Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02164/17.5BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:05/15/2025
Tribunal:TAF de Braga
Relator:ROSÁRIO PAIS
Descritores:OPOSIÇÃO; REVERSÃO; OMISSÃO DE PRONÚNCIA;
FUNDAMENTAÇÃO DO DESPACHO DE REVERSÃO; GERÊNCIA DE FACTO;
FUNDADA INSUFICIÊNCIA DE BENS; AUDIÊNCIA PRÉVIA;
Sumário:
I – Se o Recorrente admite ter exercido a gerência até à data da declaração de insolvência da devedora principal e os prazos de pagamento das dívidas revertidas terminaram antes de tal data, é manifesta a verificação deste pressuposto da reversão.

II – O despacho de reversão está formalmente fundamentado se dele consta, entre o mais, que o revertido exerceu a gerência.

III - Não têm que constar do despacho de reversão os factos demonstrativos do exercício da gerência, os quais podem ser posteriormente invocados pela AT ou alegados pela Fazenda Pública, conquanto se reporte a factualidade já vertida no processo de execução fiscal, antes da decisão de reversão.

IV – Pode também o Tribunal, com recurso a uma presunção judicial, inferir o exercício da gerência se, com base nas regras da experiência, concluir ser altamente provável que tal ocorreu, tendo em conta a prova carreada para os autos e as posições assumidas pelas partes.

V - A AT realizou as diligências necessárias para apuramento da situação patrimonial da sociedade devedora originária, na medida em que apurou a existência da declaração de insolvência, o que basta para sustentar um juízo de fundada insuficiência de bens.

VI – A falta de audiência prévia do revertido não pode degradar-se em formalidade não essencial se, no que respeita ao pressuposto da culpa do revertido, não é possível afirmar, com a necessária segurança, que aquele não poderia aportar qualquer elemento novo, pois, por um lado, os autos evidenciam que o Recorrente apresentou a sociedade à insolvência, mas, por outro, não permitem perceber em que momento se começaram a verificar as dificuldades financeiras da sociedade e o incumprimento dos seus pagamentos, mormente à AT.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes da Subsecção de execução fiscal e de recursos contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
1.1. «AA», devidamente identificado nos autos, vem recorrer da sentença proferida em 21/10/2021 no Tribunal Administrativo e Fiscal de Barga, pela qual foi julgada improcedente a oposição que deduziu à execução fiscal nº ...49 e apensos, originariamente instaurada pelo Serviço de Finanças ... contra a sociedade [SCom01...] LDA., mas contra si revertida.
1.2. O Recorrente terminou as suas alegações formulando as seguintes conclusões:
«1. A sentença ora recorrida enferma de nulidade, porquanto, assenta em erro de julgamento e de subsunção dos factos ao direito que, salvo devido respetivo, levou à emanação de uma decisão desprovida de qualquer fundamento e que prejudicou gravemente os direitos e interesses legítimos do Recorrente.
2. Pese embora o recorrente tenha sido citado como revertido no âmbito do processo de execução fiscal em epígrafe, no pressuposto de ser este o responsável subsidiário da devedora originária “[SCom01...] LDA”, o certo é que esta sociedade foi declarada insolvente por sentença proferida em 31 de Agosto de 2010, no âmbito do processo de insolvência nº...8/ TBFAF, que correu termos no Tribunal Judicial de Fafe – ... juízo, tendo transitado em julgado no dia 29 de Setembro de 2010 e registada na Conservatória do Registo Predial ... em 15 de Novembro de 2010, tal como resulta do facto provado nº6 da sentença recorrida.
3. Desde a data da sentença da declaração de insolvência, o recorrente deixou de exercer quaisquer poderes de representação naquela empresa, passando a Senhora Administradora de Insolvência que foi nomeada a exercer os poderes de representação da mesma até à decisão judicial de encerramento do processo de insolvência, ou seja, até ao dia 9 de Janeiro de 2013.
4. Não assiste razão ao tribunal a quo ao considerar o recorrente responsável por dívidas posteriores à cessação de funções de gerência na empresa, designadamente quanto a dívidas cujo período de tributação é posterior 31.08.2010, quando já não era gerente na empresa.
5. Como resulta das certidões de dívida juntas aos autos, nomeadamente, da constatação das certidões de dívida que referem o período da dívida de 2010-01-01 a 2010-12-31 e não apenas aos meses de abril a julho de 2010 que o tribunal a quo erroneamente, com o devido respeito, menciona na sua sentença.
6. Pelo que, o facto provado nº5 foi mal julgado e, nesta medida, deverá ser alterado no sentido de prever o processo executivo ...49 e apensos, em nome da sociedade [SCom01...], Lda., que visa a cobrança do imposto do selo e de retenções na fonte de IRS, entre 2010-01-01 a 2010-12-31, cujos prazos de pagamento ocorreram em 2011 - cfr. Doc. Certidões de dívida juntas com a petição inicial, donde resulta claramente o período de tributação a que se refere a dívida de 8.225,99€.
7.A divida tributária refere-se ao período de tributação ocorrido durante todo o ano de 2010, ou seja, já depois da declaração de insolvência da devedora originária e período em que o recorrente já não exercia a função de gerente na empresa, passando os poderes de representação para a Sra. Administradora de Insolvência nomeada.
8.O que quer dizer que, por um lado, a totalidade dos impostos de 2010 não pode ser exigida ao recorrente pois o facto constitutivo dessas obrigações – elementar para a efetivação da responsabilidade tributária (como resulta da simples análise das normas das alíneas a) e b) do nº1 do artigo 24º da LGT) – é posterior à data em que o recorrente cessou funções de gerência, isto é, posterior a 31.08.2010, com a declaração de insolvência da sociedade executada.
9.A existir quaisquer dívidas após a data de 31.08.2010, as mesmas não se devem à gerência e direção do recorrente, pois este já não exercia quaisquer funções dentro da empresa.
10. As conclusões retiradas pelo tribunal a quo soçobram em face da evidência dos autos, nomeadamente, da constatação do período da tributação em causa, e, contrariamente ao que resulta da sentença recorrida, o montante da dívida revertida contra o recorrido terá que ser necessariamente menor, em face da necessária operação de ajuste proporcional entre o período do exercício da gerência e a data da declaração da insolvência, o que não foi efetuado pelo tribunal a quo, a nosso ver, de forma errónea.
11. Não pode o recorrente assumir uma divida que não derivou da sua gestão, não se aplicando deste modo a presunção de culpa prevista no artigo 24º, nº1, da LGT, dado que à data da verificação do facto constitutivo da obrigação – e pelo menos desde 31.08.2010 -, inexistia o exercido efetivo de funções de administração ou gestão por parte do oponente – elemento fundamental da responsabilidade tributária.
12. Em face do exposto, mal andou o tribunal a quo ao julgar o recorrente responsável subsidiário da dívida revertida, e, neste sentido, a sentença recorrido violou o disposto no artigo 24º, nº1 da LGT e o disposto no artigo 204º, alínea b) do CPPT.
13. No despacho de reversão não foi feita prova por parte da Administração Fiscal que a contribuinte exercia de facto funções de gerência da pessoa coletiva em causa, tal como era devido, aquele Despacho, sem margem para dúvidas, deixar claro, a verificação da culpa do revertido na frustração dos créditos tributários, na origem da execução fiscal.
14. O Despacho de reversão omite qualquer fundamento relevante que corporize substancialmente os pressupostos constantes nos art. 24º da LGT, pelo que, o tribunal a quo deveria ter decidido no sentido oposto ao que decidiu, porquanto, a “validade material” do ato não se verifica.
15. Ao omitir as circunstâncias que permitiriam considerar verificados os pressupostos do artigo 24º da LGT, o Despacho carece de sustentabilidade, o que constituí vício de anulabilidade, a qual deveria ser reconhecida pelo tribunal a quo, determinando-se a respetiva anulação.
16. Em face do exposto, ao não ter decido pela verificação da falta de fundamentação do despacho de reversão, a decisão ora recorrida violou o disposto na alínea b) do nº1 do art. 24º da LGT, não podendo permanecer na ordem jurídica.
17. Da análise do despacho de reversão da dívida, a Administração Fiscal (serviço das finanças) não efetuou qualquer diligência no sentido de provar a insuficiência do património da primitiva executada, limitando-se a invocar que a devedora originária não tinha bens suficientes, sem, contudo, demonstrar.
18. Aquando da apresentação da oposição à execução, a sociedade devedora originária possuía bens suscetíveis de penhora, pelo que, a Administração Tributária deveria primeiro e antes de reclamar o património do recorrente, penhorar e apreender os bens da sociedade devedora originária.
19. A AT não fez as diligências necessárias para apuramentos dos bens da devedora originária para pagamento da dívida, e tribunal a quo, ciente deste facto - já que refere na decisão recorrida a entidade demandada não tinha que excutir o património da sociedade devedora originária nem tinha que demonstrar que a aplicação do regime de insolvência conduziria ao não pagamento integral da dívida exequenda-,corroborou esta posição com claro prejuízo para o recorrente.
20. A insuficiência de bens do devedor originário constitui pressuposto de obrigação de responsabilidade subsidiária, pelo que, enquanto, não tiver sido executado todo o património desse devedor, em processo de execução singular ou universal, não pode ordenar-se a reversão de execução contra o devedor subsidiário, neste sentido atente-se à decisão proferida pelo Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão de 12-10-2016, sobre o processo nº0287/16.
21. A não verificação de tal pressuposto – excussão prévia do património da sociedade devedora originária -, determina a ilegitimidade do recorrente para figurar como devedor subsidiário e alvo de reversão, pelo que, a decisão recorrida violou o disposto nos artigos 23º nº1 e 2º da LGT e art. 204º nº 1, b) do CPPT, e, como tal, não poderá manter-se na ordem jurídica.
22. O tribunal a quo mal andou, com o devido respeito, ao decidir no sentido propalado na sentença, porquanto, a preterição do exercício do direito de audição prévia, constituiu a preterição de uma formalidade essencial, pelo que, a decisão ora recorrida tinha, necessariamente, que determinar a anulação do ato, repetindo-se a sua execução.
23. O artigo 60º da LGT mais não é do que a transposição do princípio da participação dos cidadãos na formação das decisões e deliberações que lhe dizem respeito e que encontra consagração expressa no artigo 267º, nº5 da CRP.
24. Desde que ocorra qualquer das hipóteses previstas no preceito legal, é obrigatória a audição do contribuinte, sob pena de ter sido preterida uma formalidade essencial do procedimento tributário, que afeta a decisão que nele for tomada (artigo 121º do Código do Procedimento Administrativo).
25. Em face do exposto, a decisão proferida pelo tribunal a quo merece reparo e consequente revogação, porquanto, consentiu com a preterição de uma formalidade essencial e a violação da aliena a), do nº1 do artigo 60º da LGT e artigo 204º, alínea h) do Código do Procedimento e Processo Tributário (CPPT).
26. O despacho de reversão contra o recorrente apenas foi-lhe notificado no dia 10.04.2017 conforme resulta dos autos, pelo que, a liquidação não foi validamente notificada ao recorrente no prazo previsto no artigo 45º, nº1 da LGT.
27. A dívida em causa nos presentes autos, não se prende apenas com a retenção da fonte do IRS, mas também com a falta de pagamento de Imposto de Selo, o que parece ter sido desconsiderado na decisão ora recorrida atendendo à argumentação expendida na sentença, além que, a própria é omissa quanto à apreciação da caducidade da liquidação do imposto no que concerne aos valores do Imposto de Selo que constituem dívida nestes autos.
28. Pelo que, a sentença ora recorrida, contém imprecisões que ferem gravemente a sua inteligibilidade, ao passo que constituem omissões de pronúncia.
29. No que concerne à falta da notificação da liquidação do imposto de selo revertido contra o recorrente, como tem sido jurisprudência corrente, apesar da notificação não constituir um elemento intrínseco do ato tributário e, portanto, não é um requisito da sua validade, mas simples condição de eficácia, encontra-se sedimentado pela doutrina e jurisprudência que o entendimento de que a notificação é um requisito de perfeição do ato tributário de liquidação (cf. Ac. Tribunal Central Administrativo Sul, de 2-10-2012, proc. nº05673/12).
30. Deste modo, devido à inexistência da notificação do ato de liquidação que subjaz à divida exequenda, o tribunal a quo deveria ter concluído pela ineficácia do mesmo e, consequentemente, decidir pela inelegibilidade da dívida de acordo com o disposto na alínea i) do nº1 do artigo 204.º do CPPT.
31. Em face do exposto, decisão recorrida preconizou a violação do disposto no artigo 45º, nº1 e 74º da LGT e da al. e) do nº1 do artigo 204º do CPPT, porquanto, não julgou verificada a caducidade do direito à liquidação do imposto, ainda que, no caso concreto, a obrigação tributária corresponda à retenção na fonte da liquidação de IRS.
32. A sociedade cessou a sua atividade a 31.08.2010, e nesta data já não laboraram seus trabalhadores, não eram pagos salários nem outros créditos laborais, inexistindo, por conseguinte, IRS a reter e a entregar e o Imposto de selo a pagar.
33. Em face do exposto, a sentença recorrida deverá ser revogada e substituída por outra, que conclua pela inexistência do facto tributário originador da dívida em causa, e, desta forma, determine verificada a ilegalidade da liquidação da divida exequenda nos termos do artigo 204º, nº1, alínea h) do CPPT.
34. De tudo quanto ficou exposto, resulta que, a decisão proferida nos presentes autos:
- Violou o disposto nos artigos 23º nº1 e 2º da LGT, 24º, nº1 da LGT, 204º, alínea b) do CPPT, aliena a), do nº1 do artigo 60º da LGT e artigo 204º, alínea h) do CPPT, i) do nº1 do artigo 204.º do CPPT, artigo 45º, nº1 e 74º da LGT e da al. e) do nº1 do artigo 204º do CPPT.
- Deverá ser revogada, com a consequente procedência da oposição deduzida e determinada a extinção da execução e da dívida instaurada contra o recorrente.
Nestes termos e nos melhores de direito aplicáveis, deverá a douta sentença recorrida ser integralmente revogada e substituída por outra que julgue procedente, por provada, a oposição à execução fiscal deduzida e determine a extinção da execução contra o recorrente.
Assim se fazendo justiça!».

1.3. A Recorrida não apresentou contra-alegações.

1.4. O EPGA junto deste TCAN teve vista dos autos e emitiu parecer, concluindo pela improcedência do recurso, com base na seguinte argumentação jurídica:
«(…)
Mais se consigna que o objeto deste recurso se cinge às questões por si alegadas , a saber:
- A ilegitimidade por não ter sido responsável pelo pagamento da dívida;
- A falta de fundamentação do despacho de reversão;
- A não verificação dos pressupostos da insuficiência de ativos penhoráveis da devedora originária;
- A preterição do direito de audição prévia;
- A inexistência de culpa;
- A falta de notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade; e –
A ilegalidade da liquidação da dívida.
Assim, no tocante às questões jurídicas suscitadas nas conclusões das alegações do recorrente, já discorreu igualmente o Meritíssimo Juiz de Direito a quo na douta sentença recorrida, com proficiência, fazendo uma exegese rigorosa dos preceitos legais, norteada pela mais avalizada jurisprudência dos nossos tribunais superiores.
Na verdade, o Meritíssimo Juiz de Direito a quo inventariou e analisou as disposições que convocou para a solução do caso vertente, fazendo-o com cristalina clareza, acerto e proficiência, razão pela qual merece a nossa total adesão.
Acresce que, as considerações interpretativas aí vertidas são quanto a nós, inteiramente válidas, pertinentes e resultam da mais sã e fidedigna hermenêutica jurídica, sendo, ademais, as que decorrem dos ensinamentos dos mais insignes autores.
Uma vez que as questões suscitadas no presente recurso se encontram analisadas nesta sentença do tribunal a quo, a cuja fundamentação integralmente aderimos por não vislumbrarmos razão válida para dela divergir, temos de concluir, como ali, que o PEF em crise não enferma das ilegalidades que lhe vêm apontadas, devendo o mesmo continuar os seus ulteriores termos até final.
Acresce que, em obediência ao princípio da economia processual, com a devida vénia e por uma questão de não ser repetitivo, fazemos nossos os doutos argumentos de facto e de direito insertos na douta decisão a quo ora posta em crise, os quais se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais. (cf. fls. 208 e ss. do SITAF).
(…).».
*
Dispensados os vistos legais, nos termos do artigo 657º, nº 4, do Código de Processo Civil, cumpre apreciar e decidir, pois que a tanto nada obsta.
*

2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR
Uma vez que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do Recorrente, cumpre apreciar e decidir se a sentença recorrida enferma de nulidade, por omissão de pronúncia quanto à caducidade do direito à liquidação do Imposto de Selo exequendo, bem como de erros de julgamento no que respeita ao exercício da gerência pelo Recorrente, à prova da insuficiência patrimonial da devedora originária, à preterição de audiência prévia, à caducidade do direito à liquidação das dívidas exequendas, por falta da respetiva notificação ao revertido dentro do atinente prazo, e à parcial inexistência de facto tributário.

3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. DE FACTO
3.1.1. Factualidade assente em 1ª instância
A decisão recorrida contém a seguinte fundamentação de facto:
«Com relevância para a decisão a proferir, consideram-se provados os seguintes factos:
1) Pela Ap....26 da Conservatória do Registo Comercial 1... encontra-se registada a constituição da sociedade [SCom01...], Lda., a qual se dedica à atividade de confeção de vestuário (cfr. fls. 9 e 10 do processo executivo apenso).
2) Pela Ap....26 da Conservatória do Registo Comercial 1..., encontra-se registada a nomeação de «AA» e de «BB» como gerentes da sociedade [SCom01...], Lda. (cfr. fls. 9 e 10 do processo executivo apenso).
3) Pela Ap....25 da Conservatória do Registo Comercial 1..., encontra-se registada a renúncia de «BB» ao cargo de gerente da sociedade [SCom01...], Lda. (cfr. fls. 10 do processo executivo apenso).
4) Em 31-08-2010, foi proferida sentença de declaração de insolvência da sociedade [SCom01...], Lda., e nomeada como administradora judicial a Dra. «CC», no âmbito do processo nº...8/ TBFAF, que correu termos no Tribunal Judicial de Fafe, ... juízo (cfr.)Petição Inicial (335412) Petição Inicial (005628149) Pág. 32 a 36 de 24/10/2017 15:53:45.
5) Em 2010, o Serviço de Finanças ... instaurou o processo executivo ...49 e apensos, em nome da sociedade [SCom01...], Lda., que visa a cobrança do imposto do selo e de retenções na fonte de IRS, dos meses de abril, maio, junho e julho de 2010, cujos prazos de pagamento ocorreram entre 20-04-2010 e 20-07-2010 (cfr. Petição Inicial (335412) Petição Inicial (005628149) Pág. 54 de 24/10/2017 15:53:45).
6) Em 10-11-2012, foi iniciada a preparação da reversão do processo executivo ...49 e apensos, em nome de «AA» (cfr. fls. 7 do processo executivo apenso).
7) Pela Ap. ...15 da Conservatória do Registo Comercial 2... encontra-se registado o encerramento do processo de insolvência nº...8/ TBFAF, com fundamento na insuficiência da massa insolvente (cfr. fls. 12 do processo executivo apenso).
8) Em 28-10-2013, foi determinada a reversão do processo executivo ...49 e apensos, em nome de «AA», com fundamento no seguinte:
(…)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(cfr. fls. 16 a 21 do processo executivo apenso).
Mais se provou,
9) Em 27-02-2012, foi elaborado relatório de inspeção, desenvolvida a coberto da ordem de serviço ...49 e ...90, que incidiu sobre os exercícios de 2008, 2009, 2010 e 2011, da sociedade [SCom01...], Lda., cujas conclusões são as seguinte:
“(…)
B) - Motivo, âmbito a Incidência temporal
O serviço foi distribuído pela Divisão de Planeamento desta Direção de Finanças, tendo o seu impulso sido desencadeado pela emissão de ficha de fiscalização na sequência de uma ação realizada em 2011, de controlo de sujeitos passivos com processo de insolvência, e que apresentam valores "duvidosos" e incoerentes nos exercícios pré-insolvência.
Para o sujeito passivo em causa, o principal fator de risco foi detetado pela incoerência entre o saldo final de existências no ano de 2009, o volume de compras realizado em 2010, o valor da produção declarado em 2010 e o valor do stock final de matérias-primas e produtos acabados identificados no inventário realizado pelo Administrador de Insolvência nomeado no processo, tal como é evidenciado no quadro seguinte:
(…)
Consequentemente, tornar-se-ia relevante a realização de testes comparativos aos preços de venda praticados (entre exercícios), no sentido de averiguar eventuais vendas abaixo do preço de custo e o seu contributo para a margem final obtida no exercício de 2010.
Já no decorrer da ação inspetiva, a Administração Fiscal obteve conhecimento de regularizações de IVA (nos termos da alínea b), do n.° 8, do Art. 78° do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado) efetuadas por alguns dos credores da sociedade [SCom01...], LDA., enquanto a empresa insolvente não estava a efetuar as respetivas regularizações a favor do Estado.
A ação inspetiva foi, assim, de âmbito parcial (IVA, RFIRS e IS) para os anos completos de 2008 a 2010, e de âmbito parcial (IVA) para o ano de 2011 (Janeiro a Novembro). (…)
3. Caraterização da empresa
A empresa encontra-se coletada pela atividade de CONFEÇÃO DE OUTROS ARTIGOS E ACESSÓRIOS DE VESTUÁRIO, CAE 14190. A
empresa adquiria uma parte significativa das matérias-primas aos próprios clientes, transformando-as essencialmente com recurso a subcontratação.
Aparentemente, e de acordo com o Resultado Líquido do Exercício declarado, a empresa conseguia ajustar a sua estrutura de custos à variação no Volume de Negócios, mantendo, dessa forma, uma boa performance operacional.
Contudo, e de acordo com os resultados obtidos no âmbito da ação inspetiva, os resultados efetivos para os exercícios de 2006 a 2009 seriam bem diferentes dos declarados.
A empresa ter-se-á socorrido de uma técnica de sobrevalorização dos inventários finais contabilísticos, face aos reais, com o intuito de reduzir os custos operacionais, tendo por objectivo aparentar uma boa imagem financeira. Resumindo, os resultados líquidos efetivos dos exercícios inspecionados terão sido sistematicamente negativos.
No mesmo sentido surgem as declarações, reduzidas a termo, do sócio-gerente «AA» (Anexo 1):" o saldo de matérias-primas em stock no final de 2009 era praticamente nulo, pelo que o Inventário a 31 de Dezembro de 2009, estava errado. As compras eram geridas em função das vendas, e o stock não utilizado era normalmente devolvido ao fornecedor.
Neste sentido, a existência final de matérias-primas considerada contabilisticamente esteve desde sempre errada. O desvio terá acontecido numa tentativa da empresa apresentar resultados positivos, de forma a garantir o seu acesso a financiamento bancário. De qualquer forma, o próprio desconhecia esta prática contabilística, a qual era totalmente gerida pelo técnico oficial de contas, Dr. «DD». "
Tendo em conta a inexistência de evidências que contrariem esta situação, a mesma justifica a incoerência detetada entre o saldo final de existências no ano de 2009, o volume de compras realizado em 2010, o Valor da Produção declarado em 2010 e o valor do stock final de matérias-primas e produtos acabados identificados no inventário realizado pelo Administrador de Insolvência nomeado no processo.
Por outro lado, dos testes comparativos aos preços de venda praticados (entre exercícios), foram apenas detetadas vendas de matérias*primas abaixo do preço de custo, as quais não eram suficientes para justificar a margem negativa apurada em 2010.
Decorrente da prática contabilística descrita anteriormente, a empresa conseguiu ocultar a diferença efetiva (negativa) entre os valores do património liquido no fim e no início de cada período de tributação, transformando-o numa variação positiva (lucro).
Neste sentido, procuramos desmontar os efeitos daquela contabilização, no sentido de nos aproximarmos do resultado real, o que nos permitiu concluir o seguinte:
(…)
Se adicionarmos os montantes calculados no quadro anterior ao Custo da Matérias-Primas considerado contabilisticamente, obtemos valores próximos do volume de compras de cada exercício, o que corrobora as declarações prestadas pelo sócio-gerente: "As compras eram geridas em função das vendas’
Consequentemente teríamos:
(…)
Ou seja, no conjunto dos quatro exercícios, a [SCom01...] apresentou uma variação negativa do seu património de aproximadamente 945.870,74 Euros.
Por outras palavras, o total das suas receitas foi inferior ao montante das despesas incorridas, gerando um Cash-Flow negativo, equivalente àquele montante diminuído das amortizações contabilizadas naqueles exercícios, resultando num Cash-Flow negativo total para o período de 770.253,18 Euros, pelo que este teste não ficaria completo se não tentássemos perceber o que teria financiado aquela diferença, numa óptica de fluxos de caixa.
Assim sendo, e nos procedimentos adotados, concluímos que aquela variação negativa foi essencialmente financiada por duas vias: aumento dos empréstimos bancários obtidos e das dívidas a fornecedores, de acordo com o quadro seguinte:
(…)
Neste sentido, foi validado o suporte documental para o reforço do endividamento, nomeadamente extratos de contas de desconto de letras, e faturas de fornecedores por pagar, apurando-se uma boa consistência.
Esta situação de prejuízo real, acumulada com o decréscimo significativo do Volume de Negócios ocorrido em 2010, culminou com o pedido de declaração de insolvência pela própria sociedade, com sentença de declaração de insolvência proferida no dia 2010-08-31 (…)” (cfr. Petição Inicial (335412) Petição Inicial (005628149) Pág. 57 a 66 de 24/10/2017 15:53:45).
Provou-se, ainda, que,
10) Em 17-10-2017, o Serviço de Finanças ... elaborou uma informação com o teor seguinte:
“(…)
9 - Relativamente aos factos que alega na petição de Oposição, deve dizer-se:
- contrariamente ao que é afirmado, as dívidas em causa nestes autos dizem respeito a períodos de tributação em que o responsável subsidiário era o gerente da devedora originária;
- o agora oponente afirma não ter qualquer responsabilidade/culpa, relativamente à falta de capacidade financeira da sociedade em cumprir com as obrigações, no entanto não apresenta quaisquer provas do alegado, devendo acrescentar-se que, no caso destes autos, trata-se de impostos retidos na fonte, ou seja, dinheiros públicos que não podiam ter tido outro destino senão serem entregues nos cofres do Estado, demonstrando assim um comportamento por parte do gerente susceptivel de censura; este comportamento censurável também é comprovado pelas conclusões do relatório da Divisão de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças ..., que se junta a fls. 4 a fls. 13, onde se concluiu que a empresa usava técnicas contabilísticas para ocultar os resultados efectivos, obtendo assim uma boa performance operacional e financeira, que seria financiada pelo aumento dos empréstimos bancários e das dividas a fornecedores;
- alega ainda o oponente a falta de notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade. Sucede porém que as liquidações em causa nestes autos são referentes a Retenções na Fonte de IRS e Imposto de Selo, tendo sido o próprio contribuinte a efectuar a liquidação do imposto devido, submetendo as guias de retenção na fonte, sem que tenha efectuado o pagamento do imposto apurado. Não tinha pois que ser notificado de uma liquidação que ele próprio efectuou” (cfr. Petição Inicial (335412) Petição Inicial (005628149) Pág. 55 de 24/10/2017 15:53:45).
11) A dívida sob cobrança nos presentes autos resulta de declarações/guias submetidas pela sociedade [SCom01...], Lda. (cfr. Requerimento (456605) Requerimento (006454279) Pág. 1 de 18/10/2021 15:22:01).
*
Da instrução da causa não resultou demonstrada a seguinte matéria:
A) Que «AA» houvesse exercido o cargo de gerente com cuidado e diligência adequada, por forma a assegurar a existência dos fundos suficientes para honrar o pagamento das dívidas sob cobrança nos processos executivos.
B) O envio, para o oponente, do ofício pelo qual o órgão de execução concedeu prazo para o exercício do direito de audição.
*
A convicção do tribunal fundou-se na análise do processo executivo apenso e, ainda, nos elementos documentais digitalizados e constantes da plataforma informática de apoio “SITAF” , nos termos especificados.
A matéria de facto não provada, sob A, assenta numa ilação do tribunal, assente na globalidade dos factos provados, devidamente conjugados com as regras da experiência comum, da qual resulta que a ação do oponente não releva a prudência e cuidado necessário a honrar os compromissos assumidos perante os credores sociais.
Com efeito, como se menciona na ação inspetiva reproduzida em 9), que incidiu sobre as contas da sociedade devedora originária, apuraram-se “valores "duvidosos" e incoerentes nos exercícios pré-insolvência” , nomeadamente a “incoerência entre o saldo final de existências no ano de 2009, o volume de compras realizado em 2010, o valor da produção declarado em 2010 e o valor do stock final de matérias-primas e produtos acabados identificados no inventário realizado pelo Administrador de Insolvência nomeado no processo”.
De acordo com as conclusões do relatório inspetivo, “A empresa ter-se-á socorrido de uma técnica de sobrevalorização dos inventários finais contabilísticos, face aos reais, com o intuito de reduzir os custos operacionais, tendo por objectivo aparentar uma boa imagem financeira. Resumindo, os resultados líquidos efetivos dos exercícios inspecionados terão sido sistematicamente negativos”, desde o exercício de 2006.
Pese embora impute a responsabilidade do procedimento contabilístico adotado ao contabilista certificado, as declarações prestadas pelo oponente, aos serviços inspetivos, revelam que, o mesmo, estava consciente da “estratégia” seguida e, sendo o único e principal responsável pelos destinos da sociedade (cfr. 3), não pode deixar de ser responsabilizado pelas consequências advenientes.
Se a sociedade devedora originária tinha dificuldades financeiras, competia ao oponente, ao invés de deixar agravar a situação patrimonial, diligenciar pela apresentação à insolvência, o que deveria ter sucedido no momento em que pressentiu que a situação económica e financeira era irrecuperável (por forma a deixar operar o critério legal na graduação de créditos e respetiva prioridade de pagamentos).
Porém, o oponente não indica medidas concretas e tendentes a recuperar a situação financeira da sociedade devedora originária.
O tribunal tem de concluir que, a inércia do oponente contribuiu para o avolumar de dívidas, que se acumularam para além daquilo que poderia ser pago pela excussão do património social.
Entende-se, assim, que não foi alegada factualidade adequada a afastar a responsabilidade do oponente, indiciando os elementos coligidos nos autos que, o mesmo, não tomou qualquer iniciativa concreta, tempestiva e convincente, por forma a pôr cobro ao agravamento das dívidas da sociedade.
Mais: decorre da experiência comum que o IVA e os outros impostos/contribuições retidos na fonte, muitas vezes, constituem formas de financiamento ilegítimo das empresas, que não os entregam ao Estado, o que geralmente sucede em sociedades com dificuldades financeiras e que, com esse proceder, vão adiando a “morte” económica.
Tal parece ter acontecido, justamente, no caso dos autos. Ou seja, a dívida provém de montantes que não pertencem à sociedade devedora originária, que, apenas, tem o dever legal de reter/liquidar esses montantes aos clientes/trabalhadores e de os entregar ao Estado.
Assim sendo, mesmo que tivessem sido demonstrados os constrangimentos decorrentes de fatores exógenos à gestão desenvolvida (a alegada “crise” não foi causa da insolvência da sociedade, como bem denota o relatório de inspeção supra aludido), os tributos que se exigem à sociedade devedora originária não demandam a aplicação de fundos de tesouraria nem o esforço financeiro que, tal, pressupõe (cfr. 11).
Quanto à matéria de facto não provada, sob B), decorre da circunstância de não ter sido apresentado o ofício de notificação e, por conseguinte, é impossível estabelecer qualquer relação com o print indicado no documento com a referência SITAF Petição Inicial (335412) Petição Inicial (005628149) Pág. 56 de 24/10/2017 15:53:45 (acrescendo que, o documento apresentado, não comprova o envio do objeto postal para o oponente).
Assim sendo, deve ser decidida contra a Fazenda Pública a dúvida relativamente a este facto (cfr. artigo 414.º do Código do Processo Civil).».

3.1.2. Alteração da matéria de facto
O Recorrente pede a alteração do ponto 5 dos factos provados, no qual consta que «Em 2010, o Serviço de Finanças ... instaurou o processo executivo ...49 e apensos, em nome da sociedade [SCom01...], Lda., que visa a cobrança do imposto do selo e de retenções na fonte de IRS, dos meses de abril, maio, junho e julho de 2010, cujos prazos de pagamento ocorreram entre 20-04-2010 e 20-07-2010», porquanto «A divida objeto de oposição, no valor de 8.225,99€, era referente à falta de pagamento de IRS e Imposto de Selo, nos seguintes períodos de tributação:
2010-01-01 a 2010-12-31 – valor 1.511,00€ (certidão divida 2010/0455362)
2010-01-01 a 2010-12-31 – valor 1.044,08€ (certidão de divida 2010/0455362)
2010-01-01 a 2010-12-31 – valor 1.271,00€ (certidão divida 2010/0468387)
2010-01-01 a 2010-12-31 – valor 877,09€ (certidão dívida 2010/0468387)
2010-01-01 a 2010-12-31 – valor 1.031,00€ (certidão dívida 2010/0484654)
2010-01-01 a 2010-12-31 – valor 210,66€ (certidão dívida 2010/0484654)
2010-01-01 a 2010-12-31 – valor 1,751,00€ (certidão dívida 2010/0555997)
2010-01-01 a 2010-12-31 – valor 530,16€ (certidão dívida 2010/0555997)».
Pese embora o Recorrente não tenha cumprido, nesta parte, o que dispõe o artigo 640º do CPC, designadamente através da indicação das folhas do processo em que se encontram as certidões de dívida a que alude, bem como da decisão que entende devia ser proferida quanto a esta questão de facto, sempre se dirá que a alteração almejada seria inútil, pois não estão impugnados os factos vertidos nos pontos 8) [em que, além do mais, são discriminados os meses a que respeitam as dívidas e respetivas datas limite de pagamento, compreendidas entre 20/04/2010 e 20/07/2010] e 11), onde se menciona que a dívida sob cobrança nos presentes autos resulta de declarações/guias submetidas pela sociedade [SCom01...], Lda.
Assim, impera rejeitar o recurso nesta parte.
*
Ao abrigo da faculdade que nos é conferida pelo artigo 662º, nº 1, do CPC, eliminamos o ponto A) dos factos não provados, por se tratar de matéria conclusiva que, em si mesma, resolve uma parte da lide.

3.2. DE DIREITO
3.2.1. Da nulidade da sentença
Em primeiro lugar, importa analisar se a sentença enferma de nulidade, por omissão de pronúncia quanto à caducidade do direito à liquidação do Imposto de Selo exequendo, por falta da respetiva notificação ao revertido, dentro do atinente prazo.
As nulidades da sentença encontram-se taxativamente previstas nos artigos 615º CPC e 125º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e respeitam a vícios estruturais ou intrínsecos da sentença, também conhecidos por erros de atividade ou de construção da própria sentença, que não se confundem com eventual erro de julgamento de facto e/ou de direito.
Segundo o artigo 615º, nº 1 al. d), do CPC queé nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento”. (sublinhado nosso)
Decorre de tal norma que o vício que afeta a decisão advém de uma omissão (1º segmento da norma) ou de um excesso de pronúncia (2º segmento da norma).
Acresce que este receito deve ser articulado com o nº 2 no artigo 608º do CPC, onde se dispõe que “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo não se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.”.
Impõe-se ali um duplo ónus ao julgador, traduzidos nos deveres de resolver todas as questões que sejam submetidas à sua apreciação pelas partes (salvo aquelas cuja decisão vier a ficar prejudicada pela solução dada antes a outras) e de não ir além do conhecimento dessas questões suscitadas pelas partes (a não ser que a lei lhe permita ou imponha o seu conhecimento oficioso).
Por conseguinte, só pode ocorrer omissão de pronúncia quando o juiz não toma posição sobre questão colocada pelas partes, não emite decisão no sentido de não poder dela tomar conhecimento nem indica razões para justificar essa abstenção de conhecimento, e da sentença também não resulta, de forma expressa ou implícita, que esse conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio.
No caso vertente, pode ler-se na sentença recorrida o seguinte:
«5 – Da falta de notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade.
Os processos executivos em causa nos autos visam a cobrança de dívida proveniente de retenções na fonte de IRS e do imposto de selo.
Assim sendo, importa referir que a retenção na fonte não é um imposto, mas um mecanismo de cobrança, instituído pelo sistema fiscal português com o objetivo de aumentar a eficácia na cobrança do imposto.
É inapropriado, pois, afirmar que a dívida sob cobrança está sujeita a um prazo de caducidade (cfr. Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão de 01-02-2017, tirado no processo n.º 085/16 – disponível para consulta em www.dgsi.pt).
Acresce que, a dívida resulta de declarações/guias preenchidas e apresentadas pela sociedade devedora originária (cfr. 11) e, por conseguinte, o cálculo do valor do imposto é da sua responsabilidade.
Termos em que improcede o alegado a este respeito.».
Tendo presente o teor do ponto 11 do probatório e a informação em que se sustenta, cujo teor não foi impugnado pelo Recorrente, que também não alegou nem provou que o Imposto de Selo exequendo foi apurado por outra via que não a indicada pela AT, resulta patente que as todas as dívidas exequendas foram apuradas e liquidadas pela sociedade devedora originária, em declarações/guias que submeteu à AT.
Assim, não vemos como pode cogitar-se haver omissão de pronúncia quanto ao Imposto de Selo exequendo, quando a sentença considerou, por referência ao mencionado ponto 11 do probatório, que a dívida resulta de declarações/guias preenchidas e apresentadas pela sociedade devedora originária e, por conseguinte, o cálculo do valor do imposto é da sua responsabilidade
Improcede, por isso, este fundamento do recurso.
3.2.2. Da gerência de facto
O Recorrente aponta erro de julgamento à sentença no que respeita a este pressuposto da reversão, alegando que a sociedade foi declarada insolvente em 31/08/2010, data a partir da qual deixou de exercer a gerência daquela, motivo pelo qual não pode ser responsabilizado pelo pagamento das dívidas cujos períodos de tributação sejam posteriores a esta data.
Sucede que, como decorre do que já referimos supra, a propósito do recurso quanto à matéria de facto, os autos evidenciam que, efetivamente, as dívidas exequendas respeitam a retenções de fonte de IRS e Imposto de Selo cujos prazos de pagamento voluntário terminaram, respetivamente, nos dias 20/04/2010, 20/05/2010, 20/06/2010 e 20/07/2010.
Atentando nas datas do termo dos prazos de pagamento voluntário, todas elas anteriores a 31/08/2010, dificilmente se concebe que tais tributos respeitem a períodos posteriores a 31 de agosto de 2010 (data em que a devedora originária foi declarada insolvente).
Não nos merece, portanto, qualquer reparo a sentença que, a este respeito, ponderou o seguinte:
«A reversão do processo de execução fiscal é uma forma de responsabilização pessoal do gerente, cuja efetivação depende não só de uma declaração de inexistência ou fundada insuficiência de bens da devedora originária, como também da alegação do exercício efetivo do cargo, com indicação do período do exercício do cargo: se na data da constituição do facto tributário que origina a dívida exequenda, se na data em que ocorreu a falta de pagamento ou de entrega do tributo que origina a dívida exequenda (cfr. artigo 23.º nº 2 e 24.º nº 1 alínea a) e alínea b) da Lei Geral Tributária e artigo 153.º nº 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário). Para as dívidas que se venceram no período do exercício do cargo, a responsabilidade do gerente deve ser subsumida na previsão da alínea b), n.º 1, do artigo 24º, da Lei Geral Tributária.
Para as dívidas vencidas após o exercício do cargo, a responsabilidade do gerente deve ser subsumida na previsão da alínea a), n.º 1, do referido artigo 24º, da Lei Geral Tributária.
A diferença entre as alíneas a) e b) do n.º 1, do artigo 24º, da Lei Geral Tributária, assenta no ónus da prova: na hipótese abrangida pela alínea a), o revertido é responsabilizado pela insuficiência do património do devedor originário para solver a dívida exequenda, cabendo ao exequente demonstrar a culpa do gerente na insuficiência do património e ao revertido a ausência de culpa; na hipótese abrangida pela alínea b), o revertido tem o ónus de demonstrar que não lhe é imputável a falta de pagamento das dívidas tributárias da responsabilidade do devedor originário, o que vale por dizer que a norma estabelece uma presunção de culpa, cabendo-lhe ilidir essa presunção (cfr. artigo 350.º, n.º 1 e n.º 2 do Código Civil).
É, pois, em função da data de vencimento das dívidas tributárias que se determina o regime de responsabilidade da responsável.
No caso dos autos, a reversão fundamenta-se na alínea b), n.º 1, do artigo 24º, da Lei Geral Tributária (cfr. 8).
Ora, do confronto da matéria perfilada em 2), 4) e 5) da fundamentação de facto, verifica-se que o oponente consta como gerente da sociedade devedora originária entre 26-01-2000 e 31- 08-2010 (data de declaração de insolvência) e que o prazo de pagamento voluntário da dívida tributária ocorreu entre 20-04-2010 e 20-07-2010.
É cristalino, portanto, que a data limite de pagamento voluntário da dívida tributária ocorreu durante o exercício do cargo de gerente, pelo que a responsabilidade da responsável deveria ter sido subsumida, como foi, na previsão da alínea b), do n.º 1, do artigo 24º, da Lei Geral Tributária.» - fim de transcrição.
Improcede, pois, o recurso também nesta parte.
3.2.3. Da fundamentação do despacho de reversão
O Recorrente entende que no despacho de reversão não foi feita prova, por parte da Administração Fiscal, de que exercia de facto funções de gerência da pessoa coletiva em causa, bem como da verificação da culpa do revertido na frustração dos créditos tributários, na origem da execução fiscal.
A respeito desta questão, o Tribunal a quo apoiou-se na seguinte fundamentação jurídica:
«O despacho de reversão está sujeito a fundamentação, por força do artigo 23.º, n.°4 da LGT, que estabelece o seguinte: «A reversão, mesmo nos casos de presunção legal de culpa, é precedida de audição do responsável subsidiário nos termos da presente lei e da declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação».
Ora, a fundamentação formal do despacho de reversão basta-se com a alegação dos pressupostos legais (a inexistência ou fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal, dos responsáveis solidários e seus sucessores – cfr. nº 2 do art. 23º da LGT e nº 2 do art. 153º do CPPT -, bem como o exercício efetivo do cargo nos períodos relevantes de verificação do facto constitutivo da dívida tributária ou do prazo legal de pagamento ou entrega desta – cfr. nº 1 do art. 24º da LGT) e com a referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efetivada (cfr. Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão do Pleno de 16 de outubro de 2013, no processo n.º 0458/13, disponível em www.dgsi.pt).
Para a verificação do vício de falta de fundamentação é irrelevante apurar se os fundamentos invocados em suporte do despacho de reversão são ou não subsistentes (isto é, se o seu conteúdo corresponde à realidade), mas se os mesmos foram invocados (se estão lá), são claros e congruentes entre si.
De facto, uma coisa é saber se a administração deu a conhecer os motivos que a determinaram a atuar como atuou, as razões em que fundou a reversão da execução fiscal contra o responsável subsidiário, matéria que se situa no âmbito da validade formal do ato e que se distingue da questão que cifra em saber se os pressupostos da reversão factualmente se verificam (matéria que contende com fundamentação substancial do ato e pode conduzir à anulação do ato por erro nos pressupostos de facto).
No caso em apreço, compulsado o despacho de reversão e o oficio de citação verifica-se que convocam o quadro legal aplicável, indicam a insuficiência de bens da sociedade devedora originária, o exercício de funções de facto pelo oponente e que, tal cargo, foi exercido no terminus do prazo legal de pagamento ou entrega do imposto em questão (cfr. 8).
Ora, tendo sido revelado o quadro jurídico e factual pertinente, deve considerar-se que o oponente ficou em condições de compreender o sentido e alcance do ato impugnado e, em resultado, ficou em condições de exercer a sua defesa.
Como se disse, o ato deve ter-se por suficientemente fundamentado se dá a conhecer os motivos por que foi praticado. Se esses fundamentos podem ou não suportar o ato, é questão que se situa, já não no âmbito da sua validade formal, mas no da sua validade material.
Em face dos elementos indicados, o tribunal conclui que o órgão de execução fundamentou formalmente, de facto e de direito, os pressupostos da reversão.».
Nesta parte, a sentença recorrida acolheu a jurisprudência dos nossos Tribunais superiores no que tange às exigências da fundamentação formal do despacho de reversão, a qual também perfilhamos.
Por consequência, tendo presente que, no despacho de reversão se refere «Atendendo a que o termo do prazo legal de pagamento das dívidas tributárias suja responsabilidade subsidiária está a ser exigida, e de cujo teor dos títulos executivos e junta fotocópia, e de seguida se esquematiza, […] verificou-se no período do exercício do respectivo cargo de gerente, a que se refere a alínea b) do n.º 1 dp artigo 24º da LGT – Presunção legal de culpa, e provada que foi a gerência de direito e de facto do revertido, a Administração Fiscal fica dispensada de provar essa culpa.», manifestamente, estão ali elencados os pressupostos de que depende a reversão, designadamente e no que agora interessa, o efetivo exercício da gerência pelo Recorrente, pelo que devemos concluir, como a sentença recorrida, que o despacho em causa está formalmente fundamentado, de facto e de direito.
Alega, ainda, o Recorrente que o Despacho de reversão omite qualquer fundamento relevante que corporize substancialmente os pressupostos constantes no artigo 24º da LGT, pelo que, o tribunal a quo deveria ter decidido no sentido oposto ao que decidiu, porquanto, a “validade material” do ato não se verifica.
Contudo, como vem sendo uniformemente entendido, não têm de constar do despacho de reversão os factos demonstrativos do exercício da gerência, os quais podem ser posteriormente invocados pela AT ou alegados pela Fazenda Pública, conquanto se reporte a factualidade já vertida no processo de execução fiscal, antes da decisão de reversão.
Ademais, o Tribunal pode, com recurso a uma presunção judicial, inferir o exercício da gerência se, com base nas regras da experiência, concluir ser altamente provável que tal ocorreu, tendo em conta a prova carreada para os autos e as posições assumidas pelas partes.
No caso, o Recorrente alega ter deixado de exercer a gerência após a declaração de insolvência da sociedade, em 31/08/2010, admitindo, por isso, o respetivo exercício até àquela data. Para além disso, o Recorrente era o único gerente nomeado desde, pelo menos, 25/02/2010, data em que foi registada a renúncia à gerência por parte do outro gerente. Por outro lado, a sentença de declaração de insolvência menciona a palavra “Apresentação”, donde se infere ter sido a própria sociedade a requerer a sua declaração de insolvência, o que só podia ter sido feito por intermédio do Recorrente. Acresce que na ação inspetiva aludida no ponto 9 do probatório, ocorrida já após a declaração se insolvência, a pessoa ouvida na qualidade de sócio-gerente da sociedade devedora originária foi (apenas) o Recorrente. E, por fim, as declarações/guias em que foram apuradas as dívidas exequendas também lhe devem ser imputadas, por terem sido apresentadas pela sociedade, necessariamente representada pelo revertido.
Ante esta factualidade, toda ela conhecida no processo de execução fiscal antes da reversão, resulta altamente provável que, pelo menos, entre 25/02/2010 e 31/08/2010 o Recorrente foi o único sócio-gerente da sociedade executada e exerceu, efetivamente, o correspondente cargo.
Daqui decorre que resulta provado nos autos o pressuposto do exercício da gerência.
3.2.4. Da insuficiência patrimonial da devedora originária
Aduz, também, o Recorrente que a Administração Fiscal (serviço das finanças) não efetuou qualquer diligência no sentido de provar a insuficiência do património da primitiva executada, limitando-se a invocar que a devedora originária não tinha bens suficientes, sem, contudo, o demonstrar e que, aquando da apresentação da oposição à execução, a sociedade devedora originária possuía bens suscetíveis de penhora, pelo que a Administração Tributária deveria, primeiro e antes de reclamar o património do recorrente, penhorar e apreender os bens da sociedade devedora originária.
Relativamente a esta questão, considerou o Tribunal a quo que:
«3 – Da insuficiência de ativos penhoráveis.
Alega o oponente que a decisão de reversão é prematura, pois a sociedade devedora originária possui bens que permitem solver a dívida sob execução.
Apreciando.
Como se disse, a devedora originária foi declarada insolvente (cfr. 4).
Assim sendo, bem andou o órgão de execução, em reverter o processo executivo em referência, porquanto o artigo 23.º, n.º 7 da Lei Geral Tributária vincula-o a reverter o processo de execução, antes da sustação e remessa para o tribunal onde se encontre pendente o processo de insolvência (cfr. artigo 180.º do CPPT).
O facto de existirem bens no processo de insolvência não obsta à prática do despacho de reversão do processo, sendo que este deve ficar suspenso até excussão integral do património da devedora originária.
Outrossim, o artigo 23.º, n.º 3 da LGT consente na efetivação da reversão, sem prejuízo da suspensão da execução, quanto ao oponente (a reversão deve ser efetivada mesmo que o quantum da responsabilidade do devedor subsidiário não esteja completamente determinado e que os autos de execução devam aguardar que ocorra a completa excussão dos bens do executado e devedor principal).
A entidade demandada não estava impossibilitada de reverter o processo executivo enquanto não tivesse excutido todo o património da sociedade devedora originária, nem tinha que indicar quais os bens (e valor) da sociedade, nem tão pouco, tinha que demonstrar que a aplicação do regime da insolvência, no que à graduação de créditos respeita, conduzirá ao não pagamento integral da dívida exequenda revertida.
Debalde alega o oponente a suficiência de bens da sociedade devedora originária, porquanto o processo de insolvência foi encerrado por insuficiência da massa (cfr. 7).
Assim sendo, julga-se o alegado a este respeito improcedente.».
Contrariamente ao alegado pelo Recorrente, a AT realizou as diligências necessárias para apuramento da situação patrimonial da sociedade devedora originária, na medida em que apurou a existência da declaração de insolvência o que, segundo a jurisprudência do STA, que também acompanhamos, é quanto basta para sustentar um juízo de fundada insuficiência de bens.
Por outro lado, o Recorrente não demonstra que, à data da reversão (28/10/2013, cfr. ponto 8) do probatório) a sociedade era possuidora de qualquer bem, nem, muito menos, que possuísse património suficiente para pagamento das dívidas exequendas.
Improcede, por isso, o recurso também, nesta parte.
3.2.5. Da preterição da formalidade da audiência prévia
Persiste o Recorrente na alegação de que foi preterida a apontada formalidade, no que a sentença recorrida lhe reconheceu razão, embora recusando o efeito anulatório que dela resultaria, por entender haver razões para o aproveitamento do ato, conforme excerto que passamos a transcrever:
«4 – Da preterição do direito de audição prévia.
O artigo 23.º, n.º 4 da Lei Gera Tributária prevê que a reversão, mesmo nos casos de presunção legal de culpa, é precedida de audição do responsável subsidiário nos termos da predita lei.
A fase de audição prévia visa concretizar o direito de participação do interessado no procedimento de formação e definição do ato que lhe diga respeito, sendo ouvido oralmente ou por escrito, conforme o objetivo do procedimento (cfr. artigo 45.º, n.º 1 e n.º 2 do CPPT).
A participação dos contribuintes na fase “graciosa” do processo visa, nomeadamente, consolidar e estabilizar as questões ou os pontos de facto em jogo (cfr. Sousa de Franco e António Carlos Santos, in Estruturar o Sistema Fiscal do Portugal Desenvolvido, Textos Fundamentais da reforma Fiscal para o Século XXI, Ministério das Finanças, 1998, pág, 191 e 192).
O direito de audição deve ser exercido no prazo a fixar pela administração tributária em carta registada a enviar para esse efeito para o domicílio fiscal do contribuinte, juntamente com o projeto da decisão e sua fundamentação (cfr. artigo 60.º, n.º 4 e n.º 5 da Lei Geral Tributária).
Os elementos novos suscitados na audição dos contribuintes são tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão (cfr. artigo 60.º, n.º 7 da Lei Geral Tributária).
Ora, no caso em apreço, não se demonstrou que o projeto do despacho de reversão e respetiva fundamentação tivessem sido enviados, por carta registada, para o oponente.
Todavia, a aplicação do princípio do aproveitamento do ato permite considerar sanada tal irregularidade (cfr. Supremo Tribunal Administrativo, acórdão de 20-03-2019, tirado no processo 01437/14.3BELRS, Rec. 0304/18, disponível para consulta em www.dgsi.pt)..
É que o oponente invoca fundamentos de ordem formal para invalidar o despacho de reversão e, nesta sede, não se julga verificada a falta de culpa sua pela situação de insuficiência patrimonial da sociedade devedora originária.
Analisadas as circunstâncias do caso vertente pode-se concluir pela irrelevância da formalidade preterida sobre o conteúdo e sentido do ato, posto que não se vislumbram quais os elementos novos que poderiam ser aportados ao processo, no sentido de influenciar o despacho de reversão, em termos favoráveis ao oponente.
Ou seja, os fundamentos a mobilizar pelo oponente, em sede de direito de audição, não mereceriam acolhimento, à luz das disposições legais aplicáveis.
Em face do exposto, se o ato fosse anulado com fundamento na preterição da formalidade em menção, é seguro que o órgão de execução iria praticar um novo ato com o mesmo conteúdo decisório do ato sob impugnação (cfr. artigo 163.º, n.º 5 do Código de Procedimento Administrativo, aplicável por remissão do artigo 2.º, alínea d) do CPPT).
Em face do exposto, recusa-se o efeito anulatório associado à preterição dessa formalidade legal.
Termos em que improcede o invocado a este respeito.».
Efetivamente, a Lei Geral Tributária consagra, no seu artigo 60°, o princípio da participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito, consubstanciado no direito de audição prévia, anterior à verificação das situações prefiguradas nas alíneas a) a e) do seu nº 1.
Este direito de audição do contribuinte constitui, assim, um corolário do direito de participação dos cidadãos na formação das decisões e deliberações que lhes digam respeito, consagrado no artigo 267º, nº 5, da CRP.
Esta concretização do princípio da participação foi, aliás, consagrada na LGT em termos idênticos ao princípio do contraditório regulado no artigo 45º do CPPT e aos princípios da participação e da audiência, reconhecidos, respetivamente, nos artigos 8º e 100º a 103º, do CPA de 1991.
A participação dos contribuintes pode efetuar-se, entre outras formas, pelo exercício do direito de audição antes do indeferimento total ou parcial dos pedidos, reclamações, recursos ou petições, conforme dispõe o artigo 60º, nº 1, alínea b), da LGT, e está especialmente prevista no artigo 23º, nº 4 desta mesma Lei, para os casos de reversão. E pode ser dispensada se a decisão do pedido, reclamação, recurso ou petição for favorável ao contribuinte (cfr. o nº 2 do citado preceito).
Os elementos novos suscitados na audição do contribuinte são tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão, conforme estabelece o nº 7 do mesmo artigo 60º (sobre a interpretação deste preceito, cfr. o acórdão do STA, de 07/06/2017, tirado no processo 0354/15). O que significa que o direito de participação não assume natureza meramente formal, ou seja, não se queda pelo simples cumprimento de uma obrigação legal de notificação do contribuinte a fim de se pronunciar sobre o projeto de decisão, mas, ao invés, reveste uma função conformadora da própria decisão a proferir pela administração tributária (neste sentido cfr. os acórdãos do STA de 19/04/2017, proferido no Processo nº 01114/16, e de 20/03/2019, rec. 01437/14.3BELRS 0304/18, que aqui acompanhamos de perto).
Ademais, a falta de audição dos interessados, quando obrigatória, constitui um vício formal que se repercute na decisão final do procedimento, podendo conduzir à sua anulação.
E, em abono da tese da imperatividade do exercício do direito de audição e bem assim sobre as suas repercussões no âmbito do procedimento tributário, poderemos invocar, inter alias, o entendimento que emerge dos Acórdãos do STA de 19/04/2017, no processo nº 01114/16, de 24/10/2007, no processo nº 0429/07 e de 06/12/2006, no processo nº 0496/06.
Todavia, importa acentuar que, pese embora o incumprimento e/ou a deficiente observância do direito de audição, a sua omissão não acarreta, inapelavelmente, a anulação do ato proferido.
É o que decorre do princípio do aproveitamento do ato que, hodiernamente, se encontra contemplado na norma do nº 5 do artigo 163º do Código de Procedimento Administrativo, aprovado em anexo ao Decreto-Lei nº 4/2015, de 07 de janeiro, que entrou em vigor em 08/04/2015, aplicável aos procedimentos administrativos em curso à data da sua entrada em vigor e aos que se iniciem na sua vigência – o que não é o caso dos autos, em que o procedimento de reversão ficou concluído com a prolação do despacho de reversão, em 2013.
Porém, segundo a mencionada doutrina, que já vinha sendo aplicada pela jurisprudência, o ato final só não será inválido se tal irregularidade conseguir degradar-se em formalidade não essencial (neste sentido, por todos, vide os atrás mencionados acórdãos de 24/10/2007, tirado no processo n.º 0429/07 e de 06/12/2006, no processo nº 0496/06).
Assim, esta manifestação do princípio do aproveitamento do ato não pode valer a todo o custo e sem limites.
Há que chamar aqui à colação a jurisprudência emanada do Supremo Tribunal Administrativo, mormente no acórdão de 10/11/2010, no processo nº 0671/10, nos termos da qual “(…) III - Não afastam a relevância do vício de violação do direito de audiência os factos de, depois de efetuadas as liquidações, o contribuinte ter tido oportunidade de as impugnar judicialmente e ter sido ouvido no âmbito da reclamação graciosa. IV - A preterição da formalidade que constitui o facto de não ter sido assegurado o exercício do direito de audiência só pode considerar-se não essencial se se demonstrar que, mesmo sem ela ter sido cumprida, a decisão final do procedimento não poderia ser diferente”.
Com efeito, de acordo com o princípio do aproveitamento do ato, tal só ocorrerá se o interessado na prática do direito omitido não dispuser de qualquer elemento novo que pudesse ter influenciado a decisão que foi tomada com preterição desse direito.
Retornando agora à situação em apreço, é inequívoco que a administração tributária não deu cumprimento ao direito de audição e só poderia obstar à anulabilidade do ato final de reversão a degradação desta formalidade em não essencial, se, por recurso a um juízo ex ante, de prognose póstuma, fosse seguro concluir que a audição do Recorrente não seria passível de aportar elementos novos, relevantes para a fundamentação da decisão a proferir.
Analisado o caso vertente, temos que, em face dos elementos probatórios constantes do processo de execução fiscal antes da reversão, é incontornável que, como já vimos, (i) o Recorrente exerceu a gerência da devedora nos períodos da constituição e do termo do prazo de pagamento das dívidas exequendas e que (ii) a sociedade não possuía património.
Contudo, no que respeita à culpa do revertido, pese embora presumida, uma vez que a reversão operou ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 24º da LGT, não podemos afiançar que a sua audição em nada poderia contribuir para alterar a decisão de reversão. Afinal de contas, o Recorrente apresentou a sociedade à insolvência e, sem prejuízo do que ficou a constar do relatório da inspeção tributária à sociedade, os autos não evidenciam em que momento se começaram a verificar as dificuldades financeiras da sociedade e o incumprimento dos seus pagamentos, mormente à AT.
Em suma, a nosso ver, não é possível, num juízo de prognose póstuma, concluir com a necessária segurança que a audição do Recorrente antes da reversão era insuscetível de alterar a decisão de reversão e, assim, aplicar ao caso a doutrina do aproveitamento do ato, recusando efeito anulatório à preterição da formalidade em causa.
Nesta medida, impera revogar a sentença recorrida que assim não entendeu, julgando a oposição procedente, com a consequente absolvição do Recorrente da instância executiva fiscal, restando prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas neste recurso.
*
Assim, preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I – Se o Recorrente admite ter exercido a gerência até à data da declaração de insolvência da devedora principal e os prazos de pagamento das dívidas revertidas terminaram antes de tal data, é manifesta a verificação deste pressuposto da reversão.
II – O despacho de reversão está formalmente fundamentado se dele consta, entre o mais, que o revertido exerceu a gerência.
III - Não têm que constar do despacho de reversão os factos demonstrativos do exercício da gerência, os quais podem ser posteriormente invocados pela AT ou alegados pela Fazenda Pública, conquanto se reporte a factualidade já vertida no processo de execução fiscal, antes da decisão de reversão.
IV – Pode também o Tribunal, com recurso a uma presunção judicial, inferir o exercício da gerência se, com base nas regras da experiência, concluir ser altamente provável que tal ocorreu, tendo em conta a prova carreada para os autos e as posições assumidas pelas partes.
V - A AT realizou as diligências necessárias para apuramento da situação patrimonial da sociedade devedora originária, na medida em que apurou a existência da declaração de insolvência, o que basta para sustentar um juízo de fundada insuficiência de bens.
VI – A falta de audiência prévia do revertido não pode degradar-se em formalidade não essencial se, no que respeita ao pressuposto da culpa do revertido, não é possível afirmar, com a necessária segurança, que aquele não poderia aportar qualquer elemento novo, pois, por um lado, os autos evidenciam que o Recorrente apresentou a sociedade à insolvência, mas, por outro, não permitem perceber em que momento se começaram a verificar as dificuldades financeiras da sociedade e o incumprimento dos seus pagamentos, mormente à AT.

4. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de execução fiscal e de recursos contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, julgar a oposição procedente e absolver o Recorrente da instância executiva fiscal.

Custas a cargo da Recorrida, que aqui sai vencida, nos termos do artigo 527º, nº 1 e 2, do Código de Processo Civil, as quais não incluem a taxa de justiça devida nesta sede, uma vez que não contra-alegou.

Porto, 15 de maio de 2025
Maria do Rosário Pais – Relatora
Vítor Unas – 1º Adjunto
Ana Paula Rodrigues Coelho dos Santos– 2ª Adjunta