| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
RELATÓRIO
«AA» instaurou ação administrativa contra o Ministério da Administração Interna, ambos melhor identificados nos autos, visando a impugnação do Despacho do Diretor Nacional Adjunto para a Unidade Orgânica de Operações e Segurança da Polícia de Segurança Pública de 08.04.2020, que lhe aplicou a pena de suspensão por 150 dias, bem como, do Despacho do Ministro da Administração Interna que negou provimento ao recurso hierárquico interposto contra a decisão que aplicara a referida pena disciplinar de 150 dias de suspensão, pedindo, a final, a anulação da decisão punitiva.
Por saneador-sentença proferido pelo TAF de Viseu foi julgada improcedente a ação e mantidos os efeitos produzidos pelo ato impugnado, consubstanciado no despacho do Diretor Nacional Adjunto para a Unidade Orgânica de Operações e Segurança da PSP de 08.04.2020, que aplicou ao Autor a pena disciplinar de suspensão por 150 dias, confirmado pelo despacho do Ministro da Administração Interna que negou provimento ao recurso hierárquico interposto.
Deste vem interposto recurso.
Alegando, o Autor formulou as seguintes conclusões:
1.ª O presente recurso jurisdicional vem interposto contra o despacho de 20 de Maio de 2024 - que entendeu não haver lugar à produção da prova testemunhal requerida pelo A. para prova dos factos integrantes do vício de violação de lei por erro nos pressupostos - e contra a sentença igualmente proferida em 20 de maio do mesmo ano - que julgou improcedente a acção pela qual o A. impugnava a pena disciplinar de 150 dias que lhe fora aplicada por alegadamente ter desobedecido a uma ordem.
2.ª Salvo o devido respeito, o despacho de 20 de maio p.p., ao não admitir a prova testemunhal arrolada pelo A. para provar os factos que alegara para integrar o vício de violação de lei por erro nos pressupostos, incorreu em flagrante erro de julgamento e numa notória violação do princípio da igualdade das partes (consagrado no art.° 6.° do CPTA), do direito fundamental à tutela judicial efectiva (consagrado no n.° 4 do art.° 268.° da Constituição) e das garantias asseguradas pelo art.° 6.° da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, uma vez que os factos constantes dos art.°s 52° a 65° da p.i foram expressamente impugnados (v. art.°s 57° e segs da contestação) e eram absolutamente essenciais para apreciar o vício de violação de lei por erro nos pressupostos - designadamente saber-se se havia sido dada a ordem ao arguido e se este desobedecera ou não à mesma -, razão pela qual havia factos controvertidos absolutamente essenciais à luz das várias soluções plausíveis da questão de direito e, portanto, o Tribunal a quo teria de ter enunciado os temas de prova e realizado a instrução da causa (v. art.°s 89.°-A e 90.° do CPTA), não podendo fazer do processo instrutor uma verdade absoluta e inquestionável e nem sequer permitir ao A. provar os factos que alegara para demonstrar que os factos dados por provados pela Administração não eram verdadeiros nem correctos.
3.ª Na verdade, a doutrina é bem clara ao sustentar que o processo instrutor não faz fé em juízo e a sua valoração como meio de prova não pode implicar uma ofensa aos princípios da igualdade de armas, razão pela qual a decisão judicial que denegar a uma das partes a possibilidade de provar os factos por si alegados - para fundamentar o vício de violação de lei por erro nos pressupostos - e que eram controvertidos e essenciais para o apuramento da causa viola frontalmente o princípio da tutela judicial efectiva (v. CARLOS CADILHA, A Prova em Contencioso Administrativo, CJA, n.° 69.°, págs. 46 e 49; CARLOS CARVALHO, O Juiz Administrativo e o Controlo Jurisdicional da Prova Procedimental do Processo Disciplinar, CJA, n.° 101, pág. 23,; PAULO VEIGA E MOURA, Processo Disciplinar, in Comentário à Convenção Europeia dos Direitos Humanos e dos protocolos Adicionais, Universidade Católica, Vol. II, pág. 1314; COLAÇO ANTUNES, O Juiz Administrativo, súbdito da prova procedimental, CJA n.° 56, págs. 3 e segs.).
4.ª De igual modo, também a jurisprudência dos doutos Tribunais Centrais Administrativos do Norte e do Sul tem afirmado que "... se cabe ao interessado o ónus da prova dos factos que alega, não lhe pode ser recusada a possibilidade de os provar sob pena de coartar "o direito à prova" dos seus apresentantes" (v. Ac.° do TCANORTE de 15 de Julho de 2022, Proc. n.° 653/21.6BEAVR ), pelo que “... a circunstância de a Administração ter considerado um determinado comportamento ou um facto como praticado não impede o A. de produzir prova destinada a contraditar os pressupostos factuais em que se baseou o acto impugnado, da mesma forma que em sede de gestão inicial do processo o juiz administrativo deve definir os temas de prova à luz das diversas soluções plausíveis ada questão de direito" (v. Ac° do TCASUL de 10/1/2019, Proc. n.° 185/07.5BEBJA).
5.ª Consequentemente, é inegável que ao não permitir a realização da prova arrolada pelo A. para comprovar a sua inocência e a veracidade dos factos que alegara para sustentar o vício de violação de lei por erro nos pressupostos, o despacho de 20 de maio p.p. incorreu em claro erro de julgamento, sendo verdadeiramente caricato que o Tribunal a quo tenha firmado que a factualidade com base na qual o A. foi punido - portanto, o ter alegadamente desobedecido a uma ordem - "...está assente em prova sólida e devidamente avaliada..." (v. fls. 53 da sentença,), quando tal prova não foi sequer produzida em Tribunal e diante do juiz e, sobretudo, quando esse mesmo juiz nem sequer permitiu que fosse produzida a prova que poderia demonstrar a falta de solidez e e a falta de veracidade da prova em que assentou o acto punitivo.
6.ª No intuito de se sustentar a legalidade e acerto do despacho de 20 de maio p.p. não procede o argumento de que a impugnação judicial não serve para rever a prova recolhida pela Administração no processo disciplinar, pois não só semelhante entendimento é tributário de uma errada e já ultrapassada concepção do princípio da separação de poderes - onde o controlo da legalidade da actuação administrativa era uma questão interna da Administração e uma mera continuação da actividade administrativa e onde o administrador era juiz e o juiz era administrador (v. VASCO PEREIRA DA SILVA, O contencioso administrativo no divã da psicanálise, Almedina 2005, pág. 12) -, como seguramente hoje há um modelo jurisdicionalizado de justiça administrativa, onde os tribunais administrativos se assumem como verdadeiros e independentes tribunais e devem respeitar a igualdade entre as partes, pelo que a cada uma das partes há-de ser assegurado "...o direito de aduzir e provar em juízo, assegurando-lhes o direito ao contraditório e plenas possibilidades de defesa (v. MARIO AROSO DE ALMEIDA, Os Direitos Fundamentais dos Administrados após a Revisão Constitucional de 1989, Revista Direito e Justiça, Vol. VI, 1992, pág. 325).
7.ª Neste mesmo sentido, ainda recentemente se pronunciou o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos em Acórdão de 6 de Novembro de 2018 (v. Caso «BB» e Sá contra Portugal) ao sustentar que, em sede disciplinar, é contrário ao disposto no art.° 6.° da Convenção que o Tribunal decida a acção sem realizar uma audiência destinada a permitir a produção de prova sobre os factos integrantes do vício de violação de lei por erro nos pressupostos.
8.ª Assim sendo, é notório que o despacho de 20 de maio enferma de erro de julgamento, violando frontalmente o princípio da igualdade das partes (consagrado no art.° 6.° do CPTA), o direito fundamental à tutela judicial efectiva (consagrado no n.° 4 do art.° 268.° da Constituição), as garantias asseguradas pelo art.° 6.° da Convenção Europeia dos Direitos Humanos e os art.°s 89.°-A e 90 do CPTA.
9.ª Por sua vez, ao julgar improcedente o vício de violação de lei por erro nos pressupostos, a sentença em recurso incorreu em flagrante erro de julgamento, violando frontalmente a presunção de inocência constitucionalmente assegurada e substituindo esta presunção de inocência por uma inadmissível presunção de culpabilidade e de validade do acto punitivo, uma vez que só assim se compreende que se tenha bastado com a prova produzida no procedimento disciplinar e tenha entendido que contra tal prova nem sequer valia a pena admitir qualquer contraprova ou prova em sentido diferente.
10.ª Com efeito, e para além de a solidez de uma prova só se poder afirmar depois de ela ser submetida a contraditório - e, portanto, a melhor forma de manter a solidez de urna prova é não a sujeitar a qualquer contraditório ou não permitir a prova que destrua essa solidez -, a verdade é que o Tribunal a quo era o principal destinatário e garante do princípio da presunção da inocência, razão pela qual ao bastar-se com a prova produzida no processo disciplinar e ao não permitir sequer que o A. produzisse a prova que requerera para demonstrar a sua inocência, o Tribunal a quo substituiu a presunção da inocência por uma presunção de culpabilidade e perfilhou a velha e ¡á ultrapassada tese da presunção de legalidade dos actos administrativos (v. RUI MACHETE, Algumas Notas Sobre a Chamada Presunção da Legalidade dos Actos Administrativos, in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Pedro Soares Martinez, págs. 725 e 726, e FRANCISCO FERREIRA DE ALMEIDA, O Ónus da Prova no Processo Tributário, Revista de Direito Público, Ano VI, n.° 11, pág. 48), uma vez que só assim se compreende que tenha entendido que contra a prova da Administração nem sequer valia a pena admitir qualquer contraprova ou prova em sentido diferente.
11.ª Porém, o princípio da presunção da inocência do arguido implicava que o Tribunal a quo o considerasse inocente pelo menos até ao momento em que, depois de realizadas todas as provas legalmente admissíveis que haviam sido requeridas e de confrontadas todas as provas produzidas, esse mesmo Tribunal ficasse convencido da culpabilidade do arguido e, só aí, pudesse substituir a presunção de inocência por um juízo de culpabilidade.
12.ª Aliás, e em bom rigor, não deixa de ser curioso que quando a justiça permitiu que fosse produzida prova para comprovar o erro nos pressupostos, não teve dúvida em como a prova produzida pela Administração não era sólida e que o acto punitivo enfermava de erro nos pressupostos - por não ter havido desobediência a qualquer ordem -, conforme se comprova pela sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra num processo exactamente igual ao dos presentes autos e onde estavam exactamente em causa os mesmos factos e o mesmo vício imputado ao acto punitivo (v. sentença do TAF de Coimbra de 1 de Março de 2023, proferida no âmbito do processo n.° 63/22.8BECBR e cuja junção se requer).
Por fim,
13.ª A sentença em recurso incorreu igualmente em erro de julgamento ao julgar improcedente o vício de nulidade insuprível do procedimento disciplinar, uma vez que tendo sido pedida e recusada a consulta do processo disciplinar e pedida e recusada a prorrogação do prazo para a apresentação da defesa - nuns escassos cincos dias - sem qualquer fundamento racional e objectivo que o justificasse, foram cerceadas as garantias de defesa legal e constitucionalmente asseguradas ao arguido, o que determina a nulidade insuprível do procedimento disciplinar ex vi do art.° 86.° do Regulamento de Disciplina anexo à Lei n.° 7/90 e do art.° 74.° do Estatuto Disciplinar aprovado pela Lei n.° 37/2019.
Nestes termos,
Deve ser julgado procedente o presente recurso e revogados o despacho de 20 de maio de 2024 e a Sentença proferida no mesmo dia, com as legais consequências.
Assim será cumprido o Direito
e feita JUSTIÇA!
A Entidade Demandada juntou contra-alegações, sem conclusões, finalizando assim:
Termos em que, com o suprimento deste Tribunal Central Administrativo Norte, deve o presente recurso jurisdicional ser julgado totalmente improcedente, por não provado, e, consequentemente, ser confirmada a douta Sentença recorrida proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, com todos os efeitos legais, fazendo-se, assim, a esperada e costumada Justiça.
O Senhor Procurador Geral Adjunto notificado, ao abrigo do disposto no artigo 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.
Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO
Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:
1. O Autor é agente principal da PSP, com o número de matrícula ...30, e pertence ao efetivo da Força Destacada da Unidade Especial de Polícia do Comando Metropolitano de Polícia do Porto da PSP (FD/UEP/CI/COMETPOR) [cf. fls. 1, 2, 24, 25, 26, do Processo Administrativo (PA) incorporado nos autos].
2. O Autor foi escalado para, no dia 02.08.2017, no âmbito de uma equipa do 2.º subgrupo operacional/corpo de intervenção da Força Destacada a que pertence, reforçar o comando distrital da PSP de Braga no policiamento do jogo de futebol amigável entre o Clube 1 ... e o Clube 2..., no Estádio ... [cf. fls. 3 e 4 do PA incorporado nos autos].
3. Em 01.08.2017 foi emitida, pelo Comandante do Policiamento, Subcomissário «CC», a Ordem de Operações n.º 1/2017/18, que continha as instruções para a execução do referido policiamento do jogo de futebol, bem como a composição e a articulação das forças de segurança, da mesma constando, além do mais, que “o Policiamento será reforçado com um Subgrupo do CI que, para além de se constituir como reserva no interior do Estádio, fará o enquadramento da Claque afeta ao Clube 2... no encaminhamento dos mesmos dos autocarros para o interior do Estádio e vice-versa” [cf. fls. 37 a 43 do PA incorporados nos autos].
4. O Comandante da Força do Corpo de Intervenção, Subcomissário «DD», elaborou, em 02.08.2017, um Relatório de Serviço acerca das diligências efetuadas no âmbito do referido policiamento, tendo registado as seguintes observações [cf. fls. 4 e 5 do PA incorporado nos autos]:
“Quando terminou a primeira fase «antes do jogo» e se deu início à fase «durante o jogo», o comandante do policiamento - Subcomissário «CC» - solicitou a presença de uma Equipa no interior do estádio, para assegurar uma reserva direcionada à zona onde se encontravam os GOA’s do Clube 2....
Face à solicitação do CMDT do policiamento, dei a ordem ao Chefe «EE» e toda a Equipa, os quais alegaram que por decisão de todo o efetivo apenas entrariam no estádio em cenário de alteração da ordem.
Face à recusa, foi a ordem dada às restantes equipas que assumiram a mesma posição de recusa de entrada no estádio a título de reserva.
Foi dado conhecimento ao CMDT de policiamento da decisão de todo o efetivo, tendo este mantido a reserva no exterior do estádio em ligação com o Comandante de policiamento.
Todas as Equipas ficaram colocadas nas viaturas estrategicamente em frente à porta 13 - local de acesso aos GOA’s do Clube 2... -, garantindo o máximo de prontidão em caso de necessidade de entrada.
Durante o policiamento não houve qualquer necessidade de intervenção por parte do Subgrupo.”
5. Remetido o expediente que antecede ao Comando Metropolitano do Porto da PSP, o respetivo Comandante, Superintendente-Chefe «FF», proferiu, em 04.08.2017, despacho a determinar a instauração de processo disciplinar ao Autor, nos termos do artigo 70.º e seguintes da Lei nº 7/90, de 20.02, ao qual foi atribuído o n.º ...06... [cf. fls. 2 e 3 do PA incorporado nos autos].
6. No dia 24.08.2017, foi o Autor pessoalmente notificado da instauração do processo disciplinar que antecede [cf. de fls. 20 e 21 do PA incorporado nos autos].
7. Em 11.10.2017 foi ouvido, na qualidade de testemunha, no âmbito do referido processo disciplinar, «CC», Subcomissário do Comando Distrital da PSP de Braga, de cujo auto de inquirição consta o seguinte [cf. fls. 28 do PA incorporado nos autos]:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
8. Em 18.10.2017 foi ouvido, na qualidade de testemunha, no âmbito do referido processo disciplinar, «DD», Subcomissário e Comandante de Subgrupo na Subunidade Operacional da FD/UEP/PRT, de cujo auto de inquirição consta o seguinte [cf. fls. 33 e 34 do PA incorporado nos autos]:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
9. Em 07.11.2017 foi ouvido, na qualidade de testemunha, no âmbito do referido processo disciplinar, «GG», Superintendente da PSP do Porto e a exercer funções de comando da Subunidade Operacional do CI/FD/UEP/Porto, de cujo auto de inquirição consta, além do mais, o seguinte [cf. fls. 51 e 52 do PA incorporado nos autos]:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
10. Notificado para prestar declarações, na qualidade de arguido, o Autor compareceu, para esse efeito, no Comando Metropolitano do Porto, no dia 14.12.2017, tendo aí afirmado que “não pretende prestar declarações, podendo vir a fazê-lo mais tarde” [cf. fls. 80, 88 e 89 do PA incorporado nos autos].
11. Em 12.02.2018 foi ouvido, na qualidade de testemunha, no âmbito do referido processo disciplinar, «HH», agente principal da PSP do Porto, de cujo auto de inquirição consta, além do mais, o seguinte [cf. fls. 134 e 135 do PA incorporado nos autos]:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
12. Prestaram também declarações, enquanto testemunhas, no âmbito do referido processo disciplinar, «II», dirigente da ASPP, e «JJ», Subintendente a exercer as funções de comandante da Força Destacada da UEP no Porto [cf. autos de inquirição de testemunha de fls. 63 e 149 do PA incorporado nos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].
13. Em 12.03.2018, o Autor, por intermédio da sua mandatária, requereu ao instrutor que o processo disciplinar lhe fosse facultado “para exame e sob condição de não divulgar o que dele conste”, ao abrigo do artigo 200º da LGTFP [cf. fls. 155 e 156 do PA incorporado nos autos].
14. Em 16.03.2018, o instrutor do processo disciplinar decidiu indeferir o pedido que antecede, ao abrigo do nº 1 do artigo 62º do Regulamento Disciplinar da PSP (RD/PSP), aprovado pela Lei nº 7/90, de 20.02, conjugado com o artigo 12º do mesmo diploma legal [cf. fls. 157 do PA incorporado nos autos].
15. Em 22.03.2018, o Autor, por intermédio da sua mandatária, apresentou reclamação da decisão que indeferiu o pedido de exame do processo disciplinar, alegando a falta de fundamentação da decisão e uma errada interpretação e aplicação do direito, por violação do artigo 66º do RD/PSP [cf. fls. 159 a 161 do PA incorporado nos autos].
16. Em 06.04.2018, o instrutor do processo proferiu o seguinte despacho [cf. fls. 162 do PA incorporado nos autos]:
“Reportando-me ao assunto em epígrafe, em resposta às reclamações apresentadas contra o meu indeferimento para exame dos processos disciplinares em referência, na fase em que se encontram, comunico a V. Exa., depois de devidamente analisadas as referidas reclamações e com o devido respeito, que mantenho o despacho de indeferimento do exame requerido, ao abrigo do n.º 1 do art.º 62.º do Regulamento Disciplinar da Polícia de Segurança Pública, aprovado pela Lei n.º 7/90, de 20 de fevereiro, conjugado com o art.º 12.º do mesmo diploma legal, considerando a especificidade desta norma.”
17. Em 09.04.2018, o Autor, por intermédio da sua mandatária, apresentou recurso da decisão que indeferiu o pedido de exame do processo disciplinar, dirigido ao Comandante Metropolitano da PSP do Porto, reiterando a falta de fundamento da decisão e uma errada interpretação e aplicação do direito, por violação do artigo 66º do RD/PSP [cf. fls. 174 a 176 do PA incorporado nos autos].
18. Por despacho de 23.04.2018, foi determinada a notificação do Autor para esclarecer e especificar qual o fim e para que efeitos pretendia a consulta dos autos disciplinares em fase de instrução [cf. fls. 177 do PA incorporado nos autos].
19. Em 10.05.2018, o Autor, por intermédio da sua mandatária, apresentou resposta à notificação que antecede, alegando, além do mais, o seguinte [cf. fls. 181 a 183 do PA incorporados nos autos]:
“(…) Ora, uma das razões que nos levam a solicitar o exame dos mencionados processos disciplinares é o seu número elevado, isto é, o facto de se tratar de vinte e um processos disciplinares em que a mandatária que patrocina os vinte e um elementos policiais, todos na qualidade de arguidos, é a mesma.
E, assim, o propósito ou finalidade da consulta ou exame na fase de instrução servirá seguramente para garantir a melhor organização das defesas de cada um dos arguidos se vierem a ser deduzidas acusações.
Dizendo por outras palavras, o direito preparatório de defesa que cada um dos arguidos detém nesta fase de instrução permitir-lhes-á conhecer todos os elementos constantes do processo, a matéria de facto e o libelo preparatório, dando-lhes ainda a possibilidade de aferir da eventual junção de documentação essencial, requerer outras diligências probatórias essenciais à descoberta da verdade material e colaborar nessa descoberta da verdade material juntamente com o Senhor Oficial instrutor do processo, antes que sejam deduzidas acusações.
Uma outra razão que nos leva a requerer o exame dos procedimentos disciplinares prende-se com o facto de esses elementos constantes dos processos disciplinares poderem ser os elementos que fundamentaram o eventual libelo acusatório que contra cada um dos arguidos poderá vir a ser deduzido.
(…)
O exame do processo servirá assim para melhor enquadrar e preparar a defesa de cada um dos arguidos às acusações que contra eles possam vir a ser deduzidas.”
20. Por despacho de 23.05.2018, o Comandante Metropolitano da PSP do Porto indeferiu o recurso do Autor, com fundamento em que, “analisado cuidadosamente o esclarecimento prestado, não acolho os argumentos apresentados para o acesso e exame intempestivo dos respetivos autos, uma vez que o efeito útil dessa pretensão é satisfeito na eventual fase de defesa que possa vir a ocorrer” [cf. fls. 184 do PA incorporado nos autos].
21. Em 07.06.2018, o Autor, por intermédio da sua mandatária, apresentou recurso hierárquico do despacho de 23.05.2018, dirigido ao Diretor Nacional da PSP, reiterando o pedido de exame e consulta do processo disciplinar [cf. fls. 191 a 194 do PA incorporado nos autos].
22. Em 05.07.2018, o Diretor Nacional da PSP, em substituição, proferiu despacho de rejeição do recurso hierárquico que antecede, por inadmissibilidade legal [cf. fls. 198 a 200 do PA incorporado nos autos].
23. Em 06.09.2018, o Autor, por intermédio da sua mandatária, apresentou recurso hierárquico do despacho de 05.07.2018, dirigido ao Ministro da Administração Interna, pedindo a revogação do ato recorrido e o deferimento do pedido de exame e consulta do processo disciplinar [cf. fls. 203 a 209 do PA incorporado nos autos].
24. Em 26.09.2018 foi deduzida acusação contra o Autor, no âmbito do processo disciplinar nº ...06..., da qual consta, além do mais, o seguinte [cf. fls. 218 a 220 do PA incorporado nos autos]:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
25. O Autor foi pessoalmente notificado da acusação que antecede no dia 17.10.2018 e a sua mandatária foi da mesma notificada em 19.10.2018, por correio eletrónico [cf. fls. 225 a 227 do PA incorporado nos autos].
26. Em 17.10.2018, o Autor solicitou “fotocópias do processo na íntegra” e, na mesma data, a sua mandatária solicitou o envio do processo disciplinar digitalizado, pedido que foi satisfeito em 25.10.2018, mediante a remessa, por correio eletrónico, do processo disciplinar n.º ...06... digitalizado de fls. 2 a 208 [cf fls. 228 a 230 do PA incorporado nos autos].
27. Em 15.11.2018, o A. apresentou a sua defesa escrita, na qual pugnou pelo arquivamento do processo disciplinar, tendo, ainda, requerido a inquirição e reinquirição de testemunhas e a junção de documentos [cf. fls. 232 a 253 do PA incorporado nos autos cujo teor aqui se dá por reproduzido].
28. Foram juntos ao processo disciplinar documentos que haviam sido solicitados pelo Autor na sua defesa, nomeadamente [cf. fls. 268 a 285 do PA incorporado nos autos]:
- escalas de serviço/detalhe dos Chefes «KK» e «LL»;
- ordem de operações nº 48/2017, de 20.07.2017 (Vitória SC-Clube 2...);
- relatório do policiamento desportivo do dia 02.08.2017, elaborado pelo respetivo Comandante, Subcomissário «CC», do qual consta que “há a registar a recusa da FD da UEP/CI do COMETPOR em constituir-se como reserva no interior do Estádio, permanecendo os mesmos no exterior deste, auxiliando no resto que lhes foi solicitado”.
29. Prestou declarações, em 04.12.2018, no âmbito do processo disciplinar, a testemunha «MM», Superintendente-Chefe da PSP, arrolada pelo Autor na sua defesa, de cujo auto de inquirição consta o seguinte [cf. fls. 321 do PA incorporado nos autos]:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
30. Foram inquiridas/reinquiridas as testemunhas, arroladas na defesa, «DD», Subcomissário e Comandante de Subgrupo na Subunidade Operacional da FD/UEP/PRT, «NN», Subcomissário da PSP aposentado, «OO», Agente Principal da PSP, «JJ», Subintendente da PSP e Comandante da FD/UEP/COMETPOR, «PP», Comandante Distrital da PSP de Braga, «GG», Superintendente da PSP do Porto, e «CC», Subcomissário do Comando Distrital da PSP de Braga [cf. autos de inquirição de fls. 336 a 340 e 354 a 356 do processo administrativo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].
31. Em 25.03.2019 o Autor foi novamente ouvido no processo disciplinar, na qualidade de arguido, tendo declarado que “confirma na íntegra a Defesa Escrita apresentada oportunamente e todos os requerimentos apresentados posteriormente” [cf. fls. 361 do PA incorporado nos autos].
32. Em 05.06.2019 foi elaborado, pelo instrutor do processo, o respetivo relatório final, do qual consta a indicação das diligências de prova (documental e testemunhal) realizadas nas subfases de instrução e de defesa, a análise, apreciação e resposta aos argumentos aduzidos pelo Autor na sua defesa escrita, julgados improcedentes, a descrição dos factos provados (coincidentes com os da acusação) e não provados, e a apreciação jurídico-disciplinar dos factos provados, podendo aí ler-se, além do mais, as seguintes conclusões e proposta [cf. fls. 394 a 414 do PA incorporado nos autos]:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
33. Por despacho de 02.07.2019 do Comandante do Comando Metropolitano do Porto da PSP, foi ordenada a remessa dos autos disciplinares ao Gabinete de Deontologia e Disciplina da Direção Nacional da PSP, nos termos do artigo 87º, nº 3, in fine, do RD/PSP, remessa efetuada através de ofício de 08.07.2019 [cf. fls. 415 a 419 do PA incorporado nos autos].
34. Através de ofício de 07.08.2019, o processo disciplinar n.º ...06... foi devolvido ao Comando Metropolitano da PSP do Porto, tendo em vista “a aferição, por parte do Senhor Instrutor, do regime disciplinar que se revele, em concreto, mais favorável ao arguido, em cumprimento do disposto no n.º 6 do artigo 6.º da Lei n.º 37/2019, de 30 de maio” [cf. fls. 420 do PA incorporado nos autos].
35. Foi junta aos autos, em 14.02.2020, a pedido do Autor, a determinação, relativa ao empenhamento da UEP nos policiamentos particulares, emanada do Diretor do Departamento de Operações da PSP em 01.10.2019, da qual consta o seguinte [cf. fls. 437, 442 e 443 do PA incorporado nos autos]:
“(…) Encarrega-me S. Exa. o Diretor Nacional Adjunto para a Unidade Orgânica de Operações e Segurança de determinar o seguinte:
1. O policiamento de eventos de natureza desportiva, cultural, musical, recreativa ou outros, promovidos por entidades privadas, é feito em regime de serviço remunerado, por forma a não prejudicar a prestação do serviço público;
2. As Equipas de Intervenção Rápida (EIR) e outros recursos policiais que estejam em serviço público normal de escala não devem ser desviados das suas funções ou áreas de serviço, para reforço de policiamento de eventos promovidos por entidades privadas, exceto em situação de alteração inopinada da ordem pública, para apoio dos polícias ali em serviço ou quando determinado superiormente;
3. Quando, para o policiamento destes eventos, seja necessário reforço de policiamento com recurso a meios da UEP, os efetivos a empenhar devem ser considerados como em serviço remunerado, para o efeito de planeamento dos Comandos;
4. Excecionalmente, quando não for possível suprir todas as necessidades do policiamento em serviço remunerado, será pontualmente autorizado o empenho planeado de recursos que estejam em serviço normal de escala, sob proposta do Comandante do comando territorialmente competente;
5. Os serviços remunerados desempenhados pelos polícias da UEP são sempre determinados pela UEP ou pelas suas Forças Destacadas e não a título individual.”
36. Em 14.02.2020 foi elaborado, pelo instrutor do processo, o relatório final complementar, no qual se concluiu pela manutenção da proposta já constante do primeiro relatório final, com aplicação do RD/PSP aprovado pela Lei nº 7/90, de 20.02, por ser o regime disciplinar mais favorável ao arguido, não obstante a entrada em vigor do novo regime aprovado pela Lei nº 37/2019, de 30.05 [cf. fls. 445 e 446 do PA incorporado nos autos].
37. Por despacho de 14.02.2020 do Comandante do Comando Metropolitano do Porto da PSP, foi novamente ordenada a remessa dos autos disciplinares ao Gabinete de Deontologia e Disciplina da Direção Nacional da PSP [cf. fls. 447 do PA incorporado nos autos].
38. Em 08.04.2020, o Diretor Nacional Adjunto para a Unidade Orgânica de Operações e Segurança (UOOS) da PSP proferiu despacho, tendo por base o relatório final e o relatório complementar elaborados pelo instrutor, nos termos do qual aplicou ao Autor a pena disciplinar de 150 dias de suspensão, prevista nos artigos 25º, nº 1, alínea e), e 46º do RD/PSP [cf. fls. 454 e 455 do PA incorporado nos autos].
39. O Autor foi pessoalmente notificado do despacho que antecede no dia 29.04.2020 [cf. fls. 459 do PA incorporado nos autos].
40. Em 18.05.2020, o Autor apresentou recurso hierárquico do despacho punitivo de 08.04.2020, dirigido ao Ministro da Administração Interna [cf. fls. 463 a 479 do PA incorporado nos autos].
41. Por despacho de 12.10.2021 do Ministro da Administração Interna, exarado na informação n.º ...1, foi negado provimento ao recurso hierárquico que havia sido interposto pelo Autor e foi mantida a decisão punitiva [cf. fls. 486 e 487 do PA incorporado nos autos].
42. O Autor foi pessoalmente notificado da decisão do Ministro da Administração Interna em 09.11.2021 [cf. fls. 499 do PA incorporado nos autos].
43. O A. cumpriu a pena disciplinar de 150 dias de suspensão no período entre 10.11.2021 e 08.04.2022, com desconto dos suplementos e subsídios, bem como de um terço do vencimento que auferia à data de início do cumprimento da pena [cf. fls. 502, 503, 504, 505, 506, 509 verso, 510 e 511 do PA incorporado nos autos].
44. A petição inicial da presente ação entrou em juízo no dia 04.02.2022 (registo constante da plataforma SITAF).
DE DIREITO
Constitui entendimento unívoco da doutrina e obteve consagração legal o de que o objecto do recurso jurisdicional se encontra delimitado pelas conclusões extraídas da motivação, por parte do recorrente, não podendo o tribunal ad quem conhecer de matéria que nelas não tiver sido versada, com ressalva óbvia, dos casos que imponham o seu conhecimento oficioso.
Assim, vejamos,
O presente recurso jurisdicional vem interposto contra o despacho de 20 de maio de 2024 - que entendeu não haver lugar à produção da prova testemunhal requerida pelo Autor para prova dos factos integrantes do vício de violação de lei por erro nos pressupostos - e contra a sentença igualmente proferida em 20 de maio do mesmo ano - que julgou improcedente a acção pela qual o A. impugnava a pena disciplinar de 150 dias que lhe fora aplicada por alegadamente ter desobedecido a uma ordem.
Do Despacho de 20/5/2024 -
Avança-se, já, que tem razão o Apelante.
Realmente, se cabe ao interessado o ónus da prova dos factos que alega, não lhe pode ser recusada a possibilidade de os provar, sob pena de se coarctar o “direito à prova” dos seus apresentantes.
De facto, este “direito à prova” postula a ideia de que as partes têm o direito, por via de ação e da defesa, de utilizarem a prova em seu benefício e como sustentação dos interesses e das pretensões que apresentarem em tribunal, de contradizerem as provas apresentadas pela parte contrária ou suscitadas oficiosamente pelo tribunal, bem como o direito à contraprova.
Outro entendimento representaria a antítese da ideia de justiça e de igualdade de armas, sendo contrário à tutela judicial efetiva e, repete-se, a uma igualdade entre as partes litigantes e onde os tribunais estão vinculados a apreciar os factos alegados segundo as diversas soluções plausíveis da questão de direito.
Ora, através da presente acção, o A. impugnou o acto que lhe aplicou a pena disciplinar de suspensão por 150 dias, tendo imputado, entre outros, o vício de violação de lei por erro nos pressupostos, alegando um conjunto de factos para demonstrar tal erro e para comprovar que, ao contrário do que o acto punitivo considerara, não tinha desobedecido a qualquer ordem (v. artigos 51° a 66° da p.i.).
Deste modo, a questão essencial para a boa decisão da causa e do vício de violação de lei por erro nos pressupostos era apurar-se se e em que medida o arguido havia desobedecido a uma ordem dada por um superior hierárquico, uma vez que o acto punitivo dera por assente tal desobediência e em sede de petição inicial fora expressamente afirmado que o acto impugnado assentara em pressupostos errados, justamente por nunca lhe ter sido transmitida qualquer ordem para ir para o interior do estádio, tendo, pelo contrário, o arguido cumprido todas as ordens que lhe foram transmitidas (v. artigos 52° a 65°).
Os factos alegados em sede de p.i para integrar o vício de violação de lei por erro nos pressupostos foram impugnados em sede de contestação (v. artigos 57° e segs.), pelo que eram factos controvertidos e essenciais para a boa decisão da causa à luz, repete-se, das várias soluções plausíveis da questão de direito - uma vez que se se provasse que o arguido não desobedecera a qualquer ordem o acto impugnado assentaria em pressupostos errados. Consequentemente, havendo factos controvertidos essenciais para a boa decisão da causa à luz das várias soluções plausíveis da questão de direito, determinam os artigos 89.°-A e 90° do CPTA que o Tribunal a quo enuncie os temas de prova e realize a instrução da causa, ouvindo as testemunhas arroladas pelas partes para comprovar os factos controvertidos que alegaram, razão pela qual o despacho de 20 de maio p.p., ao não permitir a produção da prova testemunhal arrolada pelo Autor, violou o princípio da igualdade das partes, consagrado no art° 6.° do CPTA, e, sobretudo, o direito fundamental à tutela judicial efectiva, plasmado no n.° 4 do art° 268.° da Constituição.
Na verdade, do princípio da igualdade das partes decorre que se lhes conceda a possibilidade de fazerem valer as suas razões (de facto e de direito) perante o tribunal, em regra, antes que este tome a sua decisão.
Como alegado, o processo administrativo instrutor não faz fé em juízo e a sua valoração como meio de prova não pode implicar uma ofensa aos princípios da igualdade das partes, pelo que a circunstância de a Administração ter considerado um determinado comportamento ou um facto como praticado, não impede o A. de produzir prova destinada a contraditar os pressupostos factuais em que se baseou o acto impugnado, da mesma forma que em sede de gestão inicial do processo o juiz administrativo deve definir os temas de prova à luz das diversas soluções plausíveis da questão de direito.
Como ensina Paulo Veiga e Moura, o recurso à prova pertinente integra o âmbito do direito à tutela jurisdicional efectiva e, portanto, a sua denegação em sede de procedimento disciplinar ou judicial representará sempre uma violação daquele direito e da proibição de indefesa (Processo Disciplinar, in Comentário à Convenção Europeia dos Direitos Humanos e dos protocolos Adicionais, Universidade Católica, Vol. II, pág. 1314).
Em suma,
É hoje pacífico que a separação de poderes não impede que os Tribunais julguem os factos e o direito aplicados pela Administração e que há um modelo jurisdicionalizado de justiça administrativa, onde os tribunais administrativos se assumem como verdadeiros e independentes tribunais e devem respeitar a igualdade entre as partes, pelo que a cada uma das partes há de ser assegurado "...o direito de aduzir e provar em juízo, assegurando-lhes o direito ao contraditório e plenas possibilidades de defesa (Mário Aroso de Almeida, Os Direitos Fundamentais dos Administrados Após A Revisão Constitucional de 1989, Revista Direito e Justiça, Vol. VI, 1992, pág. 325).
Ademais, a presunção de inocência que o Tribunal está vinculado a respeitar determina ainda, até por força dos princípios da oralidade e imediação que caracterizam o sistema judicial português, que a prova conducente ao juízo de culpabilidade tenha de se realizar perante o tribunal, daí resultando a impossibilidade de o juiz se bastar com o processo instrutor disciplinar, de valorar depoimentos prestados ao longo do procedimento disciplinar e de formar a sua livre convicção com base em testemunhos que não viu nem ouviu.
Ao não admitir a prova testemunhal arrolada pelo A. para provar os factos que alegara para integrar o vício de violação de lei por erro nos pressupostos (v. artigos 52° a 65° da p.i.), o despacho de 20 de maio p.p. incorreu em erro de julgamento e em violação do princípio da igualdade das partes (consagrado no artº 6.° do CPTA), do direito fundamental à tutela judicial efectiva (previsto no n.° 4 do art.° 268.° da Constituição) e das garantias asseguradas pelo art.° 6.° da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, uma vez que os factos constantes dos artigos 52° a 65° da p.i foram expressamente impugnados (v. artigos 57° e segs. da contestação) e afiguram-se essenciais para apreciar o invocado vício de violação de lei por erro nos pressupostos - designadamente saber-se se havia sido dada a ordem ao arguido e se este desobedecera ou não à mesma -.
Procedem as Conclusões das alegações.
DECISÃO
Termos em que se concede provimento ao recurso e se anula todo o processado praticado desde a prolação da sentença recorrida para que se proceda à instrução dos autos, seguida da legal tramitação processual e oportuna prolação de sentença.
Custas pelo Recorrido.
Notifique e DN.
Porto, 09/5/2025
Fernanda Brandão
Paulo Ferreira de Magalhães
Rogério Martins |