Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
RELATÓRIO
«AA», residente na rua ..., ..., Casa ..., ..., ..., ..., ..., instaurou Ação Administrativa contra o MINISTÉRIO DA DEFESA NACIONAL (Exército Português) com sede na rua ..., ... ..., formulando o seguinte pedido:
«Nestes termos e nos demais de Direito aplicáveis, deve a presente ação ser julgada procedente por provada e, em consequência, ser o ato administrativo, datado de 30.03.2017 anulado, e o Réu condenado a proferir novo ato que qualifique o Autor como Deficiente das Forças Armadas, com todas as consequências legais»
Por sentença proferida pelo TAF de Penafiel foi julgada improcedente a acção.
Desta vem interposto recurso.
Alegando, o Autor formulou as seguintes conclusões:
1. A sentença proferida incorre em erro de julgamento, porquanto despreza totalmente a perícia médico legal relativa ao ora recorrente, realizada nos presentes autos, subscrita pela especialista em Medicina Legal, Dr.ª «BB», do Gabinete Médico Legal e Forense do Tâmega, no âmbito da qual, se concluiu o seguinte: “(...) Em suma: - O examinando padece de Perturbação de Stress Pós-Traumático, sendo possível estabelecer um nexo de causalidade entre a presença na Guerra Colonial em Angola (1969 -1971) e a sintomatologia apresentada do foro psíquico. - Denota perturbações funcionais importantes, com manifesta diminuição do nível de eficiência pessoal e profissional decorrentes da patologia psiquiátrica. - De acordo com o Grau III do cap. X da TNI deve ser-lhe atribuída uma IPP de 0,30 (30%) que à data atual deve ser bonificada do factor 1,5 por idade superior ou igual a 50 anos, de acordo com as Instruções Gerais da TNI alínea 5 a) o que determina uma IPP fixável em 0,30x1,5=0,45 isto é, 45,00%. -Relativamente às queixas gastroenterológicas não foi possível estabelecer nexo de causalidade entre aquelas e o referido pelo examinado (exposição a situação de guerra)” – cf. Relatório médico de fls. 381-387 do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, ou seja, o supra referido relatório médico-legal, emitido por um médico da especialidade de medicina legal, o qual analisou de forma crítica, objetiva e fundamentada todas as dúvidas enunciadas, deixou claro o evento traumático que despoletou a doença do ora recorrente: a presença na Guerra Colonial em Angola, no período compreendido entre 1969 e 1971.
2. Não obstante, entendeu o douto Tribunal “a quo”, que “(...) tendo a decisão impugnada assentado em pareceres de peritos médicos, impunha-se a demonstração de erros claros e manifestos na apreciação clínica efetuada pela JMU, nomeadamente no que tange à alegada (in)existência de nexo de causalidade entre a desvalorização atribuída e a prestação do serviço militar, não bastando para tanto a existência de relatórios médicos/psicológicos divergentes. A medicina, sendo uma prática racional e amparada pela ciência, é uma área complexa e permeável à subjetividade da avaliação, não sendo incomum a existência de diferentes interpretações sobre sintomas e quadros clínicos, derivando daí a possibilidade de diagnósticos e conclusões divergentes. No entanto, no presente caso, considerando os procedimentos a que foi sujeito o Autor no HMR-1, a fundamentação que foi transposta para os relatórios médicos/psicológicos dos serviços dessa unidade hospitalar e, bem assim, considerando que as JMU estão especialmente aptas a avaliar o nexo de causalidade de perturbação psicológica crónica resultante da exposição a fatores traumáticos de stress durante a vida militar, conclui-se, face à não demonstração da existência de erros claros e manifestos na apreciação clínica efetuada pela JMU, que deverá soçobrar a alegação de erro nos pressupostos de facto da decisão impugnada, por esta ter considerado, amparada no parecer da JMU, que não há nexo de causalidade entre a desvalorização atribuída ao Autor e a prestação do serviço militar. Ante o exposto, terá de improceder o vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto”.
3. Os Tribunais não estão impedidos de sindicar a validade externa dos juízos médicos, aferindo se os mesmos foram emitidos por quem legalmente tinham de ser proferidos, e se cumprem os requisitos exigíveis para que se tenham por devidamente fundamentados. E afigura-se-nos que perante decisões como são os juízos médicos, dotados de elevado grau de tecnicidade, o dever de fundamentação que se impõe a esse nível, não pode deixar de ser escrutinado pelos Tribunais com exigência e rigor, de forma que, os mesmos só devem considerar-se fundamentados, se comportaram um grau de explicitação que torne apreensíveis e compreensíveis as razões em que se suportam – cfr. acórdão do TCAN, datado de 05/11/2021, in www.dgsi.pt
4. No caso dos autos, afigura-se-nos evidente, que os próprios elementos clínicos constantes do processo administrativo, não eram unânimes e, consequentemente, colocavam em crise a conclusão a que havia chegado a JMU, em 19/05/2015, ao concluir nos seguintes termos: “Incapaz de todo o serviço militar, apto parcialmente para o trabalho com 37% de desvalorização, sem nexo causalidade com o serviço militar.”
5. Por ofício n.º ...9, de 12 de Janeiro de 1999, do aqui recorrido, foi o processo referente ao ora recorrente, devolvido ao Exército com vista à análise “da documentação clínica junta ao processo pelo requerente no âmbito da resposta apresentada em sede de audiência prévia; realização das diligências e procedimentos próprios do diagnóstico PPST, com submissão do requerente aos respetivos exames médicos e testes específicos; submissão do processo a parecer da CPIP, de modo a esclarecer eventual influência do serviço militar prestado na situação clínica atual do requerente, bem como, conforme resulta do processo administrativo para o qual se remete. Clarificar avaliação sobre atribuição do grau de desvalorização respetivo” – cfr. processo administrativo para o qual se remete.
6. Sendo que, em consequência de tal, a CPIP/DSE, elaborou o parecer n.º 252/2011, tendo concluído “(...) que existe nexo de causalidade entre a patologia psiquiátrica pelo qual lhe foi atribuída a desvalorização de 30% e o cumprimento do serviço militar” – cfr. doc. n.º 6, junto com a petição inicial, tudo isto, sem prejuízo dos pareceres médicos juntos aos autos pelo aqui recorrente que, de igual modo, concluíam pela existência de nexo causal entre a patologia psiquiátrica e o cumprimento do serviço militar.
7. O parecer médico emitido em 28/06/1999, pelo médico psiquiatra «CC», Chefe do Serviço de Psiquiatria do Hospital ... – ..., concluiu que o ora recorrente padecia de síndrome de stress pós-traumático de Guerra e que segundo a TNI lhe deveria ser atribuída uma incapacidade entre os 35 e os 39% – cf. doc. n.º 2, junto com a petição inicial.
8. O parecer emitido em 21/03/2000, pela psicóloga «DD», da Associação de Deficientes das Forças Armadas, concluiu que o ora recorrente padecia de Distúrbio Pós-Traumático de Guerra (DPTS) – cf. doc. n.º 3, junto com a petição inicial.
9. O parecer, emitido em 10/04/2017, pelo médico psiquiatra «EE», da Santa Casa da Misericórdia ..., o qual concluiu que “O sr. «AA», de 68 anos de idade, apresenta humor depressivo, ansiedade excessiva com somatizações, vontade de se isolar com fuga aos contactos sociais e perturbação do sono com sonhos ansiosos cujos conteúdos estão relacionados com a sua vivência traumática em zona de combate em Angola, nos anos de 1969 a 1971. Verbaliza lembranças e pensamentos, de forma obsessiva, relacionados com essas vivências traumáticas. Esta situação clínica encontra-se já cronificada, tendo o doente frequentado consultas de psiquiatria na Consulta Externa do Hospital ... entre 1988 e 1999, em associações de deficientes das Forças Armadas e em Medicina Particular. Encontra-se atualmente medicado com Mirtazina 45 mg, Clobazam 20 mg e Termazepam 20 mg. Sou de parecer que o doente apresenta Perturbação de Pós-Stress Traumático relacionada com a sua permanência em teatro de guerra em Angola entre 1969 e 1971.” – cf. doc. n.º 8, junto com a petição inicial.
10. O parecer psicológico, emitido em 30/06/2017, pelo neuropsicólogo «FF» e a assistente em psicologia «GG», da Associação Portuguesa dos Veteranos de Guerra, os quais concluíram que “(...) Com isto, e em suma, podemos considerar que, apesar de existiram na constelação sintomatológica acima apresentada várias características previstas noutras perturbações , e mesmo considerando que possam existir co-morbilidades com outras perturbações e até o estabelecimento de duplo ou triplo diagnóstico, é indubitável que o diagnóstico de PTSD deve ser estabelecido em detrimento de outros ou em co-morbilidade com os demais uma vez que, como verificamos na justificação do diagnóstico, a presença da característica essencial para o diagnóstico de PTSD (o reexperiênciar e ter reações emocionais como medo, horror ou desamparo, após a exposição a um ou mais acontecimentos traumáticos) está presente. Contudo, e para finalizar, consideramos importante estar atento e não ser alheio às co-morbilidades desta perturbação com as perturbações do humor” – cf. doc. n.º 9, junto com a petição inicial.
11. O douto Tribunal “a quo” podia e devia duvidar das conclusões a que havia chegado a JMU, em 19/05/2015, porquanto, tais dúvidas objetivas, eram suportadas em elementos probatórios de igual valor científico, as quais abalavam fundamentadamente aquele outro juízo médico, sendo que, o douto Tribunal “a quo” – cremos nós – efetivamente duvidou das conclusões a que havia chegado a referida JMU, porquanto, de outro modo, não teria ordenado, em 13/11/2018, a realização da perícia médico legal requerida pelo ora recorrente, em sede do seu requerimento probatório, constante da petição inicial.
12. Se o douto Tribunal “a quo”, não tivesse detetado a existência de qualquer erro, não teria ordenado a realização de uma nova perícia médica ao ora recorrente, tendente a esclarecer uma dúvida que fosse consistente em relação a saber com um grau de certeza aceitável se o mesmo era ou não portador de uma PPST da qual resultasse um grau de incapacidade de pelo menos 30%, em razão do serviço militar que prestou, conforme fez!
13. A nova perícia requerida pelo ora recorrente e ordenada pelo douto Tribunal “a quo”, concluiu, sem margem para dúvidas, que “(...) O examinando padece de Perturbação de Stress Pós-Traumático, sendo possível estabelecer um nexo de causalidade entre a presença na Guerra Colonial em Angola (1969 -1971) e a sintomatologia apresentada do foro psíquico. - Denota perturbações funcionais importantes, com manifesta diminuição do nível de eficiência pessoal e profissional decorrentes da patologia psiquiátrica. - De acordo com o Grau III do cap. X da TNI deve ser-lhe atribuída uma IPP de 0,30 (30%) que à data atual deve ser bonificada do factor 1,5 por idade superior ou igual a 50 anos, de acordo com as Instruções Gerais da TNI alínea 5 a) o que determina uma IPP fixável em 0,30x1,5=0,45 isto é, 45,00%. -Relativamente às queixas gastroenterológicas não foi possível estabelecer nexo de causalidade entre aquelas e o referido pelo examinado (exposição a situação de guerra)” – cf. Relatório médico de fls. 381-387 do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
14. O douto Tribunal “a quo” que inicialmente havia determinado a realização da dita perícia médico legal – por considerar, cremos nós, que a mesma se afigurava pertinente para a solução a alcançar nos presentes autos – descura agora, por completo, tal relatório pericial e, consequentemente, valida o resultado da perícia realizada pela JMU, com a chamada discricionariedade técnica, a assim ser, resultaria na prática que qualquer decisão desta índole seria essencialmente insindicável, pois que, a discricionariedade técnica tudo permitiria e justificaria.
15. Tal decisão, a manter-se, colocar-nos-ia no ridículo de se ter aguardado quase 5 (cinco) anos pela elaboração do dito relatório pericial, para se concluir que o seu resultado, qualquer que ele fosse, não era suscetível de alterar a decisão administrativa em apreço!
16. Nos termos do Decreto-Lei n.º 43/76, de 20/01 e do Decreto-Lei n.º 46/99, de 16/06, para se ser qualificado como deficiente das forças armadas por “perturbação pós-stress traumático”, é necessário que estejam reunidos determinados requisitos cumulativos, como sejam: (i) que o requerente seja portador de perturbação psicológica crónica; (ii) que a mesma seja consequência da exposição a fatores traumáticos de stress durante a vida militar (nexo de causalidade); e (iii) que se verifique um mínimo de 30% da perda de capacidade geral de ganho.
17. A perícia médico legal realizada nos presentes autos, concluiu, sem margem para dúvidas, que “(...) O examinando padece de Perturbação de Stress Pós-Traumático, sendo possível estabelecer um nexo de causalidade entre a presença na Guerra Colonial em Angola (1969 -1971) e a sintomatologia apresentada do foro psíquico. - Denota perturbações funcionais importantes, com manifesta diminuição do nível de eficiência pessoal e profissional decorrentes da patologia psiquiátrica. - De acordo com o Grau III do cap. X da TNI deve ser-lhe atribuída uma IPP de 0,30 (30%) que à data atual deve ser bonificada do factor 1,5 por idade superior ou igual a 50 anos, de acordo com as Instruções Gerais da TNI alínea 5 a) o que determina uma IPP fixável em 0,30x1,5=0,45 isto é, 45,00%. -Relativamente às queixas gastroenterológicas não foi possível estabelecer nexo de causalidade entre aquelas e o referido pelo examinado (exposição a situação de guerra)” – cf. Relatório médico de fls. 381-387 do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
18. Assim, temos que se encontram preenchidos todos os requisitos legais exigidos para o efeito de classificação do ora recorrente como Deficiente das Forças Armadas.
19. Destarte, a decisão recorrida sofre de erro de julgamento, pelo que, deve ser revogada, por errada interpretação do disposto nos artigos 1.º, n.ºs 2 e 3, e 2.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 janeiro, com a redação da Lei n.º 46/99, de 16 de junho e, consequentemente, errada aplicação das mesmas.
NESTES TERMOS, E NOS MELHORES DE DIREITO QUE SUPRIRÃO, DEVERÁ A SENTENÇA SER REVOGADA E SUBSTITUÍDA POR OUTRA QUE JULGUE PROCEDENTE A PRETENSÃO DEDUZIDA NOS AUTOS,
ASSIM SE FAZENDO A COSTUMADA JUSTIÇA!
O Réu juntou contra-alegações, concluindo:
1.ª – Como bem se considerou na Sentença impugnada, é às juntas de saúde de cada ramo das Forças Armadas que compete julgar a aptidão para o serviço ou para verificar da diminuição permanente, nos termos e pelas causas constantes dos artigos 1.° e 2.° do Decreto-Lei n.° 43/76, de 20 de Janeiro, exprimindo-a em percentagem de incapacidade, conforme se retira dos artigos 6.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 43/76, de 20 de Janeiro, e 5.° do Decreto-Lei n.° 50/2000, de 7 de Abril, devendo as mesmas, para esse efeito, recolher a informação pertinente para o diagnóstico, julgar da aptidão para o serviço e da diminuição permanente da capacidade geral de ganho, bem como pronunciar-se sobre o nexo de causalidade de perturbação psicológica crónica resultante da exposição a fatores traumáticos de stress durante a vida militar (artigos 1.° e 5.° do Decreto-Lei n.° 50/2000, de 7 de Abril).
2. ª – Assim, e como também foi julgado na mesma decisão, é patente que o legislador pretendeu criar entidades especialmente vocacionadas para apreciar da existência de nexo causal de uma perturbação psicológica crónica resultante da exposição a fatores traumáticos de stress durante a vida militar, pelo que, por estarem especialmente aptas para a análise dessas matérias, não é razoável admitir que as conclusões alcançadas por essas entidades sejam derrogadas pela mera apresentação de relatórios divergentes dos seus, a não ser que nesses relatórios se apontem erros de diagnóstico da junta médica militar que sejam notórios e evidentes, o que não ocorreu no caso dos autos.
3.ª – Na verdade, a prova pericial realizada no âmbito da acção judicial não pode ter por finalidade substituir-se às competentes entidades médicas militares na definição da situação clínica do interessado para efeitos da qualificação como DFA, mas apenas pode destinar-se a provar a existência de erro grosseiro no resultado a que chegou a junta médica militar.
4.ª – Na situação dos autos, e como bem se ponderou na Sentença recorrida, tendo a decisão impugnada na acção assentado em pareceres de peritos médicos, impunha-se a demonstração de erros claros e manifestos na apreciação clínica efetuada pela junta médica militar, nomeadamente no que tange à alegada (in)existência de nexo de causalidade entre a desvalorização atribuída e a prestação do serviço militar, o que não se verificou, não bastando, para tanto, a existência de relatórios médicos divergentes.
5.ª – Assim, a decisão sob recurso não padece do vício de erro de julgamento que lhe foi imputado, nem de qualquer outro, pelo que deverá a mesma ser mantida, por ter efectuado uma correcta e criteriosa interpretação dos factos e aplicado aos mesmos as pertinentes disposições legais.
NESTES TERMOS, e nos demais de Direito aplicáveis que suprirão, deverá ser negado provimento ao recurso e confirmada a douta Sentença recorrida,Por ser a decisão Justa. O Senhor Procurador Geral Adjunto notificado, nos termos e para os efeitos do artigo 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.
Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO
Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:
1. O Autor prestou serviço militar no Exército Português tendo sido incorporado no dia 20.01.1969 – cf. fls. 9-11 do procedimento administrativo (doravante PA).
2. A Autor cumpriu uma comissão de serviço militar na ex-província ultramarina de Angola, no período de 07.09.1969 a 04.10.1971 – cf. fls. 9-11 do PA.
3. O Autor cessou a prestação de serviço militar e transitou para a situação de disponibilidade em 15.11.1971 - cf. fls. 9-11 do PA.
4. Em 28.06.1999, o médico psiquiatra «CC», Chefe do Serviço de Psiquiatria do Hospital ... – ..., emitiu uma informação clínica na qual concluía que o Autor padecia de síndrome de stress pós-traumático de Guerra e que segundo a TNI lhe deveria ser atribuída uma incapacidade entre os 35 e os 39% - cf. doc. n.° 2 junto com a petição inicial (doravante PI).
5. Em 21.03.2000, a psicóloga «DD», da Associação de Deficientes das Forças Armadas, emitiu um relatório psicológico no qual concluía que o Autor padecia de Distúrbio Pós-Traumático de Guerra (DPTS) - cf. doc. n.° 3 junto com a PI.
6. Em 21.03.2000, o Autor dirigiu ao Chefe do Estado-Maior do Exército (doravante CEME) um pedido para organização de um processo por doença adquirida em campanha, tendo em vista ser considerado deficiente das Forças Armadas (doravante DFA) – cf. fls. 3-4 do PA.
7. Em 28.12.2000, foi aberto processo sumário por doença relativo ao Autor, em cumprimento de despacho do Tenente General Comandante da Região Militar do Norte, datado de 06.12.2000 – cf. fls. 1 e 13 do PA.
8. Em 27.02.2002, foi elaborado relatório médico relativo ao Autor, pelo Serviço de Psiquiatria do Hospital Militar Regional n.º 1 (HMR-1) - cf. fls. 54-57 do PA.
9. No relatório mencionado no ponto precedente consta, além do mais, o seguinte teor:
«(...)
1° O examinando sofre de distúrbios ansioso-hipocondríacos com depressão.
2º Não nos foi possível seguro nexo de causalidade entre as suas actuais queixas – sintomatologia meramente subjetiva – e o cumprimento do serviço militar»
(...)» - cf. fls. 54-57 do PA.
10. Em 10.07.2003, foi elaborado relatório médico relativo ao Autor, pelo Serviço de Gastroenterologia do HMR-1 - cf. fls. 78 do PA.
11. No relatório mencionado no ponto precedente consta, além do mais, o seguinte teor: «Estas lesões não estão relacionadas com a prestação do S.M.O. em Angola, não existindo nexo de causa-efeito entre as mesmas» - cf. fls. 78 do PA.
12. Em 03.11.2004, o Autor foi presente a Junta Hospitalar de Inspeção (JHI), que emitiu parecer no sentido de o mesmo ser considerado “Incapaz de todo o serviço militar, apto parcialmente para o trabalho com 30% de desvalorização” – cf. fls. 138 PA.
13. Em 21.02.2005, por despacho do Chefe da Repartição de Pessoal Militar não Permanente foi homologado o parecer mencionado no ponto precedente – cf. fls. 144 do PA.
14. Em 14.11.2007, a Comissão Permanente para Informações e Pareceres, da Direção de Saúde do Exército (doravante CPIP), emitiu o parecer n.º 28/2008, no qual concluiu que os motivos pelos quais a JHI do HMR-1 julgou o Autor incapaz de todo o serviço militar e apto parcialmente para o trabalho com a desvalorização de 30%, não têm nexo de causalidade com a prestação do serviço militar - cf. fls. 130-131 do PA.
15. Em 31.03.2008, o parecer mencionado no ponto antecedente foi homologado pelo Diretor de Justiça e Disciplina do Exército – cf. fls. 130-131 do PA.
16. Em 05.01.2009, o Autor requereu ao Departamento de Assuntos Jurídicos do Ministério da Defesa Nacional (doravante DAJ/MDN) a reanálise do processo, mediante a realização de diligências complementares de modo a estabelecer-se de modo seguro e inequívoco o indispensável nexo de causalidade entre a doença e/ou agravamento e o cumprimento do serviço militar obrigatório em campanha - cf. fls. 118-119 do PA.
17. Em 08.01.2009, o DAJ/MDN elaborou a informação 680/09/Dejur, propondo que o processo do Autor fosse devolvido ao Gabinete do CEME para a realização de diligências complementares (...)» - cf. fls. 112-116 do PA.
18. Na informação mencionada no ponto precedente colhe-se, além do mais, o seguinte teor:
«(...)
32. Pelo exposto, propõe-se a remessa dos presentes autos ao Estado-Maior do Exército, a fim das entidades competentes promoverem as seguintes diligências complementares:
a) Análise da documentação clínica junta ao processo pelo requerente no âmbito da resposta apresentada em sede de audiência prévia;
b) Realização das diligências e procedimentos próprios de diagnóstico PPST, com a submissão do requerente aos respectivos exames médicos e testes específicos;
c) Submissão do processo e parecer do CPIP, de modo a esclarecer eventual influência do serviço militar prestado na situação clínica actual do requerente, bem como, clarificar avaliação sobre atribuição de grau de desvalorização respectivo.
(...)
No seguimento do exposto, propõe-se que o processo referente ao ex-Soldado «AA», deve ser devolvido ao Gabinete do Chefe de Estado-Maior do Exército, a fim das entidades competentes promoverem as diligências propostas na presente informação, com vista ao esclarecimento da actual situação clínica do ex-militar.
(...)» - cf. fls. 112-116 do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
19. Em 12.01.2009, o processo do Autor foi devolvido ao Gabinete do CEME com vista ao cumprimento de diligências complementares mencionadas na informação mencionada no ponto precedente – cf. fls. 111 do PA.
20. Em 19.04.2013, por despacho do Diretor de Saúde do Exército, foi autorizada a presença do Autor a nova JHI – cf. fls. 192 do PA.
21. Em 16.12.2014, foi elaborado relatório de psicologia forense relativo ao Autor, pelo Serviço de Psiquiatria do HMR-1 – cf. fls. 198 do PA.
22. No relatório mencionado no ponto precedente consta, além do mais, o seguinte teor:
«NOME:
(...)
INSTRUMENTOS UTILIZADOS: Entrevista semi-estruturada PTSD; PTSD Checklist – Versão militar (PCL-M); Inventário de Sintomas Psicopatológicos (BSI)
Resultados
PCL-M – Obtêm na escala total um valor de 61. Atualmente apresenta uma resposta subjetiva a eventos traumáticos significativa. Verificam-se respostas de reexperiência (memórias perturbadoras e repetidas, sentir-se muito chateado quando se recorda da experiência militar stressante, ter reações físicas quando algo o lembra da experiência stressante), de evitamento (evitar atividades, pensar ou falar sobre a experiência militar stressante ou ter sentimentos relacionados a ela), demonstrando sinais de embotamento geral da reatividade (sentir-se emocionalmente entorpecido, sentir-se distante ou afastar-se de pessoas, sem esperança em relação ao futuro) e hiperativação (irritabilidade, perturbações de sono, dificuldades de concentração).
BSI – As dimensões primárias obtêm um T>61 e um GSI de 80. Resultados gerais compatíveis com um quadro depressivo-ansioso significativo. As escalas clínicas com os valores mais significativos são “Depressão”, “Obsessão-Compulsão” e “Sensibilidade interpessoal”. Estão presentes queixas somáticas centradas no sistema gástrico, bem como, indicadores gerais de humor disfórico, isolamento, perda de interesse, falta de motivação, diminuição de energia, perda de objetivos ideação auto-destrutiva, rigidez de pensamento, sentimentos de inferioridade, inadequação pessoal quando em contexto social, auto-depreciação, irritabilidade, ressentimento, egocentrismo e timidez.
OBSERVAÇÕES
1) Identificação de traumas: Como evento traumático mais significativo ao longo da vida refere o falecimento do filho com quatro ano de idade por atropelamento, em 1981. Acrescenta a este evento “o que sofri na vida militar!”. 2) Antes da prestação da vida militar: Após concluído o sexto ano, abandona a escola por não querer estudar mais, contrariando a vontade do pai. O pai faleceu passados dois meses de ter terminado a escola. Trabalha na construção civil durante seis meses. Posteriormente, trabalha em tr~es fábricas nos setores das tintas, vidro e pláticos. Nesta última fazia turnos à noite e “ficava sozinho com quatro máquinas”. Mantém-se nesta atividade até à prestação do serviço militar. Refere um bom relacionamento com oito irmãos e mãe, já falecida. Não refere outros traumas ou problemas de saúde relevantes neste período. 3) Durante a prestação de serviço militar: Diz que passados três/quatro meses do início da comissão começa a ter problemas gástricos associados à ansiedade. Diz que era uma pessoa “um bocadinho tímida”, “pacífica”, complementando que “não nasci para a guerra”. Refere o facto de, por via da sua “condição de saúde”, ter sido nomeado para várias funções de apoio de serviços, ficando aquartelado a maior parte do tempo da comissão. Refere o facto de ter sido nomeado como elemento de reforço ao Batalhão para a realização de uma operação militar, com a duração de doze dias. Que durante estes doze dias não comeu qualquer ração de combate, bebendo apenas a “água podre” que recolhiam das poças. Quando na base, diz que viu camaradas feridos e mortos por altura da sua evacuação para a enfermaria do aquartelamento. Diz que próximo do término da comissão, durante um deslocamento em viatura militar, a primeira viatura ativou uma mina anti-carro, causando alguns feridos e que este facto “foi o suficiente para me sentir diferente”, provocando problemas gástricos, tendo que se socorrer de várias consultas externas. 4) Após a prestação de serviço militar: Após o regresso a Portugal trabalha numa empresa de tecelagem ([SCom01...]) durante três anos. Após este período vai novamente para Angola, desta feita para trabalhar num banco aproximadamente um ano. Segue-se uma empresa de exploração de diamantes ([SCom02...]) também durante o mesmo período. Em 1975 volta a Portugal e ingressa nos quadros da CP, onde desenvolve um percurso profissional bem sucedido, chegando a chefe da estação de comboios de ... e, mais, tarde, gestor na central ferroviária no norte, em campanha. Reforma-se em 1991, com quarenta e três anos de idade, por invalidez. Casou com a atual esposa em 1974, numa relação tida como estável, sem registo de agressões ou maus tratos, da qual resultam quatro filhos. Diz ter sido acompanhado por psiquiatria/psicologia desde 1974/5. 5) Atualmente: Está revoltado com a “injustiça” na atribuição das pensões de invalidez a camaradas que “tiveram pensões por nada” e que “eu que tenho motivos, não tenho nada”. Está polimedicado. Diz que dorme irregularmente “tenho noites”, mas que há dez ano anda a dormir melhor. Diz que se tem um problema durante o dia não dorme à noite. Frequenta Universidade sénior, mas que nem sempre tem vontade de lá ir.
6) Outros: Apresenta traços de personalidade no sentido neurótico marcada por traços ansiosos dominantes, apreensão, humor depressivo, instabilidade, pessimismo e rigidez. Os sintomas de hiperativação poderão melhor ser explicados por somatização, rigidez de pensamento, ansiedade exacerbada, obsessão e diminuição de resistências psicológicas.
CONCLUSÃO
Verifica-se uma resposta subjetiva a evento traumático significativa. Verifica-se perturbação emocional significativa. Não parece existir evidência de disfuncionalidade a nível familiar, social ou ocupacional após os traumas referidos. A avaliação não preenche todos os critérios para diagnóstico da Perturbação de Stress Pós-traumático, conforme estabelecido no ....
(...) – cf. fls. 198 do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
23. Em 22.01.2015, foi elaborado relatório médico relativo ao Autor, pelo Serviço de Psiquiatria do HMR-1 - cf. fls. 202-204 do PA
24. No relatório mencionado no ponto precedente consta, além do mais, o seguinte teor:
«...
O requerente apresenta queixas de desânimo, pessimismo, desinvestimento profissional, insónia e somatização, enquadrável no diagnóstico de perturbação mista ansiosa depressiva.
Não reúne critérios de perturbação de stress pós-traumático de guerra por ausência de fenómenos de reexperienciação e evitamento (critérios B e C) (tendo inclusive regressado a Angola para trabalhar como civil após o cumprimento do Serviço Militar e até descolonização), bem como ausência de disfuncionalidade global (critério F) (bom relacionamento conjugal e familiar, progressão na carreira, capacidade para investir na formação). Acresce que não são evidentes eventos traumáticos específicos (critério A), visto as queixas relativas à alimentação e a passagem para serviços internos por decisão do Comandante foi generalizada a diversos militares e motivada pela intensa operacionalidade e o episódio descrito como mas marcante pelo requerente não foi presenciado pelo mesmo (pois, ocorrendo no fim da comissão de serviço, já só exercia funções internas).
Como é típico das personalidades neuróticas, a sintomatologia psiquiátrica surge em fases tardias da vida com hipervalorização negativa dos acontecimentos da vida. Por outro lado, apresenta acontecimentos da vida que podem melhor explicar esse desenvolvimento, nomeadamente orfandade, alteração do projeto de vida devido a descolonização de Angola e morte de um filho. Em conclusão, a patologia psiquiátrica não tem nexo de causalidade com o cumprimento do Serviço Militar.
(...)» - cf. fls. 202-204 do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
25. Em 15.04.2015, foi elaborado relatório médico relativo ao Autor, pelo Serviço de Gastroenterologia do HMR-1 - cf. fls. 201 do PA.
26. No relatório mencionado no ponto precedente consta, além do mais, o seguinte teor:
«...
As lesões mencionadas na última Endoscopia Digestiva Alto Contraste do processo, não estão
relacionadas com a prestação do Serviço Militar Obrigatório, em Angola, não existindo nexo de
causa-efeito entre os mesmos.
Segundo a Tabela Nacional de Incapacidades do Decreto-Lei n.º 43189 de 23 de setembro de
1960, capítulo V, artigo 81, alínea a) é atribuída uma desvalorização de 10%, isto é, 0,10.
(...)» - cf. fls. 201 do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
27. Em 19.05.2015, a Junta Médica Única (doravante JMU) à qual foi submetido o Autor emitiu parecer – cf. fls. 196 do PA.
28. No parecer mencionado no ponto precedente consta, além do mais, o seguinte teor:
(...)
ENTIDADE NOSOLÓGCA
a – Outras doenças do estomago e duodeno (...)
b – Perturbação mista ansioso depressiva
(...)
NEXO DE CAUSALIDADE (SIM/NÃO)
A – Não
B – Não
PARECER DA JUNTA MÉDICA ÚNICA SOBRE NEXO DE CAUSALIDADE
A JMU concorda com os nexos de causalidade estabelecidos por Psiquiatria e gastroenterologia.
(...)
Em conclusão, esta Junta Médica Única é de PARECER que:
“Incapaz de todo o serviço militar, apto parcialmente para o trabalho com 37% de
desvalorização, sem nexo causalidade com o serviço militar”
(...) – cf. fls. 196 do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
29. Em 24.03.2017, o Departamento de Assessoria Jurídica e Contencioso do Exército emitiu o parecer n.º 86/2017, relativo ao processo de qualificação do Autor como DFA - cf. fls. 224-229 do PA.
30. No parecer mencionado no ponto precedente consta, além do mais, o seguinte teor:
«(...)
11. No caso em análise, os médicos militares que integram a JMU, concluíram, do domínio da discricionariedade técnica que caracteriza a atividade médica, e com os fundamentos constantes do processo clínico do requerente junto ao processo, não existir nexo de causalidade entre a desvalorização atribuída e a prestação do serviço militar.
12. Na verdade, compulsado o processo, verifica-se que os eventos traumáticos mencionados no processo são abordados de forma muito superficial quer pelo requerente quer pelas testemunhas, não resultando, por isso, da prova testemunhal e documental existente no processo, que o requerente tenha sofrido eventos traumáticos específicos suscetíveis de causar a doença invocada pelo mesmo.
13. Acresce que no boletim clínico da especialidade datado de 21 de janeiro de 2015, cujo diagnóstico é perturbação mista ansioso depressiva é referido que “não existe nexo de causalidade com o cumprimento do Serviço Militar, nem agravada por este”.
14. De referir, também, que o relatório de psicologia forense, elaborado pelo médico «HH», em 16 de dezembro de 2014, conclui “verifica-se uma resposta subjetiva a evento traumático significativa. Verifica-se perturbação emocional significativa. Não parece existir evidência de disfuncionalidade a nível familiar, social ou ocupacional após os traumas referidos. A avaliação não preenche todos os critérios para diagnóstico da perturbação de Stress Pós-Traumático, conforme estabelecidos no ...”
15. Verifica-se, pois, que não se encontram preenchidos os requisitos exigidos pelos artigos 1.°, n.° 2, e 2.°, n.° 1, alínea b), do Decreto-Lei n.° 43/76, de 20 de janeiro, o que impede a qualificação do requerente como deficiente das Forças Armadas.
16. Notificado nos termos e para os efeitos dos artigos 121.° e 122.° do Código do Procedimento Administrativo, através do ofício n.º ...59, de 24 de fevereiro de 2017, o requerente não se pronunciou sobre o projeto de decisão final.
IV – Parecer
Face ao que precede, é nosso parecer que o ex-Soldado NIM ...69 «AA» não deve ser qualificado como deficiente das Forças Armadas, porquanto não se encontram preenchidos os requisitos exigidos para o efeito pelo n.° 2 do artigo 1.° e pela alínea b), do n.° 1, do artigo 2.°, ambos do Decreto-Lei n.° 43/76, de 20 de janeiro.
(...)» - cf. fls. 224-229 do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
31. Em 30.03.2017, o parecer mencionado no ponto precedente mereceu despacho concordante do Chefe do Estado Maior do Exército (CEME), que não qualificou o Autor como DFA por não preencher os requisitos cumulativos exigidos para esse efeito pelo Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de janeiro - (...)» - cf. fls. 224-229 do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
32. Em 05.04.2017, o Gabinete do CEME emitiu o ofício ...32, através do qual comunicava ao Autor que, por despacho do CEME, datado 30.03.2017, exarado no parecer 86/2017, foi indeferido o pedido de qualificação como DFA – cf. fls. 230 do PA.
33. Em 10.04.2017, o médico psiquiatra «EE», da Santa Casa da Misericórdia ..., elaborou um relatório de psiquiatria relativo ao Autor – cf. doc. n.° 8 anexo à PI.
34. No relatório mencionado no ponto precedente consta, além do mais, o seguinte teor:
«O sr. «AA», de 68 anos de idade, apresenta humor depressivo, ansiedade excessiva com somatizações, vontade de se isolar com fuga aos contactos sociais e perturbação do sono com sonhos ansiosos cujos conteúdos estão relacionados com a sua vivência traumática em zona de combate em Angola, nos anos de 1969 a 1971.
Verbaliza lembranças e pensamentos, de forma obsessiva, relacionados com essas vivências traumáticas.
Esta situação clínica encontra-se já cronificada, tendo o doente frequentado consultas de psiquiatria na Consulta Externa do Hospital ... entre 1988 e 1999, em associações de deficientes das Forças Armadas e em Medicina Particular.
Encontra-se atualmente medicado com Mirtazina 45 mg, Clobazam 20 mg e Termazepam 20 mg.
Sou de arecer que o doente apresenta Perturbação de Pós-Stress Traumático relacionada com a sua permanência em teatro de guerra em Angola entre 1969 e 1971.» – cf. doc. n.° 8 anexo à PI.
35. Em 30.06.2017, o neuropsicólogo «FF» e a assistente em psicologia «GG», da Associação Portuguesa dos Veteranos de Guerra, elaboraram um «Parecer psicológico de agravamento da situação clínica», relativo ao Autor - – cf. doc. n.° 9 anexo à PI.
36. No relatório mencionado no ponto precedente consta, além do mais, o seguinte teor:
«(...)
Com isto, e em suma, podemos considerar que, apesar de existiram na constelação sintomatológica acima apresentada várias características previstas noutras perturbações , e mesmo considerando que possam existir co-morbilidades com outras perturbações e até o estabelecimento de duplo ou triplo diagnóstico, é indubitável que o diagnóstico de PTSD deve ser estabelecido em detrimento de outros ou em co-morbilidade com os demais uma vez que, como verificamos na justificação do diagnóstico, a presença da característica essencial para o diagnóstico de PTSD (o reexperiênciar e ter reações emocionais como medo, horror ou desamparo, após a exposição a um ou mais acontecimentos traumáticos) está presente. Contudo, e para finalizar, consideramos importante estar atento e não ser alheio às co-morbilidades desta perturbação com as perturbações do humor» – cf. doc. n.º 9 anexo à PI, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
37. Em 13.02.2023, na pendência dos presentes autos, foi elaborado um relatório de perícia de avaliação do dano corporal relativo ao Autor, subscrito pela especialista em Medicina Legal, Dr.ª «BB», do Gabinete Médico Legal e Forense do Tâmega – fls. 381-387 do SITAF.
38. No relatório mencionado no ponto precedente consta, além do mais, o seguinte teor:
«(...)
Em suma:
- O examinando padece de Perturbação de Stress Pós-Traumático, sendo possível estabelecer um nexo de causalidade entre a presença na Guerra Colonial em Angola (1969 -1971) e a sintomatologia apresentada do foro psíquico.
- Denota perturbações funcionais importantes, com manifesta diminuição do nível de eficiência pessoal e profissional decorrentes da patologia psiquiátrica.
- De acordo com o Grau III do cap. X da TNI deve ser-lhe atribuída uma IPP de 0,30 (30%) que à data atual deve ser bonificada do factor 1,5 por idade superior ou igual a 50 anos, de acordo com as Instruções Gerais da TNI alínea 5 a) o que determina uma IPP fixável em 0,30x1,5=0,45 isto é, 45,00%.
- Relativamente às queixas gastroenterológicas não foi possível estabelecer nexo de causalidade entre aquelas e o referido pelo examinado (exposição a situação de guerra).
(...)» cf. fls. 381-387 do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
DE DIREITO
Conforme jurisprudência firmada, o objeto de recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do apelante, não podendo o Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPT.
Sem embargo, por força do artigo 149.º do CPTA, o Tribunal, no âmbito do recurso de apelação, não se quedará por cassar a sentença recorrida, conquanto ainda que a declare nula, decidirá “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”.
Assim,
É objecto de recurso a sentença proferida nos autos que julgou improcedente a ação administrativa instaurada pelo aqui recorrente, no âmbito da qual se pretendia a anulação do ato administrativo, datado do 30/03/2017, e a condenação do ora recorrido a proferir novo ato que qualificasse o Recorrente como Deficiente das Forças Armadas, com todas as legais consequências daí decorrentes.
Na óptica do Recorrente a sentença proferida incorre em erro de julgamento, porquanto despreza totalmente a perícia médico legal relativa ao ora recorrente, realizada nos presentes autos, subscrita pela especialista em Medicina Legal, Dr.ª «BB», do Gabinete Médico Legal e Forense do Tâmega, no âmbito da qual, se concluiu o seguinte: “ (...) Em suma: - O examinando padece de Perturbação de Stress Pós-Traumático, sendo possível estabelecer um nexo de causalidade entre a presença na Guerra Colonial em Angola (1969 -1971) e a sintomatologia apresentada do foro psíquico. - Denota perturbações funcionais importantes, com manifesta diminuição do nível de eficiência pessoal e profissional decorrentes da patologia psiquiátrica. - De acordo com o Grau III do cap. X da TNI deve ser-lhe atribuída uma IPP de 0,30 (30%) que à data atual deve ser bonificada do factor 1,5 por idade superior ou igual a 50 anos, de acordo com as Instruções Gerais da TNI alínea 5 a) o que determina uma IPP fixável em 0,30x1,5=0,45 isto é, 45,00%. - Relativamente às queixas gastroenterológicas não foi possível estabelecer nexo de causalidade entre aquelas e o referido pelo examinado (exposição a situação de guerra)” - cf. Relatório médico de fls. 381-387 do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
Cremos que assiste razão ao Recorrente.
Com efeito, a plena jurisdição dos tribunais e o princípio da tutela efectiva permite a sindicabilidade da discricionariedade técnica, no caso de elementos médicos por outros elementos médicos, admitindo a realização de perícia da mesma área que contradite os resultados das juntas médicas.
Ora, o suprareferido relatório médico-legal, emitido por um médico da especialidade de medicina legal, o qual analisou de forma crítica, objetiva e fundamentada todas as dúvidas enunciadas, deixou claro o evento traumático que despoletou a doença do ora recorrente: a presença na Guerra Colonial em Angola, no período compreendido entre 1969 e 1971.
Não obstante, entendeu o Tribunal a quo, que “(...) tendo a decisão impugnada assentado em pareceres de peritos médicos, impunha-se a demonstração de erros claros e manifestos na apreciação clínica efetuada pela JMU, nomeadamente no que tange à alegada (in)existência de nexo de causalidade entre a desvalorização atribuída e a prestação do serviço militar, não bastando para tanto a existência de relatórios médicos/psicológicos divergentes. A medicina, sendo uma prática racional e amparada pela ciência, é uma área complexa e permeável à subjetividade da avaliação, não sendo incomum a existência de diferentes interpretações sobre sintomas e quadros clínicos, derivando daí a possibilidade de diagnósticos e conclusões divergentes. No entanto, no presente caso, considerando os procedimentos a que foi sujeito o Autor no HMR-1, a fundamentação que foi transposta para os relatórios médicos/psicológicos dos serviços dessa unidade hospitalar e, bem assim, considerando que as JMU estão especialmente aptas a avaliar o nexo de causalidade de perturbação psicológica crónica resultante da exposição a fatores traumáticos de stress durante a vida militar, conclui-se, face à não demonstração da existência de erros claros e manifestos na apreciação clínica efetuada pela JMU, que deverá soçobrar a alegação de erro nos pressupostos de facto da decisão impugnada, por esta ter considerado, amparada no parecer da JMU, que não há nexo de causalidade entre a desvalorização atribuída ao Autor e a prestação do serviço militar. Ante o exposto, terá de improceder o vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto”.
À semelhança do Apelante, não secundamos este entendimento.
Com efeito, a jurisprudência, tem recorrentemente sustentado que os casos denominados de discricionariedade técnica são também chamados de vinculação administrativa não podendo o poder público adotar solução diversa da indicada pelo especialista, não competindo também ao Tribunal controlar a boa ciência ou a boa técnica empregue pela entidade administrativa, pelo que, os mesmos apenas serão suscetíveis de controlo jurisdicional em caso de erro palmar, ostensivo ou manifesto de apreciação, entendido como um erro grosseiro ou flagrante que tenha sido cometido na apreciação dos factos que originaram a decisão, revelador de um grave desajustamento desta à situação concreta - cf. Ac. do STA de 11/5/2005, Proc. n.º 0330/05 - e para o que não basta a simples circunstância de um outro perito médico ter procedido a uma avaliação diferente - cf. Ac. do STA de 7/10/97, Proc. n.º 040019.
É, pois, inquestionável que os juízos médicos são decisões proferidas por pessoal médico especializado, ao abrigo de conhecimentos técnicos específicos que não estão ao alcance do cidadão comum, sequer do juiz, apesar de ser o perito dos peritos, os quais se inserem no domínio da denominada discricionariedade técnica.
Contudo os Tribunais não estão impedidos de sindicar a validade externa dos juízos médicos, aferindo se os mesmos foram emitidos por quem legalmente tinham de ser proferidos, e se cumprem os requisitos exigíveis para que se tenham por devidamente fundamentados. Perante decisões como são os juízos médicos, dotados de elevado grau de tecnicidade, o dever de fundamentação que se impõe a esse nível, não pode deixar de ser escrutinado pelos Tribunais com exigência e rigor, de forma que, os mesmos só devem considerar-se fundamentados, se comportaram um grau de explicitação que torne apreensíveis e compreensíveis as razões em que se suportam - Acórdão deste TCAN, datado de 05/11/2021, Proc. 00293/20.7BEBRG.
Ora, no caso dos autos, é evidente que os próprios elementos clínicos constantes do processo administrativo, não eram unânimes e, consequentemente, colocavam em crise a conclusão a que havia chegado a JMU, em 19/05/2015, ao concluir nos seguintes termos: “Incapaz de todo o serviço militar, apto parcialmente para o trabalho com 37% de desvalorização, sem nexo causalidade com o serviço militar.”
Com efeito, por ofício n.º ...9, de 12 de janeiro de 1999, do aqui recorrido, foi o processo referente ao ora recorrente, devolvido ao Exército com vista à análise “da documentação clínica junta ao processo pelo requerente no âmbito da resposta apresentada em sede de audiência prévia; realização das diligências e procedimentos próprios do diagnóstico PPST, com submissão do requerente aos respetivos exames médicos e testes específicos; submissão do processo a parecer da CPIP, de modo a esclarecer eventual influência do serviço militar prestado na situação clínica atual do requerente, bem como, conforme resulta do processo administrativo para o qual se remete. Clarificar avaliação sobre atribuição do grau de desvalorização respetivo” - cfr. processo administrativo -, sendo que, em consequência de tal, a CPIP/DSE, elaborou o parecer n.º 252/2011, tendo concluído “(...) que existe nexo de causalidade entre a patologia psiquiátrica pela qual lhe foi atribuída a desvalorização de 30% e o cumprimento do serviço militar” - cfr. doc. n.º 6, junto com a petição inicial.
A isto acrescem os pareceres médicos juntos aos autos pelo aqui recorrente que, de igual modo, concluíam pela existência de nexo causal entre a patologia psiquiátrica e o cumprimento do serviço militar, designadamente,
o parecer médico emitido em 28/06/1999, pelo médico psiquiatra «CC», Chefe do Serviço de Psiquiatria do Hospital ... - ..., o qual concluiu que o ora recorrente padecia de síndrome de stress pós-traumático de Guerra e que segundo a TNI lhe deveria ser atribuída uma incapacidade entre os 35 e os 39% - cf. doc. n.º 2, junto com a petição inicial -, o parecer emitido em 21/03/2000, pela psicóloga «DD», da Associação de Deficientes das Forças Armadas, no qual concluiu que o ora recorrente padecia de Distúrbio Pós-Traumático de Guerra (DPTS) - cf. doc. n.º 3, junto com a petição inicial -, o parecer, emitido em 10/04/2017, pelo médico psiquiatra «EE», da Santa Casa da Misericórdia ..., o qual concluiu que “O sr. «AA», de 68 anos de idade, apresenta humor depressivo, ansiedade excessiva com somatizações, vontade de se isolar com fuga aos contactos sociais e perturbação do sono com sonhos ansiosos cujos conteúdos estão relacionados com a sua vivência traumática em zona de combate em Angola, nos anos de 1969 a 1971. Verbaliza lembranças e pensamentos, de forma obsessiva, relacionados com essas vivências traumáticas. Esta situação clínica encontra-se já cronificada, tendo o doente frequentado consultas de psiquiatria na Consulta Externa do Hospital ... entre 1988 e 1999, em associações de deficientes das Forças Armadas e em Medicina Particular. Encontra-se atualmente medicado com Mirtazina 45 mg, Clobazam 20 mg e Termazepam 20 mg. Sou de parecer que o doente apresenta Perturbação de Pós-Stress Traumático relacionada com a sua permanência em teatro de guerra em Angola entre 1969 e 1971.” - cf. doc. n.º 8, junto com a petição inicial - e ainda o parecer psicológico, emitido em 30/06/2017, pelo neuropsicólogo «FF» e a assistente em psicologia «GG», da Associação Portuguesa dos Veteranos de Guerra, os quais concluíram que “(...) Com isto, e em suma, podemos considerar que, apesar de existiram na constelação sintomatológica acima apresentada várias características previstas noutras perturbações, e mesmo considerando que possam existir co-morbilidades com outras perturbações e até o estabelecimento de duplo ou triplo diagnóstico, é indubitável que o diagnóstico de PTSD deve ser estabelecido em detrimento de outros ou em co-morbilidade com os demais uma vez que, como verificamos na justificação do diagnóstico, a presença da característica essencial para o diagnóstico de PTSD (o reexperiênciar e ter reações emocionais como medo, horror ou desamparo, após a exposição a um ou mais acontecimentos traumáticos) está presente. Contudo, e para finalizar, consideramos importante estar atento e não ser alheio às co-morbilidades desta perturbação com as perturbações do humor” - cf. doc. n.º 9, junto com a petição inicial.
Ora, em face de tal, podia e devia o Tribunal a quo duvidar das conclusões a que havia chegado a JMU, em 19/05/2015, porquanto, tais dúvidas objetivas, eram suportadas em elementos probatórios de igual valor científico, as quais abalavam fundamentadamente aquele outro juízo médico.
Aliás, o Tribunal a quo efetivamente duvidou das conclusões a que havia chegado a referida JMU, porquanto, de outro modo, não teria ordenado, em 13/11/2018, a realização da perícia médico legal requerida pelo ora recorrente, em sede do seu requerimento probatório, constante da petição inicial.
Na verdade, se o Tribunal recorrido não tivesse detetado a existência de qualquer erro, não teria ordenado a realização de uma nova perícia médica ao ora recorrente, tendente a esclarecer uma dúvida que fosse consistente em relação a saber com um grau de certeza aceitável se o mesmo era ou não portador de uma PPST da qual resultasse um grau de incapacidade de pelo menos 30%, em razão do serviço militar que prestou, conforme fez.
Sendo que, a nova perícia requerida pelo ora recorrente e ordenada pelo Tribunal, concluiu, que “(...) O examinando padece de Perturbação de Stress Pós-Traumático, sendo possível estabelecer um nexo de causalidade entre a presença na Guerra Colonial em Angola (1969 -1971) e a sintomatologia apresentada do foro psíquico. - Denota perturbações funcionais importantes, com manifesta diminuição do nível de eficiência pessoal e profissional decorrentes da patologia psiquiátrica. - De acordo com o Grau III do cap. X da TNI deve ser-lhe atribuída uma IPP de 0,30 (30%) que à data atual deve ser bonificada do factor 1,5 por idade superior ou igual a 50 anos, de acordo com as Instruções Gerais da TNI alínea 5 a) o que determina uma IPP fixável em 0,30x1,5=0,45 isto é, 45,00%. -Relativamente às queixas gastroenterológicas não foi possível estabelecer nexo de causalidade entre aquelas e o referido pelo examinado (exposição a situação de guerra)” - cf. Relatório médico de fls. 381-387 do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
Não obstante, o Tribunal a quo que, inicialmente havia determinado a realização a dita perícia médico legal, descurou agora, em sede de decisão final, tal relatório pericial e, consequentemente, validou o resultado da perícia realizada pela JMU, com a chamada discricionariedade técnica.
É inegável que os juízos médicos realizados pelas juntas médicas são o resultado de uma avaliação técnica efetuada por elementos dotados de formação especializada.
No entanto, não está vedado ao Tribunal a consideração da informação médica vertida noutros relatórios periciais, que concluem de forma diferente da avaliação efetuada pelas entidades médicas militares, conquanto se trata de substituir um juízo médico por outro, e não do Tribunal se substituir aos peritos médicos.
O monopólio da verdade médica não é exclusivo das juntas médicas, não se descortinando na lei nada que limite a liberdade de apreciação e valoração das provas só por estar em causa uma deliberação de uma junta médica, da mesma forma que a lei não exige qualquer formalidade especial para se provar um facto contrário ao que foi considerado pela junta médica.
A não ser assim, resultaria, na prática, que qualquer decisão desta índole seria essencialmente insindicável, pois que, a discricionariedade técnica tudo permitiria e justificaria.
Ademais, tal decisão, a manter-se, colocar-nos-ia no ridículo de se ter aguardado quase 5 (cinco) anos pela elaboração do dito relatório pericial, para se concluir que o seu resultado, qualquer que ele fosse, não era suscetível de alterar a decisão administrativa em apreço - lê-se nas alegações e aqui corrobora-se.
Nos termos do Decreto-Lei n.º 43/76, de 20/01 e do Decreto-Lei n.º 46/99, de 16/06, para se ser qualificado como deficiente das forças armadas por “perturbação pós-stress traumático”, é necessário que estejam reunidos determinados requisitos cumulativos, como sejam: (i) que o requerente seja portador de perturbação psicológica crónica; (ii) que a mesma seja consequência da exposição a fatores traumáticos de stress durante a vida militar (nexo de causalidade); e (iii) que se verifique um mínimo de 30% da perda de capacidade geral de ganho.
Ora, a perícia médico legal realizada nos presentes autos, concluiu, sem margem para dúvidas, que “(...) O examinando padece de Perturbação de Stress Pós-Traumático, sendo possível estabelecer um nexo de causalidade entre a presença na Guerra Colonial em Angola (1969 -1971) e a sintomatologia apresentada do foro psíquico. - Denota perturbações funcionais importantes, com manifesta diminuição do nível de eficiência pessoal e profissional decorrentes da patologia psiquiátrica. - De acordo com o Grau III do cap. X da TNI deve ser-lhe atribuída uma IPP de 0,30 (30%) que à data atual deve ser bonificada do factor 1,5 por idade superior ou igual a 50 anos, de acordo com as Instruções Gerais da TNI alínea 5 a) o que determina uma IPP fixável em 0,30x1,5=0,45 isto é, 45,00%. -Relativamente às queixas gastroenterológicas não foi possível estabelecer nexo de causalidade entre aquelas e o referido pelo examinado (exposição a situação de guerra)” - cf. Relatório médico de fls. 381¬387 do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
Assim, temos que, no caso concreto, se encontram preenchidos todos os requisitos legais exigidos para o efeito de classificação do ora recorrente como Deficiente das Forças Armadas.
Destarte, a decisão recorrida sofre do apontado erro de julgamento, por errada interpretação do disposto nos artigos 1.º, n.ºs 2 e 3, e 2.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 janeiro, com a redação da Lei n.º 46/99, de 16 de junho e, consequentemente, errada aplicação das mesmas.
Em suma,
Como já dissemos, a nossa jurisprudência tem vindo a entender que o tribunal dispõe de poderes limitados de controlo deste juízo de perícia médica, só sendo o mesmo suscetível de controlo jurisdicional em caso de erro palmar, ostensivo ou manifesto de apreciação, entendido como um erro grosseiro ou flagrante que tenha sido cometido na apreciação dos factos que originaram a decisão, revelador de um grave desajustamento desta à situação concreta. Cfr. Ac. do STA de 27.10.2016, proferido no proc. nº ...1).
No domínio da “discricionariedade técnica”, não pode o tribunal substituir-se aos peritos médicos, a não ser que se verifique um erro grosseiro ou manifesto. Além disso, como se refere no Acórdão do STA de 07/03/2002, proc. nº 048335, “os pareceres médicos constituem juízos periciais complexos, expressos em linguagem ultrasintética, precisa e de carácter técnico (...) sendo adequada a fundamentação que para eles remeta, mesmo que o concreto destinatário do ato os não entenda, mas desde que as respetivas conclusões possam ser conferidas por especialistas na matéria”. Porém, daí não decorre que esses juízos médicos não possam ser confrontados com outros juízos médicos de igual valor técnico-científico e que os Tribunais não possam sindicar qual desses juízos merece maior credibilidade.
Assim, tendo presente que os tribunais administrativos são tribunais de plena jurisdição e que em virtude da consagração do princípio da tutela judicial efetiva, também nos domínios da discricionariedade técnica o Tribunal não se pode limitar a um controlo formal e restrito ao erro ostensivo ou grosseiro, antes abrangendo o controlo da materialidade e existência dos factos invocados e da justiça da decisão - Cfr. Rogério Soares, Administração Pública e Controlo Judicial, Rev.Leg.Jur., Ano 127, nº 3845, pág. 233 e Paulo Veiga e Moura, A Privatização da Função Pública, 2004, págs. 68 e 69, nota 188 -, no caso, impõe-se ir mais além do que foi o Tribunal de 1.ª Instância.
De resto, cumpre referir que discricionariedade não equivale a arbitrariedade e insindicabilidade, posto que se assim fosse, claramente se violaria o direito das partes à tutela efetiva. Estas ficariam sujeitas ao resultado da junta médica, independentemente dos juízos técnicos, científicos e médicos que viessem a ser recolhidos no processo de nada lhes valendo esses outros juízos médicos, porquanto, os médicos da junta médica seriam soberanos e sempre teriam a única e exclusiva palavra a dizer.”.
Ora, não há, no nosso ordenamento jurídico, atos administrativos subtraídos à sindicância dos tribunais, o que se revela conforme, aliás, com o sobredito princípio e direito fundamental da tutela jurisdicional efetiva dos administrados, inserto no artº 268.º/4 da CRP.
É reconhecida a importância do princípio da tutela jurisdicional efetiva dos cidadãos perante a Administração Pública e, nesse contexto, da garantia da fiscalização jurisdicional dos atos administrativos (artigos 20.° e 268.°, n.° 4, da Constituição).
Este princípio tem, no entanto, de ser compaginado com o princípio da separação e interdependência de poderes, do qual resulta que a cada um dos complexos organizatórios do Estado cabe um domínio funcional ou de competência reservado. No que respeita ao poder executivo, este domínio concretiza-se na designada reserva da administração, que salvaguarda a existência de um espaço de criação jurídica em que o conteúdo da atuação da Administração não pode ser determinado pelo poder judicial.
É, pois, errada a ideia de que a garantia constitucional de tutela jurisdicional administrativa implicaria uma revisibilidade jurisdicional sem limites da aplicação administrativa de qualquer passagem da lei.
Pelo contrário, o equilíbrio entre os princípios da tutela jurisdicional efetiva e da separação e interdependência de poderes é alcançado através da imposição de limites funcionais à jurisdição administrativa. Uma vez que a intervenção dos tribunais no julgamento de litígios emergentes de relações jurídico-administrativas envolve um juízo sobre a legitimidade do exercício de uma outra função do Estado, a função administrativa, têm necessariamente de decorrer do princípio da separação de poderes limites funcionais a esta atividade de fiscalização, de modo a evitar que ela invada o núcleo essencial da função administrativa.
A discricionariedade técnica da Administração (nem sequer é uma verdadeira discricionariedade) não pode constituir, em caso algum, um grande véu sob o qual repousam as mais variadas decisões e atuações, somente com o objetivo de as subtrair à apreciação e controlo judicial - cfr. António Francisco de Sousa, O controlo Jurisdicional da Discricionariedade e das Decisões de Valoração e Prognose, in: Ministério da Justiça, Reforma do Contencioso Administrativo, Coimbra Editora, 2003, Vol. I, pp. 419.
Os juízos técnico-científicos, incluindo os juízos médicos, alheiam-se em absoluto dos critérios de conveniência e oportunidade administrativas e, assim, do campo da discricionariedade administrativa em sentido próprio, pois os mesmos são (não podem deixar de ser) norteados pelo critério da verdade médica, que parte das manifestações de doença, fáctica e objetivamente observáveis nos pacientes, e orienta-se, na apreciação daquelas, pelos padrões comummente aceites pela comunidade médica, segundo as melhores técnicas disponíveis e os mais atualizados conhecimentos na matéria, existentes no momento em que o juízo é feito.
Assim, o juízo administrativo formulado pode ser plenamente revisto com recurso, como é óbvio, à própria ciência e técnica que lhe são inerentes, e o Tribunal pode e deve decidir a pretensão material do interessado, recorrendo a conhecimentos extrajurídicos facultados nos autos, mostrando-se os mesmos devida e coerentemente fundamentados.
Procedem as Conclusões das alegações.
DECISÃO
Termos em que se concede provimento ao recurso, revoga-se a sentença recorrida e julga-se procedente a acção.
Custas pelo Recorrido.
Notifique e DN.
Porto, 27/9/2024
Fernanda Brandão
Rogério Martins
Isabel Jovita |