Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02467/20.1BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:09/27/2024
Tribunal:TAF do Porto
Relator:PAULO FERREIRA DE MAGALHÃES
Descritores:ORDEM DOS ADVOGADOS; PROCESSO DISCIPLINAR;
INDEMNIZAÇÃO PELA VIOLAÇÃO DO DIREITO À OBTENÇÃO DE DECISÃO EM PRAZO RAZOÁVEL;
DANO NÃO PATRIMONIAL COMUM; ARTIGO 6.º, PARÁGRAFO 1.º DA CEDH;
Sumário:
1 - No nosso ordenamento jurídico existe um concreto sistema axiológico de princípios e valores que visa a fixação e disciplina das regras tendentes à declaração dos direitos e à manutenção dos bens jurídicos, como seja o de obter indemnização pela violação do direito à obtenção de decisão em prazo razoável.

2 – Para efeitos do julgamento da existência de um dano não patrimonial comum [atinente ao dano psicológico e moral comum], sofrido por quem espera pela prolação de uma decisão em sede disciplinar movida por uma Ordem profissional e não a vê prolatada em prazo razoável], impõe-se a alegação e demonstração da existência por parte do demandante de uma violação objetivamente constatada da Convenção Europeia dos Direitos Humanos [Cfr. artigo 6.º, parágrafo 1.º] para beneficiar dessa forma da operatividade e da existência de uma forte presunção da verificação de um relevante dano, sem necessidade de que dele por si seja feita a sua prova, e por parte da entidade demandada, por sua vez, impõe-se a alegação e prova de factualidade que possa ser determinante do afastamento dessa presunção.

3 - A noção de processo equitativo, a que se reporta o artigo 6.º da CEDH [e que veio a ser vertida pelo nosso legislador constitucional, sob o artigo 20.º, n.º 4 da CRP], contende com um completo e complexo conjunto de direitos e deveres dos sujeitos processuais/procedimentais, mormente, do direito à acção, à alegação e à prova dos fundamentos do pedido, assim como à contra prova e ao contraditório em geral, princípio este que também integra, a par do direito a uma indemnização por ultrapassagem do prazo razoável, o conjunto de direitos dos cidadãos a que se reporta aquele artigo 6.º da CEDH e o artigo 10.º da DUDH.

4 - A Ordem dos Advogados é o garante da efectivação desse direito em favor dos cidadãos por si especialmente visados em procedimento disciplinar, e é na medida em que seja ultrapassado o prazo razoável a que um cidadão veja apreciado o processo que lhe foi instaurado, que é convocável a sua responsabilidade, atentas as suas atribuições e competências no exercício de uma concreta função jurisdicional, a respeito do exercício da acção disciplinar sobre os seus membros.

5 – O que está subjacente à demanda da Ordem dos Advogados visando a efectivação da sua responsabilidade civil extracontratual pelo atraso na prolação de decisão em procedimento disciplinar, e no que ora releva, é apenas e em suma, o termo e modo como se organiza para efeitos de administrar a justiça disciplinar entre e para com os seus membros, e do direito que lhes reconhece [que lhes está reconhecido quer pela CRP, quer pela Convenção Europeia dos Direitos do Homem], a uma decisão judicial em prazo razoável e mediante processo equitativo.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Conceder parcial provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:





Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:


I - RELATÓRIO


«AA» [devidamente identificado nos autos], Autor na acção que intentou contra a Ordem dos Advogados [também devidamente identificada nos autos], na qual foi requerida a sua condenação a pagar-lhe a quantia de € 5.020,00, a título de indemnização pela violação do direito a uma decisão em prazo razoável, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação, bem como de quaisquer quantias que possam ser devidas a título de imposto, inconformado com a Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto [pela qual foi a acção julgada parcialmente procedente, e condenada a Ré Ordem dos Advogados a pagar ao Autor, a quantia de €1.500,00, acrescida de juros à taxa legal a contar da data da prolação da sentença], veio apresentar recurso de Apelação.

*

No âmbito das Alegações por si apresentadas, elencou a final as conclusões que ora se reproduzem:

“[…]
Conclusões
1. A todos os processos disciplinares é aplicável, DIRECTAMENTE E SEM ANALOGIAS, o artigo 6º, nº 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
2. Um processo disciplinar, qualquer um, causa ao autor danos morais, os quais se presumem.
3. Estes processos têm carácter penal, segundo o TEDH.
4. As autoridades administrativas independentes que exercem um poder repressivo caem no âmbito de aplicação do artigo 6º.
5. O conceito de tribunal é um conceito autónomo para os efeitos da Convenção e TEDH.
6. A Ordem desempenha funções jurisdicionais em matéria de disciplina ou deontologia. E exerce tais funções por incumbência do Estado, que nela delegou.
7. Os Conselhos de Deontologia são, nesse sentido, um tribunal para os efeitos do artigo 6º da Convenção.
8. O processo contra o autor também tem natureza civil segundo o TEDH.
9. E as sanções administrativas, se se tratasse de uma sanção administrativa, também poderiam ter carácter penal, conforme jurisprudência do TEDH:
10. Os processos disciplinares devem ser especialmente céleres.
11. Como atrás se viu o artigo 6º, nº 1, da Convenção aplica-se aos dois processos.
12. O que pode ser relativamente reduzida é a indemnização no processo instaurado pelo autor contra terceiro.
13. Os danos presumem-se nos dois casos, conforme jurisprudência do TEDH.
14. É um erro grosseiro dizer que o autor era terceiro quando era parte também no processo contra outro advogado e tinha interesse na sua celeridade até podendo demandá-lo se fosse caso disso.
15. Ao contrário da sentença, o autor tinha um interesse privado na celeridade do processo contra terceiro.
16. O direito à uma justiça em prazo razoável é um direito constitucional (artigo 20, nº 4)
17. Portanto, uma vez violados os direitos, liberdades e garantias consignados na Constituição, há direito à indemnização sem necessidade da existência
ou da prova do prejuízo. Assim resulta da conjunção coordenativa alternativa ou.
18. Por outro lado, a violação dos direitos, liberdades e garantias constitucionais é, por si só, suficientemente grave para merecer a tutela do direito.
19. Os direitos, liberdades e garantias são tão essenciais num Estado de direito que a sua violação merece ser ressarcida mesmo na ausência de prejuízo.
20. O artigo 9º, alínea b) da Constituição inscreve como tarefa fundamental do Estado “garantir os direitos e liberdades fundamentais”. A sua violação gera um dano indemnizável que não é uma mera bagatela nem um sacrifício ligeiro nem um custo da sociabilidade compensado por qualquer outra vantagem proporcionada pelo Estado.
21. Aliás, a violação dos direitos, liberdades e garantias causa sempre um dano moral, maior ou menor, segundo as regras da experiência.
22. A violação dos direitos constitucionais não pode ficar sem sanção, sob pena de reinar a impunidade e os tribunais para isso concorrerem.
23. A Ordem demorou mais de 4 anos num processo simples que, se complicado fosse, não poderia demorar mais de 6 meses, por ser especialmente célere.
24. Logo, a culpa da Ordem é elevada, devendo ser concedida indemnização de, pelo menos mil euros por ano, no processo contra o autor, podendo ser reduzida no processo contra terceiro.
25. As regras de equidade não se confundem com subjectividade e muito menos com arbitrariedade. Pelo contrário, devem seguir a jurisprudência europeia, os precedentes dos tribunais superiores e as regras de interpretação. Sem esquecer as regras da lógica e do senso comum.
26. O prazo da Ordem é peremptório pois isso está na lei, que fixa prazos para as partes, advogados e Ordem.
27. Dizer que para uns é peremptório e para a Ordem já não o é, viola grosseiramente a lei, viola as regras de interpretação no CC e reconduz-se a uma questão de falta de imparcialidade.
28. A lei não pode ser interpretada a favor de uns e contra os outros.
29. Já diziam os romanos que: Ubi lex non distinguet, nec nos distinguere debemus.
30. Interpretação diferente da agora defendida viola o princípio da legalidade, igualdade e segurança jurídica. E, portanto, o artigo 6º, nº 1 e 14 da Convenção.
31. As delongas dos dois processos causaram danos não patrimoniais ao autor.
32. O que o autor alegou foram factos notórios que não carecem de alegação e prova.
33. A todas as verbas acrescem os impostos legais, como já decidiu o STA em acórdão recente, bem como o TCAN.
34. Os impostos são os que estão em vigor à data do recebimento, que não se sabe quais são nesse preciso momento.
35. A sentença viola, por errada interpretação e aplicação, o disposto nos artigos 8, 9 b), 20, nº 4, 22 da CRP e artigos 8, 9 e 496 do CC e artigo 6º, nº 1, e 14 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
36. Devendo ser substituída por acórdão que condene como peticionado:
Nestes termos e nos demais de direito, deve a presente acção ser julgada procedente, por provada e, em consequência, deve:
1. Declarar-se que a ORDEM dos Advogados violou o artigo 20º, n ºs 1 e 4 da Constituição da República Portuguesa e o artigo 6º, nº 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem no seu segmento “direito a uma decisão em prazo razoável”.
2. Condenar-se a ré a pagar ao autor:
a) Uma indemnização por danos não patrimoniais ou morais nunca inferior a cinco mil e vinte euros pela duração do processo disciplinar com o nº 858/2013 –P/D, na parte contra o autor e na parte contra terceiro.
b) Juros de mora à taxa legal desde a citação até integral pagamento.
E a todas as verbas atrás referidas devem acrescer quaisquer quantias que, eventualmente, sejam devidas a título de imposto que incida sobre as quantias recebidas da ré.
[…]”

**

A Recorrida Ordem dos Advogados apresentou Contra alegações, das quais para aqui se extraem as respectivas conclusões, como segue:

“[…]
CONCLUSÕES:
I – Salvo o devido respeito, carece totalmente de razão o Autor, ora Recorrente, quando pugna pela aplicação directa do artigo 6º da Convenção ao processo disciplinar sub judice.
II – Sem embargo de distinto entendimento, sufraga-se, quanto à aplicação aos procedimentos disciplinares da jurisprudência emanada pelo TEDH, referente à violação do direito a obter decisões judiciais em tempo razoável, o entendimento já versado no Acórdão a que a sentença recorrida alude – Acórdão do TCA Sul, datado de 19 de Março de 2021, proferido no âmbito do Proc. 865/16.4BELSB, III – Entendendo-se, com efeito, no supra citado aresto, o seguinte:
“ (…) II – A delonga procedimental imputável à Ordem dos Advogados pelo exercício da acção disciplinar, decorrente do processo disciplinar instaurado, que durou quase 6 anos, não se reconduz ao regime da responsabilidade civil do Estado pelo atraso na justiça, em virtude da demora excessiva na prolação de decisão judicial.
III – Antes está em causa o exercício de função administrativa, sendo de enquadrar a responsabilidade civil pelos danos decorrentes pela demora do procedimento disciplinar no regime da responsabilidade pelo exercício da função administrativa por factos ilícitos.
IV- A mera invocação da demora do procedimento disciplinar só por si não permite fundar a verificação do requisito da ilicitude.
V – Recai sobre o Autor o ónus da alegação e da prova dos factos constitutivos do direito à indemnização fundada em responsabilidade civil extracontratual.” IV – Referindo-se ainda, a propósito de tal matéria, que:
“(…) não está em causa uma delonga processual, mas antes uma delonga procedimental, decorrente da demora do procedimento administrativo prosseguido pela Ordem dos Advogados, no exercício da acção disciplinar, decorrente do processo disciplinar que durou quase 6 anos a qual não se reconduz ao regime da responsabilidade civil do Estado por atraso na justiça, em virtude da demora excessiva na prolação de uma demora judicial.
Por conseguinte, não podendo a pretensão do Autor ser fundada no instituto da responsabilidade civil do Estado, por danos causados no exercício da função jurisdicional, nos termos do artigo 12º do RRCEE, como invocado e peticionado pelo Autor, por não estar em causa nem o atraso indevido na prolação de uma decisão judicial, nem o exercício da função jurisdicional, não tem aplicação ao presente caso nem aos normativos de direito indicados pelo Autor, nem a vasta jurisprudência emanada dos Tribunais Superiores Portugueses (STA e TCAS) e do TJUE, invocada pelo ora Recorrente, por a mesma emanar de acção de responsabilidade civil por atraso na prolação de uma decisão judicial, no exercício da função jurisdicional, que ora não está em causa nos presentes autos.(…)” (sublinhado nosso).
V – Ressalvando sempre o devido respeito por distinto entendimento, estamos em crer que a natureza sancionatória do procedimento disciplinar, não lhe retira a natureza administrativa, pelo que, não estando perante a demora de qualquer processo judicial e, portanto, a violação do direito a obter qualquer decisão judicial em tempo razoável, não se pode concluir pela aplicação da jurisprudência emanada pelo TEDH no que tange a esta matéria.
VI – Assim, e por maioria de razão, reiterando os fundamentos, oportunamente, aduzidos no recurso subordinado apresentado, entende a Recorrida que carece totalmente de razão o Autor ao pugnar pela aplicação directa do artigo 6º da Convenção ao procedimento objecto dos presentes autos.
VII – De igual modo, e a considerar-se, como considerou a sentença recorrida, que estamos perante dois procedimentos disciplinares, ainda assim, e quanto a este segmento, deve manter-se o entendimento ali versado, quanto ao pretenso direito a duas indemnizações, carecendo, também aqui, o Autor de razão.
VIII – Por último, e no que tange ao quantum indemnizatório, sempre se diga, na esteira da argumentação e posição expendidas no recurso subordinado apresentado, e defendendo a ora Recorrida a inaplicabilidade do artigo 6º da Convenção e da jurisprudência emanada pelo TEDH, que, não tendo o ora Recorrente logrado fazer prova de qualquer dano decorrente de uma putativa demora do procedimento disciplinar sub judice,
IX – Inexiste sequer, por consequência, qualquer obrigação que impenda sobre a ora Recorrida quanto ao pagamento da quantia peticionada.
X - Pelo supra exposto, deve o presente recurso ser considerado improcedente, por não provado, com as devidas legais, fazendo-se assim JUSTIÇA! […]”

*

A Ordem dos Advogados também deduziu recurso subordinado, de cujas Alegações para aqui se extraem as respectivas conclusões, como segue:

“[…]
CONCLUSÕES:
I – O presente recurso é interposto a título subordinado, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 144º /nº1 e 2 do CPTA e artigo 633º, nº1 e 2 do CPC, ex vi artigo 1º do CPTA.
II – Não pode a Ré, ora Recorrente, conformar-se com a sentença proferida pelo Tribunal a quo, ao julgar parcialmente procedente o pedido formulado pelo Autor, condenando-a ao pagamento de 1.500,00 (mil e quinhentos euros), a título de danos não patrimoniais, acrescidos de juros à taxa legal a contar da data da prolação da sentença.
III – O objecto dos presentes autos reporta-se ao apuramento da responsabilidade civil da Ré decorrente de alegada duração excessiva do procedimento disciplinar. IV – E, assim sendo, tratando-se de responsabilidade civil por função administrativa e não por função jurisdicional – como reconhece a sentença recorrida – não pode a Ré conformar-se com a aplicação da jurisprudência emanada pelo TEDH referente ao direito à prolação de decisões judiciais em prazo razoável.
V – Salvo o devido respeito, a natureza sancionatória do procedimento disciplinar não infirma essa realidade, estando, no caso dos presentes autos, perante uma eventual delonga procedimental e não perante uma delonga processual.
VI – De resto, a própria sentença proferida pelo Tribunal a quo refere que: “não está em causa directamente o direito de acesso à justiça neste preceitos, na medida em que o procedimento disciplinar em apreço é um procedimento administrativo e não judicial (cfr., neste sentido, o Ac. do TCAS de 18.03.2021, proc. nº 865/16.4BELSB, in www.dgsi.pt, que aqui se acompanha nesta parte).
VII – Mal andou, assim, salvo o devido respeito, o Tribunal a quo ao aplicar aos presentes autos a jurisprudência do TEDH referente à responsabilidade civil do Estado por atraso na justiça, quando o objecto dos autos se reporta, claramente ao atraso no procedimento administrativo levado a cabo por pessoa colectiva de direito público no âmbito da função administrativa e não jurisdicional.
VIII - Reitera-se, assim, quanto a esta matéria, o entendimento de tal aresto proferido pelo TCA Sul a que a sentença ora recorrida alude, e em que se concluiu o seguinte:
“(…) II – A delonga procedimental imputável à Ordem dos Advogados pelo exercício da acção disciplinar, decorrente do processo disciplinar instaurado, que durou quase 6 anos, não se reconduz ao regime da responsabilidade civil do Estado pelo atraso na justiça, em virtude da demora excessiva na prolação de decisão judicial.
III – Antes está em causa o exercício de função administrativa, sendo de enquadrar a responsabilidade civil pelos danos decorrentes pela demora do procedimento disciplinar no regime da responsabilidade pelo exercício da função administrativa por factos ilícitos. IV- A mera invocação da demora do procedimento disciplinar só por si não permite fundar a verificação do requisito da ilicitude.
V – Recai sobre o Autor o ónus da alegação e da prova dos factos constitutivos do direito à indemnização fundada em responsabilidade civil extracontratual.”
IX – Sem embargo, e independentemente de tal discussão, sempre se diga, ainda assim, que, reportando-nos ao caso concreto dos presentes autos, se conclui, desde logo, pela inexistência de qualquer acto ilícito que tenha sido praticado pela Ré, que seja gerador de responsabilidade civil.
X – Conforme, oportunamente, se mencionou na Contestação, não será despiciendo referir que a simples constatação que o processo disciplinar durou determinado período, culminando na decisão de arquivamento não faria presumir, per si, qualquer conduta ilícita por parte da Ré e consequente violação de qualquer direito subjectivo do Autor, geradora de responsabilidade civil e correspetivo dever de indemnização.
XI - De resto, refira-se, e como bem refere o douto Acórdão proferido pelo TCA Norte, supra mencionado, proferido em 19 de Março de 2021 no âmbito do Proc. 865/16.4BELSB,
“(…) Cabe ao Autor ónus da alegação da prova e dos factos constitutivos da pretensão, desde logo, os factos que permitam caracterizar a prática por facto ilícito por parte da Ré, seja por omissão, seja por acção.”
XII – Por outro lado, sempre se diga que os prazos definidos para a instrução do procedimento disciplinar são meramente ordenadores, como, de resto, a própria sentença recorrida reconhece, inexistindo qualquer ilicitude que possa ser assacada ao seu incumprimento e que seja susceptível de gerar o dever de indemnização por parte da Ré.
XIII – Resultando ainda da matéria de facto dada como assente as várias tentativas frustradas de diligência conciliatória que a Ré tentou levar a cabo - cfr. pontos 4. e 6. da matéria de facto assente.
XIV – Considerando as circunstâncias supra descritas e provadas nos presentes autos, e procedendo-se, casuisticamente, a uma avaliação global de todos os factores que contribuíram para a tramitação do processo disciplinar em apreço nos presentes autos, terá, forçosamente, de se concluir pela inexistência de responsabilidade civil que possa ser imputada à Ré Ordem dos Advogados.
XV – Refira-se ainda, e no que tange, particularmente aos putativos danos invocados pelo Autor derivados da pretensa duração excessiva do procedimento disciplinar, que não logrou o Autor provar, em absoluto, qualquer dano, como era, de resto, o seu ónus, considerando as regras de repartição do ónus da prova, nos termos artigo 342º, nº1 do Código Civil, não se podendo, tão só, presumir a existência dos mesmos.
XVI - Sendo certo que, outrossim, não provou sequer o Autor que a hipertensão de que, objectivamente, padece se tenha agravado em virtude de um putativo atraso na tramitação do procedimento sub judice.
XVII - Ressalvado o devido respeito – que é muito – mal andou o Tribunal a quo, ao aplicar ao procedimento disciplinar o regime jurídico aplicável ao direito a decisões judiciais em prazo razoável e a consequente jurisprudência emanada pelo TEDH, reconhecendo, todavia, e remetendo, de resto, para o Acórdão proferido pelo TCA






Norte supra mencionado, que “(…) o procedimento disciplinar em apreço é um procedimento administrativo e não judicial (…)”
XVIII – Pelos motivos supra expostos, é entendimento da ora Recorrente, que o circunstancialismo apurado nos presentes autos devia, não só ter sido determinante para o quantum indemnizatório, mas sim para a eliminação, in tottum, da responsabilidade que foi imputada à ora Recorrente Ordem dos Advogados.
XIX – Incorrendo, assim, a sentença ora recorrida em erro de julgamento, por violação de lei, ao considerar preenchidos os pressupostos de responsabilidade civil extracontratual no que diz respeito à Ré, ora Recorrente,
XX - Devendo a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que absolva, integralmente, a ora Recorrente do pedido formulado pelo Autor nos presentes autos, fazendo-se assim JUSTIÇA!
Pelos motivos supra expostos, deve o presente recurso ser considerado procedente, por provado, com as devidas consequências legais, devendo a sentença proferida pelo Tribunal a quo ser substituída por outra que absolva, integralmente, a Ordem dos Advogados do pedido formulado pelo Autor. […]”

*

Visando este recurso subordinado, o Recorrente ora Recorrido apresentou Contra alegações, das quais para aqui se extraem as respectivas conclusões, como segue:

“[…]
Conclusões
1. O TCAN julgará da admissibilidade do recurso subordinado.
2. O acórdão do TCAS mencionado pela ré contém erros grosseiros e é contrário à jurisprudência do TEDH.
3. No TEDH só os Estados podem ser demandados e não a Ordem.
4. E por outro lado, a ré é que conduz o processo e tem personalidade jurídica.
Neste processo o Estado sempre era parte ilegítima.
5. Não foi por favor que o tribunal aplicou parte da jurisprudência do TEDH.
6. O prazo da Ordem é peremptório.
7. A lei não pode ser interpretada a favor de uns e contra os outros.
8. Já diziam os romanos que: Ubi lex non distinguet, nec nos distinguere debemus.
9. Interpretação diferente da agora defendida pelo autor viola o princípio da legalidade, igualdade e segurança jurídica. E, portanto, o artigo 6º, nº 1 e 14 da Convenção.
10. O autor recebeu alguma mensagem? Foi enviada? Foi para o spam? Perdeu-se no próprio sistema da Ordem? Nada se provou.
11. A Ordem pretende tirar proveito daquilo que não se provou ou de que o autor não se pôde defender ou não foi discutido nos autos, violando o princípio do contraditório e igualdade de armas previsto no artigo 6º, nº 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
12. O TCAN só pode aplicar o artigo 6º. nº 1, da Convenção, pois o Estado já foi condenado duas vezes pela duração dos processos disciplinares na Ordem conforme acórdãos acima mencionados.
13. Se não o fizesse, sujeitava o Estado a responsabilidade civil internacional em processo no TEDH, como já aconteceu duas vezes e consta acima.
14. Conforme já disse o TEDH, os processos disciplinares, quaisquer que sejam, causam ao autor danos morais, os quais se presumem.
15. As delongas dos dois processos causaram danos não patrimoniais ao autor.
16. O que o autor alegou foram factos notórios que não carecem de alegação e prova.
17. Sendo verdade que houve dois processos disciplinares diferentes.
18. A todos os processos disciplinares é aplicável, DIRECTAMENTE E SEM ANALOGIAS, o artigo 6º, nº 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
19. Estes processos têm carácter penal, segundo o TEDH.
20. As autoridades administrativas independentes que exercem um poder repressivo caem no âmbito de aplicação do artigo 6º.
21. O conceito de tribunal é um conceito autónomo para os efeitos da Convenção e TEDH.
22. A Ordem desempenha funções jurisdicionais em matéria de disciplina ou deontologia. E exerce tais funções por incumbência do Estado, que nela delegou. 23.
Os Conselhos de Deontologia são, nesse sentido, um tribunal para os efeitos do artigo 6º da Convenção.
24. O processo contra o autor também tem natureza civil segundo o TEDH.
25. E as sanções administrativas, se se tratasse de uma sanção administrativa, também poderiam ter carácter penal, conforme jurisprudência do TEDH.
26. Os processos disciplinares devem ser especialmente céleres.
27. Como atrás se viu, o artigo 6º, nº 1, da Convenção aplica-se aos dois processos.
28. O que pode ser relativamente reduzida é a indemnização no processo instaurado pelo autor contra terceiro.
29. Os danos presumem-se nos dois casos, conforme jurisprudência do TEDH.
30. È um erro grosseiro dizer que o autor era terceiro quando era parte também no processo contra outro advogado e tinha interesse na sua celeridade até podendo demandá-lo se fosse caso disso.
31. Ao contrário da sentença, o autor tinha um interesse privado na celeridade do processo contra terceiro.
32. O direito à uma justiça em prazo razoável é um direito constitucional (artigo 20, nº 4)
33. Portanto, uma vez violados os direitos, liberdades e garantias consignados na Constituição, há direito à indemnização sem necessidade da existência ou da prova do prejuízo. Assim resulta da conjunção coordenativa alternativa ou.
34. Por outro lado, a violação dos direitos, liberdades e garantias constitucionais é, por si só, suficientemente grave para merecer a tutela do direito.
35. Os direitos, liberdades e garantias são tão essenciais num Estado de direito que a sua violação merece ser ressarcida mesmo na ausência de prejuízo.
36. O artigo 9º, alínea b) da Constituição inscreve como tarefa fundamental do Estado “garantir os direitos e liberdades fundamentais”. A sua violação gera um dano indemnizável que não é uma mera bagatela nem um sacrifício ligeiro nem um custo da sociabilidade compensado por qualquer outra vantagem proporcionada pelo Estado.
37. Aliás, a violação dos direitos, liberdades e garantias causa sempre um dano moral, maior ou menor, segundo as regras da experiência.
38. A violação dos direitos constitucionais não pode ficar sem sanção, sob pena de reinar a impunidade e os tribunais para isso concorrerem.
39. A Ordem demorou mais de 4 anos num processo simples que, se complicado fosse, não poderia demorar mais de 6 meses, por ser especialmente célere.
40. Logo, a culpa da Ordem é elevada, devendo ser concedida indemnização de pelo menos mil euros por ano, no processo contra o autor, podendo ser reduzida no processo contra terceiro.
41. As regras de equidade não se confundem com subjectividade e muito menos com arbitrariedade. Pelo contrário, devem seguir a jurisprudência europeia, os precedentes dos tribunais superiores e as regras de interpretação. Sem esquecer as regras da lógica e do senso comum.
42. A todas as verbas acrescem os impostos legais, como já decidiu o STA em acórdão recente, bem como o TCAN.
43. Os impostos são os que estão em vigor à data do recebimento, que não se sabe quais são nesse preciso momento.
44. Devem ser rejeitadas todas as conclusões da Ordem.
45. A sentença viola, por errada interpretação e aplicação, o disposto nos artigos 8, 9 b), 20, nº 4, 22 da CRP e artigos 8, 9 e 496 do CC e artigo 6º, nº 1, e 14 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
46. Devendo ser substituída por acórdão que condene como peticionado:
Nestes termos e nos demais de direito, deve a presente acção ser julgada procedente, por provada e, em consequência, deve:
1. Declarar-se que a ORDEM dos Advogados violou o artigo 20º, n ºs 1 e 4 da Constituição da República Portuguesa e o artigo 6º, nº 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem no seu segmento “direito a uma decisão em prazo razoável”.
2. Condenar-se a ré a pagar ao autor:
a) Uma indemnização por danos não patrimoniais ou morais nunca inferior a cinco mil e vinte euros pela duração do processo disciplinar com o nº 858/2013 –P/D, na parte contra o autor e na parte contra terceiro.
b) Juros de mora à taxa legal desde a citação até integral pagamento.
3. E a todas as verbas atrás referidas devem acrescer quaisquer quantias que, eventualmente, sejam devidas a título de imposto que incida sobre as quantias recebidas da ré.
Justiça!
[…]”

*

O Tribunal a quo proferiu despacho pelo qual admitiu os recursos interpostos, fixando ainda os seus efeitos.

***

Com dispensa dos vistos legais [mas com envio prévio do projecto de Acórdão], cumpre apreciar e decidir.

***

II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelos Recorrentes, cujo objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das respectivas Alegações - Cfr. artigos 144.º, n.º 1 do CPTA, e artigos 639.º e 635.º n.ºs 4 e 5, ambos do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigos 1.º e 140.º, n.º 3 do CPTA [sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem deva conhecer oficiosamente], sendo que, de todo o modo, em caso de procedência da pretensão recursiva, o Tribunal ad quem não se limita a cassar a decisão judicial recorrida pois que, ainda que venha a declarar a sua nulidade, sempre tem de decidir [Cfr. artigo 149.º, n.º 1 do CPTA] “… o objecto da causa, conhecendo do facto e do direito.”, reunidos que estejam os necessários pressupostos e condições legalmente exigidas.

Assim, as questões suscitada pelos Recorrentes [no recurso principal e no recurso subordinado] e patenteadas nas respectivas conclusões apresentadas consistem, em suma e a final, em apreciar e decidir, sobre se a Sentença recorrida padece de erro de julgamento em matéria de interpretação e aplicação do direito.

**

III - FUNDAMENTOS IIIi - DE FACTO

No âmbito da factualidade considerada pelo Tribunal recorrido, dela consta o que por facilidade para aqui se extrai como segue:

“[…]
Factos provados:
Consideram-se provados os seguintes factos, relevantes para a decisão da causa, de acordo com as várias soluções plausíveis de direito:
1. O Autor é advogado inscrito na Ordem dos Advogados desde 31.03.1978.
2. Através de ofício D/8805/12, datado de 30.10.2012, o Autor foi notificado de uma queixa de um advogado, oriunda do Conselho de Deontologia do Porto, com o nº de entrada 2463/2012, de 09.05 (cfr. fls. 19 do p.a.).
3. O Autor respondeu à queixa contra si e requereu procedimento disciplinar contra o dito advogado em 31.10.2012.
4. Após a pronúncia do Autor, foi tentada a marcação de diligência conciliatória entre ambos, tendo as tentativas resultado infrutíferas (cfr. fls. 82 a 95 do p.a.).
5. Por ofício de 02.04.2014, o Autor foi notificado pelos serviços da Ré, de que, por deliberação do Presidente do Conselho de Deontologia do Porto de 13.12.2013, tinha sido deliberado instaurado o processo disciplinar a que foi atribuído o n.º 858/2013-P/D (cfr. fls. 104 do p.a.).
6. Foi novamente tentada a marcação de diligência conciliatória, a qual não se realizou em 22.04.2016 em face da ausência do Autor (cfr. fls. 175 e ss e 185 e ss do p.a.).
7. Através de ofício recebido em 05.04.2018, foi enviado ao Requerente Acórdão da 3.ª Secção do Conselho de Deontologia do Porto datado de 23.03.2018, que determinou o arquivamento dos autos disciplinares, perfilhando um parecer datado de 15.03.2018, com fundamento na insuficiência de indícios de infração disciplinar no caso do Autor e na falta de fundamento para punição disciplinar no caso advogado referido em 3 (cfr. fls. 196 e ss do p.a.).
8. O Autor sofre de hipertensão (docs. 3 e 4 da p.i.).

*
Nada mais foi provado com interesse para a decisão em causa e inexistem factos não provados com tal relevo, atenta a causa de pedir.
*
Motivação da matéria de facto:
A factualidade constante dos pontos 1 a 3, 5 e 7 do probatório resultou admitida por acordo, na medida em que foi expressamente admitida pela Ré no art. 4.º da contestação, tendo sido considerados para a formulação dos pontos 2, 5 e 7 os elementos constantes do p.a. identificados à frente dos factos correspondentes.
A factualidade constante dos pontos 4, 6 e 8 do probatório resultou documentalmente demonstrada, tendo resultado da análise dos documentos constantes do p.a. e dos autos identificados à frente dos factos correspondentes. […]”

*

IIIii - DE DIREITO

Está em causa a Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que tendo apreciado a pretensão deduzida pelo Autor contra a Ordem dos Advogados, atinente ao pedido de condenação a pagar-lhe indemnização por danos morais, no montante de €5.020,00, que lhe imputou com fundamento no atraso na prolação de decisão em dois processos disciplinares [um que foi intentado contra si, e outro que foi intentado precedendo participação disciplinar por si apresentada], veio a julgar a acção parcialmente procedente, e a condenar [o Tribunal a quo] a Ordem dos Advogados a pagar-lhe a quantia de € 1.500,00, a título de indemnização pelos invocados danos morais, com juros contados a partir da emissão da Sentença, e a absolvê-la de tudo o mais peticionado.

Não se conformando com o assim decidido, o Autor deduziu recurso principal, e a Ré recurso subordinado.

Constituindo os recursos jurisdicionais os meios específicos de impugnação de decisões judiciais, por via dos quais os recorrentes pretendem alterar as sentenças recorridas, nas concretas matérias que os afectem e que sejam alvo da sua sindicância, é necessário e imprescindível que no âmbito das alegações de recurso os recorrentes prossigam de forma clara e objectiva as premissas do silogismo judiciário em que se apoiou a decisão recorrida, por forma a evidenciar os erros em que a mesma incorreu.

No âmbito do recurso principal, o Autor ora Recorrente sustentou a final das respectivas conclusões das Alegações de recurso apresentadas, que a Sentença recorrida padece de erro de julgamento na interpretação e aplicação do direito [do disposto nos artigos 8.º, 9.º, alínea b), 20.º, n.º 4, 22.º da CRP e artigos 8.º, 9.º e 496.º do CC e artigo 6.º, n.º 1, e 14.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem].

Ou seja, não constituindo objecto da sua pretensão recursiva a invocação de qualquer erro de julgamento em matéria de facto, julgamos assim que com o julgamento assim prosseguido pelo Tribunal a quo e como constante do probatório, se conformou o Autor ora Recorrente.

Conforme assim deflui das conclusões das Alegações de recurso apresentadas pelo Recorrente Autor, o cerne da sua pretensão recursiva foi por si encerrada, tanto quanto pudemos identificar, no âmbito de 4 universos:
i) num 1.º, na base da consideração por si prosseguida de que o artigo 6.º, n.º 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, e em torno do atraso na emissão de uma decisão em prazo razoável, é directamente aplicável e sem recurso a analogias, quando está em causa processo disciplinar instaurado por uma Ordem profissional, cuja tramitação deve ser especialmente célere.
ii) num 2.º, na base da consideração de que a indemnização que lhe foi fixada pelo Tribunal a quo e versando apenas um processo não respeita os padrões que vêm sendo fixados pelo TEDH.
iii) num 3.º, na base da consideração de que estando em causa dois processos disciplinares, um em que foi arguido, e outro em que foi participante, que o artigo 6.º, n.º 1, da CEDH se aplica aos dois processos, e assim, que está em causa o pedido de duas indemnizações, e que aquela que pode ser relativamente reduzida é a indemnização no processo por si instaurado contra terceiro, sendo que os danos se presumem em ambos os casos.
iiii) num 4.º, na base da consideração de que a todas as verbas devem acrescer os impostos legais, que são os que estão em vigor à data do recebimento, que não se sabe quais são no momento da concessão das indemnizações.

Por sua vez, em sede das conclusões vertidas nas respectivas Contra alegações, a Ré ora Recorrida veio a sustentar, a final e em suma, que o recurso deve ser considerado improcedente, por não provado, sustentando para tanto que está em causa uma delonga num procedimento disciplinar e já não uma delonga num processo judicial, e portanto, que em face da natureza sancionatória do procedimento disciplinar, e atenta a sua natureza administrativa, que não se pode concluir pela aplicação da jurisprudência emanada pelo TEDH, e que nessa medida carece totalmente de razão o Autor ao pugnar pela aplicação directa do artigo 6.º da CEDH ao procedimento objecto dos presentes autos, para além de que o Recorrente não logrou fazer prova de qualquer dano decorrente de uma putativa demora do procedimento disciplinar sub judice, e que por essa razão também não existe qualquer obrigação que impenda sobre si [a ora Recorrida] quanto ao pagamento da quantia peticionada.

Já no âmbito do recurso subordinado apresentado pela Ré, foi por si sustentado a final das respectivas conclusões das Alegações de recurso apresentadas, que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, por violação de lei, ao considerar preenchidos os pressupostos que são determinantes da sua responsabilidade civil extracontratual, desde logo [como assim refere] por não ter sido cometido qualquer facto ilícito pela sua parte no procedimento disciplinar, e que a ter existido alguma delonga temporal até à prolação da decisão, que sempre não pode ser aplicado o artigo 6.º, n.º 1 da CEDH nem a jurisprudência do TEDH, pois que o objecto dos autos se reporta, claramente a atraso no procedimento administrativo levado a cabo por pessoa colectiva de direito público no âmbito da função administrativa e não na função jurisdicional, tendo ainda enfatizado que a mera constatação de que o processo disciplinar durou determinado período e assim considerado que foi excessivo, não pode fazer presumir só por si qualquer conduta ilícita pela sua parte e na consequente violação de qualquer direito subjectivo do Autor, que fosse gerador de responsabilidade civil e correspectivo dever de indemnizar, para além de que, como assim refere, o Autor não logrou provar, em absoluto, qualquer dano, como era, de resto, o seu ónus, considerando as regras de repartição do ónus da prova, nos termos artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil, não se podendo presumir a existência dos mesmos, e nesse patamar, que a Sentença proferida pelo Tribunal a quo deve ser substituída por outra que a absolva, integralmente, do pedido formulado pelo Autor.

Por sua vez, em sede das conclusões vertidas nas respectivas Contra alegações, o Autor ora Recorrido no âmbito do recurso subordinado sustentou a sua posição por termos similares aos que por si foram alegados quer na Petição inicial, quer nas Alegações do recurso principal, pois que a final e em suma, pugnou pela improcedência do recurso subordinado deduzido pela Ordem dos Advogados, e assim, pela total procedência do pedido de condenação por si formulado.

Neste patamar.

Como assim deflui da Sentença recorrida, o Tribunal a quo deu parcial provimento à preensão recursiva do Autor ora Recorrente, tendo a final e em suma, julgado pela aplicabilidade do artigo 6.º da CEDH, assente num pressuposto major, no sentido de que não está em apreço a apreciação de um atraso na prolação de uma decisão judicial, antes o atraso na emissão de uma decisão num processo disciplinar pela única entidade com competência jurisdicional para o fazer [a Ordem dos Advogados], que tem natureza administrativa, embora de natureza sancionatória, a que são aplicáveis, ainda que em termos supletivos, as regras, os princípios e as garantias do processo penal, e nesse conspecto, que emerge o direito a uma decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo, sendo que, para além de ter apreciado que o TEDH já reconheceu a aplicabilidade do artigo 6.º, n.º 1 da CEDH a procedimentos disciplinares quando esteja em causa o exercício da profissão, decidiu então tomar por apoio a jurisprudência fixada pelo TEDH em torno da violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável e com referência à duração do procedimento disciplinar em apreço nos autos, de cerca de 4 anos, 4 meses e 1 semana, tendo julgado excessiva a sua duração, e nesse patamar, que foi por isso gerada a obrigação de indemnizar, embora apenas circunscrita quanto ao processo disciplinar em que o Autor ora Recorrente foi arguido, veio a fixar a indemnização de €1.500,00, a que devem acrescer juros de mora desde a data da prolação da Sentença, mas sem a incidência de quaisquer quantia que sejam devidas a título de imposto que incida sobre a quantia recebida.

Neste conspecto, para aqui extraímos a essencialidade da fundamentação de direito aportada pelo Tribunal a quo na Sentença recorrida, como segue:

Início da transcrição
“[…]
Como vimos, o Autor pretende responsabilizar a Ré pela mora no desfecho do processo disciplinar n.º 858/2013-P/D, que correu termos junto dos serviços do Réu, o qual abrange dois processos disciplinares, um em que o Autor é participante e outro em que é arguido.
O Autor peticiona o pagamento da quantia de EUR 5.020,00, a título de indemnização pela violação do direito a uma decisão em prazo razoável, uma vez que tais processos, por terem durado mais de cinco anos numa só instância, resultaram na violação do seu direito à justiça em prazo razoável previsto nos arts. 6.º, n.º 1, e
8.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
[…]
Cumpre antes do mais, aferir se ocorreu, no caso dos presentes autos, a violação do direito a uma decisão em prazo razoável, nos termos que vêm invocados pelo Autor. Prevê o art. 12.º do RRCEEP que, “Salvo o disposto nos artigos seguintes, é aplicável aos danos ilicitamente causados pela administração da justiça, designadamente por violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável, o regime da responsabilidade por factos ilícitos cometidos no exercício da função administrativa.” Entende-se que não está em causa diretamente o direito de acesso à justiça previsto nestes preceitos, na medida em que o procedimento disciplinar em apreço é um procedimento administrativo e não judicial (cfr., neste sentido, o Ac. do TCAS de 18.03.2021, proc. n.º 865/16.4BELSB, in www.dgsi.pt, que aqui se acompanha nesta parte).
Contudo, também se entende que tal entendimento não obsta a que uma duração excessiva de um processo disciplinar possa consubstanciar um ilícito nos termos e para os efeitos do art. 7.º do RRCEEP, atinente à responsabilidade civil por danos decorrentes do exercício da função administrativa.
Prevê o art. 7.º, n.º 1, do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas (RRCEEP), aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro, que “O Estado e as demais pessoas coletivas de direito público são exclusivamente responsáveis pelos danos que resultem de ações ou omissões ilícitas, cometidas com culpa leve, pelos titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, no exercício da função administrativa e por causa desse exercício.”
Ora, está em causa um procedimento de natureza sancionatória, regulado supletivamente pelas regras do Código de Processo Penal (cfr. art. 121.º, al. b), do Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA), na versão aprovada pela Lei n.º 15/2005, em vigor à data da instauração do processo). Ou seja, está em causa um processo sancionatório, a que são genericamente aplicáveis, ainda que supletivamente, as regras, os princípios e as garantias do processo penal.
Recorrendo às doutas palavras do Tribunal da Relação de Lisboa, “As garantias próprias do processo penal têm vindo a ser paulatinamente adquiridas pelo processo contra-ordenacional e pelo direito sancionatório em geral.” (cfr. Ac. do TRL de 17.04.2012, proc. n.º 594/11.5TAPDL.L1-5, in www.dgsi.pt).
Entre tais garantias, vigora o direito a uma decisão em prazo razoável e a um processo equitativo, nos termos consagrados no art. 20.º, n.º 4, da CRP, segundo o qual “todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objeto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo”.
Salienta-se que o desfecho de um procedimento disciplinar poderá implicar a aplicação de sanções com especial relevância para os visados, incluindo as sanções de suspensão e de expulsão (cfr. art. 125.º do EOA).
Se assim é, a demora na duração de um tal procedimento, ainda que regido por prazos meramente ordenadores, pode efetivamente representar um ilícito caso se possa reputar de irrazoável ou excessiva face à finalidade e à natureza do procedimento.
Neste sentido, também o art. 140.º, n.º 1, do Estatuto da Ordem dos Advogados prevê que “Na instrução do processo deve o relator procurar atingir a verdade material, removendo todos os obstáculos ao seu regular e rápido andamento e recusando tudo o que for impertinente, inútil ou dilatório.”
E, ainda no mesmo sentido, o art. 146.º, n.º 4, do Estatuto da Ordem dos Advogados estatui que “A instrução [do processo] não pode ultrapassar o prazo de 180 dias contados a partir da distribuição.”, podendo ser prorrogado por um limite máximo de 180 dias em caso de excecional complexidade ou por outros motivos devidamente justificados (n.º 5 do art. 146.º).
De resto, o TEDH já reconheceu a aplicabilidade do art. 6.º, n.º 1, da CEDH a procedimentos disciplinares em que esteja em causa a continuidade do exercício de uma profissão (cfr. Ac. Ferreira Alves v. Portugal, TEDH, proc. n.º 2586/11, de 18.02.2014, § 17, in https://hudoc.echr.coe.int/).
De acordo com este art. 6.º, n.º 1, do CEDH, “Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela. (…).”.
Impõe-se então aferir a existência de uma ilicitude por demora excessiva num procedimento disciplinar.
Para tanto, por identidade de razão, entende-se que deve fazer-se apelo aos critérios que a jurisprudência do TEDH tem apontado para se aferir da existência de uma violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável e que têm vindo a ser acolhidos e objeto de densificação pela jurisprudência nacional nesse âmbito, a saber: 1) a complexidade do processo, 2) o comportamento das partes, 3) a atuação das autoridades competentes no processo e 4) o assunto do processo e o significado que o mesmo pode ter para o requerente (veja-se, entre outros, o Ac. COMINGERSOLL, S.A. v. PORTUGAL do TEDH, de 06.04.2000, Proc. nº 35382/97, in https://hudoc.echr.coe.int).
Cumpre então perscrutar os contornos do processo disciplinar em questão, convocando tais critérios.
Estão em causa dois processos disciplinares que correram juntamente e que revelam contornos de elevada simplicidade (cfr. pontos 5 a 7 do probatório). De facto, em tais processos promoveu-se, sem sucesso, a realização de uma diligência conciliatória (cfr. ponto 6 do probatório), após o que veio a ser determinado o arquivamento, quer por insuficiência de indícios, quer por falta de fundamento para a punição (cfr. ponto 7 do probatório).
Face aos factos apurados, entende-se que nada há a apontar ao comportamento das partes de entre a factualidade apurada que deva ser considerado. Apesar de se ter apurado que o Autor não compareceu à diligência conciliatória agendada (cfr. ponto 6), tal não se consubstancia numa situação de utilização abusiva ou dilatória dos meios processuais disponíveis.
Por outro lado, sem prejuízo da natureza sancionatória do processo disciplinar, que como vimos releva para a verificação do próprio ilícito, não decorre da factualidade apurada que esteja em causa um processo disciplinar cujo objeto se revista de um especial significado para o Autor ou que pudesse comportar consequências de relevo.
Ora, os procedimentos disciplinares em causa nos autos foram instaurados em 13.12.2013 (cfr. ponto 5 do probatório), tendo o respetivo desfecho ocorrido com o trânsito em julgado da decisão que determinou o respetivo arquivamento, decorridos 15 dias da respetiva notificação (cfr. art. 160.º, n.º 1, do EOA), que ocorreu em 05.04.2018 (cfr. ponto 7 do probatório). Assim, os procedimentos tiveram ambos uma duração de cerca de 4 anos, 4 meses e uma semana.
Afigura-se irrelevante o período de cerca de um ano que decorreu entre a queixa inicialmente apresenta pelo advogado denunciante e a instauração do procedimento disciplinar (cfr. pontos 2 a 5 do probatório), pois até á respetiva instauração não pendia sobre o Autor qualquer procedimento disciplinar e o ilícito a apurar nos autos diz precisamente respeito à duração excessiva de um tal procedimento.
Ora, a duração de 4 anos e 4 meses de um procedimento disciplinar de simples tramitação, para o que o comportamento das partes não terá contribuído, afigura-se efetivamente excessiva, face aos preceitos legais que norteiam a celeridade de tais processos, bem como à própria natureza sancionatória do processo disciplinar e às consequências que lhe são inerentes.
Se assim é, há que concluir pela verificação de um ilícito, através de uma inação que permite simultaneamente configurar um juízo de imputação subjetivo do facto ao agente, ou seja, a culpa.
[…]
Resta agora determinar concretamente o montante em que se traduz o “quantum” indemnizatório.
A este respeito, desde já se diga que não procede a alegação do Autor, no sentido de que, uma vez que havia dois processos, um contra o Autor e outro do Autor contra terceiro, tem direito a duas indemnizações.
De facto, os danos comuns que se presumem e que acima se descreveram apenas dizem respeito ao processo em que o Autor é arguido. No processo disciplinar em que o Autor foi participante, mas não é visado, já não tem cabimento a presunção da verificação de danos morais, pois nesse processo o Autor é um mero terceiro.
[…]
É ainda de considerar, como mera referência, conforme se referiu, a jurisprudência do TEDH a respeito do atraso na justiça.
No acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul proferido no processo n.º 7472/11, em 12.05.2011, é referida a existência de uma“(…) grelha estabelecida pelo TEDH no “caso Musci C. Itália” (P. 64699/01) variável entre 1000 e 1500 Euros por cada ano de demora do processo, nunca se poderia esquecer que se estava perante uma mera base de partida, suscetível de ser aumentada ou diminuída, de acordo com os danos concretos, a importância dos interesses em jogo e o comportamento do requerente eventualmente justificativo da demora.(…)”. (veja-se ainda o douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no processo n.º 01004/16, em 11/05/2017, in www.dgsi.pt).
Assim, atendendo ao lapso de tempo decorrido – que como vimos ultrapassou em pouco os 4 anos e 4 meses -, mas também a aspetos específicos do procedimento, como seja a relevância da infração disciplinar, e o nível de vida em Portugal (cfr. Ac. do STA de 11.05.2017, proc. n.º 01004/16, in www.dgsi.pt), em conformidade com o princípio da proporcionalidade, este tribunal considera equitativa a atribuição de uma compensação no valor de 1.500,00 EUR a título de danos não patrimoniais sofridos em virtude do atraso no processo disciplinar.
*
Estando em causa uma indemnização com recurso a juízos de equidade, os juros sobre a quantia fixada apenas são devidos a partir da prolação da presente decisão. Neste sentido, veja-se o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 4/2002, publicado no DR de 27.06.2002, segundo o qual “(…) a aplicação simultânea do n.º 2 do art. 566º e do art. 805º, n.º 3, conduziria a uma duplicação de benefícios resultantes do decurso do tempo, pelo que o n.º 3 do art. 805º cederá quando a indemnização for fixada em valor determinado por critérios contemporâneos da decisão.”
Assim sendo, sobre o montante arbitrado a título de indemnização acrescem juros à taxa legal a contar da data da prolação da presente sentença.
*
Peticiona ainda o Autor, de forma genérica, a condenação da Ré a pagar quaisquer quantias que, eventualmente, sejam devidas a título de imposto que incida sobre as quantias recebidas do réu, sem concretizar as quantias e os normativos em causa. Sem a concretização e o enquadramento das quantias em causa, não pode proceder uma tal pretensão genérica, que apenas se admitiria numa das circunstâncias elencadas no art. 556.º, n.º 1, do CPC, cuja verificação não vem diretamente alegada nem decorre de lado algum das alegações.
Em qualquer caso, não se vislumbra que um eventual imposto que tenha por facto gerador uma indemnização possa ser considerado para efeitos da fixação dessa mesma indemnização, na medida em que ele não constitui consequência do ato ilícito, inexistindo um nexo causal entre a ilicitude e esse montante tributário, face ao disposto no art. 563.º do CC.
Improcede, pois, totalmente tal pretensão.
[…]”
Fim da transcrição

Aqui chegados, cumpre para já apreciar o mérito da pretensão recursiva deduzida pelo Autor ora Recorrente, como assim vazado nas conclusões das respectivas Alegações, atinente aos invocados erros de julgamento em matéria de direito.

Na presente acção de responsabilidade civil extracontratual intentada contra a Ordem dos Advogados por atraso na emissão de decisão em procedimento disciplinar, o Autor ora Recorrente peticionou que fosse declarado que a Ré violou o artigo 20.º, n.ºs 1 e 4 da Constituição da República Portuguesa, e o artigo 6.º, n.º 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem no seu segmento “direito a uma decisão em prazo razoável”, assim como peticionou a condenação da Ré a pagar-lhe uma indemnização por danos não patrimoniais ou morais nunca inferior a cinco mil e vinte euros pela duração do processo disciplinar com o n.º 858/2013P/D, na parte contra si deduzida e na parte em que intervém contra terceiro, a que devem acrescer juros de mora à taxa legal desde a citação até integral pagamento.

Conforme expendido supra, depois de fixar a factualidade relevante e delimitar as posições das partes, o Tribunal a quo sintetizou e deu como assentes os pressupostos processuais da invocada responsabilidade extracontratual da Ré Ordem dos Advogados, colhidos à luz da lei e da jurisprudência administrativa, nacional e do TEDH, tendo fixado a indemnização devida ao Autor pelos invocados danos morais, no montante de €1.500,00.

Contra esta decisão se insurge o Autor ora Recorrente por entender, em suma, que o artigo 6.º, n.º 1 da CEDH deve ser directamente aplicado pelo Tribunal a quo quando estejam em causa atrasos na prolação de decisões em matéria disciplinar envolvendo a tutela que seja devida por parte das Ordens profissionais, e que sendo seguida a jurisprudência do TEDH já tirada nesse domínio e que envolveu a Ordem dos Advogados e em Acórdãos em que foi parte, designadamente os padrões indemnizatórios adoptados por aquele Tribunal, que a indemnização que foi fixada pelo Tribunal a quo ficou muito aquém do montante devido, até porque a sustentada demora na prolação de decisão envolveu não um, mas dois processos disciplinares, quantia que devendo ser revista por este Tribunal de recurso, e que deve à mesma acrescer o montante que lhe seja devido a título de impostos, tudo acrescido de juros de mora a contar da data da citação a Ré ora Recorrida para os termos dos autos.

Vejamos.

Compulsada a Sentença recorrida, dela se extrai entre o mais, que o Tribunal a quo fundamentou, com amparo jurisprudencial, estarmos perante danos não patrimoniais comuns [preocupações, angústias e aborrecimentos], que são sofridos por cidadãos que, em sede de acção disciplinar exercida por entidades de direito público, não chegam a ver proferida decisão final em prazo razoável, e para o que recorreu à presunção de danos construída pelo TEDH, sustentando que na situação em apreço tal era convocável, dada a aplicabilidade da CEDH. O Tribunal a quo apreciou e decidiu não se estar perante um atraso na prolação de decisão judicial, antes de atraso na decisão de processo disciplinar movido por Ordem profissional contra seus membros, e se bem que esses danos não patrimoniais de ordem comum se tenham por presumidos [ainda que passiveis de elisão, mas assim não efectuada pela Ré], o Tribunal a quo veio a prosseguir na apreciação de todos os pressupostos determinantes da aferição da obrigação de indemnizar por parte da Ordem dos Advogados.

Neste conspecto, em torno da apreciação da ocorrência de danos comuns de natureza não patrimonial por força da ultrapassagem de prazo razoável para a emissão de decisão em processo disciplinar, e respectivos pressupostos, por julgarmos com interesse para a decisão a proferir, para aqui extraímos parte do Acórdão proferido pelo STA, datado de 05 de julho de 2018, proferido no Processo n.º 0259/2018 [em que estava em apreço uma questão atinente ao cumprimento de obrigações de natureza civil, em que era demandado o Estado Português], a cujo julgamento aderimos sem reservas [com as adaptações que se mostrem, devidas, designadamente em torna da matéria de facto], a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito [cfr. artigo 8.º, n.º 3 do Código Civil], e que aqui reiteramos como segue:

Início da transcrição
[...]
36. Discute-se nos autos da existência de alegação suficiente por parte da A. do requisito da responsabilidade civil extracontratual do Estado relativo ao dano na sua componente do dano não patrimonial decorrente de atraso na administração da justiça em face da interpretação e aplicação que vem sendo feita neste âmbito pelo TEDH, nomeadamente, se a alegação é idónea ao operar ou ao fazer funcionar de uma presunção [cfr. arts. 341.º, 342.º e 349.º e segs. do CC], ou se estamos em face de facto notório [cfr. art. 412.º do CPC (correspondente ao art. 514.º do anterior CPC)].
37. O TEDH vem afirmando sucessivamente que o dano não patrimonial: i) constitui uma consequência normal, ainda que não automática, da violação do direito a uma decisão em prazo razoável, presumindo-se como existente, sem necessidade de dele fazer prova, sempre que a violação tenha sido objetivamente constatada; que ii) essa forte presunção é ilidível, havendo casos em que a duração excessiva do processo provoca apenas um dano não patrimonial mínimo ou, até, nenhum dano desta natureza, sendo que, então, o juiz nacional deverá justificar a sua decisão, motivando-a suficientemente; e que, iii) quanto ao modo de reparação, constatada a violação, por não ser já possível, pelo direito interno do Estado proceder à reintegração natural, o Tribunal, nos termos previstos no art. 41.º da Convenção fixará uma indemnização razoável, quando houver um prejuízo moral e um nexo de causalidade entre a violação e esse prejuízo [cfr., entre outros, os Acs. do TEDH (GC) de 29.03.2006 - c. «Scordino v. Itália n.º 01», §§ 203 e 204, e de 29.03.2006 - c. «Riccardi Pizzati v. Itália», § 94; e, também, o Ac. do TEDH (2.ª Secção) de 10.09.2008 - c. «Martins Castro e Alves Correia de Castro v. Portugal», §§ 54 e 55].
38. Aliás, do último dos acórdãos acabados de citar resultou a condenação do Estado Português no pagamento de indemnização aos ali requerentes por danos não patrimoniais, pretensão que lhe havia sido negada no âmbito da ação administrativa instaurada internamente e na qual se havia julgado que, apesar de ultrapassado o prazo razoável, os requerentes não tinham produzido prova da existência de um dano moral próprio, não havendo lugar ao operar de uma qualquer presunção da existência daquele tipo de danos.
39. Discordando frontalmente deste juízo afirmou o TEDH no referido acórdão que não poderia aceitar a posição ali assumida de «os danos causados pela duração excessiva de um processo judicial não justificarem, por si só, reparação», relembrando que «o ponto de partida do raciocínio das jurisdições nacionais na matéria deve ser a presunção sólida, ainda que elidível, nos termos da qual a duração excessiva de um processo ocasiona um dano moral. Bem entendido, em determinados casos, a duração de um processo não gera senão um dano moral mínimo, ou nem sequer qualquer dano moral. O juiz nacional deverá então justificar a sua decisão motivando-a suficientemente», notando «com satisfação que o Supremo Tribunal Administrativo, no seu acórdão de 28 de novembro de 2007, aceita esta interpretação e respeita inteiramente os princípios que emanam da jurisprudência do Tribunal», mas que tal jurisprudência não parecia à data «ainda suficientemente consolidada na ordem jurídica portuguesa», reputando como necessário «que o Supremo Tribunal Administrativo ponha termo a esta incerteza».
40. Tal entendimento foi sinalizado e acolhido pela jurisprudência deste Supremo Tribunal [vide, nomeadamente, os citados Acs. de 17.01.2007 - Proc. n.º 01164/06, de 28.11.2007 - Proc. n.º 0308/07, de 09.10.2008 - Proc. n.º 0319/08, e de 11.05.2017 - Proc. n.º 01004/16].
41. Daí que se assim é e deve ser entendido, então, dúvidas não podem existir de que neste domínio, tal como afirmado e reiterado por este Supremo, «é de presumir - embora se admita prova em contrário - que da violação do direito à obtenção em prazo razoável da decisão judicial que regule definitivamente o caso que submeteu a juízo resulta um dano moral» e de que «danos não patrimoniais que segundo o conhecimento comum sempre atingem os demandantes, isto é, ocorrem em praticamente todos os casos de atraso significativo na atuação da justiça, merecem, em princípio, a tutela do direito, não sendo de minimizar na respetiva relevância, sem prejuízo de prova em contrário, ou de diferente causalidade, em cada caso», na certeza de que se «a parte que invoca a lesão alegar e procurar provar mais danos do que os comuns, mas não conseguir provar que os sofreu, nem por isso fica prejudicada no direito à indemnização que resulta da presunção natural de um dano moral relevante, salvo quando se provar que em concreto, mesmo este, não ocorreu», sendo que «não se trata de um “dano automático”, decorrente da constatação de uma violação de um direito fundamental», já que «para haver obrigação de indemnizar por atraso indevido na administração da justiça é necessário demonstrar que existe ilicitude no atraso, dano reparável e nexo de causalidade adequada» [cfr. jurisprudência iniciada pelo Ac. deste Supremo de 28.11.2007 - Proc. n.º 0308/07, seguida e aprofundada pelo Ac. de 09.10.2008 - Proc. n.º 0319/08, e reiterada, nomeadamente, no Ac. de 11.05.2017 - Proc. n.º 01004/16].
42. Ressuma do entendimento exposto que, uma vez constatada uma violação do art.
6.º, § 1.º, da CEDH, relativamente ao direito à emissão de uma decisão judicial em prazo razoável, existe e opera, em favor da vítima daquela violação da Convenção, uma forte presunção natural da verificação de um relevante dano psicológico e moral comum, de natureza não patrimonial, que seria sofrido por todas as pessoas que se dirigem aos tribunais e não veem as suas pretensões resolvidas por um ato final do processo em tempo razoável.
43. E isso, salvo se se alegar e provar que, em concreto, o mesmo dano não ocorreu, ou que inexiste o necessário nexo de causalidade entre tal violação e o dano, cientes de que àquela vítima, ou sobre a mesma, impenderá um ónus de alegação e de prova dos danos não patrimoniais que excedam aquele dano comum e se mostrem relativos à sua específica situação concreta.
44. À luz da jurisprudência do TEDH estamos, pois, em face de uma forte presunção natural da existência daquele dano não patrimonial comum, presunção essa que é, todavia, ilidível pelo demandado, impendendo sobre este o ónus de alegação e de prova em concreto da inexistência daquele dano e do afastamento do automatismo entre a violação constatada da Convenção e aquele dano.
45. Daí que não se mostrará operativo, assim, in casu e neste contexto, um apelo à figura do “facto notório” [cfr. art. 412.º do CPC (art. 514.º do anterior CPC)], visto que assente em pressupostos e com consequências que ultrapassam, ou mesmo podem contraditar, o referido entendimento jurisprudencial no segmento que, mormente, funda ou desenha a presunção relativa ao dano psicológico e moral comum e permite a sua elisão [cfr. arts. 410.º, 412.º do CPC, 341.º, 342.º, 346.º e 349.º e segs. do CC], assim dissentindo, apenas neste estrito segmento, do que foi sustentado e concluído no acórdão deste Supremo de 09.10.2008 [Proc. n.º 0319/08].
46. Mas o funcionar da presunção em referência para a produção do dano psicológico e moral comum, sofrido pelas pessoas que se dirigem aos tribunais, como a A., e não veem as suas pretensões resolvidas em tempo razoável, exigirá que, nos autos, resulte demonstrada ou constatada a violação do direito previsto no § 1.º do art. 06.º da CEDH, razão pela qual o demandante, para poder beneficiar da operatividade e aplicação daquela presunção, carecerá apenas de alegar e demonstrar a existência de uma violação objetivamente constatada da Convenção, nisso radicando o seu ónus de alegação e prova, que, uma vez satisfeito, conduz a que se presuma como existente o dano psicológico e moral comum, sem necessidade de que dele por si seja feita a sua prova.
47. Nessa medida, do atrás exposto e ora acabado de afirmar não poderá acolher-se a tese e o pressuposto sustentado pelas instâncias, já que o entendimento ali afirmado não se mostra compatível com a jurisprudência do TEDH em termos da operatividade e da existência de uma forte presunção da verificação de um relevante dano psicológico e moral comum, de natureza não patrimonial, visto a mesma, para operar, bastar-se com a alegação e demonstração da existência de uma violação objetivamente constatada da Convenção, não carecendo, assim, duma concreta alegação de danos não patrimoniais [comum e/ou específicos], tanto mais que caberia era ao demandado a ilisão da referida presunção, mediante alegação e prova de factualidade que a afastasse.
[...]“
Fim da transcrição

Ou seja, para efeitos do julgamento do reconhecimento da existência de um dano não patrimonial comum [atinente ao dano psicológico e moral comum, sofrido por quem se dirige aos Tribunais e não vê a sua pretensão resolvida em prazo razoável], no âmbito de uma acção que visa direitos e obrigações de natureza civil ou a aplicação de uma pena, e segundo a citada jurisprudência, que acolhemos, apenas se impõe ao demandante a alegação e demonstração da existência de uma violação objetivamente constatada da CEDH para beneficiar dessa forma da operatividade e da existência de uma forte presunção da verificação de um relevante dano, sem necessidade de que, por si, seja feita a sua prova, sendo que por parte da entidade demandada, por sua vez, impõe-se no seu próprio interesse, a alegação e prova de factualidade [mediante mera contraprova – Cfr. artigos 346.º e 351.º, ambos do Código Civil] que possa ser determinante do afastamento dessa presunção.

Importa compreeender a natureza do litígio que estava subjacente aos processos disciplinares instaurados pela Ordem dos Advogados [contra o Autor por iniciativa de outro Advogado, e contra este por iniciativa do Autor] cuja tramitação excedeu o prazo de 180 dias, para aferir se o atraso verificado se subsume nos direitos e obrigações de carácter cível para efeitos do artigo 6.º da CEDH, designadamente do seu grau de ingerência na esfera jurídica do Autor.

Ora, é do que na sua globalidade assim tratam os presentes autos, sendo que como assim apreciou e decidiu o Tribunal a quo, não está em causa a responsabilidade extracontratual do Estado Português por atraso na administração da justiça [e assim, de resto, porque nele não é parte interveniente], antes porém a Ordem dos Advogados, enquanto associação de direito público [Cfr. artigo 7.º da Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro] a quem compete, entre o mais, a tutela e disciplina da actividade e dos respectivos profissionais nele inscritos, e quanto aos quais seja passível o exercício de acção disciplinar por violação efectiva de deveres previstos no respectivo Estatuto profissional.

Ciente de que não estava em causa a apreciação da ocorrência de atraso desrazoável na administração da justiça, o Tribunal a quo apreciou, e bem, que enquanto garante da disciplina da actuação dos Advogados, em conformidade com o disposto nos artigos 140.º, n.º 1 e 146.º, n.º 4, ambos do Estatuto da Ordem dos Advogados [na versão aprovada pela Lei n.º 15/2005, de 26 de janeiro], esta associação de direito público, na decorrência das suas atribuições e competências estava legalmente vinculada a apreciar a conduta profissional do Autor ora Recorrente, enquanto participado [arguido] no âmbito de um procedimento disciplinar, assim como a apreciar a conduta de um outro Advogado, enquanto participado [também arguido] disciplinarmente por parte do ora Autor, e a neles proferir decisão em prazo não superior a 180 dias a contar da sua distribuição, conforme assim disposto por aquele artigo 146.º, n.º 4.

O Tribunal a quo julgou que a Ordem dos Advogados demorou mais de 4 anos e 4 meses a fazer essa apreciação, período de tempo assim fixado para além daquele prazo de 180 dias, e dessa forma, que ocorreu atraso desrazoável na prolação da decisão nesse procedimento administrativo de natureza disciplinar, e que estava assim constituída no dever de indemnizar o Autor, tendo subjacente o disposto no artigo 6.º § 1 da CEDH, e os critérios que o TEDH tem fixados para efeitos de determinação da atribuição de indemnização nas situações em que é ultrapassado o prazo razoável.

Nesse conspecto, o Tribunal a quo fixou a indemnização pelo montante de €1.500,00, decidindo para tanto que não pode proceder a alegação total empreendida pelo Autor [no sentido de que havia dois processos, um contra o Autor e outro do Autor contra terceiro, e que por isso tinha direito a duas indemnizações], pela razão de os danos comuns que se têm por presumidos apenas dizerem respeito ao processo em que o Autor é arguido, e que no processo disciplinar em que o Autor foi participante, mas não é visado, já não tem cabimento a presunção da verificação de danos morais, por ser nesse processo um mero terceiro, tendo sido nesse pressuposto que, em face dos padrões indemnizatórios fixados pelo TEDH e acolhidos pelos Tribunais Superiores da jurisdição administrativa [num valor variável entre €1.000,00 e €1.500,00 – Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, datado de 11 de maio de 2017, proferido no processo n.º 01004/16], considerando o lapso de tempo decorrido, que ultrapassou o prazo legalmente fixado em cerca de 4 anos e 4 meses, julgou como equitativa a atribuição de uma compensação no valor de €1.500,00 a título de danos não patrimoniais sofridos em virtude do atraso na decisão do processo disciplinar em que o Autor ora Recorrente figurou como arguido.

Aqui chegados.

Temos para tanto presente que no nosso ordenamento jurídico, existe um concreto sistema axiológico de princípios e valores que visa a fixação e disciplina de regras tendentes à declaração dos direitos e à manutenção dos bens jurídicos, como seja o de obter indemnização pela violação do direito à obtenção de decisão em prazo razoável.

A noção de processo equitativo, a que se reporta o artigo 6.º da CEDH [e que veio a ser vertida pelo nosso legislador constitucional, sob o artigo 20.º, n.º 4 da CRP], contende com um completo e complexo conjunto de direitos e deveres dos sujeitos processuais [designadamente de quem demanda e de quem é demandado], dos Tribunais e a independência dos Juízes, princípio este que também integra, a par do direito a uma indemnização por ultrapassagem do prazo razoável, o conjunto de direitos dos cidadãos a que se reporta aquele artigo 6.º da CEDH e o artigo 10.º da DUDH.

Em torno da aplicabilidade do artigo 6.º § 1 da CEDH às situações em que estejam em causa atrasos desrazoáveis ocorridos não em processos judiciais, mas em procedimentos disciplinares intentados por entidades titulares de acção disciplinar, contra membros de uma determinada classe profissional, e mais concretamente, da Ordem dos Advogados, o Tribunal a quo ancorou-se no Acórdão proferido pelo TEDH, no Processo n.º 2586/11, em 18 de fevereiro de 2014 [acessível em https://hudoc.echr.coe.int/], tendo aquele normativo sido directamente aplicado pelo Tribunal a quo, sendo que, o que assim apreciou e decidiu, foi em apelar à aplicação dos critérios que a jurisprudência do TEDH tem deitado mão em torno da aferência da violação do direito a uma decisão em prazo razoável em processo judicial, assim como aos padrões indemnizatórios seguidos por aquela instância jurisdicional, tendo fixado, na base de um juízo fundado em equidade, a atribuição de uma compensação no valor de €1.500,00 a título de danos não patrimoniais sofridos pelo Autor pelo atraso na prolação de decisão no processo disciplinar em que foi constituído arguido.

O Autor ora Recorrente discorda da Sentença recorrida, seja por entender que o valor atribuído não respeita os padrões que têm sido seguidos na jurisprudência, seja porque como assim defende, estão em causa dois procedimentos disciplinares e não apenas um, embora seja apenas em um que figura como arguido e no outro a sua relação com a factualidade prende-se com ser participante.

Julgamos que assiste razão ao Autor, ainda que apenas em parte.

Vejamos por que termos e pressupostos.

Estando em causa um procedimento disciplinar em que, abstractamente considerado, lhe poderia ser aplicada uma das penas disciplinares a que se reporta o Estatuto da Ordem dos Advogados [Cfr. o artigo 125.º , n.º 1 da Lei n.º 15/2005, de 26 de janeiro; Cfr. também o artigo 130.º, n.º 1 da Lei n.º 145/2015, de 09 de setembro], tendo o Tribunal a quo julgado que a duração de 4 anos 4 meses e 1 semana de um procedimento disciplinar de simples tramitação se afigura efectivamente excessiva, face aos preceitos legais que norteiam a celeridade desses processos [Cfr. pontos 5 e 7 do probatório], e tendo o Tribunal a quo julgado, a final, pela produção de danos não patrimoniais comuns na esfera jurídica do Autor decorrente do constatado atraso e quanto ao que a Ordem dos Advogados não logrou fazer contra prova, como assim julgamos, seguindo os padrões indemnizatórios fixados na jurisprudência por si convocada, o montante a atribuir teria naturalmente de ser superior, sem que para tanto houvesse que ser aferido sobre se o objecto do procedimento disciplinar revestia especial significado, ou se comportava consequências de relevo para o arguido, porque a final, o que comporta particular significado, é a iminência da aplicação de uma pena disciplinar e do seu registo, assim podendo macular a vida profissional, a ética e a deontologia de um Advogado, face a uma constatada delonga na prolação de decisão no procedimento.

Quanto à indemnização pelo outro procedimento disciplinar em que o Autor foi considerado como terceiro por parte do Tribunal a quo, por nele não ser arguido, antes apenas participante, em conformidade com o expendido no Acórdão do STA referido supra, e como assim julgamos, podendo é certo ser julgado que o Autor também aí sofreu um dano não patrimonial, por ter assistido a que a participação que efectuou contra um seu Colega Advogado de profissão [aliás, o mesmo que havia participado disciplinarmente contra si], e que gerou procedimento disciplinar, também demorou cerca de 4 anos e 4 meses a ser proferida decisão, quando não deveria ter sido ultrapassado o prazo de 180 dias, como assim julgamos, nessas concretas circunstâncias, não pode ser levada em linha de conta a quantidade de processos disciplinares instaurados, pela simples razão de no processo disciplinar em causa, autuado sob o n.º 858/2013-P/D, o respectivo Relator apenas ter de proferir uma decisão única, de resto, como assim fez [em conformidade com o disposto pelo artigo 145.º, n.º 1 do EOA aprovado pela Lei n.º 15/2005, de 26 de janeiro, e como assim também vem disposto na actualidade pelo artigo 150.º, n.º 1 do EOA aprovado pela Lei n.º 145/2015, de 09 de setembro], e que passou pelo arquivamento dos autos [do Processo n.º 858/2013-P/D] que versavam as duas acções disciplinares instauradas pela Ré visando a instrução da participação disciplinar mútua, que ambos os Advogados fizeram, tendo por referência a prestação de ambos no mesmo processo judicial em curso no Tribunal Judicial de Fafe.


Com efeito, tendo presente o constante do probatório sob os pontos 2, 3 e 7, o que poderia ser expectável por parte do Autor era que o Advogado por si participado também fosse disciplinarmente punido, por estar na sua base, uma sustentada idêntica violação de deveres profissionais.

E se porventura lhe foram causados danos patrimoniais especiais, impendia então sobre o Autor o ónus de os alegar e provar, o que assim não resultou patenteado na Petição inicial, e de resto, assim não foi levado ao probatório constante da Sentença recorrida.

Como assim resulta do ponto 5 do probatório, e de resto como assim o refere o Autor sob o ponto 6 da Petição inicial, assim como a final do pedido, sob a alínea a), estava apenas em causa um processo disciplinar com o n.º 858/2013–P/D, onde foram tramitadas duas participações disciplinares, em que o Autor figurava como arguido e como participante [ou seja, existiam dois arguidos perante diferente factualidade], sendo que a apreciação que nele foi efectuada pela Ordem dos Advogados e que a final derivou no arquivamento com fundamento na insuficiência de indícios de infracção disciplinar por parte do Autor e com base na falta de fundamento para punição do Advogado participado.

Neste conspecto, em torno da aplicabilidade da CEDH quando estejam em causa atrasos desrazoáveis na prolação de decisão em processos disciplinares, por julgarmos com interesse para a decisão a proferir, para aqui extraímos parte do recente Acórdão proferido pelo STA, datado de 06 de junho de 2024, proferido no Processo n.º 061/19.9BEPRT, a cujo julgamento aderimos sem reserva [com as adaptações que se mostrem necessárias, designadamente em torno da matéria de facto], a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito [cfr. artigo
8.º, n.º 3 do Código Civil], e que aqui reiteramos como segue:

Início da transcrição
“[...]
§ 1.º – Sobre a aplicabilidade da Convenção Europeia dos Direitos Humanos e as condenações do Estado por duração excessiva de procedimentos disciplinares […]
10. Na verdade, o autor aqui recorrente invoca decisões do TEDH que, com base nos artigos 6.º, n.º 1, e 13.º da CEDH, lhe reconheceram um direito a indemnização por danos morais sofridos em consequência da duração excessiva de procedimentos disciplinares instaurados pela Ordem dos Advogados (cfr. os Acs. AA v. Portugal, P. .../11, de 18.02.2014 – processo arquivado ao fim de 5 anos e 9 meses devido a prescrição – e AA v. Portugal, P. .../12, de 30.04.2015 – processo arquivado ao fim de 4 anos e 8 meses devido a prescrição).
Como aquele Tribunal tem vindo a decidir uniformemente, o exercício da profissão de advogado é um “direito de caráter civil” para efeitos do artigo 6.º, n.º 1, da CEDH. Daí que os procedimentos disciplinares movidos contra advogados em razão do exercício da sua profissão – no âmbito dos quais podem vir a ser aplicadas sanções que põem em causa, temporária ou definitivamente, o exercício de tal direito – dão origem a uma “contestação” ou “litígio” sobre direitos civis a que é aplicável o citado preceito da Convenção na sua vertente civil (cfr. os Acs. Carreto Ribeiro v. Portugal, P. 20075/21, de 25.04.2024, § 8; e Reczkowicz v. Poland, P. 43447/19, de 22.07.2021, §§ 183-184; sobre a aplicação das duas vertentes – civil e penal – nos casos de procedimentos disciplinares e os chamados “critérios Engel”, v. o Ac. Ramos Nunes de Carvalho e Sá c. Portugal [GC], P. n.ºs 55391/13, 57728/13 e 74041/13, de 6.11.2018, §§ 121-123, e jurisprudência aí citada). Por outro lado, mesmo que não entrem no âmbito da vertente penal do artigo 6º, aqueles procedimentos disciplinares, que no limite podem culminar em sanções expulsivas, têm consequências graves na vida dos profissionais e podem implicar um certo grau de estigmatização. Acresce que o desconhecimento da sanção concreta que será aplicada ao arguido no termo de tais procedimentos tem um efeito negativo na sua situação pessoal, pelo que não se pode dizer que o queixoso, nesses casos, não sofra uma desvantagem significativa em consequência da invocada violação do artigo 6.º da CEDH por demora excessiva na definição da situação disciplinar (v. os casos AA v. Portugal, cits., §§ 17 [2014] e 18 [2015]; e Carreto Ribeiro v. Portugal, cit., § 6). Finalmente, o TEDH também considera que, nos casos relativos à duração de procedimentos, uma decisão ou medida favorável ao queixoso – como, por exemplo, a prescrição do procedimento – não é, em princípio, suficiente para lhe retirar o estatuto de “vítima”, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 34.º da CEDH, a menos que as autoridades nacionais reconheçam a violação, de forma expressa ou em termos materiais, e atribuam uma reparação (v. Acs. Cocchiarella v. Italy [GC], P. 64886/01, de 29.03.2006, §§ 71 a 98; e Carreto Ribeiro v. Portugal, cit., § 7; sobre o estatuto de vítima, v. o Ac. Communauté genevoise d'action syndicale (CGAS) v. Switzerland [GC], P. 21881/20, de 27.11.2023, §§ 105-126).
Em suma, as “delongas procedimentais” também podem constituir uma violação do artigo 6.º, n.º 1, da CEDH, contrariamente ao afirmado nas conclusões IV a VI das alegações da recorrente Ordem dos Advogados.
[…]
12. Recorde-se que o Estado Português, além de soberano na ordem interna – Estado numa aceção constitucional –, e de, enquanto sujeito de Direito administrativo, se caracterizar como uma pessoa coletiva pública – Estado numa aceção administrativa –, também é soberano – ou independente – na ordem internacional e, como tal, titular de direitos e obrigações nesse âmbito (em particular, e no que aqui releva, o ius tractuum ou direito de celebrar convenções internacionais) e face a sujeitos com igual estatuto – Estado numa aceção internacional. Considerando apenas as duas últimas aceções, verifica-se que, no plano jurídicoadministrativo, o Estado não se confunde com outras entidades administrativas que integram a Administração indireta, a Administração autárquica ou a Administração autónoma e independente, pois todas elas «constituem entidades distintas, cada qual com a sua personalidade jurídica, com o seu património próprio, com os seus direitos e obrigações, com as suas atribuições e competências, com as suas finanças, com o seu pessoal, etc.»; mas, no plano internacional, «o Estado-soberano “engloba e representa” não apenas o conjunto dos seus cidadãos, mas também as diferentes pessoas coletivas públicas e privadas constituídas no seu território» (cfr. Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, vol. I, 4.ª ed., Almedina, Coimbra, 2015, p. 196; v. também Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, tomo III, 4.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1998, pp. 39-40). Da soberania do Estado na ordem internacional resultam a sua unidade e permanência: «a atuação internacional do Governo vale, salvo reserva expressa, para todo o seu território»; «para além das mudanças internas do seu Governo, o Estado permanece o mesmo no plano internacional» (cfr. Gonçalves Pereira e Fausto de Quadros, Manual de Direito Internacional Público, 3.ª ed., Almedina, Coimbra, 1993, p. 329).
Compreende-se, deste modo, o sentido da codificação levada a cabo no âmbito do “Projeto da Comissão de Direito Internacional das Nações Unidas sobre Responsabilidade Internacional dos Estados” (2001):
Um Estado comete um ato internacionalmente ilícito (an internationally wrongful act) quando a sua conduta, por ação ou omissão: a) seja considerada um ato do Estado segundo o direito internacional; e b) constitua violação de uma obrigação internacional desse Estado (artigo 2.º);
A conduta de qualquer órgão do Estado, independentemente de exercer funções legislativas, executivas ou judiciais ou outras quaisquer funções, é considerada um ato do Estado segundo o direito internacional, seja qual for a posição que tal órgão ocupe na organização do Estado e seja qual for a sua natureza enquanto órgão do governo central ou de uma unidade territorial do Estado (artigo 4.º, n.º 1 – esta regra decorre da unidade (do poder originário de auto-organização) do Estado e integra o direito consuetudinário);
A conduta de uma pessoa ou entidade que não seja um órgão do Estado, nos termos do artigo 4º, mas que esteja habilitada pela ordem jurídica desse Estado a exercer poderes de autoridade pública, é considerada um ato do Estado segundo o direito internacional, desde que esteja em causa uma atuação da pessoa ou entidade no exercício desses poderes (artigo 5.º – por identidade de razão com o disposto no artigo anterior).
De resto, é justamente enquanto soberano na ordem internacional que o Estado Português, na sequência do exercício do seu direito de celebrar tratados, se encontra vinculado a respeitar a CEDH: as «Altas Partes Contratantes reconhecem a qualquer pessoa dependente da sua jurisdição os direitos e liberdades definidos no título I da presente Convenção» (artigo 1.º); para o efeito, aceitaram a criação do TEDH (artigo 19.º) e que este pudesse julgar as queixas individuais de quem se considere vítima de violação por qualquer Estado Contratante dos direitos reconhecidos na Convenção ou nos seus protocolos (artigo 34.º) e obrigaram-se a respeitar as suas decisões definitivas (artigo 46.º, n.º 1).
[…]
Face à factualidade apurada, verificamos […] que o processo esteve sem qualquer tramitação no período de 05/12/2008 a 11/11/2011, sem qualquer justificação, não podendo aqui acolher a justificação da Ré Ordem dos Advogados que o processo estava a aguardar pelas certidões requeridas – pedidas em 20/05/2008. Conforme decorre do artigo 146.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, a instrução não pode ultrapassar o prazo de 180 dias, podendo em casos de excecional complexidade ou por outros motivos devidamente justificados, ser tal prazo prorrogado, não podendo, contudo, ultrapassar o limite máximo de mais 180 dias.
Ora, no caso dos autos, a acusação foi deduzida em 30/08/2012, muito depois dos 360 dias (contando com a prorrogação) indicados no artigo 146.º do referido Estatuto.
Assim, apreciado o processo nas suas várias vicissitudes e diferentes fases, constatase que o mesmo não decorreu de forma célere.
Desde logo, deparamos com uma fase de instrução que durou cerca de cinco anos, sendo que nesses cinco anos, o processo esteve parado durante três anos, sem qualquer tramitação (período ocorrido entre 05/12/2008 a 11/11/2011), e sem justificação adequada para a paragem do mesmo, conforme decorre do processo administrativo.
Nestes termos, há que concluir que a conduta da Ré Ordem dos Advogados desrespeitou, desde logo, o prazo previsto no artigo 146.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, na medida em que a instrução não foi concluída no prazo estipulado para o efeito, sendo essa falta devida a conduta da Ré.
[…]
§ 3.º – Sobre a avaliação do dano e a determinação do valor da indemnização 17. O primeiro recorrente considera que o tribunal a quo «concedeu [uma] indemnização insignificante, à revelia do TEDH, e com critério diferente [do acolhido na jurisprudência] do TCAS, devendo o STA uniformizar os critérios respetivos.» (cfr. a conclusão 6 das respetivas alegações), de modo a prevenir a insegurança jurídica e a arbitrariedade.
Na verdade, comparando com a reparação atribuída pelo TEDH em casos paralelos anteriores relativos à duração excessiva de procedimentos disciplinares que terminaram por efeito da prescrição, nomeadamente os casos decididos pelos Acs. AA v. Portugal, P. .../11, de 18.02.2014, e P. .../12, de 30.04.2015, é notória a diferença: enquanto que no caso dos presentes autos – em que o procedimento disciplinar teve uma duração de cerca de 9 anos e 7 meses – foi atribuída ao primeiro recorrente uma indemnização pelo atraso na decisão do procedimento no valor de 2 500,00 €; nos mencionados casos decididos pelo TEDH, a indemnização homóloga atribuída foi, respetivamente, de 2 730,00 €, com referência a um procedimento disciplinar com a duração de 5 anos e 9 meses (cfr. §§ 10 e 29), e de 3 250,00 €, com referência a um procedimento disciplinar com a duração de 4 anos e 8 meses (cfr. §§ 11 e 31). Como se refere no acórdão recorrido, «[e]xistem claramente padrões indemnizatórios tendenciais estabelecidos jurisprudencialmente, mas não ao ponto de se estabelecer um “preço” por unidade de tempo de atraso. É que existem muitos outros fatores a atender, designadamente a relevância desses processos na vida das pessoas» (p. 24). Por outro lado, cumpre não esquecer que, neste domínio da demora excessiva na prolação de decisões sobre a “determinação dos direitos e obrigações de carácter civil” a que se reporta o artigo 6.º, n.º 1, da CEDH, uma decisão interna que atribua uma indemnização compensatória de tal atraso, só retira a qualidade de “vítima” ao lesado – e, consequentemente, a possibilidade deste apresentar uma queixar junto do TEDH em vista da obtenção de uma reparação nos termos do artigo 41.º daquela Convenção (cfr. o respetivo artigo 34.º) –, se a referida indemnização atribuída pelas instâncias nacionais for comparável e se puder equiparar, designadamente no que respeita ao seu quantitativo, àquela que o TEDH, seguindo os critérios da sua jurisprudência, teria aprovado (cfr. o Ac. Cochiarella v. Italy [GC], P. 64886/01, de 29.03.2006, §§ 7172, 93 e 97-98, referindo-se este último parágrafo à indemnização suplementar; v. também o Ac. Apicella v. Italy [GC], P. 64890/01, de 29.03.2006, §§ 69-70 e 84). Consequentemente, importa confrontar os critérios seguidos no acórdão recorrido para fixar o quantum indemnizatório com os critérios observados pelo TEDH relativamente ao mesmo tipo de situações.
[…]
19. Para o recorrente, a avaliação equitativa do dano não patrimonial por si sofrido deve, de acordo com a jurisprudência do TEDH, tomar como base de cálculo uma quantia entre os 1 000,00 € e os 1 500,00 € por ano de duração do processo (e não por ano de atraso), in casu acrescida por estarem em causa procedimentos disciplinares, os quais devem ser tramitados com especial celeridade, o que, em seu entender, exigiria uma indemnização com um valor mínimo de 2 000,00 € por ano (cfr. as conclusões 61-68 das respetivas alegações e a jurisprudência citada na p. 91 do corpo destas últimas: Acs. de 10.11.2004 prolatados nos casos Apicella v. Italy, P. 64890/01, § 26; Ernestina Zullo v. Italy, P. 64897/01, § 26; e Riccardi Pizzati v. Italy, P. 62361/00, § 26). Mais adiante, porém, nas conclusões 84 a 89, confrontando o valor arbitrado pelo TEDH no caso AA v. Portugal de 2015 – 3 250,00 € relativamente a um procedimento disciplinar que durou 4 anos e 8 meses –, o recorrente, tendo em conta estarem em causa «dois processos apensos que […] poderiam [conduzir à punição] de dois alegados ilícitos, ou que “os sentimento[s] de preocupação e nervosismo, correspondentes à normal angústia com o atraso na prolação da decisão do processo disciplinar e o normal e compreensivo estado de angústia do Autor com a demora da decisão do processo disciplinar” (sic) seriam duplicados» (conclusão 89), e bem assim outras vicissitudes dos ditos procedimentos (conclusões 90-95), conclui no sentido de, pelos critérios do TEDH, ter direito à «quantia peticionada», ou seja:
«[u]ma indemnização por danos não patrimoniais ou morais nunca inferior a dezasseis mil euros pela duração dos dois processos disciplinares» (cfr. as conclusões 96 e 100).
A verdade é que, nestes casos de atrasos na prolação das decisões devidas, o que importa é a duração do procedimento ou processo em função dos standards aplicáveis, os quais já consideram a complexidade da causa e a importância da decisão da mesma para o interessado. O aspeto meramente quantitativo do número de processos, em si mesmo, é irrelevante, tanto mais que os processos apensados dão origem a uma só decisão (cfr. o artigo 145.º, n.º 1, do Estatuto da Ordem dos Advogados de 2005).
Tem, por isso, razão o tribunal a quo quando afirma:
«O Recorrente questiona sobre o número de processos disciplinares.
Pretende que seja incrementado o valor indemnizatório […] por se tratar de dois processos e não apenas de um.
No entanto, como se vê em 2, 3 e 4 da matéria de facto, apesar de terem sido instaurados dois processos disciplinares o segundo foi de imediato apensado ao primeiro, de modo que a tramitação (cuja morosidade é censurada) foi sempre unitária, não se vislumbrando razoabilidade em ficcionar que estão em causa dois factos ilícitos autónomos e duas obrigações de indemnização cumuláveis. De resto, como se vê do facto 19, foi deduzida uma única acusação pelos factos relativos aos dois processos, assim se formalizando a unidade material de dois processos apenas nominalmente distintos.» (v. p. 23 do acórdão recorrido).
Questão diferente é a determinação da base de cálculo da reparação e os aspetos ou particularidades do caso que a partir dela devem ser ponderados para a fixação do quantum indemnizatório. Certo é que, estando em causa um juízo de equidade (cfr. os artigos 496.º, n.ºs 1 e 4, 1.ª parte, e 566.º, n.º 3, ambos do Código Civil, aqui aplicável subsidiariamente), a determinação do valor concreto a arbitrar não resulta de raciocínios meramente aritméticos como aqueles que o recorrente ensaia.
[…]
Além disso, uma vez fixado o valor da reparação, importará analisar a questão suscitada ibidem, nas conclusões 45 a 60, relativamente aos impostos, tendo em vista assegurar a equiparação da indemnização fixada por um tribunal nacional àquela que seria arbitrada pelo TEDH.
20. O que se pode apreciar, desde já, é a adequação dos critérios que foram ponderados no acórdão recorrido e que, portanto, contribuíram para a definição daquele valor, nomeadamente a qualidade do ora recorrente como advogado e a eficácia da sua defesa, assim como a circunstância de os procedimentos disciplinares terem sido extintos por efeito da prescrição (cfr. supra o n.º 18).
O recorrente critica a relevância de tais fatores (cfr. as conclusões 10 a 34 das suas alegações) e tem razão.
Em primeiro lugar, se o que está em causa é a morosidade de procedimentos disciplinares instaurados a um advogado pela respetiva ordem profissional e os danos não patrimoniais causados pela mesma, aquela qualidade profissional, a experiência como advogado ou a obtenção de ganho de causa são absolutamente irrelevantes para a determinação do valor da compensação de tais danos. Como refere o recorrente, não só o «sentimento de preocupação e nervosismo, correspondentes à normal angústia com o atraso na prolação da decisão do processo disciplinar e o normal e compreensivo estado de angústia do Autor com a demora da decisão do processo disciplinar» não é «eliminado pelo facto do autor ser advogado», como, segundo a jurisprudência do TEDH, o resultado do processo nacional (quer a parte requerente perca, ganhe ou acabe por fazer um acordo) não tem importância para aferir do dano moral sofrido pelo facto da duração do processo (cfr. as conclusões 10, 11 e 15 das suas alegações). Acresce que o artigo 6.º, n.º 1, da CEDH não exige que o queixoso coopere ativamente com as autoridades nem legitima que lhe seja censurado o uso dos meios de defesa disponíveis (cfr. o Ac. Erkner and Hofauer v. Austria, P. 9616/81, de 24.03.1987, § 68).
[…]
A inadequação destes fatores de ponderação para a determinação da base de cálculo da reparação tem como consequência que o valor desta última fixado pelas instâncias não se pode manter. Tal valor deve ser fixado equitativamente sem ponderar a qualidade de advogado do ora recorrente, a sua experiência ou competência ou ainda as circunstâncias de o recorrente ter conseguido não ser punido disciplinarmente ou de os procedimentos disciplinares em que era arguido terem sido extintos por efeito da prescrição.
21. Com referência à exigência da duração razoável de um processo para efeitos do artigo 6.º, n.º 1, da CEDH tem a jurisprudência constante do TEDH e deste Supremo Tribunal considerado indicativamente como razoável o prazo de 3 anos para a decisão em primeira instância e uma duração média de todo o processo de 4 a 6 anos; a demora excessiva corresponde, assim, à diferença entre o que, no concreto processo em causa, se apurou ser a duração total e a duração razoável.
[…]
Por outro lado, aquela avaliação da razoabilidade da duração do processo é feita segundo as circunstâncias da causa e tendo em conta especialmente a complexidade do caso, o comportamento dos requerentes e o das autoridades competentes, bem como a importância do litígio para os interessados [what was at stake for the applicant in the dispute; l'enjeu du litige pour l'intéressé] (ver, entre muitos outros, os Acs. TEDH, Sociedade de Construções Martins e Vieira Lda. e Outros c. Portugal (N.º 3), de 18 de janeiro de 2011, P. 57004/08, § 50; Frydlender c. France [GC], de
27.06.2000, P. 30979/96, § 43; ou Comingersoll S.A. c. Portugal [GC], de 6.04.2000,
P. 35382/97, § 19; entre os mais recentes, v. o Ac. TEDH, Bieliñski v. Poland, de
21.07.2022, P. 48762/19, § 42; cfr. também, entre os mais recentes, os Acs. STA, de
11.05.2017, P. 1004/16; de 7.10.2021, P. 1427/19, de 13.01.2022, P. 2386/16; de 7.04.2022, P. 429/17; de 6.10.2022, P. 63/21; de 9.03.2023, P. 1453/18; de
22.06.2023, P. 2168/16; e de 14.09.2023, P. 777/15).
[…]
E como tem vindo a ser referido por este Supremo Tribunal Administrativo (cfr., entre outros, o Acórdão do STA, de 28.11.2007, P. 308/07), a apreciação destes pressupostos implica sempre a densificação de conceitos como o de “prazo razoável”, de “indemnização razoável” e de “danos morais indemnizáveis”, a qual não pode deixar de implicar uma interpretação do direito interno em conformidade com a [CEDH] e com a jurisprudência do [TEDH], sob pena de “divergência entre a aplicação tida por apropriada na ordem nacional e a interpretação dada pelo Tribunal de Estrasburgo”, o que implica a adoção de uma “metodologia dialogante, que tem subjacente a ´relação fisiológica´ existente entre a jurisdição nacional e a europeia” – cfr. ainda, os Acs. deste Supremo Tribunal de 28.11.2007, proc. nº 0308/07, de 09.10.2008, proc. nº 0319/08, e de 11.05.2017, proc. nº 01004/16. Em resultado da jurisprudência do TEDH e deste STA, é de considerar-se que um processo decorreu para além do “prazo razoável” quando o mesmo foi decidido [decisão final de mérito] para além do momento em que, em circunstâncias normais, deveria ter sido decidido e que esse atraso se ficou a dever ao deficiente e culposo funcionamento da “máquina judicial” (“lato sensu”).
E tal apreciação há-de ser concreta e global. Concreta, na medida em que sempre haverá que atender às específicas características do processo, v.g.: a natureza do processo, a sua complexidade, a quantidade de intervenientes, o comportamento das partes, os seus incidentes e ocorrências especiais que possam ter influenciado a marcha do processo. Global, porque, regra geral, tem-se em consideração a duração global do processo em causa, e não o que sucedeu em cada prazo em concreto […]» (itálicos acrescentados).
[…]
A indemnização pelo atraso na decisão do processo é geralmente fixada entre os 1 000,00 € e os 1 500,00 € por ano, podendo ser acrescida de 2 000,00 € em certas causas mais sensíveis, como as relativas ao estado das pessoas (cfr. a jurisprudência anteriormente referida).
É verdade que esta jurisprudência tem sido aplicada a propósito do atraso na prolação de decisões judiciais e funda-se normativamente no artigo 12.º do RCEEP – funcionamento anormal do sistema de justiça.
No caso vertente, está em causa a demora na decisão de um procedimento administrativo (de caráter disciplinar). Contudo, e uma vez que as delongas procedimentais, em especial no caso de procedimentos disciplinares, também podem relevar para efeitos do artigo 6.º, n.º 1, da CEDH (cfr. supra o n.º 10), nada obsta à aplicação analógica daquela doutrina jurisprudencial a tais atrasos, tanto mais que os artigos 7.º, n.ºs 3 e 4, e 9.º, n.º 2, ambos do RCEEP, preveem o funcionamento anormal do serviço («quando, atendendo às circunstâncias e a padrões médios de resultado, [seja] razoavelmente exigível ao serviço uma atuação suscetível de evitar os danos produzidos») como fonte da ilicitude da atuação do Estado e demais pessoas coletivas de direito publico no domínio da função administrativa. De resto, o conceito de funcionamento anormal do sistema de justiça transpõe para a função jurisdicional o conceito de funcionamento anormal do serviço aplicável no âmbito da função administrativa.
22. Na sentença da primeira instância, mantida pelo acórdão recorrido, salienta-se a duração total dos procedimentos disciplinares em análise – cerca de 9 anos e 7 meses (cfr o n.º 45 dos factos provados – e a duração da fase de instrução – cerca de 5 anos – em contrate com o prazo previsto para esta última, 180 dias prorrogáveis excecionalmente até um máximo de mais 180 dias [– prorrogação essa que, todavia, não se verificou in casu – ], previsto no artigo 146.º, n.ºs 4 e 5, do Estatuto da Ordem dos Advogados aplicável:
[…]
A duração total do procedimento é manifestamente excessiva, como se comprova por comparação com as condenações pelo TEDH do Estado Português por atrasos na decisão ou extinção de procedimentos disciplinares nos casos já mencionados AA v. Portugal (2014: extinção por prescrição ao fim de 5 anos e 9 meses; 2015: extinção por prescrição ao fim de 4 anos e 8 meses) e no caso Carreto Ribeiro v. Portugal (2024: extinção por prescrição ao fim de 5 anos e 7 meses). E essa demora na decisão do procedimento resulta de uma acumulação de atrasos por referência aos prazos razoáveis ou conformes com regras de boa administração concretizadas no Estatuto da Ordem dos Advogados verificados nas diferentes fases do procedimento. Na fase de instrução, que se prolongou por cerca de 5 anos, para além do mencionado período em que os procedimentos não tiveram qualquer tramitação, ainda se verificaram duas substituições do instrutor, a segunda das quais só foi efetivada 2 meses e meio depois de ter sido requerida (factos provados n.ºs 11 a 13).
[…]
Aplicando a esta demora os critérios indemnizatórios seguidos pelo TEDH, tendo em conta especialmente que os danos não patrimoniais sofridos pelo arguido são apenas os comuns, resultantes do atraso na obtenção de uma decisão em prazo razoável (cfr. os factos não provados) e, bem assim, a circunstância de inexistir nos autos qualquer evidência de que, apesar de estar em causa um procedimento disciplinar, os concretos factos em apreciação pudessem originar a aplicação de sanções que implicassem a interrupção (no caso da suspensão) ou cessação (no caso da expulsão) da atividade profissional do arguido – diferentemente, segundo o artigo 126.º, n.º 3, do Estatuto: «[a] pena de censura é aplicável a faltas leves no exercício da advocacia e consiste num juízo de reprovação pela infração disciplinar cometida» –, entende-se adequado, segundo um juízo de equidade, aumentar o valor da indemnização fixado pelas instâncias para 7 875,00 €.
23. Nas conclusões 5, e 45 a 60 das suas alegações, vem o recorrente defender que ao valor da indemnização devem acrescer quaisquer quantias que eventualmente sejam devidas a título de imposto, por ser assim que procede o TEDH e, no seguimento deste, também o tribunal a quo em casos anteriores. No corpo das alegações são referidos vários exemplos (v. pp. 79-84), como o Ac. TCAN, de
4.10.2017, P. 1181/06.5BEVIS.
[…]
Certo é que a condenação em causa foi pedida nos termos referidos, de modo a aproximar a tutela dispensada a nível nacional daquela que o recorrente beneficiaria recorrendo aos meios de proteção da CEDH.
E tal como decidido no Ac. STA, de 13.01.2022, P. 2386/16.6.BEPRT, n.º 11, deve condenar-se o responsável pela violação do direito a uma decisão em prazo razoável a satisfazer a quantia certa do que venha a ser devido em impostos pela indemnização atribuída, sendo esta solução «preferível a atribuir-se […] uma quantia, a tal título, por mero cálculo aproximativo.».
Assim, julgam-se procedentes as conclusões 5, e 45 a 60 das alegações do recorrente, condenando-se a Ordem a pagar-lhe as quantias que lhe forem exigidas a título de obrigações fiscais pelo recebimento da indemnização que lhe é atribuída no âmbito do presente processo.
[…]”
Fim da transcrição

Em conformidade com o extraído supra a partir do referido Acórdão do STA datado de 06 de junho de 2024, a instauração de um procedimento disciplinar, por via de regra, visa a aferição da ocorrência de responsabilidade disciplinar por parte do visado, estando por isso o litígio abrangido pela aplicação do artigo 6.º, parágrafo 1.º da CEDH, por se incluir no conceito de direitos e obrigações de carácter civil, tendo por isso enquadramento nos tipos de litígio que envolvem o Estado e demais pessoas colectivas de direito público e os cidadãos, e que o TEDH tem vindo a admitir como cabendo no âmbito daquela norma.

Conforme refere Ireneu Cabral Barreto in “A Convenção Europeia dos Direitos do Homem”, Anotada, 3.ª Edição, página 148, é da responsabilidade dos “[…] Estados organizar o seu sistema judiciário de modo a que as suas jurisdições possam garantir a cada um o direito de obter uma decisão definitiva sobre as contestações relativas a direitos e obrigações de carácter civil, e sobre a acusação penal em prazo razoável. (...) [S]endo, porém, indiferente que o atraso seja causado pelos órgãos da Administração ou pelo poder legislativo ou judiciário, porquanto é a responsabilidade internacional do Estado que se coloca em questão e o Estado apresenta-se como uma unidade. […]”.

O que está subjacente à demanda da Ordem dos Advogados visando a efectivação da sua responsabilidade civil extracontratual pelo atraso na prolação de decisão em procedimento disciplinar, e no que ora releva, é apenas e em suma, o termo e modo como se organiza para efeitos de administrar a justiça disciplinar entre e para com os seus membros, e do direito que lhes reconhece [que lhes está reconhecido quer pela CRP, quer pela CEDH], a uma decisão judicial em prazo razoável e mediante processo equitativo. Ou seja, a Ordem dos Advogados é o garante da efectivação desse direito em favor dos cidadãos por si especialmente visados, e é na medida em que seja ultrapassado o prazo razoável a que um cidadão veja apreciado o processo que lhe foi instaurado, que é convocável a sua responsabilidade, atentas as suas atribuições e competências no exercício de uma concreta função jurisdicional, a respeito do exercício da acção disciplinar sobre os seus membros.


Tendo subjacente o disposto no artigo 20.º, n.º 4 da CRP e o artigo 6.º, n.º 1 da CEDH e considerando que o Tribunal a quo assentou o seu julgamento em que era de 180 dias a duração razoável do Processo disciplinar, e que até à prolação da decisão, daí resultou que o Tribunal a quo quantificou o atraso nessa emissão, em cerca de 4 anos e 4 meses, e que a procedência do pedido estava dependente da verificação dos necessários pressupostos, que os teve por preenchidos, veio a fixar o valor que entendeu como devido segundo um juízo de equidade.

E a partir da consideração dos pressupostos tendentes e necessários para a efectivação da responsabilidade civil extracontratual vazados na Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro, e em face da quantificação do atraso desrazoável, o Tribunal a quo veio a julgar pela ocorrência de danos indemnizáveis, de natureza não patrimonial, ou seja, de estarmos perante danos comuns e não de danos especiais, e no fundo, que por isso não careciam de alegação e prova por parte do Autor, com base na existência de uma presunção da sua verificação, tendo assim seguido a jurisprudência do TEDH decorrente da mera constatação do atraso na prolação da decisão e que se pauta pelo desgaste e angústia normal e comum em relação a qualquer pessoa em face do atraso na prolação de uma decisão.

Nessa parte julgou com acerto o Tribunal a quo, assim já não tendo prosseguido em torno da fixação do montante indemnizatório [irrelevando o julgamento por si tirado em torno da peticionada dupla indemnização pedida pelo Autor ora Recorrente], assim como também sobre o direito que lhe assiste a que também a Ré fique constituída no dever de lhe pagar os montantes que por si [Autor] possam ser devidos em sede de cumprimento de obrigações fiscais decorrentes do recebimento da indemnização.

Em suma, seguindo a jurisprudência do STA explanada supra, e não perdendo de vista a jurisprudência do TEDH designadamente em torno dos termos e pressupostos atinentes ao padrão indemnizatório em contexto de atraso desrazoável em procedimento similar [em procedimento disciplinar], julgamos por adequado, tendo presente o tempo de atraso registado de 4 anos e 4 meses, em fixar a indemnização que é devida ao Autor pelo excessivo atraso na decisão do processo disciplinar n.º 858/2013-P/D, na quantia de €3.200,00, e que a este montante acresçam as quantias que o Autor tenha de suportar em sede de cumprimento de obrigações fiscais por força do recebimento da indemnização.

De maneira que, a pretensão recursiva do Recorrente principal tem assim de proceder, ainda que apenas em parte, e quanto ao recurso subordinado deduzido pela Ordem dos Advogados, com fundamento nas razões de procedência do recurso principal, tem o mesmo de improceder na sua totalidade.

*

E assim formulamos as seguintes CONCLUSÕES/SUMÁRIO:

Descritores: Ordem dos Advogados; Processo disciplinar; Indemnização pela violação do direito à obtenção de decisão em prazo razoável; Dano não patrimonial comum; Artigo 6.º, parágrafo 1.º da CEDH.

1 - No nosso ordenamento jurídico existe um concreto sistema axiológico de princípios e valores que visa a fixação e disciplina das regras tendentes à declaração dos direitos e à manutenção dos bens jurídicos, como seja o de obter indemnização pela violação do direito à obtenção de decisão em prazo razoável.

2 – Para efeitos do julgamento da existência de um dano não patrimonial comum [atinente ao dano psicológico e moral comum], sofrido por quem espera pela prolação de uma decisão em sede disciplinar movida por uma Ordem profissional e não a vê prolatada em prazo razoável], impõe-se a alegação e demonstração da existência por parte do demandante de uma violação objetivamente constatada da Convenção Europeia dos Direitos Humanos [Cfr. artigo 6.º, parágrafo 1.º] para beneficiar dessa forma da operatividade e da existência de uma forte presunção da verificação de um relevante dano, sem necessidade de que dele por si seja feita a sua prova, e por parte da entidade demandada, por sua vez, impõe-se a alegação e prova de factualidade que possa ser determinante do afastamento dessa presunção.

3 - A noção de processo equitativo, a que se reporta o artigo 6.º da CEDH [e que veio a ser vertida pelo nosso legislador constitucional, sob o artigo 20.º, n.º 4 da CRP], contende com um completo e complexo conjunto de direitos e deveres dos sujeitos processuais/procedimentais, mormente, do direito à acção, à alegação e à prova dos fundamentos do pedido, assim como à contra prova e ao contraditório em geral, princípio este que também integra, a par do direito a uma indemnização por ultrapassagem do prazo razoável, o conjunto de direitos dos cidadãos a que se reporta aquele artigo 6.º da CEDH e o artigo 10.º da DUDH.

4 - A Ordem dos Advogados é o garante da efectivação desse direito em favor dos cidadãos por si especialmente visados em procedimento disciplinar, e é na medida em que seja ultrapassado o prazo razoável a que um cidadão veja apreciado o processo que lhe foi instaurado, que é convocável a sua responsabilidade, atentas as suas atribuições e competências no exercício de uma concreta função jurisdicional, a respeito do exercício da acção disciplinar sobre os seus membros.

5 – O que está subjacente à demanda da Ordem dos Advogados visando a efectivação da sua responsabilidade civil extracontratual pelo atraso na prolação de decisão em procedimento disciplinar, e no que ora releva, é apenas e em suma, o termo e modo como se organiza para efeitos de administrar a justiça disciplinar entre e para com os seus membros, e do direito que lhes reconhece [que lhes está reconhecido quer pela CRP, quer pela Convenção Europeia dos Direitos do Homem], a uma decisão judicial em prazo razoável e mediante processo equitativo.

***

IV – DECISÃO

Nestes termos, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal, Acordam em conferência:
A) em CONCEDER PARCIAL PROVIMENTO ao recurso principal interposto pelo Recorrente «AA»;
B) em NEGAR PROVIMENTO ao recurso subordinado interposto pela Recorrente Ordem dos Advogados; e consequentemente,
C) em revogar a Sentença proferida pelo Tribunal a quo, na parte afectada;
D) em julgar parcialmente procedente o pedido formulado pelo Autor na Petição inicial, condenando a Ordem dos Advogados no pagamento da quantia de €3.200,00 [três mil e duzentos euros], acrescida de juros de mora à taxa legal a contar da prolação deste Acórdão e até efectivo e integral pagamento, assim como no pagamento das quantias que por si [Autor ora Recorrente] sejam legalmente devidas a título de cumprimento de obrigações fiscais, por força do recebimento desta indemnização.

*

As custas do recurso principal são a cargo da Recorrida Ordem dos Advogados e do Recorrente «AA» [quanto a este, apenas na proporção do decaimento no recurso principal] – Cfr. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC. ~
As custas do recurso subordinado são a cargo da Recorrente Ordem dos Advogados – Cfr. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC.
** Notifique.
* Porto, 27 de setembro de 2024.


Paulo Ferreira de Magalhães, relator
Rogério Martins]
Isabel Costa