Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00341/13.7BEVIS
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:09/13/2024
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:TIAGO MIRANDA
Descritores:CONTRATOS DE CONCESSIONÁRIA COM MUNICÍPIO, PARA ABASTECIMENTO DE ÁGUA E TRATAMENTO DE ÁGUAS RESIDUAIS;
DECISÃO SURPRESA;
ÓNUS DE ALEGAÇÃO DOS FACTOS ESSENCIAIS;
Sumário:
I – O convite ao aperfeiçoamento da petição, previsto na nos nºs 1 b) e 4 do artigo 590º do CPC, não pode servir para suprir uma falta absoluta de alegação de facto ou factos essenciais, isto é, constituinte(s) da fonte – da causa de pedir – do direito peticionado, senão apenas para aperfeiçoar a alegação feita desses facto ou factos ou para alegação de factos circunstanciais daqueles outros, sob pena de se subverterem completamente os papeis dos sujeitos processuais, o princípio do dispositivo, no sentido de que cabe às partes eleger o que querem ver discutido, e da auto-responsabilização das partes, além de se adulterar o princípio inquisitório, no sentido de que este impõe ao juiz demandar activamente a verdade dos factos de que lhe cumpra conhecer conforme o artigo 5º nº 1 do CPC, não a reconfiguração, inicial ou sucessiva, do objecto da lide.

II - A teleologia da alínea d) do artigo 615º do CPC consiste em delimitar o objecto da decisão em conformidade com o princípio do dispositivo, e não essa outra de adequar o objecto da sentença à tramitação do processo a montante. Para este outro fim, designadamente para sancionar a preterição daquele poder/dever e do dever de dar contraditório (artigo 3º nº 2 do CPC), mesmo quando resulte na “decisão surpresa”, existe e é sistemicamente vocacionado o regime das nulidades processuais do artigo 195º nºs 1 e 2 do CPC.

III – Estas nulidades e a anulação da sentença nos termos do nº 2 do artigo 195º são arguíveis no recurso que se interpuser desta.
IV - Para que ocorra uma “decisão surpresa” não basta que a solução jurídica da lide surpreenda psicologicamente uma ou ambas as partes, necessário e bastante é que a sua fundamentação releve de uma questão sobre que as partes não tenham tido oportunidade, durante a tramitação do processo, de exercer o contraditório.

V - Desaparecida a norma, do artigo 511º nº 1 do antigo CPC, que expressamente referia que deviam ser seleccionados os factos relevantes para as várias soluções jurídicas da causa, a fonte de direito para a resposta a esta questão está toda ela no artigo 5º do CPC, interpretado à luz do direito fundamental à tutela judicial em tempo razoável mediante um processo equitativo (artigo 20º nºs 1 e 4 da Constituição). Assim, matéria provada e não provada a discriminar haverá de ser, antes de mais, aquela que, alegada pelas partes, constitui a causa de pedir e aquela que releve para as excepções invocadas sem prejuízo do mais que dispõe o nº 2 do mesmo artigo.

VI - A natureza imperativa do diploma legal que aprova as bases de uma concessão, por um lado, e, por outro, a natureza de direito público do contrato administrativo, cujo objecto é tendencialmente indisponível pelas outorgantes públicos, conjugadas com o regime de sucessão de leis no tempo constante do artigo 12º nº 2 do CC, aplicado à natureza duradoura e à subsistência, no momento em que sobreveio a alteração legislativa, das relações jurídicas criadas, resultam em que o clausulado dos contratos de fornecimento e de prestação de saneamento tem de se adequar às novas bases da concessão, de maneira que tudo o que neles for incompatível com elas não pode subsistir, ficando os contratos reduzidos à parte compatível (artigo 292º do CC e 185º nº 3 alª b) do CPA de 1991) e integrados pelos termos imperativos das novas bases, a não ser que percam sentido sem a parte desconsiderada, caso em que terão de caducar.

VII - A verdade que incumbe ao juiz apurar ex officio nos termos do artigo 411º do CPC é, em último termo, a verdade sobre os factos que à partida lhe cumpre considerar, ou seja, os que as partes alegaram (artigo 5º nº 1 do CPC) – apenas estes, já que os factos atendíveis nos termos do nº 2 do artigo 5º, isto é, os instrumentais e complementares (dos alegados) “que resultem da instrução da causa” são, por isso mesmo, resultado, não objecto inicial, da instrução.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:


I - Relatório
[SCom01...], S.A., sucessora legal de [SCom02...], S.A. (A...), interpôs recurso de apelação relativamente à sentença proferida em 30 de Setembro de 2021, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, que julgou totalmente improcedente a acção administrativa que move contra o Município ... pedindo – após redução do pedido - a condenação deste a pagar-lhe a quantia de EUR 979.960,49, objecto da factura n.º 2300000507 (documento n.º 20 junto com a petição inicial), a título de preço de prestação de serviços de saneamento e de fornecimento de água por parte da A., acrescida dos juros de mora vincendos até integral pagamento, no valor de 84.507,00, perfazendo um total de EUR 1.064.467,49.
As alegações de recurso da Autora terminam com as seguintes conclusões:

CONCLUSÕES:
1. O presente recurso tem por objecto a sentença proferida em 30/09/2021 (notificada à aqui Recorrente por despacho datado e certificado de 01/10/2021), através da qual foi julgada totalmente improcedente a acção proposta pela Autora, ora Recorrente, tendo em consideração o decidido nos seguintes segmentos decisórios:
1.1 Segmento decisório “Da exigibilidade dos valores mínimos”, constante das páginas 31 a 35 da sentença recorrida, porquanto considerou aquele douto Tribunal, sucintamente, que:
1.1.1 que as partes não invocam factos essenciais (nem tão pouco resultaram da instrução da causa quaisquer factos instrumentais) que permitam aferir a verificação do requisito previsto nos contratos de fornecimento, nos termos do qual apenas haveria lugar à aplicação de valores mínimos garantidos, caso a receita global da sociedade fosse inferior à prevista no orçamento desse ano;
1.1.2 ou seja, não resultou demonstrado nos autos que a receita global da Autora fosse, nesse ano, inferior à prevista no orçamento, o que constituía uma das condições contratualmente exigidas para a cobrança dos valores mínimos garantidos (cfr. pontos 3 e 4 do probatório). - cfr. pág. 31 a 35 da sentença recorrida.

2. Assim, o presente Recurso [tem] por objecto a impugnação da decisão quanto à matéria de facto, com recurso a reapreciação da prova gravada, nos exactos termos expostos nas alíneas que se seguem:
2.1. Deverá ser eliminado o facto n.° 24 dos factos provados;
2.2. Deverão ser aditados ao elenco de factos provados da sentença recorrida 14 novos factos, que resultam dos depoimentos prestados pelas testemunhas {reapreciação da prova gravada) e da prova documental produzida, entendendo a Recorrente que os mesmos são essenciais para a correcta decisão dos presentes autos e que sempre deverão ser dados por provados, pois que não foram considerados pelo douto Tribunal a quo, apesar de a prova ter sido produzida — tudo conforme infra melhor se concluirá.

3. Bem como, tem por objecto a impugnação da decisão quanto à matéria de direito vertida nos segmentos decisórios supra melhor identificados (pág. 31 a 35 da sentença recorrida) e a arguição de nulidades da sentença, nos termos que infra melhor se concluirão.

4. De facto, a Recorrente não se conforma com a decisão recorrida, por diversas ordens de razão:
4.2. Primeiro, não se conforma com o iter cognoscitivo seguido pelo Tribunal a quo, que deu prevalência aos termos fixados nos contratos de fornecimento celebrados entre as partes em 2001, pelo menos na parte respeitante à cobrança dos Valores Mínimos Garantidos, sobre as Bases da Concessão, quer na versão aprovada pelo Decreto-Lei n.° 319/94 (para o abastecimento de água, por ser o único em causa nos presentes autos), quer na versão alterada pelo Decreto-Lei 195/2009, que veio modificar a BASE XVIII relativa aos termos/condições de exigibilidade desses valores aos Municípios;
4.3. Para, então, concluir que o requisito exigido nas cláusulas dos contratos de fornecimento (desde que a receita global da Sociedade fosse inferior à prevista no orçamento desse ano) não foi alegada, nem provada pelas partes - fundamento da improcedência da acção.
4.4. Segundo, não se conforma com a tramitação processual adoptada pelo Tribunal a quo, que, no seu entender, violou as regras que asseguram o princípio do contraditório e da boa-fé processual (violação consumada na decisão proferida) porquanto:
i) O despacho saneador fixou 8 (oito) temas da prova, entre os quais: “Inexistência de autorização para cobrança de valores mínimos garantidos”; ‘Incorrecta aplicação dos mecanismos de garantia do equilíbrio económico-financeiro da concessão”; “Existência de causa de inexigibilidade dos valores mínimos garantidos”
ii) Ora, considerando que os temas da prova respeitam aos fundamentos de factos que interessem à decisão da causa;
iii) E, tendo em conta que a decisão tomada quanto aos temas da prova transitou em julgado,
iv) Nada faria prever a decisão agora proferida.
4.5. Sendo que, o mesmo Tribunal que agora proferiu a sentença, conduziu a audiência de julgamento, com produção de prova testemunhal, tendo as testemunhas indicadas por ambas as partes prestado depoimento sobre todas as matérias referenciadas nos temas da prova, incluindo sobre a Receita Global da Sociedade;
4.6. Acrescentando-se que, os autos contêm prova documental e testemunhal suficiente para a prova desta matéria, que não foi devidamente considerada pelo Tribunal a quo.

5. Posto isto, e QUANTO AO RECURSO DA MATÉRIA DE FACTO, cumpre desde já referir que atendendo, por um lado, à prova documental junta aos presentes autos e, por outro lado, aos depoimentos das testemunhas inquiridas em sede de audiência de discussão e julgamento, entende a Recorrente que o Tribunal a quo errou no julgamento que é feito da matéria de facto, pois que não considerou por provados factos cuja alegação se extrai do que foi arguido pela Recorrente, bem como da prova produzida em sede de audiência e discussão de julgamento — motivo pelo qual a presente decisão enferma de erro de julgamento.

6. Sendo que, para tal erro de julgamento, contribuiu não só uma errada apreciação do teor dos documentos juntos pelas partes aos presentes autos, como também uma errada apreciação e valoração da prova testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento.

7. Vejamos que, e quanto ao segmento decisório “da exigibilidade dos Valores mínimos garantidos” (pág. 31 a 35 da sentença recorrida), a questão decidenda é a de saber se os pressupostos legais para a condenação do Recorrente no pagamento dos montantes peticionados a título de Valores Mínimos se encontram preenchidos.

8. Ora, conforme resultou provado (Cfr. ponto 11 dos factos provados), os montantes peticionados nos presentes autos dizem respeito a facturação de “valores mínimos garantidos, nos termos da cláusula 16.ª do Contrato de Concessão e da Cláusula 3.ª dos respectivos contratos de fornecimento de água e de recolha de efluente,
9. Também assim, resultou provado (vide ponto 3 da sentença recorrida — factos provados) que a Cláusula 3.ª, n.° 4, do contrato de concessão dispunha que: “Os valores mínimos garantidos a entregar pelo Município, os quais constituem uma condição essencial do equilíbrio da concessão, são fixados no Anexo I. Até 31 de Dezembro de 2004, os valores mínimos fixados no anexo I poderão não ser garantidos, sem prejuízo da cláusula 16.ª do contrato de concessão. Sem prejuízo do disposto no número seguinte, os valores mínimos serão garantidos sempre que, em cada ano, a receita global da Sociedade seja inferior à prevista no orçamento desse ano.”

10. Ora, sobre esta temática entende o douto Tribunal a quo que inexistem quaisquer factos relevantes para a decisão a proferir que se tenham considerados não provados (vide página 21 da sentença recorrida).

11. Salvo devido respeito, não pode a Recorrente concordar com esta decisão proferida pelo douto Tribunal a quo, porquanto considera que ficaram provados outros factos com relevo para a decisão a proferir nos presentes autos e que, inclusive, alteram o sentido da mesma.

12. Partindo do pressuposto de que o critério para a cobrança dos referenciados ‘Valores mínimos garantidos” é a verificação do pressuposto de que a “receita global” da sociedade foi inferior à prevista no orçamento aprovado para o ano de 2011 (o que não se concede, sendo este um dos fundamentos do recurso sobre a matéria de direito, que adiante melhor se concluirá!), considerou aquele douto Tribunal que: “não vêm invocados pelas partes nos seus articulados quaisquer factos essenciais (nem tão pouco resultaram da instrução da causa quaisquer factos instrumentais) que permitam aferir a verificação deste requisito no caso em concreto. Ou seja, não resultou demonstrado nos autos que a receita global da Autora fosse, nesse ano, inferior à prevista no orçamento, o que constituía uma das condições contratual mente exigidas para a cobrança dos valores mínimos garantidos (cf. pontos 3 e 4 do probatório).”.

13. Salvo devido respeito, e tendo desde já em consideração que também se recorrerá deste segmento decisório aquando recurso da matéria de direito (pois não se pode concordar que a aqui Recorrente não tenha alegado todos os factos essenciais que constituem a causa de pedir!), cumpre desde já referir que também não é verdade que não tenham ficado provados todos os factos necessários à formação da convicção de que o aqui Recorrido é devedora daquela quantia peticionada pela Autora, aqui Recorrente.

14. Pois que, não é verdade que “não vêm invocados pelas partes os seus articulados quaisquer factos essenciais (nem tão pouco resultaram da instrução da causa quaisquer factos instrumentais) que permitam aferir a verificação deste requisito no caso concreto” tendo o próprio Tribunal a quo, no seu despacho saneador, fixado como temas de prova, concretamente: “Inexistência de autorização para cobrança de valores mínimos garantidos”; “Incorrecta aplicação dos mecanismos de garantia do equilíbrio económico-financeiro da concessão”; “Existência de causa de inexigibilidade dos valores mínimos garantidos”.

15. E sempre se acrescente que, o Município ..., na sua contestação, apenas se limita a impugnar genericamente este montante facturado (alegando a inexigibilidade dos valores mínimos garantidos, atendendo às características específicas da execução dos contratos de abastecimento e de saneamento no concelho ...).

16. Pelo que, muito se estranhou o aresto supra transcrito, porquanto não só tal matéria foi alegada pelas partes, como resultou cabalmente provada, quer através da prova testemunhal produzida, quer através dos documentos que foram juntos aos autos - motivo pelo qual o douto Tribunal a quo não podia deixar de a conhecer, nos termos do disposto no artigo 608.°/2 e 413.° do CPC, pois que “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação tomando em consideração “todas as provas produzidas, tenham ou não emanado da parte que devia produzi-la.

17. Posto isto, e tendo em consideração que o douto Tribunal a quo deixou de se pronunciar relativamente a factos que são relevantes para a decisão a proferir nos presentes autos, vem a Recorrente requerer que este cfonto Tribunal ad quem proceda ao aditamento de CATORZE NOVOS FACTOS (COM RECURSO A REAPRECIAÇÃO DA PROVA GRAVADA E PROVA DQCUMENTAT.) concretamente:
17.1. “O primeiro terço da concessão (em causa nos autos) terminou em Outubro do ano de 2011”, sendo que, tal facto sempre deverá ser dado por provado, tendo em consideração os seguintes elementos probatórios:
17.1.1. Contrato de Concessão, junto como documento n.° 1 à Petição Inicial, (mormente a cláusula 15.ae 16“do mesmo)',
17.1.2. Contratos de Fornecimento e de Recolha, juntos como documento n.° 2 à Petição Inicial;
17.1.3. Ofício 954/12, datado de 21/03/2012, e respectiva nota de débito n.º 2300000057 em anexo, junto à Petição Inicial como documento n.º 20;
17.1.4. Depoimento prestado pela testemunha «AA», constante da gravação da audiência realizada no dia 03/03/2020, entre 00:09:08 e 00:11:53 (horas, minutos, segundos), gravado através do sistema digital de 00:06:22 e 01:53:25;
17.1.5. Depoimento prestado pela testemunha «BB», constante da gravação da audiência realizada no dia 03/03/2020, entre 03:32:18 e 03:34:19 (horas, minutos, segundos), gravado através do sistema digital de 03.27.12 a 03.39.23;
17.2. “O Município ..., para além de utilizador do sistema multimunicipal de abastecimento de água e de saneamento de Trás-os-Montes e Alto Douro, fazia parte do corpo de accionistas da Sociedade gestora daquele sistema”, tendo em consideração os seguintes meios probatórios:
17.2.1. Decreto-Lei n.° 270-A/2001, de 06 de Outubro;
17.2.2. Depoimento prestado pela testemunha «AA», constante da gravação da audiência realizada no dia 03/03/2020, entre 00:09:08 e 00:11:53, entre 00:20:32 e 00:21:18, entre 01:25:33 e 01:26:47 (horas, minutos, segundos), gravado através do sistema digital de 00:06:22 e 01:53:25;
17.3. “O Réu participou nas assembleias de accionistas de aprovação de contas da Sociedade Autora, incluindo a demonstração de resultados.”, tendo em consideração os seguintes meios probatórios:
17.3.1. Decreto-Lei n.° 270-A/2001, de 06 de Outubro;
17.3.2. Depoimento prestado pela testemunha «AA», constante da gravação da audiência realizada no dia 03/03/2020, entre 00:09:08 e 00:11:53, entre 00:20:32 e 00:21:18, entre 01:25:33 e 01:26:47 (horas, minutos, segundos), gravado através do sistema digital de 00:06:22 e 01:53:25;
17.3.3. Depoimento prestado pela testemunha «CC», constante da gravação da audiência realizada no dia 03/03/2020, entre 01:57:53 e 02:07:51 (horas, minutos, segundos), gravado através do sistema digital de 01.53.26 a 03.00.36.
17.4. “A Receita Global do ano de 2011 da Sociedade [SCom02...] S.A. foi inferior ao orçamentado para esse mesmo ano, sendo que, à data, acumulava prejuízos de cerca de € 25.000.000,00 (vinte e cinco milhões de euros)”, tendo em consideração os seguintes meios probatórios:
17.4.1. Decreto-Lei n.° 270-A/2001, de 06 de Outubro;
17.4.2. Depoimento prestado pela testemunha «AA», constante da gravação da audiência realizada no dia 03/03/2020, entre 00:09:08 e 00:11:53, entre 01:25:33 e 01:26:47 (horas, minutos, segundos), gravado através do sistema digital de 00:06:22 e 01:53:25;
17.4.3. Depoimento prestado pela testemunha «BB», constante da gravação da audiência realizada no dia 03/03/2020, entre 03:30:04 e 03:32:18, entre 03:33:17 e 03:35:10 (horas, minutos, segundos), gravado através do sistema digital de 03.27.12 a 03.39.23.
17.5. “A falência técnica da Sociedade [SCom02...] S.A. era do conhecimento dos seus accionistas desde pelo menos, Março de 2010 (primeira assembleia geral de apresentação de contas)”, tendo em consideração os seguintes meios probatórios:
17.5.1. Decreto-Lei n.° 270-A/2001, de 06 de Outubro;
17.5.2. Ofício n.° 14240, datado de 14/12/2010, junto pela Recorrente no decorrer da audiência de discussão e julgamento na sessão do dia 03/03/2020;
17.5.3. Ofício 2906/12, datado de 29/06/2012, junto pela Recorrente aos presentes autos no requerimento de 12/02/2020 como Doc. 5;
17.5.4. Depoimento prestado pela testemunha «AA», constante da gravação da audiência realizada no dia 03/03/2020, entre 00:09:08 e 00:11:53, entre 01:25:33 e 01:26:47 (horas, minutos, segundos), gravado através do sistema digital de 00:06:22 e 01:53:25;
17.5.5. Depoimento prestado pela testemunha «BB», constante da gravação da audiência realizada no dia 03/03/2020, entre 03:30:04 e 03:32:18, entre 03:33:17 e 03:34:19 (horas, minutos, segundos), gravado através do sistema digital de 03.27.12 a 03.39.23.
17.6. “Na Assembleia Geral de Accionistas de Dezembro de 2010, a Sociedade Autora informou aos seus accionistas da necessidade de se proceder ao reequilíbrio económico-financeiro da concessão, bem como, a consequente necessidade de se activarem os mecanismos tendentes a esse mesmo reequilíbrio, concretamente, a cobrança dos Valores Mínimos Garantidos no ano de 2011”, tendo em consideração os seguintes meios probatórios:
17.6.1. Decreto-Lei n.° 270-A/2001, de 06 de Outubro;
17.6.2. Depoimento prestado pela testemunha «AA», constante da gravação da audiência realizada no dia 03/03/2020, entre 00:20:32 e 00:21:18, entre 01:25:33 e 01:26:47 (horas, minutos, segundos), gravado através do sistema digital de 00:06:22 e 01:53:25;
17.6.3. «BB», constante da gravação da audiência realizada no dia 03/03/2020, entre 03:30:04 e 03:32:18, entre 03:33:17 e 03:34:19 (horas, minutos, segundos), gravado através do sistema digital de 03.27.12 a 03.39.23;
17.6.4. Depoimento prestado pela testemunha «CC», constante da gravação da audiência realizada no dia 03/03/2020, entre 02:34:38 e 02:36:41 (horas, minutos, segundos), gravado através do sistema digital de 01.53.26 a 03.00.36.
17.7. “Após a apresentação da respectiva proposta de Orçamento e Projecto Tarifário (OPT) à entidade reguladora dos serviços de água e saneamento (ERSAR), esta emitiu parecer favorável à cobrança dos Valores Mínimos Garantidos para o ano de 2011”, tendo em consideração os seguintes meios probatórios:
17.7.1. Parecer do Conselho Directivo da ERSAR, datado de 08/03/2010, junto com o Requerimento da Recorrente de 12/02/2020 como Doc. 4;
17.7.2. Ofício 954/12, datado de 21/03/2012, junto pela Recorrente como Doc. 20 à Petição Inicial;
17.7.3. Ofício 2906/12, datado de 29/06/2012, junto pela Recorrente aos presentes autos no requerimento de 12/02/2020 como Doc. 5;
17.7.4. Despacho de aprovação do Orçamento e Plano Tarifário para 2011, junto pela Recorrente aos presentes autos no requerimento de 12/02/2020 como Doc. 2.
17.7.5. depoimento prestado pela testemunha «AA», constante da gravação da audiência realizada no dia 03/03/2020, entre 00:09:08 e 00:11:53, entre 00:34:36 e 00:39:18, entre 01:25:33 e 01:26:47 (horas, minutos, segundos), gravado através do sistema digital de 00:06:22 e 01:53:25;
17.7.6. depoimento prestado pela testemunha «BB», constante da gravação da audiência realizada no dia 03/03/2020, entre 03:30:04 e 03:32:18 (horas, minutos, segundos), gravado através do sistema digital de 03.27.12 a 03.39.23.
17.8. “O Concedente, ouvida a entidade reguladora ERSAR, veio a aprovar o Orçamento e Plano Tarifário da Sociedade Autora para 2011, de onde consta a cobrança dos referidos valores mínimos garantidos.”, tendo em consideração os seguintes meios probatórios:
17.8.1. Parecer do Conselho Directivo da ERSAR, datado de 08/03/2010, junto com o Requerimento da Recorrente de 12/02/2020 como Doc. 4;
17.8.2. Ofício 954/12, datado de 21/03/2012, junto pela Recorrente como Doc. 20 à Petição Inicial;
17.8.3. Ofício 2906/12, datado de 29/06/2012, junto pela Recorrente aos presentes autos no requerimento de 12/02/2020 como Doc. 5;
17.8.4. Despacho de aprovação do Orçamento e Plano Tarifário para 2011, junto pela Recorrente aos presentes autos no requerimento de 12/02/2020 como Doc. 2;
17.8.5. depoimento prestado pela testemunha «AA», constante da gravação da audiência realizada no dia 03/03/2020, entre 00:09:08 e 00:11:53, entre 00:34:36 e 00:39:18 (horas, minutos, segundos), gravado através do sistema digital de 00:06:22 e 01:53:25;
17.8.6. Depoimento prestado pela testemunha «BB», constante da gravação da audiência realizada no dia 03/03/2020, entre 03:30:04 e 03:32:18 (horas, minutos, segundos), gravado através do sistema digital de 03.27.12 a 03.39.23;
17.8.7. Depoimento prestado pela testemunha «CC», constante da gravação da audiência realizada no dia 03/03/2020, entre 02:34:38 e 02:36:41 (horas, minutos, segundos), gravado através do sistema digital de 01.53.26 a 03.00.36.
17.9. “Após a completa infra-estruturação do sistema multimunicipal, a Recorrente passou a ter capacidade para abastecer os concelhos abrangidos pelo sistema,
entre os quais o Município ...”, tendo em consideração os seguintes meios probatórios:
17.9.1. Depoimento prestado pela testemunha «AA», constante da gravação da audiência realizada no dia 03/03/2020, entre 00:11:53 e 00:13:31, entre 00:47:27 e 00:51:27 (horas, minutos, segundos), gravado através do sistema digital de 00:06:22 e 01:53:25;
17.9.2. Depoimento prestado pela testemunha «CC», constante da gravação da audiência realizada no dia 03/03/2020, entre 02:25:14 e 02:28:19 (horas, minutos, segundos), gravado através do sistema digital de 01.53.26 a 03.00.36.
17.10. “Os Valores Mínimos Garantidos aplicados ao Réu foram calculados de acordo com o projecto de revisão ao contrato de concessão.”, tendo em consideração os seguintes meios probatórios:
17.10.1. Ofício 954/12, datado de 21/03/2012, junto pela Recorrente como Doc. 20 à Petição Inicial;
17.10.2. Depoimento prestado pela testemunha «AA», constante da gravação da audiência realizada no dia 03/03/2020, entre 00:09:08 e 00:11:53, entre 00:16:41 e 00:19:50, entre 00:34:36 e 00:42:05 (horas, minutos, segundos), gravado através do sistema digital de 00:06:22 e 01:53:25;
17.10.3. Depoimento prestado pela testemunha «BB», constante da gravação da audiência realizada no dia 03/03/2020, entre 03:30:49 e 03:34:19, entre 03:35:10 e 03:38:31 (horas, minutos, segundos), gravado através do sistema digital de 03.27.12 a 03.39.23.
17.11. “O Município Réu apenas consumiu Serviços de Abastecimento de Água, durante os primeiros 10 meses do ano de 2011, [n]o montante de € 443.008,99 (quatrocentos e quarenta e três mil e oito euros e noventa e nove cêntimos)”, tendo em consideração os seguintes meios probatórios:
17.11.1. Ofício 954/12, datado de 21/03/2012 e respectiva nota de débito n.° 2300000057, junto pela Recorrente como Doc. 20 à Petição Inicial;
17.11.2. Depoimento prestado pela testemunha «AA», constante da gravação da audiência realizada no dia 03/03/2020, entre 00:09:08 e 00:11:53, entre 00:16:41 e 00:19:50, entre 00:34:36 e 00:42:05 (horas, minutos, segundos), gravado através do sistema digital de 00:06:22 e 01:53:25;
17.11.3. Depoimento prestado pela testemunha «BB», constante da gravação da audiência realizada no dia 03/03/2020, entre 03:30:49 e 03:34:19, entre 03:35:10 e 03:38:31 (horas, minutos, segundos), gravado através do sistema digital de 03.27.12 a 03.39.23;
17.11.4. Depoimento prestado pela testemunha «DD», constante da gravação da audiência realizada no dia 03/03/2020, entre 03:41:32 e 03:42:30 (horas, minutos, segundos), gravado através do sistema digital de 03:39:28 e 03:48:56.
17.12. “O Valor Mínimo Garantido previsto na proposta de revisão ao contrato de concessão para os 10 primeiros meses do ano de 2011 é de € 1.367.500,02 (um milhão, trezentos e sessenta e sete mil e quinhentos euros e dois cêntimos) tendo em consideração os seguintes meios probatórios:
17.12.1. Ofício 954/12, datado de 21/03/2012 e respectiva nota de débito n.° 2300000057, junto pela Recorrente como Doc. 20 à Petição Inicial;
17.12.2. Depoimento prestado pela testemunha «AA», constante da gravação da audiência realizada no dia 03/03/2020, entre 00:09:08 e 00:11:53, entre 00:16:41 e 00:19:50, entre 00:34:36 e 00:42:05 (horas, minutos, segundos), gravado através do sistema digital de 00:06:22 e 01:53:25;
17.12.3. Depoimento prestado pela testemunha «BB», constante da gravação da audiência realizada no dia 03/03/2020, entre 03:30:49 e 03:34:19, entre 03:35:10 e 03:38:31 (horas, minutos, segundos), gravado através do sistema digital de 03.27.12 a 03.39.23. ;
17.12.4. Depoimento prestado pela testemunha «DD», constante da gravação da audiência realizada no dia 03/03/2020, entre 03:41:32 e 03:42:30 (horas, minutos, segundos), gravado através do sistema digital de 03:39:28 e 03:48:56.
17.13. “No ano 2011 o Município ... não consumiu a água fornecida pela A... pelas razões elencadas no documento transcrito no facto provado n.° 14 — actuação que integra a violação do exclusivo.”, sendo que, tal facto sempre deverá ser dado por provado, tendo em consideração os seguintes elementos probatórios:
17.13.1. Contrato de Concessão, junto como documento n.° 1 à Petição Inicial;
17.13.2. Ofício 14240, datado de 14/12/2010, junto aos autos na sessão de audiência de julgamento de 03/03/2020 — facto provado n.° 14;
17.13.3. Depoimento prestado pela testemunha «AA», constante da gravação da audiência realizada no dia 03/03/2020, entre 00:09:08 e 00:11:53 (horas, minutos, segundos), gravado através do sistema digital de 00:06:22 e 01:53:25;
17.13.4. Depoimento prestado pela testemunha Eng.° «EE», constante da gravação da audiência realizada no dia 03/03/2020, entre 02:19:53 e 02:58:28 (horas, minutos, segundos) através do sistema digital de 01.55.10 a 03.00.35;
17.13.5. Depoimento prestado pela testemunha Eng.° «FF», constante da gravação da audiência realizada no dia 03/03/2020, entre 03:07:39 e 03:12:44 (horas, minutos, segundos), através do sistema digital de 03.01.30 a 03.27.03;
17.13.6. Depoimento prestado pela testemunha Eng.° «GG», constante da gravação da audiência realizada no dia 03/03/2020, entre 04:02:36 e 04:15:53 (horas, minutos, segundos), através do sistema digital de 03.49.13 a 04.43.10.
17.14. “A A... realizou todas as infra-estruturas previstas no contrato de concessão para abastecer o Município ..., tendo ficado concluídas em 2009”, sendo que, tal facto sempre deverá ser dado por provado, tendo em consideração os seguintes elementos probatórios:
17.14.1. Contrato de Concessão, junto como documento n.° 1 à Petição Inicial;
17.14.2. Depoimento prestado pela testemunha Eng.° «FF», constante da gravação da audiência realizada no dia 03/03/2020, entre 03:03:52 e 03:05:43 (horas, minutos, segundos), através do sistema digital de 03.01.30 a 03.27.03.

18. Posto isto, tendo em consideração, quer a prova documental junta aos presentes autos, quer a prova testemunhal produzida em sede de audiência de discussão e julgamento (devidamente referenciada nas conclusões supra e devidamente transcrita no corpo das presentes alegações - para o qual se remete), surge mais que evidente que deve a presente acção ser julgada por provada e procedente, porquanto a Recorrente provou, quer a legalidade e legitimidade para a cobrança dos valores mínimos garantidos, quer a exigibilidade dos mesmos ao Recorrido — pelo que deve ser alterada a decisão proferida pelo douto Tribunal a quo.

19. Tal como dispõem Base XXVIII do Decreto-Lei n.° 319/94 (base da concessão do sistema de abastecimento de água) na versão alterada pelo DL 195/2009, que prevalece sobre a Cláusula 16.ª do contrato de concessão — os Valores Mínimos Garantidos devem ser cobrados aos Municípios Utilizadores sempre que o valor resultante da facturação da utilização do serviço seja inferior àqueles, enquanto equilíbrio-económico financeiro do contrato durante o primeiro-terço da concessão, ou quando o valor resultante da facturação for inferior aos mínimos por motivo imputável ao Utilizador, durante o segundo-terço da concessão
- Cfr. facto a aditar 17.1 supra.

20. In casu, os valores mínimos garantidos aqui peticionados diziam respeito, ainda, ao primeiro terço da concessão, pelo que sempre são devidos pelo Município ... enquanto equilíbrio-económico financeiro do contrato de concessão
— Cfr. facto a aditar 17.1 supra.

21. Resultou cabalmente provado através do depoimento da testemunha Dr. «AA» que, à data dos factos, era o Administrador da Autora com pelouro nos departamentos financeiros da mesma, em 2010 a sociedade encontrava-se em falência técnica, devido ao prejuízo acumulado nos vários anos de investimentos na infra-estruturação do sistema, bem como devido ao facto de a empresa não ter atingido, durante aqueles anos, o volume de actividade previsto no contrato de concessão (a empresa apenas estava a atingir cerca de 50% da facturação prevista), pelo que existiu a necessidade de expor esta sua situação aos accionistas, através da Assembleia Geral, tendo-se solicitado um reequilíbrio da concessão
— Cfr. facto a aditar 17.4,17.5 e 17.6, supra.

22. Tal falência técnica reportava-se a um valor de cerca de € 25.000.000,00 (negativos) de prejuízos acumulados, conforme foi quantificado pela testemunha Dra. «BB», que à data dos factos pertencia ao departamento responsável pela elaboração dos orçamentos da sociedade
— Cfr. facto a aditar 17.4 supra.

23. Pelo que, era necessário accionar todos os mecanismos de financiamento da empresa concessionária que, segundo o contrato e as bases da concessão, passavam pelo aumento das tarifas e a cobrança dos valores mínimos garantidos
- Cfr. facto a aditar 17.6 supra.

24. Todas estas questões foram debatidas na reunião de accionistas de Dezembro de 2010, que contou com a presença dos Municípios Utilizadores, tendo ainda acrescentado que, já em Março de 2010, e aquando [d]a apresentação das contas da sociedade, já se havia informado todos os accionistas da necessidade de se proceder a um reequilíbrio económico-financeiro da concessão
- Cfr. facto a aditar 17.5 e 17.6 supra.

25. O Recorrido conhecia pessoalmente da situação de falência técnica da empresa concessionária, bem como conhecia quais os mecanismos de restabelecimento do equilíbrio económico-financeiro da concessão que iriam ser accionados a favor da mesma, não só porque os mesmos resultam do disposto no contrato e nas bases da concessão, mas principalmente porque aqueles foram amplamente debatidos em sede de Assembleia Geral de Accionistas, que contou com a presença dos Municípios Utilizadores
— Cfr. facto a aditar 17.5 e 17.6 supra.

26. Resultou ainda provado através do depoimento prestado pelas testemunhas arroladas pela Recorrente, Dr. «AA» e Eng.° «CC» que, no caso do Município ..., os investimentos previstos no contrato de concessão já se encontravam concluídos no ano de 2010, datas em que o sistema já se encontrava em exploração - data em que a sociedade concessionária cobrou o diferencial entre o montante facturado e o montante previsto — tal como comunicado ao Recorrido e que resulta provado através do Documento 3 junto à Petição Inicial
- Cfr. facto a aditar 17.9 supra.

27. ficou ainda provado através dos depoimentos prestados que o aqui recorrido não poderia desconhecer a aplicação e cobrança dos valores mínimos garantidos, porquanto tal receita se encontrava prevista no orçamento da empresa (OPT), apresentado em Assembleia de Accionistas e que veio a ser devidamente aprovado pelo Estado, instruído por parecer favorável da entidade reguladora, e que incluía quer a tarifa proposta para o ano de 2011, quer a aplicação dos valores mínimos
- Cfr. facto a aditar 17.7 e 17.8 supra.

28. Sendo ainda de referir que, os Valores Mínimos aplicados nos presentes autos apenas tiveram em consideração os primeiros 10 meses do ano de 2011, porquanto os mesmos foram apenas aplicados enquanto mecanismo de reequilíbrio económico-financeiro da concessão
- Cfr. facto a aditar 17.1 e 17.12 supra.

29. Pelo que, os valores mínimos fixados na proposta de revisão do contrato de concessão para o ano de 2011, aplicados aos presentes autos, foram no montante de € 1.367.500,02
- Cfr. facto a aditar 17.10 e 17.12 supra.

30. Assim, e uma vez que o Município ... apenas consumiu durante os primeiros 10 meses de 2011 o montante de € 443.008,99 (Cfr. facto a aditar 17.11 supra), foi-lhe cobrado o montante de € 924.491,03, que corresponde, exactamente, ao diferencial entre o montante previsto na proposta de revisão ao contrato de concessão de € 1.367.500,02, e o montante de € 443.008,99, efectivamente consumido e facturado ao Município ...;

31. Motivo pelo qual, e considerando que todos os 14 pontos de facto cujo aditamento se requereu supra constituem, ou factos complementares (que decorrem da própria lei e respectivos contratos), ou factos instrumentais (relacionados com os próprios normativos que enformam juridicamente a matéria relativa aos Valores Mínimos Garantidos), que sempre deveriam ter sido adquiridos pelo douto Tribunal a quo durante a fase de instrução dos presentes autos, quer através da prova documental produzida, quer através dos depoimentos prestados pelas testemunhas, deverá este douto Tribunal ad quem proceder à alteração da decisão de facto proferida, nos termos melhor requeridos na conclusão 17ª da presente, porquanto incorreu o douto Tribunal de l.ª instância em manifesto erro de julgamento — o que se requer.

32. Sem prescindir, sempre se diga que a determinação do valor mínimo garantido resulta de mero cálculo aritmético e da aplicação do índice de actualização de preços para o ano 2011, os quais resultam de factos públicos e notórios.

Cumulativamente,

33. DEVERÁ SER ELIMINADO DO PROBATÓRIO O FACTO N.° 24: “24
- Verificaram-se atrasos pela A. na execução ou conclusão de pontos de entrega de água e sistemas de tratamento de águas residuais e emissários, previstos no contrato de concessão para o concelho .... porquanto nenhuma conexão, nem qualquer relevo, apresentam com a decisão proferida (nem com a decisão a proferir) — contrariando o enunciado na própria sentença, quando diz que “consideram-se provados os seguintes factos com relevância para a decisão a proferir.

Cumulativamente,
34. QUANTO AO RECURSO SOBRE A MATÉRIA DE DIREITO, cumpre desde já referir que o douto Tribunal a quo comete vários erros de julgamento quanto à decisão de direito proferida, concretamente:
34.1. Erros materiais - violação de lei substantiva de que padece a decisão proferida; e violação da lei adjectiva relativa ao ónus de alegação e prova de factos instrumentais/complementares de factos essenciais;
34.2. Padecendo a sentença de várias nulidades processuais;
35. Considera a Recorrente que o Tribunal a quo cometeu os seguintes erros de julgamento de natureza substantiva:
i. Erra no julgamento de Direito ao admitir que a convenção das partes (Concessionária e Municípios utilizadores) estabelecida nos contratos de fornecimento relativamente à exigibilidade do requisito da Receita Global prevalece sobre a LEI (BASES XXVIII DA CONCESSÃO, em qualquer das versões legalmente aprovadas) e sobre o CONTRATO DE CONCESSÃO (celebrado entre o Estado e a Concessionária), OU SEJA, ENTENDE O TRIBUNAL A QUO QUE:
ii. Os sucessivos Diplomas Legais que aprovaram as Bases da Concessão são derrogáveis e que, de resto, as BASES XXVIII nunca vigoraram, na concessão da A....
ili, A reserva relativa de lei ao abrigo da qual o Governo fixou as Bases da Concessões por Decreto-Lei, também ela pode ser contratualmente afastada.
IGNORANDO O TRIBUNAL A QUO QUE:
iv. Os contratos de fornecimento prevêem no seu clausulado duas cláusulas com soluções totalmente distintas para a aplicação dos Valores Mínimos Garantidos (Cláusula 3 */4 — não conforme com as Bases da Concessão e tida em consideração pelo Tribunal a quo) e Cláusula 1.2 do Anexo 2 (conforme com as Bases da Concessão - ignorada pelo Tribunal a quo);
v. Finalmente, que os Contratos de Fornecimento prevêem nas Cláusulas 7.a que a respectiva vigência fica subordinada à do contrato de concessão.
36. Em primeiro lugar, revela-se inadmissível o entendimento seguido pelo Tribunal ao considerar que os contratos de fornecimento, celebrados entre a Concessionária A... e os Municípios utilizadores dos sistemas, prevalecem sobre o disposto nos diplomas legais que aprovaram as Bases da Concessão, assim como, sobre o próprio contrato de concessão, que, nos termos do artigo 7.° dos contratos de fornecimento, comanda a vigência destes.
37. Em segundo lugar a decisão proferida pelo Tribunal a quo é também inadmissível ao considerar que a Cláusula 3.a/4 (parte final) dos contratos de fornecimento prevalece ainda perante a cláusula inserta no mesmo contrato de fornecimento, ponto 1.2 do Anexo 2, cuja redação se encontra absolutamente conforme com as Bases da Concessão, mas que foi absolutamente ignorada pelo Tribunal a quo na sua decisão.

38. Vejamos que, sempre deverá este douto Tribunal ad quem concluir que a parte final da Cláusula 3.a/ n.° 4 - parte final do contrato de fornecimento de água —, é nula — pois que:
38.1. resulta inequívoco que a BASE XXVTQ, aprovada pelo DL 195/2009, integra uma norma legal imperativa, inderrogável por vontade das partes;
38.2. Considerando que a sujeição da aplicação dos Valores Mínimos Garantidos a uma condição (Receita Global ser inferior à prevista no orçamento para esse ano), a qual não se encontra prevista na lei, resulta então que a parte da condição é nula nos termos previstos no artigo 294.° do C. Civil, que estabelece a regra da nulidade para a violação de lei imperativa. Submetendo-se a nulidade ao regime da redução do negócio jurídico, nos termos do disposto no artigo 292.° do Código Civil;
38.3. Sendo certo que, admitindo-se que o objecto dos contratos é passível de contrato de direito privado, terá aplicação o regime das invalidades de negócio jurídico previsto no Código Civil.
38.4. Pelo que a Cláusula 3.ª/4 dos contratos de fornecimento deverá ser reduzida na sua parte final, devendo a mesma ser dada por não escrita, eliminando-se a sujeição da aplicação dos valores mínimos garantidos à condição da receita global da sociedade.

SEM PRESCINDIR,

39. Caso assim não se entenda, ou seja, caso se considere aplicável o regime de invalidades do CPA, sempre deverá este douto Tribunal Superior decidir pela verificação do vício de Usurpação de Funções - Nulidade - artigo 133.°/2, al. a) do CPA (versão aplicável), pois que:
39.1. é evidente a falta de poderes de conformação da concessionária e dos municípios utilizadores para imporem condições não previstas na lei para a aplicação dos Valores Mínimos Garantidos, conforme previstos nas Bases XXVIH da concessão, as quais foram fixadas pelo Governo, no uso do seu poder legislativo, ao abrigo dos poderes que lhe são conferidos pelo artigo 198.°/1, al. a) da CRP, em matéria com reserva relativa de lei;
39.2. Pelo que, tratando-se de uma matéria reservada ao poder legislativo, não poderiam as partes contratantes (concessionária e municípios) acordar condições distintas das prevista no diploma aprovado pelo governo para a aplicação dos valores mínimos garantidos, sob pena de incorrerem em vício de usurpação de poderes;
39.3. Porquanto sempre deverá aplicar-se o regime da nulidade (vício de usurpação de poder) prevista no artigo 133.°/2, al. a), do CPA (na versão aplicável);
39.4. Nulidade que ora se invoca, para os devidos efeitos, previstos no artigo 134° do CPA (versão em vigor à data), o qual não produz quaisquer efeitos jurídicos, independentemente da declaração de nulidade, sendo a mesma invocável a todo o tempo.

SEM PRESCINDIR,

40. Sempre deverá este douto Tribunal ad quem concluir pela prevalência da Cláusula do Contrato de Fornecimento conforme com as Bases da Concessão e com o Contrato de Concessão - Cláusula 1.2 do Anexo 2 ao Contrato de Fornecimento, em detrimento da parte final da Cláusula 3.ª/4 do mesmo contrato, pois que:
40.1. Vejamos que a referida cláusula revela uma solução de cobrança e facturação dos valores mínimos garantidos: a) Conforme com o estabelecido nas Bases de Concessão em vigor à data da celebração do contrato, isto é, com a redacção atribuída pelo DL 319/94; b) Conforme com a Cláusula 16.a do Contrato de Concessão; c) Distinta da cláusula 3.a/4 do contrato de fornecimento;
40.2. De onde resulta que, perante duas regras distintas, o TAF considerou aquela que inovava face ao previsto nas Bases da Concessão e no Contrato de Concessão, exigindo um requisito adicional (relativo à Receita Global da Sociedade), e ignorando, simplesmente, a cláusula que se revelava conforme com aquelas.
40.3. Cometendo um claro erro de julgamento ao ignorar, com isso, também, as boas regras de interpretação dos contratos, e dessa forma, a evidente prevalência da redacção que se mostrava conforme e dentro dos ditames previstos na lei e no contrato de concessão.

SEM PRESCINDIR,

41. Considera a Recorrente que o douto Tribunal a quo comete, ainda, um erro de julgamento quando ignorou que os contratos de fornecimento dependessem expressamente dos termos da vigência do contrato de concessão, por efeitos do disposto na Cláusula 7.ª do contrato de fornecimento, nos termos do qual “a vigência do presente contrato fica subordinada à do contrato de concessão.”, admitindo que o DL 195/2009 apenas altera os contratos de concessão por efeito do disposto no artigo 10.° do DL 195/2009, nos termos do qual o decreto-lei prevalece sobre os contratos de concessão em vigor.
42. Ora, tal solução não é legalmente admissível, desde logo:
42.1. Primeiro, porque consubstanciaria uma forma de impedir a produção de efeitos, quer do próprio decreto-lei, concedendo aos outorgantes dos contratos de fornecimento (dos quais não faz parte o concedente) o poder de obstar aos efeitos do diploma aprovado ao abrigo do poder legislativo, como, também, seria uma forma de impedir a produção de efeitos do próprio contrato de concessão, que de outra forma ficaria esvaziado, assim como o próprio DL 195/2009, em todas as matérias que, por acaso, estivessem abrangidas pelos contratos de fenecimento, apesar de não tratarem de aspectos próprios a regular por via destes contratos, mas em que, indevidamente, se replica ou inova face ao previsto na lei e no contrato de concessão.
42.2. Segundo, porque ignora a sujeição expressa do contrato de fornecimento ao contrato de concessão, por via da Cláusula 7.a do contrato de fornecimento, ou seja, como se tratassem de contratos em cadeia, cujos efeitos se repercutem em cadeia num sentido de hierarquia superior para inferior.
42.3. Terceiro, a própria redacção da BASE XXVIII das Bases da Concessão, no seu elemento literal, dispõem sempre sobre os contratos de concessão e os de fornecimento celebrados ao seu abrigo — logo, nunca faria qualquer sentido dissociar uns dos outros;
42.4. Ou seja, no limite, e a admitir-se a solução propugnada pelo Tribunal a quo, estaria em causa uma interpretação de situação de fraude lei.

43. Neste sentido, veja-se o Ac. do STJ, de 20.10.2009, Proc. 115/09.0TBPTL.S1, in www.dgsi.pt. acerca das soluções adoptadas em fraude à lei.

44. Pelo que sempre deverá este douto Tribunal ad quem decidir pela Terá (SIC) aplicação, do disposto na 2.ª parte do artigo 12.° do C. Civil, nos termos do qual, a lei tem aplicação directa às relações já constituídas, alterando o conteúdo das mesmas.

45. Pelo que resulta inequívoco que, com a entrada em vigor do DL 195/2009, a 10 de Janeiro de 2010, se alteraram os termos do contrato de concessão e, por conseguinte, dos contratos de fornecimento, por força da cláusula 7.a do contrato de fornecimento, passando o mesmo a distinguir as condições de aplicação dos valores mínimos garantidos no primeiro terço da concessão, e no segundo terço da concessão (vide, BASE XXVIII para o abastecimento de água).
46. Pelo que apenas se poderá concluir que:
46.1. No primeiro terço da concessão, ou seja, até Outubro de 2011, os valores mínimos garantidos, enquanto condição de equilíbrio da concessão, são exigidos ao Réu/Recorrido, pela diferença entre o valor facturado e o valor mínimos garantidos fixados para esse mesmo período;
46.2. No segundo terço da concessão, ou seja, relativamente aos meses de Novembro e Dezembro de 2011, os valores mínimos garantidos são exigíveis, pela diferença entre o valor facturado e os valores mínimos garantidos fixados para esse mesmo período, porquanto a diferença de facturação é imputável ao Réu, por ter violado a exclusividade da concessão — o que não se verificou nos presentes autos, pelo que apenas se aplicaram mínimos enquanto mecanismo de reequilíbrio da concessão.

47. Sem prescindir, ou seja, caso este Tribunal de recurso entenda que é exigível o requisito da Receita da Sociedade ser inferior à prevista em orçamento, o que apenas se admite por mera hipótese de raciocínio, sempre se deverá considerar que a mesma se deverá julgar como provada.

48. Pois que, admitindo-se a falta de alegação destes factos, e tendo sido omitida em sede de saneamento do processo o convite ao aperfeiçoamento, deverá considerar-se que a mesma se considerou suprida em fase de instrução — até porque tais factos foram expressamente acolhidos pelos temas da prova e naturalmente pela prova produzida, designadamente testemunhal — neste sentido o Ac. do TRG, de 18/12/2017, processo 3756/12.4TBGMR.G1, in www.dgsi.pt., p. 11/16;

49. Pelo que, maxime, tal factualidade sempre deverá ser tida como complementar/instrumental, no sentido em que concretiza e densifica o facto essencial da causa de pedir.

50. Motivo pelo qual apenas se poderá concluir pela integral procedência da acção.
SEM PRESCINDIR,
51. E caso assim não se entenda, ou seja, caso se entenda que os factos complementares em causa terão que ser alegados, então sempre deverá este douto Tribunal ad quem considerar a sentença nula, por violação de Lei Adjectiva de que padece a decisão proferida, incluindo por existirem nulidades processuais, concretamente:
51.1. Preterição do convite ao aperfeiçoamento, por preterição indevida do acto de convite ao aperfeiçoamento (artigo 590.°/1 al. b) e n.° 4 do CPC), e, consequentemente tem de se declarar a nulidade da decisão recorrida, nos termos do artigo 195.°/1 e 2 do CPC — nesse sentido, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 03-12-2020, melhor transcrito nas alegações;
51.2. A violação do princípio do contraditório, ínsito no artigo 3.° do CPC, aplicável, ex vi, artigo 1.° do CPTA, considerando que a presente decisão consubstancia uma verdadeira decisão-surpresa, inadmissível no quadro legal processual português, constituindo, inclusive, uma manifestação da tutela jurisdicional efectiva, consagrada no artigo 20.° da CRP — a qual consubstancia uma verdadeira Nulidade da Sentença, nos termos do disposto no artigo 615.71, al. d) do CPC.

52. Assim, deverá também ser REVOGADA A SENTENÇA, nestes segmentos decisórios, por manifesto erro de julgamento quanto à matéria de direito.

53. A Sentença recorrida é ilegal, porquanto viola, entre outras, as seguintes disposições legais: 294.° do C. Civil; 292.° do Código Civil; 185.° do CPA; artigo 133.°/2, al. a) do CPA (versão aplicável); 198.71, al. a) da CRP; artigo 134.° do CPA (versão em vigor à data); artigo 590.°/1 al. b) e n.° 4 do CPC; 195.71 e 2 do CPC, 3.° do CPC; 615.71, al. d) do CPC; 590.72, al. b) e n.° 4 do CPC; artigo 20.° da CRP, artigo 608.72 do CCP; Artigo 10.71 do Decreto- Lei n.° 270-A/2001; Artigo 5.71 do DL 319/94, de 24 de Dezembro; Cláusula 16.ª do Contrato de Concessão celebrado entre o Estado Português e a sociedade [SCom02...], de 26.10.2001; BASE XXVIII do DL 319/2014, de 24 de Dezembro (na redacção do DL 195/2009); Artigo 10.° DL 195/2009.

Termos em que

E nos melhores de Direito, com o sempre mui douto suprimento de V. Exas, deverá o presente recurso jurisdicional ser julgado integralmente procedente por provado, revogando-se a sentença recorrida, substituindo-se a mesma por outra que julgue a acção procedente.»

Notificado, o Réu não respondeu à alegação.

O Digno Magistrado do Ministério Público neste Tribunal foi notificado apara os efeitos do artigo do artigo 146º CPTA.

Dispensados os vistos, nos termos do artigo 657º nº 4 do CPC, cumpre apreciar e decidir.

III- Âmbito dos recursos e questões a decidir
Conforme jurisprudência pacífica, o âmbito do recurso é delimitado pelo objecto das conclusões das alegações.
Assim:
As questões colocadas a este tribunal de recurso são as seguintes:

1ª Questão
A sentença recorrida é nula, conforme decorre do artigo 195º nºs 1 e 2 do CPC, por, apesar de julgar a acção improcedente por falta de alegação de factos – complementares – enunciados na conclusão 17, não ter sido feito oportunamente o convite ao aperfeiçoamento no sentido da alegação de tais factos, com o que se violou o artigo 590º nº 1 alª b) do CPC e se proferiu uma decisão surpresa, em violação do princípio do contraditório e do artigo 3º do CPC.

2ª Questão
O Tribunal a quo errou no julgamento “em matéria de facto, pois que não considerou por provados factos cuja alegação se extrai do que foi arguido pela Recorrente, bem como da prova produzida em sede de audiência e discussão de julgamento”, ou que são factos complementares (que decorrem da própria lei e respectivos contratos), ou factos instrumentais (relacionados com os próprios normativos que enformam juridicamente a matéria relativa aos Valores Mínimos Garantidos), designadamente os factos elencados na conclusão 17, provados pelos meios de prova aí também elencados, com o que violou os artigos 608º nº 2 e 413º do CPC, ““pois que “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, tomando em consideração “todas as provas produzidas, tenham ou não emanado da parte que devia produzi-la””?

3ª questão
Sem prescindir, a sentença sempre errou no julgamento de direito ao decidir com fundamento em que não haviam sido alegados os factos necessários à condenação no pagamento do valor mínimo garantido peticionado, “porque este resulta de mero cálculo aritmético e da aplicação do índice de actualização de preços para o ano 2011, os quais resultam de factos públicos e notórios” cf. concl. nº 32?

4ª Questão
DEVERÁ SER ELIMINADO DO PROBATÓRIO O FACTO N.° 24: “- Verificaram-se atrasos pela A. na execução ou conclusão de pontos de entrega de água e sistemas de tratamento de águas residuais e emissários, previstos no contrato de concessão para o concelho ...” porquanto nenhuma conexão, nem qualquer relevo, apresenta com a decisão proferida (nem com a decisão a proferir)” – cf. concl. 33?

5ª questão
Erra, a sentença recorrida, no julgamento de Direito ao admitir que a convenção das partes (concessionária e municípios utilizadores) estabelecida nos contratos de fornecimento, relativamente à exigibilidade do requisito da Receita Global para a o obrigação de pagamento de valores mínimos, prevalece sobre a LEI (BASES XXVIII DA CONCESSÃO” aprovada pelo Decreto-Lei n.° 319/94 , “em qualquer das versões” – a original e a introduzida pelo DL nº 195/2009 – e sobre o CONTRATO DE CONCESSÃO (celebrado entre o Estado e a Concessionária)?

Sem prescindir quanto às anteriores questões:
6ª Questão.
Sempre a sentença recorrida erra no julgamento de direito ao confirmar a prevalência da cláusula 3ª.4 (parte final) do contratos de fornecimento - desconforme com a Lei – sobre o clausulado resultante do ponto 1.2 do Anexo 2 do mesmo contrato – absolutamente conforme com a Lei de bases e ignorado pela mesma sentença?

7ª Questão
O Tribunal a quo comete, ainda, um erro de julgamento quando ignora que os contratos de fornecimento dependiam dos termos da vigência do contrato de concessão, por efeitos do disposto na Cláusula 7.ª do contrato de fornecimento, nos termos do qual “a vigência do presente contrato fica subordinada à do contrato de concessão.”, julgando, com tal fundamento, que o DL 195/2009 apenas altera os contratos de concessão, por efeito do disposto no artigo 10.° do DL 195/2009, nos termos do qual o decreto-lei prevalece sobre os contratos de concessão em vigor – isto é, não também sobre os contratos de fornecimento?


IV – Apreciação do Recurso
A decisão recorrida em matéria de facto foi a seguinte:
«Consideram-se provados os seguintes factos com relevância para a decisão a proferir:

1. Através de contrato de concessão outorgado em 26.10.2001, o Estado Português atribuiu à «[SCom02...], S.A.», por um prazo de 30 anos, a concessão da exploração e gestão do Sistema Multimunicipal de Abastecimento de Água e de Saneamento de Trás-os-Montes e Alto Douro para captação, tratamento e distribuição de água para consumo público e para recolha, tratamento e rejeição de efluentes de vários municípios, de entre os quais o Município ... (cf. documento n.° 01 junto com a p.s.);
2. Do contrato de concessão referido no ponto anterior constam cláusulas com, além do mais, o seguinte teor:
“(•••)
Cláusula 16. ª
(Fixação das tarifas ou valores garantidos)
1. Os valores mínimos (a corrigir em cada ano de acordo com a variação do índice de preços no consumidor, divulgado pelo Instituto Nacional de Estatística em relação ao ano anterior) a receber anualmente pela concessionária como condição do equilíbrio económico-financeiro da concessão são garantidos pelos utilizadores e resultarão da aplicação aos caudais anuais que constam do Anexo IV da tarifa adoptada para o respectivo ano no estudo de viabilidade económico-financeira que constitui o Anexo III.

2. Enquanto não for possível proceder à medição dos caudais, por razões de ordem técnica, designadamente decorrente da articulação dos sistemas municipais com as condutas e os interceptores do sistema, os valores a receber pela concessionária coincidirão com os valores mínimos a que se refere o número I.
(...)

Cláusula 17.ª
(Revisão de tarifas)
1. A alteração do preço do metro cúbico de água e de efluente depende sempre de prévia aprovação do concedente, cabendo à concessionária apresentar para o efeito um projecto devidamente fundamentado.
2. O projecto de alteração deve respeitar os critérios definidos nos números 5 e 6 e inserir-se no orçamento anual submetido à aprovação do concedente, até ao final do mês de Setembro do ano anterior; com detalhe de proveitos e custos de exploração previsionais, sendo acompanhado por parecer do auditor; aceite pelo concedente, sobre a respectiva razoabilidade.
3. O concedente deverá pronunciar-se sobre o orçamento e o projecto tarifário nele incluído, no prazo de sessenta dias, findo o qual se considera o projecto aprovado,
(•••)
5. O cálculo da tarifa média anual de referência resultante de alteração, a propor ã aprovação do concedente, englobará, de acordo com o disposto na cláusula 15ª e em estrita conformidade com os planos e orçamentos previsionais aprovados, os seguintes custos e encargos:
(...)
6. Serão obrigatoriamente abatidos os custos e encargos anuais os proveitos previsionais não decorrentes da própria cobrança tarifária, nomeadamente proveitos suplementares, eventuais subsídios à exploração e proveitos financeiros exceptuando os referentes aos rendimentos do fundo de renovação.
7. A tarifa média anual de referência resultante da alteração será calculada através da divisão dos custos e encargos anuais líquidos dos proveitos mencionados no número precedente, pelas quantidades previstas de água a disponibilizar para consumo ou de efluentes a recolher, negociadas anualmente com os utilizadores, sem prejuízo dos valores mínimos referidos na cláusula anterior.
8. A iniciativa das revisões previstas no n.° 3 da cláusula 16.ª e nesta cláusula cabe à concessionária, que as comunicará ao concedente para aprovação.
(...)
Cláusula 19.ª
(Construção das infra-estruturas)
A construção das infra-estruturas para efeitos do presente contrato compreende também, para além da sua concepção e projecto para desenvolvimento do projecto global constante do Anexo I, a aquisição, por via do direito privado ou de expropriação, dos terrenos necessários à sua implantação e, bem assim, a constituição das servidões necessárias.
(...)
Cláusula 22.ª
(Prazos de construção e data-limite para a entrada em serviço do sistema)
1. As obras previstas no projecto global constante do Anexo I deverão estar concluídas até
31 de Dezembro de 2006.
(...)”
(cf. documento n.° 01 junto com a p.í.);

3. Em 26.10.2001, foi celebrado entre o R. e a «[SCom02...], S.A.» um contrato intitulado “Contrato de Fornecimento entre o Município ... e a [SCom02...], S.A.”, com, além do mais, o seguinte teor:
“(...)
Cláusula 3ª
1. O regime tarifário a aplicar ao Município, reger-se-á pelo estabelecido no contrato de
concessão.
(...)
4. Os valores mínimos garantidos a entregar pelo Município, os quais constituem uma condição essencial do equilíbrio da concessão, são os fixados no Anexo 1. Até 31 de Dezembro de 2004, os valores mínimos fixados no anexo 1 poderão não ser garantidos, sem prejuízo da cláusula 16ª do contrato de concessão. Sem prejuízo do disposto no número seguinte, os valores mínimos serão garantidos sempre que, em cada ano, a receita global da Sociedade seja inferior à prevista no orçamento desse ano.
5. O Município garante à Sociedade o pagamento dos mínimos fixados no Anexo I para os sucessivos anos de utilização do Sistema, de acordo com as tarifas aplicáveis nos termos do n° 1 e da cláusula 4a, n° 2, com excepção das situações em que haja acordo com outro ou outros utilizadores, que pressuponha a alteração daqueles mínimos, e sem prejuízo do pagamento de todos os caudais verificados cujo valor ultrapasse esses mínimos.
(•••)”
(cf. documento n.° 02 junto com a p.i.);

4. Em 26.10.2001, foi celebrado entre o R. e a «[SCom02...], S.A.» um contrato intitulado “Contrato de Recolha de Efluentes entre o Município ... e a [SCom02...]”, com, além do mais, o seguinte teor:
“(...)
Cláusula 3ª
1. O regime tarifário e o regime de facturação e de pagamentos a aplicar ao Município, respeitantes à recolha de efluentes, reger-se-ão pelo estabelecido no contrato de concessão.
(•••)
4. Os valores mínimos garantidos a entregar pelo Município, os quais constituem uma condição essencial do equilíbrio da concessão, são os fixados no Anexo 1. Até 31 de Dezembro de 2004, os valores mínimos fixados no anexo 1 poderão não ser garantidos, sem prejuízo da cláusula 16ª do contrato de concessão. Sem prejuízo do disposto no número seguinte, os valores mínimos serão garantidos sempre que, em cada ano, a receita global da Sociedade seja inferior à prevista no orçamento desse ano.
5. A facturação será apresentada mensalmente e, quando, nos termos previstos no contrato de concessão, não resultar de medição, corresponderá a um duodécimo dos valores mínimos anuais previstos no mesmo.
(...)”
(cf. documento n.° 02 junto com a p.i.);

5. No âmbito da concessão referida no ponto 1., foram prestados pela A. ao R. serviços de saneamento e de fornecimento de água;

A A. emitiu e enviou ao R. as facturas e notas de crédito, nas datas e com os seguintes valores:

Nº fact. Valor serv. Valor TRH val. Iva Valor EUR data vencim
313038441913.961,710,00837.7014.799,4111/11/29
3130384453S.772,330.00526,349.298.7211/11/29
3130510173-144,400,00-S,66-153,0611/12/26
31303S44S1S.893,820,00533.639.427,4511/12/30
313038450913.3S0,520,00S02.S314.1S3.3511/12/30
3130510192-3.748,110,00-224,S°-3.973,0012/01/29
31305404131.231,150,0073.871305,0212/01/29
313038454110.507,720,00630.4611.138.1S12/01/29
313038456916.019,000,00961,1416 9S0.1412/01/29
3130384602S.66S,760,00520.139.1S8.S912/02/29
313038463014.S00.250,00SS8.0215.6SS.2712/02/29
31303846647.077,420,00424.657.502,0712/03/31
313038469313.527,170,00811,6314.338.8012/03/31
3130540449650,750,0039,056S9.S012/06/29
31305404771751,200,0075.071.326,2712/04/29
3130384725b.472,670,0038S,3ò6.361,0612/04/29
313038475014.835,270,00890.1215.725.3912/04/29
2300000507924.491,030,0055.469,46979.960,4912/04/29
313038478716.061^10,00963.6S17.024,9812/05/30
31303S4S207.041,950,00422,527.464.4712/05/30
31303S4S4S5.103,150,00306,495.414,6412/06/29
3130384S7620724.020,001.213.4421.437.4612/06/29
31303849094.738,080,00284,285.022,3612/07/30
313038493722.%9,690,001.361.8024.058.4912/07/30
31303849"06.643,990,00398,647.042,6312/08/29
313038499318.937,570,001.136,2520.073.8212/0S/29
(cf. documentos n.° 03 a 28 juntos com a p.i.);

7. As facturas n.ºs 3130384419, 3130384453, 3130384481, 3130384509, 3130384541, 3130384569 e 3130540418 foram pagas pelo R. em 01.08.2013 (cf. documentos n.ºs 10 a 15 e 34 juntos com a contestação e confissão — cf. requerimento apresentado pela A. em 02.09.2016, que faz fls. 630 do SITAF);

8. As facturas n.ºs 3130384602, 3130384630, 3130384664, 3130384693, 3130384725, 3130384750, 3130384787, 31303846820, 3130384848, 3130384876, 3130384937, 3130540449 e 3130540477 foram pagas pelo R. em 30.04.2013 (cf. documentos n.ºs 16 a 25, 28, 35 e 36 juntos com a contestação e confissão — cf. requerimento apresentado pela A. em 02.09.2016, que faz fls. 630 do SITAF);

9. As facturas n.ºs 3130384909 e 3130384970 foram pagas pelo R. em 31.01.2013 e em 03.06.2013 (cf. documentos n.ºs 26, 27, 29 e 30 juntos com a contestação e confissão — cf. requerimento apresentado pela A. em 02.09.2016, que faz fls. 630 do SITAF);

10. A factura n.° 3130384998 foi paga pelo R. em 03.01.2013, em 31.01.2013 e em 03.06.2013 (cf. documentos n.ºs 31 a 33 juntos com a contestação e confissão — cf. requerimento apresentado pela A. em 02.09.2016, que faz fls. 630 do SITAF);

11. A A. emitiu ao R. a nota de débito com o n.° 2300000057, datada de 29.02.2012 e com data de vencimento em 29.04.2012, no valor total de EUR 979.960,49, da qual consta uma descrição com, além do mais, o seguinte teor:
“Valores mínimos garantidos nos termos da cláusula 16.ª do Contrato de Concessão e da cláusula 3ª dos respectivos contratos de fornecimento de água e de recolha de efluentes.
Valor real facturado SAA em 2011 — 443.008,99 eur Valor mínimo garantido — 1.367.500,02 eur”
(cf. documento n.° 20 junto com a p.i.);

12. Tal nota de débito foi enviada ao R. através do ofício com ref.ª OF/954/12, datado de 21.03.2012 (cf. documento n.° 20 junto com a p.i.);

13. Através do ofício n.° 5711, de 03.05.2012, o R. devolveu à A., além do mais, a nota de débito referida nos pontos anteriores, recusando o seu pagamento por considerar que o valor cobrado pela A. não é devido
(cf. documento n.° 01 junto com a contestação);

14. Em 14.12.2010 o R. dirigiu à A. uma missiva com o n.° 14240 e o seguinte teor:
Em resposta ao vosso ofício ref. n. OF/6507/JO, vimos informar que a Câmara Municipal de Lamego não fará a cedência dc infra-estruturas dc abastecimento de água propriedade deste Município.
Efectivamente, tendo em consideração:
1 * As condições de tarifa de abastecimento de água praticadas pela A...;
2* A ameaça dc cobrança dc consumos mínimos, decorrentes dc um contrato de concessão leonino e superiores ao consumo total real do Município, donde decorreria o pagamento de água não fornecida;
3* A indefinição por parte do Grupo dc Águas de Portugal e do Governo relativamente à problemática da indispensável homogeneização da tarifa dc água em alta;
4- A indefinição por parte do Grupo ADP e do Governo face à proposta não concretizada de intervenção das A... na distribuição em baixa;
5- A impossibilidade do Município ... beneficiar de candidaturas ao POVT ou ao PO regional no âmbito do ciclo urbano da água, devido às indefinições anteriormente referidas;
Considerando, final mente, a total impossibilidade do Município ... continuar a suportar os custos decorrentes de um projecto que, sendo intermunicipal, é totalmente controlado pelo Governo, se encontra desadequado da realidade socioeconómica da região, não permitindo transferir para os consumidores os respectivos encargos sem provocar uma situação dc total injustiça face a outras regiões do país, vemo-nos impedidos dc continuar a manter uma relação comercial dc aquisição de água às A....
Face ao exposto, no decorrer do mês de Janeiro, iremos preparar as captações autónomas da Câmara Municipal de Lamego para reentrada em serviço o mais tardar a 1 de Fevereiro, caso até lá não haja qualquer evolução nas referidas matérias.
Mais informamos que desta posição daremos conhecimento a todos os accionistas na próxima assembleia geral.
(cf. documento junto aos autos pela A. na sessão de 03.03.2020 da audiência final de julgamento);

15. No início de 2011 foram encetados contactos entre o Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território (MAOT) e a Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) no sentido de criar um Fundo de Equilíbrio Tarifário (FETA);

16. Nesse seguimento, em 12.04.2011, a ANMP emitiu um parecer denominado “Fundo recolha e tratamento de águas residuais \ FETA”, com o seguinte teor:
“O Plano Estratégico ele Abastecimento de Água e Saneamento de Águas Residuais para o período de 2007 - 2013 (PEAAEAR II) prevê a possibilidade de criação dc mecanismos de perequação tarifária, enquanto contributos para o estabelecimento de um tratamento equitativo das diferences regiões do território nacional, atenta: as suas diferenças socioeconómicas e a acção dos fundos estruturais.
Desde há anos que a ANMP está empenhada na criação de tal mecanismo que permita corrigir a disparidade tarifária resultante não de opções políticas locais mas resultante, sim, de um conjunto de condicionalismos associados à prestação destes serviços como, por exemplo, condições geomorfológicas do território, dispersão e densidade populacional, diferentes taxas de comparticipação de projectos apoiado: por fundos comunitários, entre outros.
A correcção de tais assimetrias, se baseada apenas na actualização tarifária, poderia conduzir à elevação das tarifas para níveis socialmente incomportáveis, sobretudo nas regiões do país economicamente mais desfavorecidas, pelo que a criação de um fundo de perequação será a metodologia mais indicada.
Neste sentido, a Associação Nacional de Municípios Portugueses, em colaboração com a ERSÁR, deu início a uma série de estudos que lhe permitiram apresentar uma proposta de solução de perequação tarifária em baixa, concebida de forma a não incentivar a prática de tarifas artificialmente baixas, que não incutem uma utilização racional do recurso e, em consequência, geram gravíssimos problemas de sustentabilidade económica e ambiental.
Aprovada pelo Conselho Geral da ANMP em 1 de Junho de 2010, a proposta foi enviada a Sua Excelência a Ministra do Ambiente
Em Janeiro de 2011 o Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território informou a Associação Nacional de Municípios Portugueses de que estaria a trabalhar numa outra solução de perequação tarifária mas apenas ao nível dos sistemas de titularidade estatal de abastecimento de águas e recolha e tratamento de águas residuais, isto é, nível dos sistemas em alta.
Tal solução traduz-se no documento de trabalho que agora se analisa e sobre o qual deverá ser emitido o parecer do Conselho Directivo. Note-se que esta proposta mais não é, nesta fase, do que um mero documento de trabalho que serve como ponto de partida para a definição do sistema de perequação que melhor sirva GS Municípios.
Com este enquadramento, sobre a documento de trabalho a Associação Nacional de Municípios Portugueses considera:
1, A solução proposta, que se baseia num modelo de perequação em alta e apenas para as sistemas de titularidade estatal, é apenas um primeiro passo para a solução do problema de fundo que se prende com a enorme disparidade de encargos com os serviços de águas decorrentes, entre outros, das diferentes orografías que o território nacional apresenta;
2. As tarifas actuais encontram-se desajustadas das indicações previstas na lei da Água e na própria Lei das Finanças Locais, contribuindo para urna situação de insustentabilidade económica e ambiental:
2.1. as receitas geradas não são suficientes para assegurar as devidas manutenções de infra-estruturas, bem como realizar os necessários investimentos de renovação dos sistemas;
2.2. com as tarifas actualmente praticadas, há uma clara incentivo a desperdiçar o recurso, não estando incutido no consumidor um princípio de racionalidade associado à utilização do mesmo, o que gera evitáveis ineficiências no sistema. O PEAASAR li estima, a este respeito, que as poupanças potenciais associadas a um aumento da eficiência possam corresponder a cerca de 0,64% do PIB Nacional
3. Neste sentida, é fundamental que as tarifas praticadas ao consumidor finai reflictam, pelo menus, a componente em alta do serviço. A ANMP introduziu assim no documento de trabalho a sugestão que os municípios adoptem prioritariamente, no prazo de três anos, tarifas firais equivalentes, no mínimo, â respectiva tarifa do serviço prestado em alta, de forma a conseguir-se o necessário equilíbrio tarifário também na baixa;
4. Os mais recentes contributos da literatura económica sobre gestão sustentável da água e da própria OCDE aportam para a crescente necessidade de garantir a sustentabilidade dos serviços de águas, focando, aos critérios que devem estar reflectidos num tarifário de abastecimento e saneamento de águas residuais, aspectos que a ANMP considera de máxima relevância: recuperação de custos, eficiência, equidade, transparência.
4.1, Em coerência com os princípios referidos, a ANMP está de acordo com a introdução dos critérios adicionais de elegibilidade, que garantem que os beneficiários serão os municípios cm estrito cumprimento das regras de gestão (ambientai, económica, contabilística e financeira} preconizadas pela ERSAR;
5. A possível implementação de uma solução de perequação tarifária (deste ou qualquer outro género) não inviabiliza o importante papel desempenhado pelos Municípios Portugueses enquanto agentes empenhados na diluição das carências económicas e sociais, cada vez mais patentes em Portugal.
5.1. A Introdução de um tarifário diferenciado, por exemplo de natureza social, será sempre uma possibilidade para os Municípios, sendo a sua implementação adequada às respectivas necessidades e opções locais. O recurso água, antes de ser um bem económico, é uma necessidade humana básica e um bem de mérito, e para o conjunto dessas necessidades serão sempre os Municípios a providenciar a respectiva acessibilidade ao recurso, quer em termos de quantidade, quer em termos de preço. Ura fundo de perequação tarifária é sempre concebido [para os beneficiários e contribuintes) atendendo a tarifas e/ou custos médios com os serviços de águas;
6. Um dos critérios aposentados no documento de trabalho em análise para não excluir os Municípios da condição de beneficiários é a regularização das suas dividas á [SCom03...] [AdP). No entanto, a ANMP conseguiu garantir, para que os Municípios não ficassem ainda maís "estrangulados, que o plana de regularização pode ter no limite, a duração de um contrato de concessão, o que significa poder executar o plano de regularização de dívida à AdP n um horizonte de até 50 anos;
7. A semelhança do que sucede com o sector da electricidade, a ANMP não descarta a possibilidade de ser adoptado um tarifário compreendido numa banda tarifária estreita, ou, que se aproxime do conceito de tarifário único (Impraticável neste caso), encarando este documento de trabalho como um caminho para tal. No entanto, é fundamental continuarem os estudos de enquadramento destas possibilidades para que a opção a tomar seja a que mais se adeqúe às necessidades do País e às opções locais no quadro da autonomia local;
8. É essencial que, a curto/médio prazo, a solução de perequação em alta desenvolvida no documento de trabalho seja complementada com um fundo de perequação em baixa.
8.1, Tendo em conta os estudos e simulações desenvolvidos pela ANMP, estima-se que os impactos potenciais para os municípios beneficiários sejam substancialmente mais elevados do que os que a versão apresentada no documento de trabalho em análise contempla, sendo semelhante, em ambas, a contrapartida dos municípios contribuintes. De referir que qualquer um dos modelos assenta numa lógica de solidariedade intermunicipal, tal como acontece no sector da electricidade e na metodologia que preside à distribuição dos fundos municipais previstos na Lei de Finanças Locais;
9. A receita de Taxa de Recursos Hídricos [TRH} que o documento de trabalho - acolhendo a proposta da ANMP - prevê afectar ao fundo de equilibro tarifário em alta é manifestamente insuficiente, sendo que a ANMP, por princípio, é favorável a um aumento do financiamento do fundo por via de maior afectação de TRH do que por via de contribuição do utilizador final, ao qual já é cobrada TRH; desta forma, a aplicação das verbas provenientes da cobrança da taxa de recursos hídricos, que hoje é feita de forma casuística, passará a reverter, de forma clara e transparente, em benefício do cidadão contribuinte, pagador dessa mesma taxa.
10. É necessário continuar a desenvolver os estudos e análises que permitam identificar e replicar as melhores práticas no sector. A ANMP, também neste domínio, pretende estar na vanguarda da introdução de práticas de gestão tarifária sustentáveis, capitalizando os Municípios Portugueses como actores de excelência na liderança e inovação num domínio de reconhecida Importância para o futuro da Humanidade.
Face ao exposto e consideradas as observações constantes na presente análise, a Associação Nacional de Municípios Portugueses emite parecer favorável ao documento de trabalho apresentado.
(cf. documento n.° 02 junto com a contestação),

17, Em 13.04.2011, a ANMP dirigiu ao MAOT um ofício com o seguinte teor:
No âmbito da nossa participação nos trabalhos de desenvolvimento de um sistema de perequação para os serviços de abastecimento e de saneamento de águas, tenho o prazer de enviar a Sua Excelência a Senhora Ministra do Ambiente e do Ordenamento do Território o parecer aprovado pelo Conselho Directivo da ANMP que teve lugar a 12 de Abril de 2011 em ....
Devo realçar que a reunião aliás mencionada, para atém dos membros da Direcção, contou com a participação de diversos municípios que integram alguns dos sistemas multimunicipais, designadamente Municípios o sistema multimunicipal de Trás-os-Montes e Alto Douro (SIC). Foi consensual a ideia de que o documento apresentado é um primeiro passa que importa dar tendo em vista a sustentabilidade do sector; mas foi igualmente consensual que o mecanismo apresentado deve prever um reforço do montante inicial do PETA, ideia esta que consta dos documentos que envio em anexo.
Disponíveis para continuar a desenvolver este trabalho em colaboração com o Ministério do Ambiente te e do Ordenamento do Território, apresento os melhores cumprimentos.
(cf. documento n.° 03 junto com a contestação),

18. Em 26.07.2011, as Comunidades Intermunicipais de Trás-os-Montes e do Douro dirigiram à Ministra da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território um ofício com o seguinte teor:
No dia 22 de Dezembro de 2011, os Municípios de Trás-os-Montes e Alto Douro, accionites da empresa [SCom02...] tomaram em Assembleia Geral da empresa posição conjunta de divergência com e orientação da empresa, posição que conduziu a negociações com a anterior titular do Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território, Eng,ª «HH».
A primeira reunião de trabalha ocorreu na CCDR-N, no dia 26 de Janeiro de 2011, tendo, de entre outros assuntos em agenda, sido discutido o tarifário, matéria penalizadora e Inaceitável para os Municípios da A..., visto estarem confrontados com tarifas cobradas pela [SCom03...] de 0,34 € (água) e 0,32€ (saneamento) no Grupo ADP enquanto em Trás-os-Montes e Alto Douro eram de 0.62 e 0,70€ respectivamente. Uma situação insustentável, tendo os Municípios decidido suspender o pagamento da facturação.
Neste âmbito da reunião atrás referida, saiu uma orientação de vontade de harmonização daa tarifas de água e dos esgotos, em alta, dentro dos sistemas geridos pelo [SCom04...].
O Ministério do Ambiente e do Ordenamento da Território apresentou à Associação Nacional dos Município Portugueses documento de trabalho com uma proposta da perequação tarifária que obteve parecer favorável por unanimidade do Conselho Directivo desta Associação a 12 de Abril de 2011.
Considerando que pelas circunstancias de alteração da responsabilidade política governativa as negociações não foram terminadas, o que mantém de algum modo a situação que levou os municípios no seu conjunto a recusar o pagamento das tarifas fixadas unilateralmente peio accionista maioritário contra os restantes accionistas, únicos utilizadores dos serviços da empresa, solicitamos a Vossa Ex.ª com carácter de urgência, uma reunião de trabalho ou a conclusão do Dossier nos termos já anteriormente acordados entre a Administração Centrai e os Municípios.
A situação a persistir levará a rotura na estrutura accionista com prejuízo para todos com a agravante de esta negociação envolver exclusivamente entidades públicas.
Com os melhores cumprimentos.
(cf. documento n.° 05 junto com a contestação);

19. Em 23.11.2011 e em 05.12.2011, respectivamente, as Comunidades Intermunicipais de Trás-os-Montes e do Douro aprovaram uma resolução com o seguinte teor:
“RESOLUÇÃO
Considerando que no ano de 2011 a situação financeira da empresa [SCom02...] e Ato Douro (A...) se deteriorou fruto da modelo inviável de financiamento da empresa, concebido de forma errada.
Considerando que este modelo de financiamento da A..., baseado exclusivamente no tarifário, é insustentável para os municípios e para os cidadãos - poisem face do avultado investimento necessário e do amplo território a cobrir e da baixa densidade existente, os custos unitários são muito elevados - contrariando a premissa que a Integração de todos os sistemas públicos deveria ser uma solução justa e equitativa, dispondo de tarifário único,
Considerando que, para agravar esta situação, nalguns casos não há correspondência temporal e ligação entre os investimentos da A... e os investimentos municipais, originando que haja Investimentos que não têm utilização.
Considerando assim os municípios ser urgente a alteração do tarifário e, consequentemente, a alteração do modelo do financiamento e funcionamento da A..., não podendo continuar a aceitar que o Orçamento e Plano sejam aprovados pelo accionista maioritário contra os restantes accionistas - os municípios sendo que esta persistência conduzirá, inevitavelmente, à falência da empresa e ao retrocesso no sistema de fornecimento, mas com os municípios a retomarem os seus direitos.
Considerando ainda que os municípios não aceitam a facturação apresentada pela A..., por ter sido imposta pelo accionista maioritário - tutelado pelo Ministério da Agricultura, Mar Ambiente e Ordenamento do Território -, sem aceitação dos restantes accionistas - os Municípios - seus únicos clientes.
Atendendo a que de entre os bens essenciais á vida das comunidades, a água é, sem dúvida, dos prioritários, as soluções para a sua disponibilização às comunidades com qualidade, em quantidade e a preço compatível com o rendimento das famílias, empresas e instituições (tendo por base o desperdício mínimo e eficácia máxima de gestão) exigem - face á importância do problema para a vida dos cidadãos e à situação de emergência a em que o País se encontra - que as partes envolvidas (Governo e Municípios) não estejam de costas voltadas, sendo inevitável que c diálogo seja retomado imediatamente e com interlocução eficaz.
Finalmente, cientes de que o futura não pode ser o regresso a micro sistemas mas sim o da gestão integrada e eficaz, com tarifário equitativo em termos nacionais, os municípios integrantes das Comunidades Intermunicipais do Douro e Trás-os-Montes decidem:
1. Reforçar junto da Senhora Ministra da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território a necessidade da realização, com carácter de urgência e na região, da reunião solicitada a 26 de Junho de 2011 pelas duas Comunidades, para, de forma concreta, retomar o trabalho anteriormente realizado.
2. Continuar a pagar as facturas mensais emitidas peia A..., relativas ao serviço, pelo valor tarifário reduzido, acordado durante o primeiro semestre de 2011, exigindo à empresa a emissão de notas de crédito relativa ao diferencial da facturação, uma vez que não se aceitara as tarifas impostas.
3. Iniciar um processo de contratação conjunto de serviço de apoio Jurídico para tratar os assuntos relacionados com processos Judiciais pendentes entre a A... e os municípios.
4. Se a situação persistir, sem evolução no modelo de sustentabilidade da empresa até ao final do primeiro trimestre de 2012, iniciar um processo de suspensão de qualquer pagamento e de rotura com a concessão, avançando para solução alternativa.
5. Dar conhecimento da presente resolução à Senhora Ministra da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território; aos sistemas multimunicipais do interior (também com problemas de sustentabilidade inerentes aos problemas da interioridade) no sentido de, em conjunto, articularem posições; à Associação Nacional de Municípios: à CCDR-Norte e à Comunicação Social.
Resolução aprovada em reunião da Comunidade Intermunicipal de Trás-os-Montes, a 23 de Novembro de 2011 e na Comunidade Interne municipal do Douro a 5 de Dezembro dc 2011.”
(cf. documento n.° 07 junto com a contestação);

20. Por ofício n.° 6026, de 06.05.2013, o R. comunicou à A. que os pagamentos referidos nos pontos 7. a 10. “não implica\m\ o reconhecimento de qualquer dívida em relação à empresa [SCom02...].] por parte do MLG [R.], sendo efectuado sob reserva e não implica em caso algum a renúncia ao direito de impugnação judicial, tendo solicitado à A. a emissão de “nota de crédito no montante de € 996.757,74, equivalente à redução de facturação pelo tarifário FETA
(cf. documento n.° 08 junto com a contestação);

21. Do ofício referido no ponto anterior consta, além do mais, o seguinte:
“No seguimento do despacho exarado pelo Sr. Presidente da Câmara de 24 de Abril de 2013 e de acordo com os fundamentos que a seguir evidenciamos incumbiram-me de infamar V. EXª do seguinte:
1. Considerando que as dividas deveriam ser pagas apenas com base nos tarifários FETA (Fundo de Equilíbrio Tarifário) resultantes da aprovação do Conselho Directivo da ANMP em deliberação de 12 de Abril de 2011, da proposta de FETA apresentada peto Governo
2. Considerando ainda que, não houve nenhum outro desenvolvimento relevante da parte do Estado e do [SCom04...], em 5 de Dezembro de 2011, as duas comunidades intermunicipais que aprovaram uma resolução, transmitida a todos os municípios em que se afirmava que apenas ias deveriam ser pagos á [SCom02...], S.A (A...) os valores correspondentes às tarifas FETA, que são substancialmente mais baixos do que os que têm sido liquidados;
3 Considerando que da referida resolução resulta que todos os municípios aos quais a A... presta o serviço, entre os quais os se inclui o Município ... (MLG), consideram que apenas devem pagar os valores das tarifas emitidas a partir de 1 de Janeiro de 2011, com base no tarifário FETA.
4. Considerando que resulta concretamente da referida resolução, que os valores unitários de abastecimento de água e de tratamento de esgotos correspondem aos valores propostos pela Associação Nacional de Municípios Portugueses para o Sistema Multimunicipal de Trás-os-Montes e Alto Douro na simulação de FETA, que são de 0,48€/m3 de água fornecida (em vez de 0,6577€ actualmente facturados) e O,53(m3 de esgotos tratados (em vez dos 0.7219 actualmente facturados.
5 Considerando que a cobrança de tarifas de valor superior ao tarifário FETA constitui uma violação directa do Plano Estratégico de Abastecimento de Águas e Saneamento de Aguas Residuais para o período 2007-2013 (PEAASAR II), aprovado peio Despacho nº 2339/200/. Publicado no Diário da República, II Série, n, º 32, de 14 de Fevereiro.
S. Considerando que a MLG vero reclamando dos valores injustos cobradas, por considerar muito superior ao tarifário FETA e entende que ultrapasse as normas orientadoras definidas no PEAASAR II, constituindo uma violação directa de um instrumento de planeamento sectorial ao qual aquela de encontra vinculada…”:
(cf. documento n.° 08 junto com a contestação);

22. Em 07.02.2011, o MAOT emitiu uma missiva dirigida ao Presidente do Conselho de Administração da A. com, além do mais, o seguinte teor:
"Aprovo o orçamento e projecto tarifário para 2011 que conduz a uma tarifa a praticar pelas [SCom02...] no valor 0,6577€/m3 para a actividade de abastecimento de água a qual representa um aumento de 5% face a 2010.
- 0.7219€/m3 para a actividade de recolha e tratamento de águas residuais, a qual representa um aumento de 5% face a 2010.
Com conhecimento à [SCom02...] e à ERSAR.
Ass. «HH» 27/1/2011'
(…)”
(cf. documento n.° 02 junto aos autos pela A. em 12.02,2020);

23. Em 23.02.2012, o Ministério da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território emitiu uma missiva dirigida ao Presidente do Conselho de Administração da A. com, além do mais, o seguinte teor:
“(…)
Encarrega-me a Senhora Ministra da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território, de enviar a V. Ex* a informação n* 1-001665/2011, de 7/02/2012, da ERSAR, sobre o assunto mencionado em epígrafe, na qual exarou o despacho que se transcreve:
“Aprovo o orçamento e o projecto tarifário proposto pela ERSAR a qual conduz a tarifas de 0,7622 €/m3 e 0,7378 £/m3 a praticar pela A... nas actividades de abastecimento de água e saneamento de águas residuais, as quais representam aumento de 2.2€ face a 2011 e têm em atenção o processo de reestruturação preconizado para o sector.
Relevo, ainda, a falta de cumprimento da Portaria 269/2011, sem prejuízo da necessidade de envio dos elementos solicitados no ofício 8727/2011.
Dê-se conhecimento à ERSAR e à A...
17.2.2012
ass») «II»"
(...)
(cf. documento n.° 03 junto aos autos pela A. em 12.02.2020);
24. Verificaram-se atrasos pela A. na execução ou conclusão de pontos de entrega de água e sistemas de tratamento de águas residuais e emissários, previstos no contrato de concessão para o concelho ....
*
IV.1.2 Factos Não Provados:
Inexistem quaisquer factos relevantes para a decisão a proferir que se tenham considerado não provados.»

Apreciemos, enfim, as questões acima enunciadas e vejamos o que concluir dessa apreciação quanto o mérito de cada recurso.
Questões sobreponíveis às acima enunciadas foram objecto, ainda que com uma formulação diferente, do acórdão proferido em 19/4/2024 no Processo 256/13.9BEMDL, que subscrevemos como relator.
Assim:

1ª Questão
A sentença recorrida é nula, conforme decorre do artigo 195º nºs 1 e 2 do CPC, por, apesar de julgar a acção improcedente por falta de alegação de factos – complementares – enunciados na conclusão 17, não ter sido feito oportunamente o convite ao aperfeiçoamento no sentido da alegação de tais factos, com o que se violou o artigo 590º nº 1 alª b) do CPC e se proferiu uma decisão surpresa, em violação do princípio do contraditório e do artigo 3º do CPC?

Quanto a esta questão discorreu-se. No sobredito acórdão deste TCAN de 19/4/2024 (Processo 256/13.9BEMDL) do seguinte modo:
«Embora venha formulada a final, há que apreciar, antes de mais, esta expressa alegação de nulidade da sentença, atenta a sua relação de prejudicialidade com as demais questões.
Por isso é que, ao delimitarmos o objecto do recurso da Autora, expusemos esta questão em primeiro lugar.
Numa primeira frente, se bem entendemos, a Recorrente sustenta que a sentença tem de ser anulada nos termos do nº 2 do artigo 195º do CPC por ser consequente e determinada, no seu objecto, pela nulidade processual da categoria das consideradas no artigo 195º nº 1 do CPC, que teria a sido a omissão do convite ao aperfeiçoamento da Petição, em sede de saneamento dos autos, conforme imporia o artigo 590º nº 1 b) e 4 do CPC, mediante o aditamento da alegação de factos essenciais para a procedência da acção na parte relativa ao pagamento do valor mínimo garantido, designadamente a receita global da Autora e o (superior) valor da receita prevista no orçamento da Autora para o ano em causa) e bem assim na parte relativa aos juros de mora, designadamente os capitais a as datas de vencimento a que a mora se referiria. Sustenta que, uma vez que não julgou a PI inepta, impunha-se ao juiz do saneador convidar a Autora a alegar a factualidade integrante daquilo que a juiz do julgamento veio a entender ser facto constitutivo do direito aos valores mínimos reclamados e aos juros de mora constantes das notas de débito.
Importa começar por dizer o seguinte:
A Recorrente começa por suscitar aqui, uma nulidade processual, subsumível à espécie cuja definição resulta do artigo 195º nº 1 do CPC, de maneira que a invalidade da sentença não advém da sua própria nulidade, antes surge como consequência da nulidade processual alegada. Julgamos ser este o correcto iter lógico-jurídico para se alegar a invalidade da sentença com fundamento na omissão, a montante, de um trâmite processual alegadamente devido, como supostamente é o caso do despacho de convite ao aperfeiçoamento da Petição Inicial.
Não ignoramos jurisprudência e insistente doutrina que, laborando sobre a emissão de uma sentença com violação do dever de audiência prévia ou do contraditório – a chamada “decisão surpresa” – tem sustentado que do que se trata é de uma nulidade da sentença por excesso de pronúncia conforme artigo 615º nº 1 alª d) do CPC. Contudo, se já nos parece forçado, tal entendimento relativamente à decisão surpresa, como infra veremos, muito mais in casu esse prisma processual se mostra inadequado, porque do que se trata aqui não é da preterição do contraditório devido, a inibir a pronúncia do tribunal sobre a questão não contraditada, mas da omissão de um convite ao aperfeiçoamento da Petição, que, alegadamente, deveria ter sido emitido em cumprimento do nº 4 do artigo 590º do CPC , em sede de despacho pré-saneador, algures antes de 17/11/2016, data em que foi emitido o despacho saneador.
Na verdade, esta omissão não resulta necessariamente naquela inibição de pronúncia, pois da falta de aperfeiçoamento da Petição não decorre logicamente que o julgamento sobre a causa de pedir e o pedido da PI não aperfeiçoada consista numa pronúncia sobre questão não previamente contraditada. Designadamente, não o faz a sentença que, ante os factos alegados e provados, apreciar as alegações de direito das partes e aplicar, por sua vez, o regime jurídico julgado aplicável.
É certo que, seguindo-se este iter jus-processual sem mais nada questionar, dir-se-ia, como alerta Miguel Teixeira de Sousa nos posts indicados em nota, ficarmos logicamente obrigados a julgar que a nulidade processual quejanda não poderia ser arguida em recurso. Com efeito, em regra não são o recurso de apelação nem o tribunal ad quem o meio e a sede própria para a invocação de nulidades processuais. Conforme decorre dos artigos 196º, 199º e 200º do CPC, as nulidades da espécie do artigo 195º nº1 do CPC são arguidas perante o tribunal que lhes deu causa.
Impõe-se, contudo, considerar que este é um caso de excepção, a tratar excepcionalmente, por isso que a causa da nulidade processual só pode logicamente ser conhecida pelo seu arguente com a notificação da sentença recorrida, tal como sucede com a nulidade (intrínseca) da sentença. Tal tratamento excepcional só pode ser esse de a nulidade processual dever ser invocada em recurso, perante o tribunal ad quem.
É certo que não há uma impossibilidade lógica de, no prazo regra de dez dias (artº 149º nº 1 do CPC), a contar da notificação da sentença (cf. nº 1 do artigo 199º do CPC) se arguir a nulidade perante o próprio juiz do processo. Parece-nos, mesmo assim, que a sede própria para a arguição só pode ser o recurso interposto da sentença. De outro modo, poderia, a parte, ter de lidar em duas frentes, a reclamação e o recurso, em dois prazos a correrem em simultâneo, designadamente, poder-se-ia ver na contingência de ter de apresentar recurso sem saber se a sentença seria anulada pelo tribunal reclamado, enquanto subsequente à nulidade processual arguida, solução irrazoável, contra toda a economia processual, logo, hermenêuticamente proscrita.
Vejamos, então, se ocorreu a nulidade processual do artigo 195º nº 1 do CPC, a determinar a anulação da sentença, nos termos do nº 2 do mesmo artigo, por isso que a mesma sentença, ao julgar a acção improcedente na parte relativa a pagamentos mínimos e juros de mora, se fundou precisamente na falta de alegação de factos essenciais da causa de pedir dessa parte do pedido, sendo certo que não fora feito, aquando da gestão inicial do processo, o convite da Autora a completar a PI com a alegação de tais factos, com o que se teria violado o nº 4 do artigo 590º do CPC.
A tal pergunta, respondemos negativamente.
Não pomos em causa que o poder conferido ao juiz na sobredita norma é, hoje, um poder dever, um poder vinculado.
Contudo julgamos que o objecto desse dever não pode residir no suprimento da falta de alegação de factos essenciais que constituam a fonte – a causa de pedir – do direito peticionado, sob pena de se subverterem completamente os papeis dos sujeitos processuais, o princípio do dispositivo, no sentido de que cabe às partes eleger o que querem ver discutido, e da auto-responsabilização das partes, além de se adulterar o princípio inquisitório, no sentido de que este impõe ao juiz demandar activamente a verdade dos factos de que lhe cumpra conhecer conforme o artigo 5º nº 1 do CPC, não a configuração, inicial ou sucessiva, do objecto da lide, elegendo para investigação outros factos que lhe pareçam necessários, se porventura tiverem ocorrido, à procedência do pedido. Depois, tal poder-dever não pode ir tão longe que exija do juiz do processo como que poderes divinatórios para saber se ocorreram os factos que a parte não alegou ou factos que, não se revelando necessários a priori, acabam por se revelar necessários a tal procedência, desde logo por via do teor da contestação, mas também da produção da prova em audiência e da discussão da causa.
Assim, julgamos que o dever do convite ao aperfeiçoamento da PI apenas ocorre quando esta já contém os factos que a parte entende constitutivos, em abstracto do direito peticionado – os factos essenciais – mas se mostre, ab initio, que alguns destes estão deficientemente alegados ou que o sucesso da acção se mostre comprometido ou dificultado por omissões relativas ao modo ou circunstâncias em que os factos essenciais, alegadamente, ocorreram É pacifica a jurisprudência dos tribunais superiores neste sentido. Por todos, veja-se o sumário do ac. do TRLisboa de 7/11/2019: “07-11-2019:
“I– O princípio da cooperação deve ser conjugado com os princípios do dispositivo e da auto-responsabilidade das partes, que não comporta o suprimento, por iniciativa do juiz, da omissão de indicação do pedido ou de alegação de factos estruturantes da causa de pedir.
II– O convite ao aperfeiçoamento de articulados previsto no artigo 590.º, n.ºs 2, alínea b), 3 e 4, do CPC, não compreende o suprimento da falta de indicação do pedido ou de omissões de alegação de um núcleo de factos essenciais e estruturantes da causa de pedir.
III– Tal convite, destina-se somente a suprir irregularidades dos articulados, designadamente quando careça de requisitos legais, imperfeições ou imprecisões na exposição da matéria de facto alegada.
IV– As deficiências passíveis de suprimento através do convite têm de ser estritamente formais ou de natureza secundária, sob pena de se reabrir a possibilidade de reformulação substancial da própria pretensão ou da impugnação e dos termos em que assentam (artigos 590.º, n.º 6 e 265.º, do CPC”)..
Ora a factualidade de que a sentença recorrida julgou não dispor, por de todo não ter sido alegada, era factualidade constitutiva do direito invocado, não apenas factualidade concretizante quanto ao tempo, modo, ou circunstâncias, tratava-se, portanto, de factos essenciais. Com efeito, se a fonte do direito a cobrar os valores mínimos demandados eram os contratos e estes tinham uma cláusula que previa tal direito da Autora no caso de o seu orçamento prever proveitos, vindos do Réu, em cada ano, superiores ao valor dos fornecimentos e serviços efectivamente prestados e facturados ao Réu em cada ano, importava conhecer os factos de que decorreria esta conclusão, designadamente os valores orçamentados e os valores facturados no ano em causa. Também no que toca ao pedido dos juros de mora objecto das notas de débito os factos não alegados eram factos constitutivos do direito, portanto, essenciais: os valores, cada valor, do capital e o dies a quo de cada mora, objecto de cada nota de débito elencada no artigo 7º da PI.
Pelo exposto, não ocorreu a alegada falta de convite ao aperfeiçoamento da Petição em sede de gestão inicial do processo, pelo que improcede a alegação da correspondente nulidade processual e, logo, não é por esta via que se impõe a anulação da sentença recorrida.
Subjacente à questão acima enunciada está, porém, uma outra via de alegação de invalidade da Sentença. Desta feita sustenta, a Recorrente Autora, a nulidade original da própria decisão, nos termos do artigo 615º nº 1 alª d) do CPC por, tendo-se seguido à produção de prova relativamente a factos com base em cuja falta de alegação se decidiu a improcedência parcial da acção, sem que tenha havido audiência contraditória da Autora sobre esse fundamento da improcedência, resultar numa violação do artigo 3º do CPC, melhor dito, numa “decisão surpresa”.
Com todo o respeito por diverso entendimento, julgamos que, em tese geral, a chamada decisão surpresa não se enquadra num excesso de pronúncia, causador de nulidade intrínseca da sentença, nos termos da alª d) do nº 1 do artigo 615º do CPC.
Na verdade, para se sustentar que a decisão surpresa se subsume na alínea d) do nº 1 do artº 615º do CPC é preciso descartar – ou adulterar – a sua teleologia, que é delimitar o objecto da decisão em conformidade com o princípio do dispositivo, e não essa outra de adequar o objecto da sentença à tramitação do processo a montante. Para este outro fim existe e é sistemicamente vocacionado o regime das nulidades processuais. No fundo, trata-se de uma manipulação da norma quanto ao seu objecto – da sentença para a tramitação, na medida em que esta condiciona o objecto da sentença – manipulação que, aliás, não resiste ao argumento ad absurdum. Basta representarmo-nos esta consequência lógica: apesar de ser a materialmente recta, do ponto de vista do direito substantivo, para não ser nula por excesso de pronúncia, a sentença teria que ser outra, isto é, teria que ser errada…
Assim, também no caso da decisão surpresa julgamos que do que se trata é de uma nulidade processual, do artigo 195º nº 1 do CPC, a montante da decisão, constituída pela omissão do devido contraditório sobre os seus objecto e fundamentação, sendo o recurso da sentença, pelas razões já expostas, o meio adequado para arguir aquela.
Vejamos, agora, o caso concreto.
A Recorrente não especifica que factos não alegados foram desconsiderados apesar de serem subsumíveis aos temas da prova e de terem sido objecto de produção de prova, mas especifica o tema da prova a que tais factos seriam subsumíveis, a saber, “valores mínimos”.
De qualquer modo, labora num conceito comum de supressa, o qual não coincide com a veiculado pelo mesmo vocábulo no conceito de “decisão supressa” que decorre do princípio do contraditório e tem sido trabalhado pela doutrina e pela jurisprudência.
A Recorrente pode bem ter sido surpreendida, psicologicamente falando, pela decisão, ante os factos prévios de a Mª Juiz que proferiu o despacho de enunciação dos temas da prova ter fixado como tema da prova “valores mínimos” e até por este outro de a Mª juiz do Julgamento a ter deixado produzir prova sobre factos não alegados.
Mas daí não se segue que a decisão recorrida, na parte em que improcedeu, fosse uma decisão surpresa. Decisão surpresa é aquela que surja com preterição do contraditório devido. Ora o contraditório é devido sobre todas as questões de direito ou de facto sobre cuja resolução assente a decisão: tal é a regra que se extrai da definição do princípio no nº 3 do artigo 3º do CPC. Mas também é certo que “o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito” (nº 3 do artigo 5º do mesmo código.
Portanto, para que ocorra uma “decisão surpresa” não basta que a solução jurídica da lide surpreenda psicologicamente uma ou ambas as partes, necessário e bastante é que a sua fundamentação releve de uma questão sobre que as partes não tenham tido oportunidade, durante a tramitação do processo, de exercer o contraditório.
Ora, não resulta dos autos, nem a recorrente identifica questão alguma cuja resolução tenha contribuído para a decisão recorrida, na parte em que a sua pretensão improcedeu, [e] não tenha podido ser contradita.
Assim, tão pouco procede a alegação de falta do contraditório devido e, logo a de que a decisão tem a natureza de decisão surpresa na parte em que julgou a acção improcedente.
Pelo exposto é negativa, nas duas frentes alegadas, a resposta a esta 1ª questão do recurso da Autora.»
Assim, com base no arrazoado acabado de citar, do acórdão proferido no Processo 256/13.9BEMDL, julgamos que é negativa a resposta à sobredita 1ª Questão.


2ª Questão
O Tribunal a quo errou no julgamento “em matéria de facto, pois que não considerou por provados factos cuja alegação se extrai do que foi arguido pela Recorrente, bem como da prova produzida em sede de audiência e discussão de julgamento” ou que são factos complementares (que decorrem da própria lei e respectivos contratos), ou factos instrumentais (relacionados com os próprios normativos que enformam juridicamente a matéria relativa aos Valores Mínimos Garantidos), designadamente os factos elencados na conclusão 17, provados pelos meios de prova aí também elencados, com o que violou os artigos 608º nº 2 e 413º do CPC, ““pois que “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, tomando em consideração “todas as provas produzidas, tenham ou não emanado da parte que devia produzi-la””.

Recordemos os factos e putativos factos elencados na conclusão 17:
17.1. “O primeiro terço da concessão (em causa nos autos) terminou em Outubro do ano de 2011”, (…).
17.2. “O Município ..., para além de utilizador do sistema multimunicipal de abastecimento de água e de saneamento de Trás-os-Montes e Alto Douro, fazia parte do corpo de accionistas da Sociedade gestora daquele sistema (…).
17.3. “O Réu participou nas assembleias de accionistas de aprovação de contas da Sociedade Autora, incluindo a demonstração de resultados (…)”.
17.4. “A Receita Global do ano de 2011 da Sociedade [SCom02...] S.A. foi inferior ao orçamentado para esse mesmo ano, sendo que, à data, acumulava prejuízos de cerca de € 25.000.000,00 (vinte e cinco milhões de euros)”,
17.5. “A falência técnica da Sociedade [SCom02...] S.A. era do conhecimento dos seus accionistas desde, pelo menos, Março de 2010 (primeira assembleia geral de apresentação de contas)”,
17.6. “Na Assembleia Geral de Accionistas de Dezembro de 2010, a Sociedade Autora informou aos seus accionistas da necessidade de se proceder ao reequilíbrio económico-financeiro da concessão, bem como, a consequente necessidade de se activarem os mecanismos tendentes a esse mesmo reequilíbrio, concretamente, a cobrança dos Valores Mínimos Garantidos no ano de 2011”.
17.7. “Após a apresentação da respectiva proposta de Orçamento e Projecto Tarifário (OPT) à entidade reguladora dos serviços de água e saneamento (ERSAR), esta emitiu parecer favorável à cobrança dos Valores Mínimos Garantidos para o ano de 2011”.
17.8. “O Concedente, ouvida a entidade reguladora ERSAR, veio a aprovar o Orçamento e Plano Tarifário da Sociedade Autora para 2011, de onde consta a cobrança dos referidos valores mínimos garantidos.”,
17.9. “Após a completa infra-estruturação do sistema multimunicipal, a Recorrente passou a ter capacidade para abastecer os concelhos abrangidos pelo sistema, entre os quais o Município ...”,
17.10. “Os Valores Mínimos Garantidos aplicados ao Réu foram calculados de acordo com o projecto de revisão ao contrato de concessão.”.
17.11. “O Município Réu apenas consumiu Serviços de Abastecimento de Água, durante os primeiros 10 meses do ano de 2011, [n]o montante de € 443.008,99 (quatrocentos e quarenta e três mil e oito euros e noventa e nove cêntimos)”,
17.12. “O Valor Mínimo Garantido previsto na proposta de revisão ao contrato de concessão para os 10 primeiros meses do ano de 2011 é de € 1.367.500,02 (um milhão, trezentos e sessenta e sete mil e quinhentos euros e dois cêntimos)
17.13. “No ano 2011 o Município ... não consumiu a água fornecida pela A... pelas razões elencadas no documento transcrito no facto provado n.° 14 — actuação que integra a violação do exclusivo.”,
17.14. “A A... realizou todas as infra-estruturas previstas no contrato de concessão para abastecer o Município ..., tendo ficado concluídas em 2009”,

No acórdão sobredito (ac. deste TCAN de 19/4/2024 (Processo 256/13.9BEMDL), questão substancialmente idêntica a esta foi apreciada, entre o mais, nos seguintes termos:
“(…)
Assim, matéria provada e não provada a discriminar haverá de ser, antes de mais, aquela que, alegada pelas partes, releve para a decisão do pleito em alguma das soluções sustentadas, quer por constituir a causa de pedir, quer por relevar para as excepções invocadas (cf. supra e nº 1 do artigo 5º do CPP) sem prejuízo do mais que dispõe o nº 2 do mesmo artigo, norma que ressalva a aproveitabilidade de certas espécies de factos não alegados, a saber:
«a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa;
b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar;
c) Os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções
Não se diga que basta, agora, a menção dos factos provados e não provados suficiente para a decisão preconizada pelo Tribunal. Na verdade – cf. supra – se o direito ao contraditório é um direito processual que se filia no direito liberdade e garantia constitucional ao acesso a uma tutela jurisdicional mediante um processo equitativo (artigo 20º nºs 1 e 4 da Constituição), então é dever indeclinável do juiz pronunciar-se sobre a prova de todos os factos alegados e relevantes, ainda que só do ponto de vista de qualquer das partes, de modo a que estas possam exercer plenamente o contraditório também quanto à solução jurídica por si preconizada para o litígio.
Por sua vez, a atendibilidade dos factos ditos instrumentais e complementares resultantes da instrução da causa está sujeita literalmente à condição dupla de o serem relativamente aos alegados. Aliás, não se pode conceber a instrumentalidade nem a complementaridade de um facto sem se representar um dado facto principal. Além disso, quanto aos complementares torna-se necessário, para serem considerados (como provados) que sobre eles tenha, a contraparte, tido oportunidade de se pronunciar, o que só pode ter-se por ocorrido se a parte expressar ou der a entender, em tempo oportuno, isto é, antes do fim da discussão da causa, a sua intenção de se valer desse facto.
Convir-se-á, no entanto, que não carecem de ser discriminados como matéria de facto provada os factos notórios e os que integrem a tramitação do próprio processo (categorias subsumíveis à alª c) acima transcrita.
Por fim, quanto ao que deve considerar-se ser a pronúncia sobre a prova ou não prova de um facto, mister é ter-se presente que dar como provado ou não provado certo facto pode prejudicar a prova de outros alegados, tornando inútil, por redundante, a menção expressa da não prova desses e da respectiva fundamentação. Por outro lado, a prova de apenas uma parte de determinada alegação de facto permite concluir que se julgou não provada a parte restante, seja por si só seja em conjugação com a apreciação crítica das provas feita na própria sentença.
Descendo, enfim, ao caso concreto, vejamos, então, se ocorre in casu a alegada falta de selecção de factos provados.
A recorrente Autora alega que a sentença recorrida deveria incluir como factos relevantes para a decisão e provados, os factos que enuncia nos nºs 1 a 12 da conclusão 17ª.
As proposições que encerram tais ditos factos, são as seguintes:
(…)
Aplicando o citado artigo 5º nº 1 a esta alegação importa verificar, antes de mais, compulsando a Petição inicial e, também, a contestação, se tais factos foram alegados pelas partes.
Lida a Petição de fio a pavio, o que se constata é que que se trata de uma peça, no mínimo, minimalista, tendo em conta a complexidade qualitativa e quantitativa do pedido, na qual não há vestígios da alegação de qualquer daqueles factos alegadamente desconsiderados, seja pelas mesmas, seja por outras palavras.
Com efeito, no que concerne a factos constitutivos da causa de pedir, a Autora limitou-se a alegar, que “1. Nos termos do Decreto-Lei n.° 270-A/2001, de 6 de Outubro, (…) criado o sistema multimunicipal de abastecimento de água e de saneamento de Trás-os-Montes e Alto Douro (…) foi, entregue à A. a exploração, tratamento e fornecimento de água em alta e saneamento”; que “naquele âmbito, a A. fornece os Municípios, que por sua vez fazem a distribuição local de água ao consumidor final, assim como, cobram, directamente, ao consumidor final as taxas de saneamento básico, tudo conforme melhor consta do Decreto-Lei n.° 270-A/2001”, limitando-se, quanto ao mais, a remeter o leitor para os documentos 1 e 2 da PI, que são os contratos de fornecimento de concessão (da Autora com o Estado) e de abastecimento de água e de prestação dos serviços de saneamento (da Autora com o Réu); que, “nessa decorrência, foram, continuamente, prestados os referidos serviços de saneamento e fornecimento de água, à ora R. e, consequentemente, foram emitidas e enviadas à R., que as recebeu, as facturas e notas de crédito, nas datas e com os seguintes valores” (seguindo-se a tabela do artigo 7º, cujos valores não coincidem, por inferiores, com os que figuram nas facturas e notas); que “8. não obstante, interpelada a R., por diversas vezes, para efectuar o pagamento, a mesma não o fez, encontrando-se por liquidar a quantia de 106.795.15 € (…) valor acrescido dos competentes juros de mora, no valor de € 8.567,00 (oito mil, quinhentos e sessenta e sete euros), o que perfaz o total de € 115.362,15”. Mais factos não são alegados, seja directamente, seja por remissão expressa para o teor de documentos.
Tão pouco a contestação, do Município, contém a alegação dos factos supra ou de quaisquer suas variantes. Nela, no que respeita a matéria de excepção peremptória ou impugnação, o Réu limita-se a alegar que o objecto das facturas e os seus Valores não se conjugam com o alegado e peticionado, ostentando e totalizando valores muito superiores e incluindo valores a título de taxa de recursos hídricos, que não podem referir-se a prestações contratuais; e que nada deve à Autora, pois tem-lhe vindo sempre [a pagar] tudo o que lhe considera devido em cumprimento dos contratos.
Acresce que em nenhum dos referidos articulados se topa com outros factos dos quais aqueles, alegadamente desconsiderados, pudessem ser instrumentais ou complementares, nem a Recorrente ensaia qualquer demonstração dessa relação de complementaridade e muito menos explicita o modo por que, tratando-se de factos complementares, a outra parte teve oportunidade de, sobre eles, advertida e especificamente se pronunciar.
Com esta alegação de erro na selecção de facto provados e relevantes, pretenderá, a Autora, porventura, acudir à fragilidade da sua posição processual, causada por graves lacunas da sua petição inicial, ensaiando como que uma saída da “arena” do objecto da lide, delimitada pelos articulados, para citar o adversário no “campo aberto” de toda a panóplia de documentos juntos aos autos, de tudo o que se disse na produção de prova verbal e bem assim de tudo que se poderia entender caber na enunciação de um tema da prova (“valores mínimos”).
Certo é, contudo, que não são essas as regras do prélio. Factos a considerar, no julgamento da lide, não são todos e quaisquer factos que resultem da instrução da causa, nem todos e quaisquer factos em abstracto subsumíveis à enunciação de um tema da prova, mas apenas os factos alegados (nº 1) e os mais factos subsumíveis ao enunciado do nº 2 do artigo 5º do CPC, nas condições aí exigidas, que já mencionámos.
Enfim, importa concluir que a sentença recorrida não omite indevidamente a enunciação, como provados, dos factos elencados na conclusão 17 do recurso, pelo que não ocorre a nulidade de sentença a que tal omissão indevida, em nosso entender, corresponderia
Mutatis mutandis, a argumentação acabada transcrever aplica-se plenamente à presente questão. Com efeito não há, na PI, fumo da alegação dos factos que efectivamente o sejam, contidos na conclusão 17 do recurso, nem neste é concretizada qualquer relação de instrumentalidade ou de complementaridade entre tais factos e concretos factos alegados.
Assim, sem necessidade de outro discurso, concluímos pela resposta negativa à presente questão.

3ª Questão
Sem prescindir, a sentença sempre errou no julgamento de direito ao decidir com fundamento em que não haviam sido alegados os factos necessários à condenação no pagamento do valor mínimo garantido peticionado, “porque este resulta de mero cálculo aritmético e da aplicação do índice de actualização de preços para o ano 2011, os quais resultam de factos públicos e notórios” (conca. 32).
Factos notórios são factos universalmente conhecidos, do domínio do público em geral.
A Recorrente faz esta afirmação na conclusão 32 sem mais, sem concretizar os factos públicos e notórios a que se refere nem remeter o leitor para alegação ou alegações em que eles figurassem.
Deste modo, a questão mostra-se conclusiva e infundamentada, pelo que só pode ter resposta negativa.

4ª Questão
Deverá ser eliminado do probatório o facto n.° 24: “- Verificaram-se atrasos pela A. na execução ou conclusão de pontos de entrega de água e sistemas de tratamento de águas residuais e emissários, previstos no contrato de concessão para o concelho ...” porquanto nenhuma conexão, nem qualquer relevo, apresentam com a decisão proferida (nem com a decisão a proferir)”?
Como já vimos, o critério legal para a selecção de factos provados não reside propriamente na relevância para a decisão tomada, mas sim na relevância para quaisquer soluções do litígio sustentadas pelas partes, em função do que estas alegaram.
Este facto foi alegado pelo Réu na sua contestação, designadamente nos artigos 17º e 112º, em ordem à sustentação de que não era devido o pagamento de serviços mínimos:
“17.º
No caso específico do concelho ..., verificaram-se atrasos na execução ou conclusão de pontos de entrega de água e sistemas de tratamento de águas residuais e emissários, previstos no contrato de concessão.
(…)
112.º Acresce que o Decreto-Lei n.º 195/2009, de 20 de Agosto, procedeu ao aditamento de um novo n.º 5 à Base XXVIII, em que se determina que “Os utilizadores podem recusar o pagamento dos valores mínimos no caso de se verificar o atraso na realização dos investimentos necessários à prestação do serviço no respectivo território por motivo que seja imputável à concessionária”.
Logo, a sua selecção como provado era devida, pelo que a resposta a esta questão só pode ser negativa.

5ª questão
Erra, a sentença recorrida, no julgamento de Direito, ao admitir que a convenção das partes (Concessionária e Municípios utilizadores) estabelecida nos contratos de fornecimento, relativamente à exigibilidade do requisito da Receita Global para a obrigação de pegamento de valores mínimos, prevalece sobre a LEI (BASES XXVIII DA CONCESSÃO” aprovada pelo Decreto-Lei n.° 319/94 , “em qualquer das versões” – a original e a introduzida pelo DL nº DL 195/2009 – e sobre o CONTRATO DE CONCESSÃO (celebrado entre o Estado e a Concessionária)?

Questão substancialmente idêntica a esta foi apreciada no já referido acórdão emitido no processo 256/13.9BEMDL, nos seguintes termos:
“Encurtando razões, diremos que, efectivamente, por via do claro desígnio legislativo expresso na determinação do conteúdo de um contrato administrativo de concessão e dos contratos administrativos de fornecimento e ou prestação de serviços de tratamento de águas residuais por uns decretos-lei como são o DL nº 319/94 de 24 de Dezembro, quanto ao abastecimento de água, e o DL nº 162/96, de 04 de Setembro quanto ao saneamento, os quais silenciam qualquer margem para derrogação pelas partes, do neles disposto, os contrato de fornecimento de água e de prestação de serviços de saneamento reproduzidos nos documentos da PI tinham obrigatoriamente que se conformar com a previsão legal, pelo que qualquer cláusula ou parte da cláusula que com aqueles fosse incompatível era e é nula, nos termos do artigo 280º nº 1 do CC, ex vi artigo 185º nº 3 alª b) do CPA de 1991, em vigor à data da celebração.
Porém, a versão inicial da base XXVIII das concessões não só não se mostrava incompatível com o segmento final do nº 4 da cláusula 3 dos contratos de fornecimento e de prestação de serviços de saneamento, como até parecia cometer às partes a fixação de um critério qualitativo e quantitativo para a determinação dos volumes a assegurar e, logo, para os pagamentos mínimos a garantir. Veja-se o seu teor:
Para o abastecimento de água:
Base XXVIII
Obrigação de fornecimento
1 - A concessionária obriga-se a fornecer a cada um dos utilizadores, mediante contrato, a água necessária para alimentar os respectivos sistemas municipais, com ressalva das situações de força maior ou de caso imprevisto ou razões técnicas julgadas atendíveis pelo Ministro do Ambiente e Recursos Naturais.
2 - Os contratos de concessão e de fornecimento fixarão o volume de água para consumo público que cada utilizador se propõe adquirir à concessionária com referência a um valor mínimo e a um valor máximo.
3 - O valor mínimo significa o volume de segurança de água disponível de que a concessionária carece, como condição a garantir a todo o tempo pelo utilizador para equilíbrio da concessão, independentemente do consumo efectivo do utilizador.
4 - O valor máximo significa o volume de água contratado que a concessionária se obriga a garantir, com ressalva das situações referidas no n.º 1.”
Para o tratamento de efluentes:
“Base XXVIII
Obrigação de recolha
1 - A concessionária obriga-se a recolher de cada um dos utilizadores, mediante contrato, os efluentes provenientes dos respectivos sistemas municipais, com ressalva das situações previstas no contrato de concessão e no próprio contrato de recolha e, designadamente, das situações respeitantes a casos específicos de efluentes industriais que, pela sua especial agressividade ou toxicidade, ponham em causa a conservação do próprio sistema.
2 - São também ressalvadas das obrigações de recolha da concessionária as situações de força maior, de caso imprevisto ou de razões técnicas julgadas atendíveis pelo Ministro do Ambiente.
3 - Os contratos de concessão e de recolha fixarão o volume de efluentes que cada utilizador se propõe entregar à concessionária, com referência a um máximo que a concessionária se obriga a garantir, com ressalva das situações referidas nos números anteriores.
4 - Os contratos de concessão e de recolha fixarão os valores garantidos mínimos a receber pela concessionária ou os volumes mínimos de efluentes a afluir ao sistema, de que a concessionária carece como condições a garantir a todo o tempo pelo utilizador para equilíbrio da concessão, independentemente da recolha efectiva de efluentes em relação ao utilizador.
Assim, parece-nos que nada obstava, no início da vigência dos contratos com o Réu, a que entre os critérios de quantificação de valores mínimos a pagar constasse o inserto no último segmento de texto do ponto 4 da cláusula 3ª do contratos “Os valores mínimos garantidos a entregar pelo Município, os quais constituem uma condição essencial do equilíbrio da concessão, são os fixados no Anexo 1. Até 31 de Dezembro de 2004, os valores mínimos fixados no anexo 1 poderão não ser garantidos, sem prejuízo da cláusula 16ª do contrato de concessão. Sem prejuízo do disposto no número seguinte, os valores mínimos serão garantidos sempre que, em cada ano, a receita global da Sociedade seja inferior à prevista no orçamento desse ano. Negrito nosso.. E isto mesmo no pressuposto de que o conteúdo dos contratos de fornecimento de água e de prestação de serviços de tratamento de efluentes não podia derrogar o que que quer que para esses estivesse previsto nas leis de bases da concessão.
Portanto, enquanto vigorou a redacção inicial da base XXVIII das concessões foi válida e vinculante das partes toda a cláusula 3ª dos contratos.
Em 2010-01-01 entraram em vigor novas bases XXVIII das concessões, por força dos Artigo 4.º e 6º do Decreto-Lei n.º 195/2009 - de 2009-08-20, desta feita com os seguintes termos:
Para o abastecimento de água:
“Base XXVIII
Obrigação de fornecimento
1 - A concessionária obriga-se a fornecer a cada um dos utilizadores, mediante contrato, a água necessária para alimentar os respectivos sistemas municipais, com ressalva das situações de força maior ou de caso imprevisto ou razões técnicas julgadas atendíveis pelo Ministro do Ambiente e Recursos Naturais.
2 - Os contratos de concessão e de fornecimento fixam o volume de água para consumo público que cada utilizador se propõe adquirir à concessionária com referência a um máximo que a concessionária se obriga a garantir com ressalva das situações referidas no número anterior.
3 - Os contratos de concessão e de fornecimento, de forma a garantir o equilíbrio da concessão, fixam os valores mínimos anuais que cada utilizador se compromete a pagar à concessionária sempre que o valor resultante da facturação da utilização do serviço seja inferior àqueles.
4 - O disposto no número anterior vigora desde a outorga do contrato de concessão até ao termo do primeiro terço do prazo inicial da concessão ou, posteriormente, se o valor resultante da facturação for inferior aos mínimos por motivo imputável ao utilizador.
5 - Os utilizadores podem recusar o pagamento dos valores mínimos no caso de se verificar o atraso na realização dos investimentos necessários à prestação do serviço no respectivo território por motivo que seja imputável à concessionária.
Para o tratamento de efluentes:
“Base XXVIII
Obrigação de recolha
1 - A concessionária obriga-se a recolher de cada um dos utilizadores, mediante contrato, os efluentes provenientes dos respectivos sistemas municipais, com ressalva das situações previstas no contrato de concessão e no próprio contrato de recolha e, designadamente, das situações respeitantes a casos específicos de efluentes industriais que, pela sua especial agressividade ou toxicidade, ponham em causa a conservação do próprio sistema.
2 - São também ressalvadas das obrigações de recolha da concessionária as situações de força maior, de caso imprevisto ou de razões técnicas julgadas atendíveis pelo Ministro do Ambiente.
3 - Os contratos de concessão e de recolha fixarão o volume de efluentes que cada utilizador se propõe entregar à concessionária, com referência a um máximo que a concessionária se obriga a garantir, com ressalva das situações referidas nos números anteriores.
4 - Os contratos de concessão e de recolha, de forma a garantir o equilíbrio da concessão, fixam os valores mínimos anuais que cada utilizador se compromete a pagar à concessionária sempre que o valor resultante da facturação da utilização do serviço seja inferior àqueles.
5 - O disposto no número anterior vigora desde a outorga do contrato de concessão até ao termo do primeiro terço do prazo inicial da concessão ou, posteriormente, se o valor resultante da facturação for inferior aos mínimos por motivo imputável ao utilizador.
6 - Os utilizadores podem recusar o pagamento dos valores mínimos, no caso de se verificar o atraso na realização dos investimentos necessários à prestação do serviço no respectivo território por motivo que seja imputável à concessionária.”

Desta feita é manifesta uma incompatibilidade entre o último segmento do parágrafo 4º da cláusula 3ª dos contratos de fornecimento de água e de prestação do serviço de tratamento de efluentes e o disposto no nº 4 e 5 das novas bases XXVIII, dos quais decorre que os valores mínimos serão incondicionalmente devidos até ao termo do primeiro terço de duração da concessão, desde que a facturação de cada ano seja inferior ao valor preconizado no contrato – e pelo valor dessa diferença – e que a partir do termo do primeiro terço de duração da concessão tais valores mínimos apenas serão devidos se a insuficiência da facturação for imputável ao Município.
A natureza imperativa, que já demonstrámos, dos diplomas legais que aprovaram as bases, por um lado, e a natureza de direito público do contrato administrativo, cujo objecto é tendencialmente indisponível pelas outorgantes públicos, conjugadas com o regime de sucessão de leis no tempo constante, precisamente, desse artigo 12º nº 2 do CC – que a Mª Juiz a qua até invoca – aplicado à natureza duradoura e à subsistência, no momento em que sobreveio a alteração legislativa, das relações jurídicas criadas, resultam em que os clausulados dos contratos de fornecimento e de prestação de saneamento têm de se adequar às novas bases da concessão, de maneira que tudo o que neles for incompatível com elas não pode subsistir, ficando, os contratos, reduzidos à parte compatível (artigo 292º do CC) e ou integrados pelos termos imperativos da nova base, a não ser que os contratos não subsistam com sentido sem a parte desconsiderada, caso em que caducam.
Em 2011 a base XXVIII da concessão, em vigor desde 1/10/2010, designadamente os seus nºs 3 e 4, revelavam-se incompatíveis com o ponto 4 da cláusula 3ª em dois aspectos do aqui convencionado. Por um lado, a determinação de que, “sem prejuízo do número seguinte os valores mínimos serão garantidos sempre que, em cada ano, a receita global da Sociedade seja inferior à prevista no orçamento desse ano”, constante do último período (do ponto 4 da cláusula 3ª) choca com o critério da base, consistente na insuficiência da facturação de cada ano em relação aos valores mínimos estipulados contratualmente. Por outro lado, naquele ponto do contrato não se previa, como sucede com a nova base, que, passado o primeiro terço da concessão, aquele direito aos valores mínimos só existiria se a insuficiência da facturação fosse imputável ao município.
O segmento a desconsiderar no referido ponto quatro da cláusula 3ª – o seu último período – não se revela indispensável para o contrato manter regulado todo o seu objecto. Designadamente, fixados os serviços mínimos no anexo 1, já decorria da conjugação destes com o mais clausulado, se, em quais situações e que quantias haveria o Município que pagar por conta de valores mínimos, terminado cada ano. Por sua vez, a disposição legal da alteração dos pressupostos do direito a valores mínimos a partir do termo do primeiro terço da concessão é perfeitamente conciliável com o restante teor dos contratos, podendo acrescer, como norma imperativa, ao seu clausulado.
Logo, os contratos não caducaram, apenas sofreram redução por erradicação do ponto 4 da cláusula 3ª, na parte acima transcrita e passaram a ser limitados nos seus dispositivo e efeitos, pelo norma imperativa constante dos nºs 4 e 5, respectivamente, das bases XXVIII das concessões.
Julgamos, portanto, que a Mª Juiz a qua errou de direito quando considerou que o nº 4 in fine da cláusula 3ª dos contratos prevalecia sobre a base XXVIII da concessão na redacção dada a estas pelo DL nº 195/2009 - de 2009-08-20.
Uma vez que era incompatível com a base XXVIII da concessão na redacção em vigor desde 1/10/2009, a parte final do nº 4 da cláusula 3ª do contrato devia dar-se como não escrita, prevalecendo o resto do contrato e os nºs 4 e 5 das novas redacções das bases XXVIII.
Se deste erro resulta a procedência do recurso e da acção ma parte recorrida, é algo que oportunamente se verá.
Com fundamento no discurso vindo de ser transcrito, também desta feita julgamos ser positiva a resposta à presente questão. Mas também desta feita se justifica diferir para momento oportuno um juízo sobre a procedência do recurso.

6ª Questão.
Sempre a sentença recorrida erra no julgamento de direito ao confirmar a prevalência da cláusula 3º.4 (parte final) do contratos de fornecimento - desconforme com a Lei – sobre o clausulado resultante do ponto 1.2 do Anexo 2 do mesmo contrato – absolutamente conforme com a Lei de bases e ignorado pela mesma sentença.
Sobre questão substancialmente igual a esta, pronunciámo-nos no sobredito e pregresso acórdão nos seguintes termos:
“Também a sentença acaba por seleccionar este facto como provado ao dar como provada a celebração do contrato de fornecimento, embora transcreva apenas parte do seu teor.
Lido todo o documento, verifica-se que o contrato de fornecimento de água tem um anexo 1, em que se quantifica, discriminadamente, valores mínimos garantidos para cada ano, de 2003 a 2031, e um anexo 2, intitulado “Medição e facturação da Água Consumida, cujo parágrafo 1.2 tem o seguinte teor:
1.2. Quando o valor do consumo efectivo do Município, em cada ano, seja inferior ao mínimo fixado no Anexo 1, a facturação de Janeiro será acrescida da importância necessária para perfazer o pagamento total anual do valor mínimo garantido estabelecido”.
Tal como alega a recorrente Autora, esta disposição não é incompatível com a nova base XXVIII, designadamente com o seu nº 3, aliás, é-lhe praticamente coincidente (sem prejuízo do imperativamente disposto no seu nº 4).
Assim e à luz do que reflectimos na questão anterior, impunha-se considerar que em 2011 o regime contratual do pagamento de valores mínimos do fornecimento de água era integrado pelo parágrafo 1.2 do anexo 2 do respectivo contrato, pelo que os valores mínimos a cobrar eram, tal como já resultaria da redução, a diferença entre o valor facturado em cada ano pelo fornecimento efectivo e os valores mínimos constantes do anexo 1, sem prejuízo possibilidade da sua actualização no decurso da execução do contrato, conforme o mais clausulado.
Se da resposta a esta questão resulta a procedência do recurso e ou da acção na parte ora recorrida, é algo que oportunamente veremos.
Com fundamento no discurso vindo de ser transcrito, também desta feita julgamos ser positiva a resposta à presente questão. Mas também desta feita se justifica diferir para momento oportuno um juízo sobre a procedência do recurso.

7ª Questão
O Tribunal a quo comete, ainda, um erro de julgamento quando ignora que os contratos de fornecimento dependiam dos termos da vigência do contrato de concessão, por efeitos do disposto na Cláusula 7.ª do contrato de fornecimento, nos termos do qual “a vigência do presente contrato fica subordinada à do contrato de concessão.”, julgando, com tal fundamento, que o DL 195/2009 apenas altera os contratos de concessão, por efeito do disposto no artigo 10.° do DL 195/2009, nos termos do qual o decreto-lei prevalece sobre os contratos de concessão em vigor – isto é, não também sobre os contratos de fornecimento?

Esta questão mostra-se prejudicada pelas respostas dadas às questões anteriores das quais resulta que o regime contratual de determinação do pagamento de serviços mínimos previsto na cláusula 3.4 era nulo por desconformidade com a lei de bases da concessão.

Conclusão
Fundamento recorrido da absolvição do Réu foi, essencialmente, a falta de alegação de factos constitutivos do direito da Autora aos 979.960,49 €, objecto da factura n.º 2300000507 e aos juros de mora respectivos.
Da factura constavam os seguintes dizeres:
Valores mínimos garantidos nos termos da cláusula 16.ª do Contrato de Concessão e da cláusula 3.ª dos respectivos contratos de fornecimento de água e de recolha de efluentes.
Valor real facturado SAA em 2011 – 443 008,99 eur
Valor mínimo garantido – 1 367 500.02”
Uma vez que a Mª Juiz a qua entendeu que o critério do an e do quantum dos valores mínimos a pagar relativamente a 2011 residia no último período da cláusula 3º dos contratos, julgou que não tendo sido invocados pelas partes nos seus articulados quaisquer factos essenciais atinentes à quantificação da receita global da sociedade ou do orçamento para os anos em causa, (…) e não tendo tão pouco resultado da instrução da causa factos instrumentais a tal respeito (…) não resultou demonstrado nos autos que a receita global da Autora fosse, nesse ano, inferior à prevista no orçamento, o que constituía uma das condições contratualmente exigidas para a cobrança dos valores mínimos garantidos”, pelo que “falece necessariamente a sua pretensão de pagamento da nota de débito atinente a valores mínimos garantidos”.
Sabemos, agora, que os critério e fonte da obrigação de pagamento de valores mínimos para 2011 relevavam outrossim da insuficiência da facturação dos serviços efectivamente prestados, nesse ano, face aos valores mínimos para o mesmo preconizados no anexo 1 dos contratos – mas apenas se e na medida em que o tempo abrangido pela facturação (dos valores mínimos) se contivesse no primeiro terço da concessão respectiva – e bem assim de essa insuficiência da facturação ser imputável ao Município, na media em que o tempo abrangido pela facturação não integrasse aquele período inicial da concessão.
Sabemos – porque a Mª Juiz a qua considerou tal facto como susceptível de ser por si considerado (apesar de não alegado) e, consequentemente, o seleccionou como provado (ponto 1 do probatório) – que o contrato de concessão foi outorgado em 26/10/2001, para vigorar por 30 anos.
Sabemos – porque ela continha os sobreditos dizeres – que a factura relativa aos serviços mínimos se refere ao ano de 2011, indiscriminadamente, ano no qual a facturação de abastecimento de água, segundo a factura, teria totalizado - 443 008,99 Eur; e que, segundo a mesma nota, o valor mínimo garantido para 2011, nos termos contratuais, seria 1 367 500,02 €.
Mesmo que demos por alegados e provados, não só as emissão e entrega da factura e o seu teor, como todo o objecto dos seus dizeres, ficamos sem saber que valor foi facturado até Outubro de 2011, mês em que terminou o primeiro terço da concessão; que valor foi facturado após Outubro de 2011 e bem assim se a insuficiência da facturação, na parte proporcional a este período, se deveu a causa imputável ao Município.
Obviamente, não está reunida a integralidade dos pressupostos de facto do direito da Autora a haver do Réu quaisquer valores mínimos para o ano de 2011 em conformidade com o anexo 2 do contrato de fornecimento e a base XXVIII da concessão.
Como assim, impõe-se-nos concluir que, apesar das respostas positivas às 5ª e 6ª questões, o recurso da Autora não merece provimento, devendo o dispositivo da sentença, na parte recorrida, manter-se na ordem jurídica posto que, na parte correspondente, com a fundamentação ora exposta.

IV – Custas
As custas do recurso ficam exclusivamente a cargo da recorrente.
As custas da acção ficam a cargo da Autora, tal como foi decidido no tribunal a quo, cuja sentença vai aqui confirmada.
Tudo conforme decorre do artigo 527º do CPC.

V- Dispositivo
Pelo exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal em julgar improcedente o Recurso.
Custas pela recorrente.

Porto, 13/9/2024

Tiago Afonso Lopes de Miranda
Maria Clara Alves Ambrósio
Ricardo de Oliveira e Sousa