2 mesas/balcão de 10 m2, 2 mesas redondas de reunião, 1 fotocopiador Gestetner, 10 computadores/PC, 10 ecráns, 5 UPS,s, 8 máquinas calculadoras, 4 armários de escritório, 70 metros de estantes metálicas, 1 móvel/estante em madeira, de 7 m, 2 frigoríficos, 1 rádio/gravador, 1 cofre, diversos teclados, ratos e routers, diverso material de escritório – doc 2 da PI. Por outro lado, “Sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado” (art.º 100.º, n.º 1 do CPPT). Ou seja, em caso de dúvida sobre o acto tributário impõe-se o princípio in dubio contra fiscum, a cuja observância e respeito se mostram obrigados quer a administração fiscal, quer o tribunal. (neste sentido Cfr. Alberto Xavier, in «Conceito e Natureza do Acto Tributário», Almedina, 1972, pág. 160/161,). Neste caso, e aplicando analogamente este princípio quanto à prova produzida, temos de a valorar em favor do Oponente, tanto mais, como infra se verá, o ónus da prova neste caso cabe à AT. Finalmente, a AT não nega que a inicial executada seja proprietária destes bens. Apenas refere que do Sistema Informático de Penhoras Electrónicas constatou a inexistência de bens penhoráveis e que tem dúvidas de que tenham qualquer valor que não seja residual.
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3.2. DE DIREITO
Assente a factualidade apurada cumpre, agora, entrar na análise do recurso jurisdicional “sub judice”, sendo que a questão sucitada pela Recorrente resume-se, em suma, em saber se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento relativamente aos pressupostos da responsabilidade subsidiária, ao considerar que a AT não logrou demonstrar o pressuposto da reversão consubstanciado na fundada insuficiência de bens penhoráveis da devedora originária.
Para conceder abrigo à pretensão do Recorrido, a decisão recorrida ponderou que:
“…
Como tal, previamente à reversão ordenada contra o Oponente, teria a administração Fiscal de demonstrar que os bens da sociedade inicial executada eram insuficientes para assegurar a dívida exequenda, não se bastando apenas pela consulta do sistema informático de penhoras electrónicas que, salvo o devido respeito, não consubstancia, a dita “investigação aturada”. …”
Nas suas alegações, a Recorrente refere que a reversão da execução contra o responsável subsidiário deve ser ordenada quando se mostre fundada a insuficiência de bens do devedor originário e dos responsáveis solidários, sendo que a AT - Autoridade Tributária na detecção de bens penhoráveis, recorre ao sistema SIPE - Sistema Informático de Penhoras Electrónicas, sistema com acesso a inúmeras bases de dados que lhe permite assegurar com elevado grau de certeza a inexistência ou insuficiência de bens na esfera patrimonial dos executados.
Por outro lado, a referência à penhora dos bens indicados pelo Oponente, como indicador da “suficiência” e do não cumprimento do privilégio de excussão prévia legalmente determinado, para além de incluir bens de valor venal residual, omite a circunstância dos mesmos estarem fora do âmbito de penhora por se tratarem de instrumentos de trabalho e objectos indispensáveis ao exercício de actividade da executada e consequentemente subtraídos ao universo de bens penhoráveis - cf. art. 737º nº 2 do CPC, constatando-se, pelos elementos integrantes dos autos, a fundada insuficiência de bens penhoráveis do devedor principal, de modo que, a sentença recorrida incorreu, assim, em erro de julgamento por errada valorização da prova produzida face ao disposto no art. 153º n.º 2 do CPPT e art. 23º nº 2 da LGT, pois não é hoje necessária a prévia excussão do património do devedor originário para que seja possível a reversão, basta a fundada insuficiência baseada por exemplo no Auto de Penhora.
Que dizer?
A questão a dirimir nos autos passa por desvendar no artigo 23º da LGT as condições determinantes da reversão da execução fiscal contra o responsável subsidiário.
Ora, o artigo 23º da LGT estabelece no nº 1 que «a responsabilidade subsidiária efectiva-se por reversão do processo de execução fiscal»; dispõe no n.º 2 que «a reversão contra o responsável subsidiário depende da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão»; e no n.º 3 prescreve-se que «caso, no momento da reversão, não seja possível determinar a suficiência dos bens penhorados por não estar definido com precisão o montante a pagar pelo responsável subsidiário, o processo de execução fiscal fica suspenso desde o termo do prazo de oposição até à completa excussão do património do executado, sem prejuízo da possibilidade de adopção das medidas cautelares adequadas nos termos da lei».
Por sua vez, o n.º 2 do artigo 153.º do CPPT preceitua que «o chamamento à execução dos responsáveis subsidiários depende da verificação de qualquer das seguintes circunstâncias: a) Inexistência de bens penhoráveis do devedor e seus sucessores; b) Fundada insuficiência, de acordo com os elementos constantes do auto de penhora e outros de que o órgão da execução fiscal disponha, do património do devedor para a satisfação da dívida exequenda e acrescido».
As normas supra citadas estabelecem os pressupostos da reversão, o momento em que ela deve ocorrer e as condições em que pode ser suspensa, tendo por ponto de partida a salvaguarda do benefício da excussão.
Para a resolução da controvérsia suscitada, impõe-se, antes de mais, determinar o modo como a lei compatibiliza a reversão com o benefício da excussão.
Do carácter subsidiário da responsabilidade tributária, imposto no nº 3 do artigo 22º da LGT, decorre que a execução fiscal só pode ser revertida contra o responsável subsidiário depois de excutidos os bens do devedor originário. Daqui resulta, por um lado, que o órgão de execução fiscal está obrigado a exigir a prestação tributária em primeiro lugar ao devedor originário ou aos eventuais responsáveis solidários, satisfazendo o crédito somente à custa dos seus bens, e apenas pode exigi-la do devedor subsidiário no caso de se provar a inexistência ou insuficiência de bens daqueles e, por outro, que o devedor subsidiário pode recusar o cumprimento da dívida tributária enquanto não tiver sido excutido todos os bens daqueles devedores.
Impõe-se, assim, que o nº 2 do artigo 153º do CPPT, seja lido em conjugação com o artigo 23º da LGT, o que condiciona a reversão à verificação a uma das seguintes situações: (i) inexistência de bens penhoráveis na esfera patrimonial do devedor originário; (ii) fundada insuficiência dos bens do devedor originário para satisfação da dívida exequenda.
Logo, verificando-se que os devedores (principal e solidário) não têm bens, o órgão pode e deve reverter imediatamente a execução contra os responsáveis subsidiários, pois nada há para excutir.
Questão diversa e que suscita maior dificuldade surge quando os bens desses devedores, apesar de existirem, não são suficientes para pagar a dívida exequenda e acrescido.
Como é sabido, o órgão de execução fiscal está vinculado a fazer uma investigação aprofundada sobre a existência de bens no património do devedor originário ou dos eventuais responsáveis solidários, porém no decurso desse apuramento pode prognosticar-se que o produto da venda dos bens penhoráveis ou penhorados (créditos, rendas, saldos bancários, etc.) não chega para liquidar a totalidade da dívida exequenda.
Nesta última situação, perante os termos em que a matéria se encontra definida pelo legislador, torna-se complexo compatibilizar o benefício da excussão com a reversão, pois a aplicação do conceito indeterminado «insuficiência» pode não ditar a medida exacta da responsabilidade do devedor subsidiário. Uma interpretação do conceito que tenha como resultado a penhora e venda de bens do revertido de valor superior à medida da sua responsabilidade pode ser inconstitucional, por violação do princípio da proporcionalidade, na vertente de proibição do excesso.
Em princípio, para que tal não aconteça, a reversão só deveria acontecer após excutidos os bens do devedor originário porquanto só nesse momento é possível apurar com rigor o quantum da insuficiência e a «extensão» da responsabilidade do revertido, elemento de facto que o nº 4 do artigo 23º e nº 1 do artigo 160º do CPPT impõem incorporar no despacho de reversão.
Todavia, da interpretação conjugada do nº 2 e 3 do artigo 23º da LGT, resulta que é possível emitir o despacho de reversão em momento prévio à excussão dos bens do devedor originário. Com efeito, a letra da lei não deixa margem para dúvidas quanto a essa possibilidade quando integra as expressões «bens penhoráveis» e «sem prejuízo do benefício da excussão», no nº 2 do artigo 23º, o que só faz sentido se a reversão ocorrer antes da excussão; de igual modo, a possibilidade de «suspensão» da reversão prevista no nº 3 do mesmo artigo só se compreende na situação em que, antes da excussão, já houve reversão, caso contrário seria desprovida de sentido útil.
Para não se ultrapassar os parâmetros ditados pelo princípio da proporcionalidade, a reversão antes de excutido o património do devedor originário, com possibilidade de penhora imediata dos bens do revertido, não pode ocorrer em todas as situações de insuficiência. Assim, a lei não só exige uma «fundada insuficiência», como fixa alguns critérios para se formular o juízo de insuficiência, ao mandar atender aos valores constantes do auto de penhora e outros elementos que a administração tributária disponha. Mas o uso de critérios objectivos nem assim garante com segurança que o responsável subsidiário não seja chamado à execução para responder por quantia superior à que lhe é exigida. Se a lei lhe dá o direito de recusar o cumprimento enquanto não estiverem executados todos os bens do devedor principal, é porque legalmente apenas deve estar obrigado a pagar a diferença entre o montante do imposto e o produto da venda dos bens do devedor ou o que este pagou.
A forma que a lei encontrou para proteger este direito do responsável subsidiário foi a suspensão da reversão quando «não seja possível determinar a suficiência dos bens penhorados por não estar definido com precisão o montante a pagar».
Logo, no caso de impossibilidade de apuramento da suficiência dos bens penhorados, ou seja, quando ainda não é possível quantificar a responsabilidade do revertido, o despacho de reversão não produz o efeito de prosseguir a execução contra o revertido, salvaguardando-se desse modo o benefício da excussão. A contrario, significa isto que, sendo possível determinar com exactidão o quantum de responsabilidade do revertido, não há benefício da excussão. Ora, isto praticamente só pode ocorrer quando os bens do devedor principal tiverem um valor predeterminado, como acontece com dinheiro e créditos.
Apurada e provada a insuficiência dos bens do devedor originário, havendo apenas uma “dúvida residual” quanto ao exacto montante dessa insuficiência, o órgão de execução fiscal pode avançar para a reversão, embora com suspensão da execução quanto ao revertido até que seja excutido o património daquele.
Como refere Paulo Marques, «resulta da lei que a reversão em execução fiscal pode ser decidida contra os responsáveis subsidiários, mesmo sem o património do devedor originário ainda estar excutido, bastando que existam fundadas razões para se poder concluir que os bens penhorados ao devedor originário sejam insuficientes para pagar a totalidade da dívida, não se exigindo o cálculo com absoluta exactidão dessa insuficiência patrimonial. A dúvida sobre o quantum a pagar pelo responsável subsidiário deve constituir uma dúvida residual em termos de manifesta insuficiência patrimonial do devedor originário (ou solidário). Isto significa que o órgão de execução fiscal deve aferir a priori a insuficiência de bens do devedor principal e dos responsáveis solidários, permanecendo somente a dúvida sobre o exacto montante dessa mesma insuficiência» (cfr. Responsabilidade Tributária dos Gestores e dos Técnicos Oficiais de Contas, Coimbra Editora, pág. 144).
Pode parecer estranho que «no momento da reversão», constatada a impossibilidade de aferir com precisão o quantitativo da insuficiência patrimonial, se determine oficiosamente a suspensão da execução quanto à penhora e venda dos bens do responsável subsidiário. Mas, havendo já a certeza quanto à insuficiência dos bens do devedor originário, o interesse público na interrupção da prescrição (cfr. nº 3 do art. 48º da LGT) ou o interesse particular do revertido em impugnar, desde logo, a dívida cuja responsabilidade lhe é atribuída (cfr. nº 4 do art. 22º da LGT), pode justificar que a reversão ocorra antes da excussão, sem que tal exceda os limites da proporcionalidade, o que certamente acontecerá se a suspensão da reversão atingir, desde logo, a penhora dos bens do responsável subsidiário.
Feito o enquadramento legal da responsabilidade subsidiária, urge então averiguar se in casu a AT demonstrou como se lhe exigia a inexistência de bens penhoráveis do devedor, condição determinante para a reversão da execução contra o responsável subsidiário, ora Recorrido - art. 153º nº 2 al. a) do CPPT.
No despacho de reversão, consta que foi intentada a penhora automática de bens ou rendimentos pertencentes à sociedade, que resultou infrutífera e ainda que não foram encontrados outros valores ou rendimentos penhoráveis.
Pois bem, como é sabido, o probatório informa que a devedora originária tinha à data da reversão, e tem, o seguinte património: 11 secretárias de marca Kabra, 26 cadeiras de escritório, 4 maples de escritório, 2 mesas/balcão de 10 m2, 2 mesas redondas de reunião, 1 fotocopiador Gestetner, 10 computadores/PC, 10 ecráns, 5 UPS,s, 8 máquinas calculadoras, 4 armários de escritório, 70 metros de estantes metálicas, 1 móvel/estante em madeira, de 7 m, 2 frigoríficos, 1 rádio/gravador, 1 cofre, diversos teclados, ratos e routers, diverso material de escritório, o que conduziu à afirmação da insuficiência de actuação da AT no sentido de demonstrar que os bens da sociedade inicial executada eram insuficientes para assegurar a dívida exequenda, não se bastando apenas pela consulta do sistema informático de penhoras electrónicas.
A partir daqui, a Recorrente contrapõe que recorre ao sistema SIPE - Sistema Informático de Penhoras Electrónicas, sistema com acesso a inúmeras bases de dados que lhe permite assegurar com elevado grau de certeza a inexistência ou insuficiência de bens na esfera patrimonial dos executados e, por outro lado, a referência à penhora dos bens indicados pelo Oponente, como indicador da “suficiência” e do não cumprimento do privilégio de excussão prévia legalmente determinado, para além de incluir bens de valor venal residual, omite a circunstância dos mesmos estarem fora do âmbito de penhora por se tratarem de instrumentos de trabalho e objectos indispensáveis ao exercício de actividade da executada e consequentemente subtraídos ao universo de bens penhoráveis - cf. art. 737º nº 2 do CPC, constatando-se, pelos elementos integrantes dos autos, a fundada insuficiência de bens penhoráveis do devedor principal.
Com este pano de fundo, cremos que o caminho é claro no sentido do insucesso do presente recurso.
Na verdade, para além de contemplar uma mudança de análise, em que se passa da inexistência de bens para a fundada insuficiência de bens penhoráveis do devedor principal, até porque a Recorrente não coloca em crise a matéria vertida no probatório, está longe de ser inequívoca a alegação de que os bens descritos estarão fora do âmbito de penhora por se tratarem de instrumentos de trabalho e objectos indispensáveis ao exercício de actividade da executada e consequentemente subtraídos ao universo de bens penhoráveis nos termos do art. 737º nº 2 do C. Proc. Civil.
Com efeito, da lista de bens acima descrita, é manifesto que nem todos cabem no âmbito da norma apontada, sem prejuízo de, em caso de diligência junto da entidade devedora, a mesma poder indicar à penhora bens que poderiam estar abrigados na citada norma de acordo com a al. a) do nº 2 do diploma legal apontado.
Assim, fica posta em crise não a alegada inexistência de outros bens penhoráveis, porquanto, está bom de ver, as diligências recaíram apenas sobre bens sujeitos a registo, como também estamos perante a impossibilidade de apuramento da respectiva insuficiência de bens, uma vez que se desconhece quer o valor dos bens que poderiam vir a ser penhorados.
Por outro lado, alegar, como faz a Recorrente, que tal invocação da inexistência ou agora insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal não foi feita de ânimo leve por parte do órgão de execução fiscal, tendo, outrossim, resultado das averiguações efectuadas pelo mesmo junto das bases de dados informáticas e do arquivo documental ao seu dispor, afigura-se-nos, com o devido respeito, que é muito pouco, pois que a afirmação assume, desde logo, um carácter generalista, ou seja, pode ser aplicada ou usada em qualquer processo de reversão pois é completamente vazia de conteúdo.
Ora, no caso concreto, não resultou demonstrado pela Recorrente que o património da devedora originária não integra bens penhoráveis, nem a sua fundada insuficiência para satisfazer a divida tributária, até porque também não pode conferir-se carácter decisivo à alusão ao facto de estarem em causa bens de valor venal residual, o que não lhe retira a natureza de bem patrimonial redutível a um equivalente pecuniário.
Isto porque para se determinar a insuficiência do património do devedor originário, ainda que em termos qualitativos, era necessário descrever o estado de conservação dos bens e, em face dele, prognosticar quais as possibilidades de alienação. Havendo possibilidade de alienação, ainda que seja para sucata, o responsável subsidiário só responde pela diferença entre o valor dessa alienação e o valor da quantia exequenda.
Ora, no caso dos autos, não se tendo atribuído um valor aos bens em apreço, ainda que estimado, nem se pode prognosticar a fundada insuficiência do património da devedora originária, condição necessária à reversão, nem se pode determinar o montante de responsabilidade do devedor subsidiário, para efeitos de suspensão dos efeitos da reversão.
Perante a bondade do que ficou exposto, resta apenas concluir que não foi apurada qualquer situação de inexistência de bens ou de fundada insuficiência da devedora originária, condição necessária à reversão, o que determina a improcedência do presente recurso.
Daí que na improcedência das conclusões da alegação da recorrente, se impõe, nos termos acima expostos, confirmar a decisão aqui sindicada, com todas as legais consequências.
***
4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, mantendo-se a decisão judicial recorrida.
Custas pela Recorrente.
Notifique-se. D.N..
Porto, 04 de Julho de 2019
Ass. Pedro Vergueiro
Ass. Cristina da Nova
Ass. Ana Paula Santos