| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção do
Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte
1 – RELATÓRIO
A Fazenda Pública vem interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra que julgou procedente a impugnação intentada pela aqui Recorrente da decisão de indeferimento da reclamação graciosa por si apresentada da liquidação adicional de IRC n.º ...68, referente ao exercício de 2008, no valor de €163.432,64.
A Recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
“1 - Nos presentes autos está em causa a decisão de indeferimento da reclamação graciosa (objeto imediato da impugnação deduzida) por si apresentada contra a liquidação adicional de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), no valor de 163.432,64 euros (n.º ...68), referente ao exercício de 2008 (objeto mediato dos autos), cuja anulação foi peticionada
2 - A Mm.ª Juíza do Tribunal a quo julgou totalmente procedente a impugnação, nos autos identificados supra, determinando a anulação da supra referida liquidação;
3 - Com todo o respeito pela douta decisão, que é muito, a Fazenda Pública discorda do julgamento que foi feito na sentença recorrida, em primeiro lugar, e desde logo, porque esta se pronuncia em excesso em relação ao objeto da Impugnação;
4 - Com efeito, a nulidade por excesso de pronúncia [n.º 1 do art.º 125º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e n.º 1 do art.º 615º do Código de Processo Civil (CPC)] relaciona-se com a segunda parte do n.º 2 do art.º 608º e com o n.º 1 do art.º 609º do CPC, em que se estabelece que o juiz nem pode ocupar-se senão de questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras, nem pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir;
5 - Todavia, a douta sentença recorrida infringe a delimitação imposta pelo princípio do dispositivo (art.º 608º do CPC) à atividade do juiz, que na sua decisão teria de circunscrever-se ao thema decidendum definido pelas partes, embora livre na qualificação jurídica dos factos, pois determinou a anulação da liquidação em causa por entender que seria aplicável, ao caso sub judice, o Princípio da Justiça, que determinaria a derrogação do Princípio da Especialização dos Exercícios, constatando-se que tal nunca foi alegado ou avançado pela ora impugnante;
6 - Não se ignora que incumbe ao tribunal proceder à qualificação jurídica que julgue adequada, nos termos do art.º 5º, n.º 3, do CPC, mas sempre dentro da fronteira da factualidade alegada e provada e nos limites do efeito práticojurídico pretendido, o que não aconteceu no caso, sendo certo que esta matéria não é de conhecimento oficioso, pelo que se verifica a nulidade da sentença por excesso de pronuncia;
7 - Ainda que se considerasse que esta matéria era de conhecimento oficioso, o que não se concede, e apenas para mero efeitos de raciocínio se admite, ainda assim verificar-se-ia a nulidade de sentença, nesta senda, por violação do principio do contraditório;
8 - Efetivamente, o princípio do contraditório encontra-se ínsito na garantia constitucional de acesso ao direito consagrada no art.º 20º da Constituição da República Portuguesa (CRP), com expressão nos art.ºs 3º, n.º 3 e 4º do CPC, proibindo as chamadas decisões-surpresa, obstando, assim, a que o tribunal tome conhecimento de questões, ainda que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a prévia oportunidade de sobre elas se pronunciarem, a não ser que a sua audição se revele manifestamente desnecessária;
9 - Nestes termos, considerando que a aplicação do principio da justiça, que determinaria a derrogação do principio da especialização dos exercícios, enformou, definitivamente, de forma determinante, a decisão proferida, a violação deste princípio, com a não concessão à Fazenda Pública da possibilidade de se pronunciar previamente sobre esta questão/matéria, constitui uma nulidade processual, nos termos do art.º 195º, sendo nula a decisão (surpresa) quando à parte não foi dada possibilidade de se pronunciar sobre os factos e respetivo enquadramento jurídico, o que expressamente se invoca;
10 - Refira-se, neste âmbito, que estando a decisão-surpresa coberta por decisão judicial, como é entendimento pacífico da jurisprudência, nada obsta a que a mesma seja invocada e conhecida em sede de recurso;
11 - Sem prescindir, entende esta Representação da Fazenda Pública (RFP), ainda, que existiu erro na apreciação da prova, bem como erro na interpretação efetuada pela Mm.ª Juíza, na análise efetuada ao disposto no art.º 18º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, e da sua conjugação com o Princípio da Justiça, e que conduziu à decisão por tal procedência do pedido;
12 - Ab initio, de forma a subsumir a situação real explanada nos autos à boa decisão da causa, o Probatório deverá ser corrigido de acordo com a verdade factual e ao abrigo do disposto no art.º 662º n.º 1 alínea a) do CPC (ex vi art.º 2º e) do CPPT e art.º 2.º al. d) da Lei Geral Tributária (LGT), inserindo-se, no ponto 22., anteriormente à parte citada do projeto de relatório, “III.1.3.3. Da alteração da interpretação dada pelo sujeito passivo relativamente à forma de aplicação do principio da especialização do exercício (…)”, referenciada na sentença, e que cuja manutenção se propugna, o seguinte (cfr. fls 4 e ss do p.a.): “22. Na sequência da inspeção tributária referida em 1., foi elaborado o
projeto de relatório de inspeção (RI) de fls. 4 e ss. do p.a., que foi remetido à Impugnante pelo Ofício n.º ...15 de 23-10-2012, através de carta sob registo n.° RD06.........25PT, entregue em 08-11-2012, para efeitos de exercício do direito de audição, podendo aí ler-se, entre o mais, o seguinte:
“(…) III. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES
MERAMENTE ARITMÉTICAS
III.1 EM SEDE DE IRC
III.1.1 Qualificação dos terrenos detidos (…)
III.1.1.4 Requalificação dos terrenos enquanto existências (…)
3. Já se viu que as escrituras que titulam os terrenos adquiridos em 1990 e 1996, contêm a intenção declarada de que esses se destinavam a revenda, dentro do âmbito da sua normal atividade de compra e venda de imóveis, ou seja, é dada uma natureza contabilística de existência a esses terrenos, pois é esta a forma de contabilização que deve ser dada a um bem adquirido para posterior venda, e não em imobilizado, como fez o sujeito passivo, beneficiando por este facto, nos termos já descritos, da isenção do Imposto de SISA.(…)
5. Daqui não se pode acompanhar quando o sujeito passivo responde à notificação dizendo que estes terrenos, como todos os outros, sempre foram vistos como parte integrante do seu imobilizado, pois se é certo que foram contabilizados como tal, também é certo que a sua aquisição é declarada como uma compra para revenda, ou seja, uma compra de mercadorias. (…)
III.1.2. Dos custos capitalizados
1. Também no início de 2008, e na mesma conta 421, o sujeito passivo regista nessa conta de imobilizado encargos financeiros e outros custos de arquitetura e loteamento relativos àqueles terrenos, nos seguintes montantes(…)
2. Na notificação efetuada ao seu administrador, também a respeito desta questão, solicitaram-se diversos esclarecimentos, nomeadamente para indicar os motivos e fundamentos em que se baseou essa opção de capitalização, pedindo-se adicionalmente ao sujeito passivo, a entrega dos contratos, e demais alterações, sobre os quais estavam contabilizados os custos financeiros, incluindo aqueles que respeitam à prestação de garantia a favor de terceiros e para demonstrar a imprescindibilidade desses custos para a atividade do sujeito passivo, nos termos do artigo 23.° do Código do Imposto sobre o Rendimento das pessoas Coletivas (CIRC).(…)
3. Sobre isto, o sujeito passivo apenas se pronunciou sobre a sua opção de contabilização daqueles gastos enquanto custo capitalizável, não oferecendo qualquer resposta adicional, nem entregando qualquer dos elementos pedidos. 4. E sobre a sua opção de capitalizar os encargos financeiros, que identifica como derivados dos vários mútuos contratualizados com a banca para a aquisição dos imóveis, diz que seguiu os critérios de valorimetria previstos no POC, optando por capitalizar esses custos no imobilizado ao invés de os reconhecer como custos do exercício atual de cada ano.
5. Diz ainda que se a opção tivesse sido a afetação do custo ao exercício de cada ano, teriam ainda em 2008 a possibilidade de os deduzir à matéria tributável em sede de IRC relativamente aos últimos seis anos pela via dos prejuízos fiscais acumulados.
6. Conclui sobre isto, que a opção de contabilizar desta forma, assentou no direito de opção da empresa que existe no POC, de valorizar o imobilizado em detrimento da opção de acumulação de prejuízos anuais, que implicavam a degradação dos capitais próprios, com consequências interpretativas negativas perante a banca e de solvabilidade da empresa.(…)
9. Por aqui, e desde logo, tendo-se já determinado anteriormente que os terrenos em causa não são passíveis de ser qualificados como imobilizado corpóreo, mas sim como existências, não se poderia aceitar a capitalização de custos pretendida pelo sujeito passivo.(…)
13. Temos ainda que verificar, de acordo com o decreto regulamentar n. ° 2/90, de 12 de janeiro, se o regime fiscal de capitalização de custos financeiros segue o regime contabilístico, comparando-o depois com a opção tomada pelo sujeito passivo.
14. É no artigo 2.º deste decreto regulamentar que vem definida a valorimetria dos elementos reintegráveis ou amortizáveis, sendo definido o que é considerado o custo de aquisição ou custo de produção, consoante se tratem de elementos adquiridos a terceiros a título oneroso ou de elementos fabricados ou construídos pela própria empresa.
15. Relativamente aos custos de financiamento, o artigo 2.° n ° 5 a) do decreto regulamentar referido estabelece que não se consideram no custo de aquisição e no custo de produção os juros de empréstimos contraídos para financiar a aquisição ou produção de imobilizado, excecionando o n.° 6 que podem ser incluídos no custo de produção os juros de capitais alheios destinados especificamente ao financiamento do fabrico ou construção de imobilizações, na medida em que respeitem ao período de fabricação ou construção e este não tenha uma duração inferior a dois anos.
16.Neste ponto, tendo-se já constatado que os terrenos contabilizados pelo sujeito passivo não poderiam ser considerados como fazendo parte do seu imobilizado, devendo sim integrar as suas existências, e visto que para as existências não é admissível a capitalização de encargos financeiros, teria também que se reformular esta componente do imobilizado corpóreo.
17.Mas veja-se que mesmo que não se requalificasse os terrenos para existências, também não se consegue alcançar em que medida se podem considerar esses terrenos como afetos a imobilizado em curso, condição essencial, quer contabilística, quer fiscalmente, para que se pudessem capitalizar esses custos financeiros,
18.Quanto aos outros custos, referentes aos serviços de arquitetura e outros associados ao loteamento, nada refere o sujeito passivo, havendo pois que considerar estes custos à luz do critério valorimétrico das existências se esse custo pode ser considerado como custo de aquisição ou de produção de existências.
19.Nos pontos 5.3.1 a 5.3.3 do capítulo 5 do POC, define-se custo de aquisição como o custo de aquisição de um bem a soma do respetivo preço de compra com os gastos suportados direta ou indiretamente para o colocar no seu estado atual e no local de armazenagem e como custo de produção de um bem a soma dos custos com matérias primas e outros materiais diretamente consumidos, da mão de obra direta, dos custos industriais variáveis e fixos necessariamente suportados para o produzir e colocar no local de armazenagem.
20.Também desse ponto se retira que não são de acrescer os custos distribuição, de administração global e os financeiros não são englobáveis no custo de produção.
21.Em face da natureza dos custos em causa, será de aceitar que os mesmos serão de considerar enquanto custo de aquisição ou custo de produção, pois são custos que estão diretamente relacionados com atos que visam o loteamento desses terrenos, podendo considerar-se que esse ato de loteamento é um ato que visa dotar esses terrenos de condições para colocação para venda, no caso dos terrenos serem vistos como mercadorias, ou para inicio da própria construção do empreendimento, no caso dos terrenos se destinarem à construção pelo próprio sujeito passivo.
22.Em qualquer dos casos, relativamente aos artigos que compõem o loteamento de V..., serão de aceitar os custos referidos enquanto custo de aquisição ou de construção de existências.
23.Como consequência direta desta requalificação da contabilização dos terrenos deixam de relevar os custos financeiros capitalizados relativamente aos exercícios anteriores a 2008, enquanto que os custos financeiros de 2008 serão de considerar como custos do exercício, sendo que relativamente aos outros custos capitalizados, por se poderem considerar custos inerentes a existências e suscetíveis de integrar o seu custo de aquisição ou de produção, serão a elas imputados.(…)
25. Merece ainda atenção a consideração efetuada pelo seu administrador, de que se a opção do sujeito passivo tivesse sido a afetação do custo ao exercício de cada ano, teriam ainda em 2008 a possibilidade de os deduzir à matéria tributável em sede de IRC relativamente aos últimos seis anos pela via dos prejuízos fiscais acumulados, concluindo sobre isto, que a opção de contabilizar daquela forma assentou no direito de opção da empresa que existe no POC, de valorizar o imobilizado em detrimento da opção de acumulação de prejuízos anuais, que implicavam a degradação dos capitais próprios, com consequências interpretativas negativas perante a banca e de solvabilidade da empresa.
26. O sujeito passivo, ao tomar a opção de capitalizar custos, ainda que indevidamente, prescindiu de considerar esses custos enquanto custos do exercício em que efetivamente eles ocorreram, não sendo de todo neutra, em termos fiscais, a opção tomada pelo sujeito passivo. 27.De facto, os custos de financiamento relativos a exercícios anteriores devem ser, para apuramento do lucro tributável, acrescidos ao resultado líquido do exercício em que são reconhecidos, pois os mesmos já eram manifestamente conhecidos aquando do encerramento das contas dos exercícios a que respeitam, de acordo com o princípio da especialização do exercício constante do artigo 18. ° n.° 2 do CIRC, não sendo, nesses termos, de aceitar como fiscalmente aceite no ano de 2008, custos conhecidos relativos a outros exercício já encerrados.
28.É que se, e como bem diz o sujeito passivo, à data, os prejuízos fiscais apurados poderiam ser deduzidos aos lucros tributáveis de um ou mais dos seis exercícios posteriores, também é verdade que capitalizando esses custos, se lhe fosse admissível esta prorrogativa, estes passavam a integrar o custo de construção ou de produção, pelo que iriam sempre ser considerados como custo do exercício em que se verificasse a ocorrência do proveito diretamente originado por esse custo, isto é, poderia ser sempre considerado como custo, independentemente do número de anos que tivesse decorrido após a sua ocorrência, deixando desta forma de estar exposto ao prazo máximo concedido pelo então artigo 47 ° n ° l do CIRC. 29.Neste termos, temos que o sujeito passivo optou por capitalizar os custos suportados com os terrenos, indexando-os ao seu custo de aquisição, de forma a garantir a sua utilização no ano em que viesse a obter o proveito, fosse quando fosse, ao invés de os considerar custos do exercício em que efetivamente ocorreram, como deveria, mas correndo assim o risco de não os aproveitar, caso esses terrenos não gerassem um proveito no prazo de seis anos após o exercício em que foram incorridos, como já tinha ocorrido com todos os prejuízos acumulados até ao início da capitalização desses custos no ano de 2000.
30.Vista esta opção do sujeito passivo, e dependendo a dedução dos prejuízos fiscais do seu correto apuramento em determinado exercício, não se pode estabelecer uma relação direta entre os custos erradamente capitalizados num exercício e a influência que esses custos poderiam ter no resultado fiscal desse mesmo exercício, exceto quando ainda seja possível promover a liquidação desse prejuízo fiscal.
31.Daqui que, apesar de nenhum impulso se poder dar para promover as liquidações que poderiam conduzir a liquidações com um prejuízo fiscal maior para o sujeito passivo, pode-se e deve-se considerar os custos financeiros capitalizados no exercício de 2008 enquanto custo do exercício e enquanto componente a considerar para efeitos da determinação do resultado líquido do exercício, como agora se resume: (…)”;
13 - Por sua vez, o Princípio da Especialização ou Autonomia dos exercícios, referenciado no art.º 18º, n.º 1, do CIRC, tem em vista a tributação do rendimento que se gera em cada um, impondo que os proveitos e os custos economicamente imputáveis a um determinado exercício, sejam considerados apenas nesse exercício, só eles podendo, assim, influenciar o seu resultado; 14 - A lei admite (por força de um outro princípio - o da solidariedade dos exercícios) exceções ao princípio em questão, permitindo que os custos fiscalmente relevantes e os proveitos respeitantes a exercícios anteriores possam ser imputados ao exercício em causa quando, na data do encerramento das contas daquele a que deveriam ser imputados, eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidos;
15 - Por sua vez, e para além das situações referidas, constata-se a existência de jurisprudência e doutrina que tem defendido que em matéria de custos, o Princípio da Especialização dos Exercícios, previsto no art.º 18º do CIRC, traduz-se na consideração, como custo de determinado exercício, dos encargos que economicamente lhe sejam imputáveis, todavia, tal princípio não impossibilita, per se, a imputação, a um determinado exercício, de custos referentes a exercícios anteriores, desde que tal não resulte de omissões voluntárias e intencionais, com vista a operar transferência de resultados entre exercícios, por aplicação do princípio da justiça, consagrado nos art.º 266º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP), e 55º da Lei Geral Tributária (LGT);
16 - Refira-se, no entanto, que a verificação da (in)existência dos requisitos, para uma eventual aplicação do referido princípio, não incumbe à AT, face ao disposto no art.º 74º da LGT, sendo indubitável que, no caso, à AT caberia demonstrar a existência dos pressupostos que legitimam a correção, não estando onerada, por nenhuma forma, do ónus de demonstrar que, no caso, não é aplicável o referido Princípio da Justiça, afigurando-se, salvo superior entendimento, que, face ao referido art.º 74º da LGT, caberia à impugnante o ónus de alegar a aplicabilidade de tal Principio ao caso em análise, cabendolhe, igualmente, o ónus de demonstrar que os requisitos doutrinal e jurisprudencialmente avançados para a aplicação do mesmo se verificam, o que não ocorreu no caso em análise;
17 - Por sua vez, o referido Princípio da Justiça tem operado, em regra, quando o sujeito passivo comete algum erro ou lapso, involuntário, na contabilização, de que resulta, na prática, uma violação do princípio da especialização dos exercícios;
18 - Ora, salvo o devido respeito, não se pode concordar com a aplicação do Princípio da Justiça ao caso em análise, desde logo porque, relativamente às correções referidas, não está em causa um erro de contabilização, mas de uma voluntária opção do sujeito passivo, como se constata no Relatório de Inspeção Tributária, que refere expressamente que:
“(…) III.1.2. Dos custos capitalizados (...)
26. O sujeito passivo, ao tomar a opção de capitalizar custos, ainda que indevidamente, prescindiu de considerar esses custos enquanto custos do exercício em que efetivamente eles ocorreram, (…).
27. De facto, os custos de financiamento relativos a exercícios anteriores devem ser, para apuramento do lucro tributável acrescidos ao resultado líquido do exercício em que são reconhecidos, pois os mesmos já eram manifestamente conhecidos aquando do encerramento das contas dos exercícios a que respeita, de acordo com o principio da especialização do exercício constante do art.º 18º, n.º 2 do CIRC (…).”
19 - Note-se que, estando o valor daqueles custos já registados na contabilidade, com consequências em sede de apuramento do resultado líquido do exercício, a sua posterior correção (desconsideração) para efeitos fiscais, com vista à determinação do resultado tributável, implica o seu expresso acréscimo no preenchimento do quadro 07 da declaração mod.22 de IRC do exercício em causa;
20 - Efetivamente, nestas circunstâncias não estamos perante um custo que não foi, por lapso, relevado na contabilidade, que se encontrava, assim, omisso nesta, e que, por isso, não teve consequências fiscais em determinado exercício, mas sim perante um caso em que o custo foi registado na contabilidade, sendo posteriormente, voluntaria e expressamente, por opção do sujeito passivo, desconsiderada a sua dedutibilidade para efeitos fiscais;
21 - Por sua vez, o princípio da justiça só se afigura aplicável, determinando, assim, a inexistência de qualquer correção por parte de AT, quando os sujeitos passivos não atuaram intencionalmente com o objetivo de obterem alguma vantagem, sendo evidente que, no caso, não se verifica este requisito; 22 - Do já referido Relatório de Inspeção Tributária consta o seguinte:
“(…) III.1.2. Dos custos capitalizados (...)
25. Merece ainda atenção a consideração efetuada pelo seu administrador, de (…) que a opção de contabilizar daquela forma assentou no direito de opção da empresa que existe no POC, de valorizar o imobilizado em detrimento da opção de acumulação de prejuízos anuais, que implicavam a degradação dos capitais próprios, com consequências interpretativas negativas perante a banca e de solvabilidade da empresa.
26. O sujeito passivo, ao tomar a opção de capitalizar custos, ainda que indevidamente, prescindiu de considerar esses custos enquanto custos do exercício em que efetivamente eles ocorreram, não sendo de todo neutra, em termos fiscais, a opção tomada pelo sujeito passivo. (…)
28. É que se, e como bem diz o sujeito passivo, à data, os prejuízos fiscais apurados poderiam ser deduzidos aos lucros tributáveis de um ou mais dos seis exercícios posteriores, também é verdade que capitalizando esses custos, se lhe fosse admissível esta prorrogativa, estes passavam a integrar o custo de construção ou de produção, pelo que iriam sempre ser considerados como custo do exercício em que se verificasse a ocorrência do proveito diretamente originado por esse custo, isto é, poderia ser sempre considerado como custo, independentemente do numero de anos que tivesse decorrido após a sua ocorrência, deixando desta forma de estar exposto ao prazo máximo concedido pelo então artigo 47º n.º 1 do CIRC. 29. Neste termos, temos que o sujeito passivo optou por capitalizar os custos suportados com os terrenos, indexando-os ao seu custo de aquisição, de forma a garantir a sua utilização no ano em que viesse a obter o proveito, fosse quando fosse, ao invés de os considerar custo de exercício em que efetivamente ocorreram, como deveria, mas correndo assim o risco de não os aproveitar, caso esses terrenos não gerassem um proveito no prazo de seis anos apos o exercício em que foram incorridos, como já tinha ocorrido com todos os prejuízos acumulados até ao inicio da capitalização desses custos no ano de 2000. (…)”
23 - Por sua vez, é referido, expressamente, na douta PI, o seguinte: “19º Levando à prática o critério de interpretação explanado no relatório (…) o sujeito passivo seria obrigado a suportar os prejuízos de custos financeiros que nunca poderiam ser repercutidos nos resultados fiscais dos exercícios de alienação dos lotes (…).
20º Ou seja, por força do limite temporal de reporte de prejuízos e da demora na alienação dos imóveis (…) é desconsiderada uma parte importante os custos reais e efectivos, (…). 30º (…) evitando a degradação dos capitais próprios pela via de prejuízos acumulados em resultado dos custos do financiamento. (…)”;
24 - É assim, manifesto que a existência desta voluntária e intencional contabilização destes custos, por parte da impugnante, da forma como foi efetuada, tinha em vista, deliberadamente, proceder à transferência desses custos, de períodos de tributação em que já haviam sido apurados prejuízos, cujo reporte poderia ser infrutífero (como aconteceu com os prejuízos apurados até 2001, cujo direito à dedução dos mesmos caducou por inexistência de Lucro ao qual pudessem ser deduzidos), dado o prazo de caducidade para o exercício desse reporte, e que impossibilitaria a efetiva dedução desses, para o exercício em que seriam obtidos proveitos, de forma a garantir a sua utilização no ano em que o sujeito passivo viesse a obter o proveito;
25 - Admitir a aplicação do Princípio da Justiça no caso em análise seria, na prática, “branquear” o comportamento ilegítimo e ilegal da impugnante, permitindo-lhe, na prática eleger o exercício em que lhe fosse mais proveitoso considerar tais custos, diminuindo a sua matéria tributável, em violação do disposto no art.º 18°, nº. 1, do CIRC, sem quaisquer consequências efetivas caso tal comportamento viesse a ser, como foi verificado pelos serviços de inspeção tributária;
26 - Assim, face ao exposto supra, será de concluir que a liquidação controvertida, efetuada à impugnante, ora recorrida, não enferma de qualquer ilegalidade, não sendo aplicável, ao caso, o Princípio da Justiça, pelo que deve ser mantida na ordem jurídica.
Nestes termos e com o douto suprimento de V.ªs Ex.ªs , deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, revogada a sentença recorrida e substituída por douto acórdão que conclua pela legalidade da liquidação impugnada, mantendo a mesma, assim se fazendo JUSTIÇA”.
Não houve contra-alegações.
O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos ao abrigo do disposto no artigo 657.º n.º 4 do Código de Processo Civil, submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso.
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Objecto do recurso
O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta do disposto no artigo 608.º n.º 2, artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º n.º 1, todos do Código de Processo Civil.
Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apreciar e decidir da nulidade da decisão recorrida por excesso de pronúncia, da nulidade processual, do erro na apreciação da prova e ainda do erro de julgamento de direito.
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2 - Fundamentação
2.1. Matéria de Facto
O Tribunal a quo decidiu a matéria de facto da seguinte forma, que aqui se reproduz: “
1. A Impugnante é uma sociedade anónima que tem como objeto a indústria da construção civil e a comercialização que lhe estiver inerente ou com ela relacionada, e foi sujeita a ação inspetiva credenciada pela Ordem de Serviço n° OI 2011....28, que teve início em 22-05-2012, e teve como âmbito a análise das operações relativas ao Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, referentes aos exercícios de 2008 a 2010 - cfr. Ordem de serviço a fls. 1 e factos societários descritos no projeto de RI a fls. 7v. do p.a. apenso;
2. No ano de 2008, a Impugnante contabilizou, no balancete analítico do mês de dezembro, como imobilizado corpóreo, na conta 421, os imóveis designados por
Quinta 1... (R-2, U-909 e U-910), pelo montante de € 32.453,01, Quinta 2... (R-2318), pelo montante de € 477.864,35, e Quinta 3... (R-2582), pelo montante de € 299.278,74, que adquiriu respetivamente em 13/7/1988, 31/12/1990 e 17/2/1996 – cfr. balancete a fls. 60 e certidões do registo predial de fls. 124 a 131 do p.a. apenso;
3. No início de 2008, e na mesma conta 421 de imobilizado, o sujeito passivo registou encargos financeiros e outros custos de arquitetura e loteamento relativos àqueles terrenos, nos seguintes montantes:
| Subconta | Designação | Valor |
| 421004 | Serviços de arquitetura e outros | 162.429,37 € |
| 421005 | Loteamento V... | 138.732,49 € |
| 421006 | V... - Custos Financeiros | 341.335,57 € |
| 421007 | V... - Custos Financeiros | 1.251.400,21 € |
| 421008 | V... - Custos Financeiros | 148.528,44 € |
| 421009 | V... - Custos Financeiros | 158.902,52 € |
– cfr. balancete a fls. 60 do p.a. apenso;
4. A Impugnante, em 13-07-1988, outorgou como compradora na escritura pública de compra e venda que se encontra a fls. 134 e ss. do p.a. e se dá por reproduzida, relativa à aquisição do imóvel designado por Quinta 1..., inscrito na matriz predial da freguesia ... sob os artigos ... rústico e ...09 e ...10 urbanos, que declarou comprar pelo preço de 20.000.000$00;
5. A Impugnante pagou o imposto de sisa devido pela realização da escritura pública de aquisição do imóvel mencionado em 4. – cfr. termo de declaração de fls. 141 do p.a. apenso;
6. A Impugnante, em 31-12-1990, outorgou como compradora na escritura pública de compra e venda que se encontra a fls. 146 e ss. do p.a. e se dá por reproduzida, relativa à aquisição do imóvel designado por Quinta 2..., inscrito na matriz predial rústica da freguesia ... sob o artigo ...18, que declarou comprar pelo preço de 75.000.000$00, e destinar a revenda, e que exerce habitualmente a atividade de compra e venda de prédios; 7. A Impugnante não pagou o imposto de sisa devido pela realização da escritura pública de aquisição do imóvel mencionado em 6., ao abrigo do disposto no artigo 11.º, n° 3, do Código da SISA e do Imposto sobre as Sucessões e Doações – cfr. declaração proferida na escritura a fls. 148 do p.a. apenso;
8. A Impugnante, em 27-02-1996, outorgou como compradora na escritura pública de compra e venda que se encontra a fls. 153 e ss. do p.a. apenso e se dá por reproduzida, relativa à aquisição do imóvel designado por Quinta 3..., inscrito na matriz predial rústica da freguesia ... sob o artigo ...82, que declarou comprar pelo preço de 60.000.000$00, e destinar a revenda;
9. A Impugnante não pagou o imposto de sisa devido pela realização da escritura pública de aquisição do imóvel mencionado em 8, ao abrigo do disposto nos artigos 11.º, n° 3, e 13°A, do Código do Imposto Municipal de Sisa – cfr. declaração proferida na escritura a fls. 156 do p.a. apenso;
10. Em 18 de maio de 1989 a Impugnante apresentou um projeto de loteamento nos serviços da Câmara Municipal ..., que abrangia não só os terrenos com os artigos R-2, U-909 e U-910, que já detinha, mas também os terrenos com o artigo R-2318, que viria a adquirir em 1990 - cfr. docs. de fls. 159 e ss. do p.a. apenso;
11. Em 10 de Janeiro de 1996, a Impugnante, conjuntamente com outros proprietários, apresentou na Câmara Municipal ... o estudo prévio do loteamento das colinas a norte de V..., que abarcava os terrenos para os quais anteriormente havia sido pedido o loteamento, e outros de diferentes proprietários, incluindo o terreno R-2582, cuja aquisição seria efetuada em fevereiro de 1996, que segue exatamente o mesmo pressuposto da aquisição de 1990, de que esta aquisição tinha como objetivo a posterior revenda do terreno adquirido - cfr. docs. de fls. 159 e ss. do p.a. apenso;
12. Em 31 de dezembro de 1996, a Impugnante subscreveu, com outros proprietários, o pedido de loteamento para um conjunto alargado de terrenos, todos integrantes das denominadas colinas a norte de V..., e onde se incluíam todos os terrenos contabilizados enquanto imobilizado - cfr. docs. de fls. 159 e ss. do p.a. apenso;
13. Em 05-04-2004 e após alterações à proposta inicialmente apresentada, viria a ser aprovada a proposta de loteamento a que aludimos nos pontos
antecedentes - cfr. docs. de fls. 159 e ss. do p.a. apenso;
14. Em 29 de dezembro de 2009 foi pedida a emissão de alvará de loteamento n 0 630, já após a permuta destes terrenos por outros detidos pela [SCom02...], SA, ocorrida em 30 de outubro de 2009 - cfr. docs. de fls. 159 e ss. do p.a. apenso;
15. No ano de 2001, através do despacho n.° 23053/2001, do Ministro da Educação, publicado no Diário da República, 2a série, de 14 de novembro de 2001, foi expropriado à Impugnante o prédio incluído no perímetro urbano da cidade ..., com a área de 21.715m2, sito em V..., e inscrito na matriz predial rústica da freguesia ... sob o artigo 2600, oriundo do artigo rústico ...18 – cfr. anexos de fls. 217 e ss. do p.a. apenso;
16. Em 18 de Dezembro de 2001, a Universidade ... depositou à ordem da Impugnante a importância de 1.202.102,93 € – cfr. anexos de fls. 217 e ss. do p.a. apenso;
17. No momento deste recebimento a Impugnante contabilizou-o por contrapartida da conta de outros devedores e credores 26804-Hospitais (Expr. Terrenos) – cfr. anexos de fls. 217 e ss. do p.a. apenso e acordo;
18. Por acórdão de 24 de abril de 2007 do Tribunal da Relação de ..., foi fixada então indemnização pela expropriação a que aludimos nos pontos antecedentes no valor de 1.301.597.10€ – cfr. anexos de fls. 217 e ss. do p.a. apenso;
19. Na sequência das decisões judiciais proferidas, em 7 de março de 2008, a expropriante depositou a favor da Impugnante o montante de 120.738,11€, a que se juntou, em 7 de junho de 2008, o depósito adicional de 2.916,66€, no total de 123.654,77€ – cfr. anexos de fls. 217 e ss. do p.a. apenso;
20. A Impugnante suportou, com taxas de justiça associadas à ação judicial relativa à fixação do valor do terreno expropriado, 16.174,60€ - cfr. RI integrante do p.a. apenso;
21. Em 2008, a Impugnante recebeu uma parcela de 107.480,17€, contabilizada na conta 26804, de outros devedores e credores, sob a designação hospitais (Expr. Terrenos), que passou então a apresentar um saldo acumulado de 1.309.927,56 €, e que no final do exercício era nulo, em virtude da consideração deste montante como proveito e ganho extraordinário na conta 7942 - alienações de imobilizado corpóreo, diretamente abatido ao valor do imobilizado por contrapartida a crédito com diversas subcontas da conta 421, onde estavam contabilizados custos capitalizados a partir do exercício de 2000 – cfr. RI e anexos de fls. 217 e ss. do p.a. apenso;
22. Na sequência da inspeção tributária referida em 1., foi elaborado o projeto de relatório de inspeção (RI) de fls. 4 e ss. do p.a., que foi remetido à Impugnante pelo Ofício n.º ...15 de 23-10-2012, através de carta sob registo n.º RD06.........25PT, entregue em 08-11-2012, para efeitos de exercício do direito de audição, podendo aí ler-se, entre o mais, o seguinte: “(…)
III.1.3.3. Da alteração da interpretação dada pelo sujeito passivo relativamente à forma de aplicação do princípio da especialização do exercício
1. Compreendida a política adotada pelo sujeito passivo, importa no entanto verificar se o apuramento do proveito relativo a esta indemnização se encontrava bem determinado, pois pese embora tenha considerado o valor de 1.309.927,56 €, como valor fiscalmente relevante no exercício de 2008, para efeitos de determinação do proveito e ganho extraordinário, típico do apuramento de mais valias que o sujeito passivo teria agora que fazer, por não o ter feito em 2001, não foi registado qualquer proveito líquido com esta operação, pois o sujeito passivo abateu ao proveito os custos com serviços de arquitetura e com o loteamento e parte dos proveitos financeiros capitalizados.
2. Daí que se tenha questionado o sujeito passivo, na pessoa do seu administrador «AA», na notificação efetuada em 19 de junho de 2012, para que explicitasse a forma de apuramento e fundamentos em que se baseou essa opção de cálculo.
3. Veio então o sujeito passivo dizer, que não se trata efetivamente de um proveito do ano de 2008, mas sim de um proveito do ano de 2001, tendo registado o documento no ano de 2002, considerando que poderia ter contabilizado o proveito nesse ano de 2002, porque os riscos e vantagens associados à propriedade dos bens já estavam na esfera jurídica do expropriante, que de imediato começou a construir no local a Faculdade de Medicina.
4. Continuou, dizendo que o proveito apenas foi reportado em 2008, anulado pelos custos inerentes, também reportados em 2008, fazendo ver que se tivesse contabilizado como proveito em 2001 ou em 2002, teria desde logo sido praticamente anulado pelos prejuízos fiscais acumulados à data e passíveis de dedução.
5. Sintetizou, dizendo que a expropriação se verificou no ano de 2001, com tomada da posse e da propriedade da parcela expropriada pela Universidade ... em 2002 e recebimento do respetivo preço, e que não foi contabilizado como proveito desse exercício, porque o preço da expropriação, apesar de percebido em 2001, foi objeto de uma ação judicial em que foi requerido um valor complementar do preço pago pela Universidade ... em 2001, considerando que o proveito relativo a 2008 foi apenas o encaixe de 107.480,17 €.
6. Importa antes de mais dizer, quanto a isto, que, admitindo a hipótese do sujeito passivo, a contabilização deveria ter ocorrido no ano de 2001, pois foi este o ano em que foi dado o despacho de expropriação, momento a partir do qual o sujeito passivo deixa de dispor de direitos sobre o terreno, sendo adicionalmente o ano em que foi efetuado o pagamento por conta da expropriação pela Universidade ....
7. E concederá aqui o sujeito passivo que não fará sentido em contabilizar esta operação no ano de 2002, pois ele próprio, dentro do processo ..20/03.5...., onde se discutia o montante a fixar de indemnização pela expropriação desse terreno, vem reclamar que a indemnização deveria ser reportada a 2001, existindo nesse acórdão e no acórdão emitido pelo Tribunal da Relação de ..., em sede de recurso ao acórdão desse processo ..20/03.5...., unanimidade a favor do sujeito passivo quanto a este facto.
8. Para sintetizar, e seguindo o que é fixado no acórdão do processo ..20/03.5...., “a expropriação por utilidade pública é o evento jurídico pelo qual se extinguem direitos reais sobre imóveis, constituindo-se concomitantemente, novos direitos na titularidade de pessoas que entende prosseguirem o interesse público, mediante o pagamento da justa indemnização. Trata-se de uma relação jurídica em que o Estado, considerando a conveniência de utilizar determinados bens imóveis num fim específico de utilidade pública, extingue os direitos subjetivos constituídos sobre eles e determina a sua transferência definitiva para o património da pessoa a cujo cargo está a prossecução desse fim, cabendo a esta pagar ao titular dos direitos extintos uma indemnização compensatória”.
9. É, pois pacífico considerar, que o facto translativo dos direitos sobre o terreno expropriado ocorreram em 14 de novembro de 2001, data da publicação do despacho de utilidade pública, deixando-se por isso cair as referências a uma possibilidade de contabilização desse proveito em 2002.
10. Consegue perceber-se da resposta dada pelo sujeito passivo que está correta a interpretação feita, de que este, então em 2001, não reconheceu como proveito o valor recebido nesse ano de 2001, porque “o preço da expropriação, apesar de percebido nesse ano, foi objeto de uma ação judicial em que foi requerido um valor complementar retificativo do preço já pago peia Universidade ... em 2001”.
11. Consubstancia-se de facto a tese de que o sujeito passivo não considerava então estarem reunidas as condições para o reconhecimento, em 2001, de qualquer proveito, pois era desconhecido o valor efetive da indemnização que iria receber, pelo que este não era então mensurável.
12. No entanto, apesar de ser esta a política que adotou, e que efetivamente utilizou na contabilização desta indemnização, vem dizer agora que afinal o proveito não se referia a 2008, mas antes ao ano da expropriação, pelo que relativamente ao exercido de 2008 apenas haveria a reconhecer o ganho de 107.480,17 €, obtido da diferença entre as quantias a que tinha direito a receber neste ano, deduzidas das custas judiciais.
13. Ora, esta alteração na interpretação dada pelo sujeito passivo relativamente à forma de aplicação do princípio da especialização do exercício, acarreta naturalmente um conjunto de consequências fiscais que importa ver.
14. Desde logo, considerando que o proveito é relativo a 2001, não tendo este sido reconhecido nesse exercício, deixaria a Autoridade Tributária de dispor de instrumentos de promover a liquidação de imposto devido nesse exercido, por caducidade do direito à liquidação, pese embora o sujeito passivo venha dizer que se tivesse sido reconhecido o proveito no ano de 2001, teria desde logo a possibilidade de deduzir os prejuízo fiscais até então acumulados, e que praticamente anulariam esse proveito.
15. Devemos então, em primeiro lugar, testar este argumento do sujeito passivo, fazendo a determinação do proveito que seria imputável, segundo a nova interpretação do sujeito passivo, ao exercício de 2001, partindo do pressuposto, apenas para efeitos de comparabilidade, de que esses terrenos eram efetivamente imobilizado corpóreo.
16. Assim, para a determinação da mais valia fiscal, a que releva para apuramento do resultado fiscal, teríamos um valor de realização equivalente ao montante da indemnização que havia sido recebido, para um valor de aquisição correspondente à quota parte do custo de aquisição da globalidade do terreno, atualizado pelos coeficientes de desvalorização monetária.
17. Tratando-se a parcela expropriada parte integrante do terreno adquirido em 1990, importa ver qual a parte do custo de aquisição desse terreno que está diretamente relacionada com o proveito obtido, isto é, qual a quota parte do custo imputável à fração de terreno expropriada. 18. Como vimos nos capítulos acima, no exercício de 1990, é feita uma redistribuição do valor contabilizado do terreno descrito como Quinta 1..., para o terreno descrito como Quinta 2..., sendo o valor final contabilizado consistente com o somatório do valor do custo de aquisição da Quinta 1... e da Quinta 2..., o custo com a SISA paga relativamente à Quinta 1... e um montante de 881.445$00, relativo a outros custos de aquisição, com valor total de imobilizado de 102.309.445$00, em euro 510.317,36.
19. Considerando o valor contabilizado desses dois terrenos de 510.317,36 €, expurgando deste o custo de aquisição do terreno descrito como Quinta 1..., de 99.759,58 € e o respetivo custo com a SISA, primeiro de 9.975.96 €, e depois com a liquidação adicional de 22.086,77 €, obtém-se o custo de aquisição do terreno descrito como Quinta 2..., de onde foi retirada a parcela a expropriar, da seguinte forma: (…)
20. Assim, o terreno designado de Quinta 2..., composto então pelo artigo rústico ...18, acabou dividido em dois novos artigos, o artigo rústico ...99, com 64,174 m2, e o artigo rústico ...00, com 21.715 m2
21. Como aquando da aquisição deste terreno ele era uno, aquando da sua divisão, tem-se que imputar para efeitos de obtenção do custo de aquisição, a parte que cabe a cada um deles relativamente a esse valor de aquisição, adotando-se a área de cada um em face da área total, como critério de aferição para a distribuição do custo de aquisição de cada uma das partes do terreno adquirido originalmente,
22. Assim, teríamos: (…)
23. Determinado o custo de aquisição, prossegue-se com o apuramento da mais valia fiscal, sendo que o coeficiente de desvalorização monetária, em 2001, relativamente a bens afetos ao uso desde 1990, como era o declarado pelo sujeito passivo, era de 1,64, conforme a Portaria n ° 1040/01 de 28 de Agosto, pelo que teríamos:
(…)
24. Considerando o valor declarado peio sujeito passivo no exercício de 2001, e que correspondeu a um prejuízo fiscal de 129.906,15 €, teríamos que determinar um novo resultado fiscal, em virtude de este não incluir a referida mais valia, daí resultando: (…)
25. Vamos então agora ver, com o apuramento da matéria coletável deste exercício de 2001, se assiste razão ao sujeito passivo quando diz que os prejuízos acumulados até então, e ainda dedutíveis. absorveriam o lucro tributável (…)
Como se demostra, mesmo que para este efeito se aceitem todos os pressupostos declarados pelo sujeito passivo, incluindo os que já se viram que não correspondem à realidade, como seja o facto de os terrenos estarem contabilizados como imobilizado e não como existências, o que permitiu que. para este cálculo que se aplicasse o coeficiente de desvalorização monetária, diminuindo assim o proveito para além do que era fiscalmente exigível, e admitindo que os prejuízos declarados foram bem apurados, algo que a Autoridade Aduaneira já não pode verificar, não se pode conceder ao sujeito passivo que seria praticamente inócuo evidenciar o proveito em 2001.
27. Isto porque, não só era apurada uma matéria coletável de 163.511,47 €, como sobre esta incidia então IRC à taxa de 32%, mais a derrama sobre a coleta, quando para o mesmo proveito, segundo o apuramento efetuado pelo sujeito passivo, registado no exercício de 2008, redundaria num prejuízo fiscal, o que não é de todo neutro.
111.1.3.4. Implicações das diferentes posições adotadas pelo sujeito passivo em relação à aplicação do princípio da especialização do exercício, para efeitos de apuramento do resultado do exercício de 2008 1. O sujeito passivo confronta-nos então, com duas posições diferentes relativamente à interpretação do principio da especialização do exercício; uma primeira, que corresponde àquilo que foi efetivamente contabilizado, e em que o sujeito passivo entendia que não reunia condições para contabilizar o proveito no ano da expropriação, e uma segunda, em que entende que o proveito contabilizado em 2008 é composto por uma parte relativa a proveitos deste exercício, correspondente ao recebimento do remanescente da indemnização, líquida de custas judiciais, e outra, relativa ao exercício de 2001, correspondente ao grosso da indemnização recebida, e que então não tinha contabilizado por manifesto erro.
2. Da primeira versão, não restam dúvidas que o proveito contabilizado corresponde na sua totalidade a um ganho respeitante a este exercício, havendo apenas que aquilatar se este foi, ou não, corretamente determinado.
3. A segunda versão dada peio sujeito passivo, conduz a que deva ser feita uma análise cuidada acerca da aplicação do princípio da especialização do exercício, isto porque, nos termos do artigo 18º n.° 1 do CIRC deve ser seguido este princípio, que impõe que os custos e os proveitos economicamente imputáveis a um exercício, sejam considerados apenas nesse exercício, só eles podendo influenciar o resultado desse exercício.
4. Por estes termos, e por esta interpretação, a parte dos proveitos contabilizada em 2008 relativa ao exercício de 2001, pura e simplesmente não deveria ser considerado como resultado deste exercício, sendo por isso eximidos de tributação, quer em 2001, por não ser já liquidável o imposto, quer em 2008.
5. Pretende então o sujeito passivo que, relativamente ao proveito por ele reconhecido em 2008, derivada única e exclusivamente da política de contabilização por si adotada em resultado da interpretação que inicialmente deu acerca da aplicação do princípio da especialização do exercício, que se considere que afinal este não é deste ano, mas sim de 2001, tal como resultava da sua nova interpretação acerca da aplicação do princípio da especialização do exercício.
6. Como já acima se demonstrou, com a primeira opção o sujeito passivo não pagou IRC, remetendo o seu apuramento para a data da fixação da indemnização, em 2008, enquanto que agora, apesar de ter efetuado a contabilização de um proveito pela globalidade da indemnização, como devia fazer em conformidade com a política contabilística que adotou, vem dizer que afinal se enganou, que esse proveito contabilizado agora é relativo ao exercício de 2001, pelo que se tivesse imposto a pagar este deveria ter sido apurado relativamente a esse exercício.
7. Resumindo, primeiro, não pagou IRC em 2001, pois entendia que não era o momento, e quando chega o momento, apesar de o relevar na totalidade como proveito de 2008, entende que afinal esse momento já tinha ocorrido e que agora nada haveria a fazer, resultando daí que estes proveitos não foram sujeitos a tributação, nem em 2001, nem seriam em 2008.
8. Ainda que não se conceda nesta interpretação, deve-se referir que mesmo considerando que aqueles rendimentos devessem ser considerados como relativos ao ano de 2001, importa ver se existem condicionantes que determinassem um regime de excecionalidade que implicasse que este rendimento devesse ser considerado como rendimento sujeito a tributação no ano de 2008.
9. Apesar do princípio da especialização do exercício ser um princípio que estabelece uma regra, este princípio vem sendo contrabalançado com o princípio da justiça, inscrito no artigo 55.° da Lei Geral Tributária, que em termos tributários, se alcança com a justa tributação de cada um, de acordo com a sua capacidade tributária, tal como resulta do artigo 103.° n.° 1 da Constituição da República Portuguesa, de forma a que a sua aplicação não resulte, nem em situações de dupla tributação, nem em situações de tributação nula.
10. Já se viu que o sujeito passivo adotou, conscientemente, um critério para contabilizar a indemnização recebida como compensação da expropriação, que passava pela contabilização no ano da fixação da indemnização, uma vez que até aí não seria mensurável o proveito obtido com essa indemnização.
11. Da adoção dessa política, o sujeito passivo em 2001, deixou de pagar IRC de 32% sobre a matéria coletável de 2001, de pelo menos 163.595,98 €, se aceitarmos, o que não sucede, que os terrenos seriam parte integrante do seu imobilizado, havendo ainda que acrescer a respetiva derrama.
12. Em 2008, reconhece a totalidade do proveito, como devia, em função da política adotada, mas apurando um resultado de zero.
13. Agora, em sede do procedimento inspetivo, propõe-se a desconsiderar o que sempre considerou e evidenciou na sua contabilidade, de que afinal esse proveito era de 2001.
14. Ao contradizer agora, a política que assumiu e contabilizou, o sujeito passivo cria uma situação em que beneficia de uma ausência de tributação relativamente a parte substancial do proveito da indemnização, levando a uma situação de não tributação absoluta.
15. Ora, nunca tendo a Autoridade Tributária discutido o critério utlizado pelo sujeito passivo que lhe permitiu diferir o pagamento do imposto até à fixação da indemnização e tendo o sujeito passivo assumido todo o proveito como proveito do exercício de 2008, ano dessa fixação, apurando um resultado zero, não se pode permitir que à luz do princípio da especialização do exercício, numa interpretação dada já após a própria contabilização da operação, se possa considerar que este rendimento não deve ser tributado por ser do ano de 2001, tanto que este comportamento colide defronte com o princípio da consistência que considera que a empresa não altera as suas políticas contabilísticas ao longo dos exercícios. 16. Este princípio é de grande importância pois obriga a que as empresas ao adotarem um determinado critério num exercício, não venham a mudá-lo posteriormente, muito menos, e como é o caso, quando essas políticas contabilísticas são renegadas já após a consumação das operações contabilizadas de acordo com as políticas que adotou originalmente.
17. É que assim sendo, estaria também em crise a aplicação do princípio da legalidade tributária, assente na capacidade contributiva, pois iria permitir que os sujeitos passivos interpretassem não reunir condições de contabilização do proveito no momento do primeiro pagamento da indemnização, por não conhecerem o montante efetivo dessa indemnização, e depois, quando esta é fixada, sempre que a decisão ultrapassasse o prazo para a liquidação do imposto à data da expropriação, vir o mesmo sujeito passivo dizer que afinal o proveito era de anos anteriores, pelo que já não poderia ser liquidado imposto, criando uma ponte para situações de tributação nula.
18. Neste caso, aliás, é à mesma pretendido este entendimento, ainda que sempre tivesse assumido contabilisticamente que o proveito deveria ser totalmente reconhecido no ano de 2008.
19. Desta forma, tendo o sujeito passivo assumido, livre e espontaneamente, dentro da sua interpretação, uma política contabilística que conduziria a tributação num exercício posterior, não tendo essa política de diferimento no reconhecimento do proveito sido posta em causa em nenhum momento pela Autoridade Tributária, e reconhecendo o sujeito passivo esse resultado no momento em que se propôs fazê-lo, não se encontra qualquer razão para desconsiderar esse proveito como um proveito efetivo do ano de 2008.
20. No entanto, e tendo-se já visto que foi diferido um resultado substancial em 2001, e tendo determinado um proveito nulo com esta operação no ano em que o sujeito passivo considerou que deveria reconhecer o proveito, não se entenderia qual o motivo que levava o sujeito passivo a renegar uma política que lhe garantiu uma vantagem fiscal legitimamente obtida de acordo com as políticas que adotou.
21. A menos que o proveito estivesse determinado de forma errónea no ano do seu reconhecimento, o que é efetivamente o caso, como a partir de agora se demonstrará.
III.1.3.5. Validação do custo contabilizado em 2008 por contrapartida do proveito obtido com a esta expropriação
1. Como acima se viu, o proveito relativo à indemnização foi anulado por contrapartida de diversos custos contabilizados em diversas subcontas da conta de imobilizado onde se encontravam os terrenos detidos pelo sujeito passivo.
2. Também já se viu acima, e lá se demonstrou, que pelo facto dos terrenos detidos deverem ser considerados como existências, e não como imobilizado como estavam contabilizados, inviabilizava, desde logo, a capitalização dos custos financeiros.
3. Mais, mesmo que se admitisse que os terrenos eram do imobilizado, em momento algum se poderiam capitalizar estes custos, pois nunca estes terrenos tiveram sobre si qualquer operação que levasse a que pudessem ser considerados como imobilizado em curso.
4. Mas se ainda assim se admitissem esses custos como capitalizáveis, veja-se que todos esses custos são registados em exercícios após a expropriação do terreno em causa, ou seja, tratam-se de custos suportados com outros terrenos que não aquele que conduziu ao proveito, não se conseguindo estabelecer, porque não existe, qualquer elo de correspondência entre o terreno que originou o proveito derivado da indemnização pela expropriação, ocorrida em 2001, e o custo capitalizado que o sujeito passivo abateu a esse proveito, contabilizado apenas a partir do ano de 2003.
5. Ao invés, será de considerar sim, como custo diretamente relacionado com o proveito obtido, a quota parte do custo de aquisição que coube a parte expropriada do terreno adquirido em 1990, o que levará à tributação efetiva do proveito derivado dessa expropriação, que abaixo se demonstrará, e esclarecendo o motivo pelo qual o sujeito passivo pretendia afastar estes proveitos de tributação, remetendo-os para o exercício de 2001.
III.1.3.6. Das correções necessárias
1. Na declaração modelo 22 do IRC do exercício de 2008, o sujeito passivo considerou um proveito derivado desta indemnização de 1.309.927,56 €.
2. Como se demonstrou no capítulo III. 1.3.2, determinou-se como proveito o montante da indemnização fixada de 1.301.597,10 €, havendo ainda que registar o montante de 24.160,00 € enquanto proveito financeiro, derivado da atualização do montante da indemnização fixada e custos de 16.174,60 €, relativos a custas judiciais suportadas no processo de expropriação, tendo sido contabilizado o proveito global de 1.309.927,56 €, correspondente ao saído contabilizado na conta de outros devedores e credores, já depois de recebida a última parcela, que incluía o remanescente da indemnização e os acréscimos recebidos, deduzidos das custas judiciais.
3. Não se conhecendo suporte para a diferença entre o valor líquido apurado de 1.309.582.50 €, considerando a indemnização e os acréscimos recebidos e as custas judiciais suportadas, e o proveito contabilizado de 1.309.927,56 €, que representa um proveito apurado inferior ao declarado em 345,06 €, desconsidera-se este montante enquanto proveito do exercício.
4. Ora, devendo ser os terrenos considerados como existências, e reconhecido o proveito correspondente à indemnização, deve-se igualmente considerar enquanto componente do resultado do exercício a determinar, o custo diretamente relacionado com esse proveito, e que corresponde ao valor do terreno expropriado, já determinado no capítulo 111.1.3.3, e que foi de 95.683,55 €.
5. Não obstante, o sujeito passivo considerou como custo do exercício um valor de 1.309.927,56 €, igual do proveito contabilizado, considerando assim um resultado nulo relativamente ao rendimento obtido com a indemnização recebida pela expropriação.
6. Como já se viu, o sujeito passivo considerou como custo do exercício associado à parcela expropriada um montante que abrangia diversos gastos com o loteamento e o projeto de arquitetura e custos financeiros, ambos capitalizados em relação aos terrenos que ainda detinha.
7. De facto, e desde logo, todos esses custos já foram incorridos depois de expropriado o terreno em causa, pelo que não podem ser considerados como custos indispensáveis para a realização dos rendimentos relativos à indemnização, pois nem sequer tinham ainda ocorrido esses gastos quando o terreno deixou de pertencer ao sujeito passivo inspecionado, não sendo por isso suscetíveis de serem considerados custos fiscalmente aceites nos termos do artigo 23.° do CIRC.
8. Naturalmente, que estes custos seriam normalmente considerados como fiscalmente aceites nos exercícios em que foram incorridos, já que, ainda que não sejam imprescindíveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto derivados da expropriação, são indispensáveis para a manutenção da fonte produtora, mas desde que considerados como custo do respetivo exercício.
9. Mas o sujeito passivo optou por proceder a uma capitalização desses custos, de forma errada, deparando- se agora com o facto de ter capitalizado um custo que não se lhe irá aproveitar para efeitos da determinação do resultado líquido do exercício, pois não repercutiu esses custos nos resultados líquidos dos exercícios em que fez essa capitalização.
10. E na realidade é assim, pois o princípio da especialização do exercício não pode ser derrogado quando o sujeito passivo conhecia que esse custo era de outro exercício, tanto mais que até contabilizou esses gastos no respetivo exercício, mas optando por não considerá-los como custo desses exercícios.
11. Isto é, mesmo que se considerasse, sem conceder, que o sujeito passivo pudesse descapitalizar esses custos e imputá-los ao resultado líquido do exercício, estes, ao abrigo do artigo 18.° do CIRC, não seriam considerados como custo do exercício de 2008, pois são custos relativos a exercícios anteriores, conhecidos e contabilizados nesses exercícios, mas não enquanto custo.
12. Assim, nos termos do artigo 23.° n.° 1 do CIRC, deve ser desconsiderado como custo do exercício de 2008 o montante contabilizado pelo sujeito passivo, de 1.309.927,56 €, devendo antes considerar-se como custo relacionado com o proveito, o custo de aquisição imputável ao terreno expropriado de 95.683,55 €, havendo assim uma diminuição aos custos relacionados com o proveito derivado da expropriação de 1.214.244,01 €, montante que se propõe a acrescer ao resultado líquido do exercício.
13. Por outro lado, deixando de se considerar admissível a capitalização dos custos financeiros, devem os custos contabilizados como custos financeiros relativos ao exercício de 2008, ser devidamente considerados enquanto custo do exercício de 2008, como vem do capítulo 11.1.2, no valor de 237.443,02 € 14. Resumindo, e nos termos do artigo 83.° n.° 10 do CIRC, que determina que as liquidações de IRC podem ser corrigidas, se for caso disso, são propostas as seguintes correções ao lucro tributável do exercício de 2008 do sujeito passivo inspecionado: (…)
15. Estas correções, implicam as seguintes alterações à declaração modelo 22 do IRC do exercício de 2008, rececionada em 29 de maio de 2009, começando-se por refletir os valores a acrescer e a deduzir ao resultado líquido do exercício, a evidenciar no quadro 07 dessa declaração, quadro onde se determina o apuramento do lucro tributável (…)
cfr. Projeto de relatório de fls. 4 e ss., ofício de fls. 23 e resultado da pesquisa de objeto de fls. 27, todas do p.a. apenso;
23. Em 09-11-2012 foi elaborado o Relatório Final de Inspeção em que se propuseram as mesmas correções aritméticas em sede de IRC constantes do projeto de correções, e que mereceu a concordância da Chefe de Divisão, por despacho da mesma data; – cf. RI a fls. 39 e ss. do p.a. apenso;
24. Em 28-11-2012 foi emitida, em nome da Impugnante, a liquidação de IRC n.º ...68, no valor de 163.394,39€ - cf. doc. de fls. 279 do p.a. apenso;
25. Em 07-05-2013 a Impugnante apresentou reclamação dirigida ao Diretor de Finanças ..., peticionando a anulação da liquidação adicional de IRC a que aludimos no ponto antecedente - cfr. doc. de fls. 271 a 278 do p.a. apenso cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
26. Em 18-12-2013 foi produzida pelos Serviços da Direção de Finanças de ... a informação n.º ...5/2013 cujo teor, no que ora releva, é o seguinte: « INFORMAÇÃO Vem o reclamante identificado nos autos, através da petição apresentada em 2013-05-07, reclamar da liquidação de IRC do ano de 2008, liquidação oficiosa n° ...68, que originou a nota de cobrança ...69 emitida pelo valor total de € 163.432,64, sendo €143.631,45 de imposto e €19.801,19 de juros compensatórios, com fundamento de não ter sido notificado e em consequência não ter exercido o direito de audição sobre o projeto do relatório da Inspeção da Direção de Finanças ... e das correções aritméticas efetuadas no relatório não estarem corretas. (…)
Conclui a Reclamante, que a liquidação reclamada é ilegal, porque a AT: 1. violou o artigo 39°, n.°5 CPPT, impedindo o exercício do direito de audição do artigo 60 LGT, o que constitui uma preterição de formalidade essencial. 2. Desconsiderou indevidamente, o registo contabilístico dos terrenos em causa, como bens do ativo imobilizado, desconsiderando os encargos financeiros que deverão ser fiscalmente dedutíveis e procedeu a uma errada especialização de exercícios quanto à data a que respeita a indemnização por expropriação, o que viola as regras da determinação da matéria coletável para efeitos de IRC, nomeadamente os artigos 17°, 18°, 23°, e 26° do CIRC, pelo que requer a anulação da liquidação adicional ...68 emitida por €163.432,64.
APRECIAÇÃO DO PEDIDO
A liquidação adicional de IRC ora reclamada resulta de ação de inspeção externa dos Serviços de Inspeção da Direção de Finanças ..., em cumprimento da ordem de serviço N° ...28, que visava a análise de IRC aos anos de 2008, 2009 e 2010. A ação inspetiva decorreu da análise efetuada noutra ação inspetiva (...39) ao sp [SCom02...], SA, NIPC ...00, atualmente com designação [SCom03...] SA, na qual constataram que havia uma situação de relações especiais entre os dois sujeitos passivos (artigo 63° CIRC). Sendo a liquidação reclamada oriunda da ação de Inspeção da Direção de Finanças ... (OI 2011....28), foi solicitado à mesma que remetesse cópia do relatório e que se pronunciasse sobre todo o alegado pelo reclamante. Por despacho de 2013-12-02, a divisão de inspeção tributaria (DIT II) de ... informa:
• relativamente à notificação do direito de audição, que foi notificado por carta registada, a qual veio devolvida com a indicação de que não foi reclamada, e que foi considerado notificado, nos termos do artigo 43°do RCPIT; Artigo 43° RCPIT Presunção de notificação 1 - Presumem-se notificados os sujeitos passivos e demais obrigados tributários contactados por carta registada e em que tenha havido devolução de carta remetida para o seu domicílio fiscal com indicação de não ter sido levantada, de ter sido recusada ou de que o destinatário está ausente em parte incerta.
• Relativamente às correções efetuadas pela inspeção, informam:
1. que se mantêm os factos e as condições que originaram a reclassificação dos terrenos de imobilizado para existências, que amplamente se descreveram no relatório, não se podendo estabelecer qualquer relação entre a contabilização que o sujeito passivo efetuou e a que o adquirente dos prédios fez, tanto mais, que se tratam de elementos supervenientes para este processo de reclamação.
2. Quanto à contabilização da indemnização pela expropriação, ela foi afeta ao exercício em que foi recebida, pelo facto de, e como foi também cabalmente descrito no relatório, o sujeito passivo ter entendido não considerar o proveito no momento da expropriação, pelo que outra hipótese não haveria que não fosse proceder à sua tributação no momento do recebimento, pois recorde-se, o principio da especialização do exercício, não pode, de nenhuma forma, contribuir para situações de dupla tributação, mas também não pode servir para situações de dupla não tributação, como pretende o sujeito passivo. O sujeito passivo ao adotar o principio da prudência para não registar o proveito para o ano da expropriação, deve entender que a sua aplicação faz pressupor que, quando o proveito for certo e definitivo deve então registá-lo, não podendo argumentar que por um principio de prudência não regista determinado proveito, mas depois, após a caducidade de liquidação do imposto para esse exercício, socorrer-se desse facto para considerar que foi demasiado prudente na altura, mas agora, quando em sequência desse seu raciocínio deveria reconhecer o proveito, considerar que pelo principio da especialização dos exercícios, afinal já não pode reconhecer esse proveito no ano em que o deveria ter reconhecido.
3. Conclui que a notificação do projeto do relatório para exercício do direito de audição, não enferma de nenhum vicio ou ilegalidade, e que as correções efetuadas foram devidamente fundamentadas e dentro da legalidade. Assim, as correções efetuadas relativamente à reclassificação dos terrenos de imobilizado para existências, foram devidamente fundamentadas no relatório, e na informação prestada em sede da reclamação, pois tal como foi informado não se pode estabelecer relação entre a contabilização que o sujeito passivo efetuou e a contabilização que o adquirente dos prédios veio a fazer. Tal como é referido no relatório, nomeadamente o imóvel -Quinta 2...-artigo rústico ...18, escritura de 31-12-1990, foi declarado que o mesmo se destinava a revenda, tendo esta aquisição sido efetuada então ao abrigo do artigo 11° n.°3 da CISA, assim se o imóvel foi adquirido com destino de revenda, não deveria ter sido contabilizado como imobilizado mas sim como mercadoria. O mesmo relativamente à Quinta 3...-artigo 2582 rústico- escritura 17-2-1996, também com isenção de sisa, prevista no artigo 11° n.°3 CSISA, tendo sido declarado que o imóvel foi adquirido para revenda, pelo que não deveria ter sido contabilizado como imobilizado mas sim como mercadoria. O R. à data das escrituras beneficiou de isenção de sisa, dada a natureza de existência desses terrenos, não se compreende como foram contabilizados como imobilizado, e muito menos que em sede de inspeção o administrador do R. tenha alegado que os terrenos não foram adquiridos no âmbito da atividade operacional da empresa, mas sim para .."valorização do capital a longo prazo”. Mesmo que assim fosse, então qual a justificação para as declarações à data da aquisição, “para revenda”, só o intuito de beneficiar da isenção de sisa ?!. Contudo, pelas diligências efetuadas pelo R sobre os imóveis em causa, constata-se que houve sempre a intenção de viabilizar um projeto de loteamento com fins empresariais, até com capitalização de custos com os serviços de arquitetura e de loteamento, que se enquadra na atividade da R. . Assim tal como se entende que os imóveis em causa fazem parte das existências e não do imobilizado, logo não é admissível a capitalização de encargos financeiros, além de que, mesmo se em hipótese se considerasse em imobilizado, tinham que estar contabilizados em imobilizado em curso, para que seja possível capitalizar custos financeiros. Relativamente à contabilização da indemnização pela expropriação ao exercício em que foi recebida, deve-se ao facto do proveito não ter sido considerado no momento da expropriação, pelo que não faria sentido não o contabilizar no ano do recebimento, e alegar que o deveria ter contabilizado em momento anterior (data da expropriação) pelo principio da especialização dos exercícios, mas agora já não pode reconhecer esse proveito no ano em que o deveria ter reconhecido. O que leva a supor que não o quis reconhecer no ano da expropriação nem cuidou de o reconhecer antes da caducidade. Relativamente à notificação para audição previa não existe qualquer ilegalidade, foi o sp notificado por carta registada tal como é determinado por lei, artigo 43° RCPIT, e tal como é referido no próprio relatório e pelo próprio reclamante na sua petição, a mesma veio devolvida com a indicação de que não foi reclamada, pelo que por força do preceito supracitado presume-se feita a notificação. (…) A reclamante estava inscrita para o exercício da atividade principal de “construção de obras de engenharia civil”, e os imóveis em causa, detidos em 1 de Janeiro de 2008, encontravam- se como imobilizado corpóreo, contabilizado na conta 421-terrenos e recursos naturais, com o valor total de €3.010.924,70. esse valor abarcava o custo de aquisição de diversos terrenos, todos da freguesia ..., e um conjunto de custos que vieram sendo contabilizados nesta conta, relativos a despesas associadas a esses terrenos. O procedimento previsto no artigo 36° do regime complementar de procedimento da Inspeção Tributaria (RCPIT) esteve subjacente ás liquidações reclamadas, pelo que toda a fundamentação decorreu no respetivo procedimento e foi notificada ao sp o projeto do relatório, pelo oficio n° ...15, de 2012-10-23, remetido sob o registo RD 06..............25PT, para os efeitos previstos nos artigos 60° da LGT e artigo 60° do RCPIT, tendo-lhe sido concedido o prazo de 15 dias para o exercício do direito de audição, não tendo a reclamante aproveitado desse direito, pois a notificação foi devolvida com a indicação de “ não reclamada", o que nos termos do artigo 43° do RCPIT, se presume notificado, pelo que foi notificado do relatório final e de todo o seu conteúdo, pelo oficio nº ...45 de 2012-11-14, com registo (RD 08.........75 PT) e aviso de receção assinado em 2012-11-26. Pelo Decreto Lei 410/89, de 21/11, foi aprovado o POC, que vigorou até 31/12/2009, o qual só foi revogado peio Decreto Lei 158/2009, de 13/07 pelo SNC, em vigor a partir de 01/01/2010. Assim, relativamente ao exercício em causa (2008), vigorava o POC, pelo que a contabilidade devia obrigatoriamente obedecer aos princípios contabilísticos previstos no POC., pelo que a classificação de imobilizado ou existências, deve ser encontrado no POC, nomeadamente no Capítulo I, “O conteúdo e a movimentação das contas das classes 1 a 8”:
• CLASSE 3-EXISTÊNCIAS - nesta classe, lançam-se os bens armazenáveis que se destinam a venda ou a serem consumidos no processo produtivo da empresa. A subconta 3.2-Mercadorias-respeita aos bens adquiridos pela empresa com destino a venda, desde que não sejam objeto de trabalho posterior de natureza industrial.
A subconta 3.5-Produtos e trabalhos em curso- respeita aos que se encontram em fabricação ou produção, não estando em condições de ser armazenados ou vendidos.
• CLASSE 4- IMOBILIZAÇÕES-esta classe inclui os bens detidos com continuidade ou permanência e que não se destinem a ser vendidas ou transformadas no decurso normal das operações da empresa, quer sejam de sua propriedade, quer estejam em regime de locação financeira. A subconta 4.2lmobilações corpóreas integra os imobilizados tangíveis, móveis ou imóveis, que a empresa utiliza na sua atividade operacional, que não se destinem a ser vendidos ou transformados, com caráter de permanência superior a um ano. Inclui igualmente as benfeitorias e as grandes reparações que sejam de acrescer ao custo daqueles imobilizados. Os juros respeitantes a financiamentos para imobilizações podem ser imputados à compra e produção dessas imobilizações, durante o período em que elas estiverem em curso, desde que isso se considere mais adequado e se mostre consistente. De harmonia com a Diretriz Contabilística N.° 14/93 que adaptou o POC à Diretiva N° 78/660/CEE, (4a Diretiva do Conselho, de 25/07/78), são:
• Atividades operacionais as que constituem o objeto das atividades da empresa e outras que não sejam de considerar como atividades de investimento ou de financiamento
• Atividades de investimento compreendem a aquisição e alienação de imobilizações corpóreas e incorpóreas e aplicações financeiras não consideradas como equivalentes de caixa
• Atividades de financiamento são as que resultam de alterações na extensão e composição dos empréstimos obtidos e do capital próprio da empresa.
Pelo exposto, o informado no relatório e que levou à liquidação ora reclamada, é que a reclamante tem e teve desde o inicio por objeto a industria da construção civil e comercialização que lhe estiver inerente ou com ela relacionada e está inscrito para o exercício da atividade principal de construção de obras de engenharia civil-CAE 42990, pelo que, considerando também que foi declarado à data das escrituras dos terrenos, datadas de 1990 e 1996, de que esses terrenos se destinavam a revenda, dentro do âmbito da sua normal atividade de compra e venda de imóveis, verifica-se que é dada uma natureza contabilística de existência a esses terrenos, pois é esta a forma de contabilização que deve ser dada a um bem adquirido para posterior venda, e não em imobilizado, como fez o sujeito passivo, beneficiando por este facto, da isenção de sisa, prevista no § 3o do artigo 11° do CIMSISD, devendo compreender-se que o objetivo desta isenção é precisamente remeter para tributação em sede de impostos sobre o rendimento , já que o beneficiário desta isenção manifestou a intenção de vender o bem no prazo em que lhe é concedido o não pagamento da sisa, e face a essa expetativa, de um eventual ganho e à consequente tributação em sede de impostos sobre o rendimento, carecendo de sentido tributar esse s p em sede de imposto sobre o património, quando este declarou que era para revenda e não para manter na sua posse.
Aliás essa intenção foi manifesta desde 1989, nas diligências efetuadas junto da Câmara Municipal ..., inicialmente com o pedido de informação previa, mais tarde com a apresentação do projeto de loteamento, nas suas diversas versões e até ao momento em que estes terrenos acabaram permutados no ano de 2009, sempre com o intuito de conhecer a capacidade construtiva que dispunha e depois de apresentar o respetivo projeto de loteamento, que seria primordialmente composto por moradias, blocos de habitações e diferentes equipamentos de comercio e serviços, para além de outros equipamentos a ceder ao domínio público.
No mesmo sentido, desde 2000 foi feita a capitalização dos custos com os serviços de arquitetura e de loteamento, o que mais uma vez prova que a posse destes terrenos está integrada na atividade prosseguida pela reclamante. Estes terrenos não reuniam condições necessárias para se poderem considerar imobilizado, devendo integrar uma conta da classe 3- existências,
• fosse na conta 32-mercadorias, se o objeto fosse a sua venda tal como se encontrava, engloba os bens que tenham como destino a venda, desde que não sejam objeto de trabalhos industriais posteriores
• fosse na conta 35- produtos e trabalhos em curso, se o objetivo fosse a construção do loteamento previsto, inclui os bens que se encontram em fabricação ou produção, e que não estejam em condições de ser vendidos. Assim, quer os ativos quer os passivos não podem ser classificados conforme os critérios pessoais dos gestores, mas devem obedecer aos critérios legais em vigor ao tempo.
Também, não nos parece correta a afirmação da reclamante, quanto à possível dualidade de critérios, relativamente à empresa [SCom02...], pois no relatório referente a essa empresa, os imóveis permutados, estão contabilizados como existências. Pelo exposto não assiste razão ao reclamante, nem quanto à ilegalidade da notificação do projeto do relatório, pois foi comprovado que a mesma foi validamente tida como notificada à luz do artigo 43° do RCPIT, nem quanto à reclassificação dos terrenos de imobilizado para existências, pois a mesma teve por base o POC, nem quanto aos encargos financeiros e outros custos de arquitetura e loteamento relativos àqueles terrenos, porque não sendo possível classificar os terrenos em causa como imobilizado corpóreo, também não é possível aceitar a capitalização desses custos, aliás nem mesmo se considerassem no imobilizado, exceto em imobilizado em curso. Assim, os custos financeiros de 2008, tal como foi informado, serão custos do exercício, sendo que relativamente aos outros custos capitalizados, por serem custos inerentes a existências e suscetíveis de integrar o seu custo de aquisição ou de produção, serão a elas imputadas. O sp optou por capitalizar os custos suportados com os terrenos, indexando-os ao seu custo de aquisição, de forma a garantir a sua utilização no ano em que viesse a obter o proveito, quando devia ter considerado custos de exercício em que efetivamente ocorreram, pelo que os custos financeiros capitalizados no exercício de 2008 enquanto custo do exercício foram considerados para efeitos de determinação do resultado liquido do exercício, pelo que foi considerado o credito de €237.443,02 relativo a custos financeiros 2008-V... (subconta 421010). Relativamente à expropriação da parcela de terreno verificou-se em 2001, tendo sido depositado à ordem da R. €1.202.102,93, contudo a mesma não reconheceu qualquer proveito para este recebimento, tendo contabilizado o proveito apenas no momento da disponibilização do valor final da indemnização. O despacho de expropriação foi em 2001, e foi efetivamente transferida nessa data, apenas ficou em aberto/discussão o montante da indemnização, o qual só ocorreu em 2008. A R. optou por assumir uma política contabilística que conduziria a tributação num exercício posterior, pelo que não se encontra razão para desconsiderar esse proveito como proveito efetivo do ano de 2008.
CONCLUSÃO
Pelo exposto, concluímos que não assiste razão ao reclamante, pelo que propomos o indeferimento do pedido na totalidade, sem prejuízo do direito de audição previsto na alínea b) do artigo 60° da Lei Geral Tributária, que lhe deverá ser concedido.» - cfr. doc. de fls. 315 e ss. do p.a. apenso; 27. Sobre a informação que antecede recaiu despacho de concordância do Sr. Diretor de Finanças ..., datado de 20-12-2013 – cfr. despacho aposto na
Informação a fls. 315 do p.a. apenso;
28. A Impugnante, notificada do projeto de decisão através do seu mandatário, não se pronunciou em sede de audiência prévia – cfr. Ofício de fls. 326 informação de fls. 326 e Informação de fls. 330, todas do p.a. apenso; 29. Por despacho de 17-02-2014 do Sr. Diretor de Finanças ..., notificado à Impugnante na pessoa do seu do seu Mandatário em 20-02-2014, foi indeferida a reclamação apresentada pela Impugnante – cfr. despacho a fls.
329, Ofício de fls. 331 e data aposta no AR de fls. 333 do p.a. apenso;
*
Motivação da matéria de facto Nos termos do n.º 4 do artigo 607.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi art. 2.º, al. e) do CPPT, na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documento ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida, extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.
No que respeita aos factos provados, conforme especificado nos diversos pontos da matéria de facto provada, a decisão da matéria de facto efetuou-se com base na conjugação dos documentos não impugnados (cf. artigo 374.º e 376.º do CC) e informações oficiais constantes dos autos, e ainda na posição assumida pelas partes em juízo, nos seus articulados (na parte em que foi possível obter a admissão por acordo; 574.º, n.º 2, 1ª parte, do CPC).
*
Esta é, em suma, a motivação que subjaz ao juízo probatório formulado.” ***
2.2 – O direito
Constitui objecto do presente recurso a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Coimbra que julgou procedente a impugnação judicial intentada pela aqui Recorrente da decisão de indeferimento da reclamação graciosa por si apresentada da liquidação adicional de IRC n.º ...68, do exercício de 2008.
2.2.1. A nulidade da decisão por excesso de pronúncia
A Fazenda Pública invoca a nulidade da decisão por considerar que a pronúncia excedeu o objecto da Impugnação, na medida em que foi decidida a anulação da liquidação em causa por entender que seria aplicável, ao caso sub judice, o Princípio da Justiça, que determinaria a
derrogação do Princípio da Especialização dos Exercícios, não tendo tal sido alegado ou avançado pela ora Recorrente.
Vejamos.
Decorre do disposto no artigo 125.º do CPPT que “1 - Constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer. (…)”.
Acresce que, também resulta do artigo 615.º do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º alínea e) do CPPT, que “1 - É nula a sentença quando: (…) d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;”
Ora, como estatui o n.º 2 do artigo 608.º do CPC “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”
Por último o n.º 1 do artigo 609.º do CPC determina que “A sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir” Assim, “o excesso de pronúncia ocorre quando o tribunal decide uma questão que não foi chamado a resolver, sendo nula, por vício de “ultra petita”, a sentença em que é invocada, como razão de decidir, uma causa ou facto jurídico essencialmente diverso da causa de pedir da sua pretensão.” – cfr. Acórdão do STA de 10.04.2024, proc. n.º 02151/11.7BEPRT.
No caso concreto e em sede de petição inicial a Recorrente invocou, em síntese, i) a falta de notificação por violação do disposto no artigo 39.º do CPPT e, consequentemente, do artigo 60.º da LGT, por falta de audição prévia da impugnante e consequente preterição de formalidade essencial que constitui vício de forma que determina a anulação do acto reclamado, ii) o erro das correcções aritméticas efectuadas.
Ora, relativamente à matéria aqui em questão e em relação às correcções aritméticas efectuadas invocou a Recorrente que a Autoridade Tributária e Aduaneira “recusou, indevidamente, o registo contabilístico dos terrenos em causa, como bens do activo imobilizado, recusando a dedutibilidade fiscal dos encargos financeiros que deverão ser fiscalmente dedutíveis e procedeu a uma errada especialização dos exercícios quanto à data a que respeita a indemnização por expropriação. Tudo em clara violação das regras de determinação da matéria colectável para efeitos de IRC, nomeadamente o disposto nos artºs 17º, 18º, 23º e 26º do Código do IRC”.
Nesta medida, a Recorrente, relativamente às correcções aritméticas efectuadas na sequência dos Serviços da Inspecção Tributária terem decidido não aceitar os custos registados na contabilidade, referentes aos custos de aquisição e encargos financeiros de diversos terrenos que integram o activo imobilizado da Recorrente e à consideração como proveito em 2008 do valor de uma indemnização recebida em 2008 mas respeitante a uma expropriação realizada em 2001, veio invocar que “No que respeita à expropriação do terreno para a propriedade do Estado, em 2001, embora o preço pago pela expropriação tenha sido recebido em 2008 e não tenha sido contabilizado como proveito em 2001, nem os respetivos custos que lhe fossem diretamente imputáveis, tenham sido fiscalmente deduzidos nesse exercício, não há dúvidas de que, quer à face da lei (artº 18º do Código do IRC) quer perante a materialidade e a realidade de facto (a substância), a mais-valia da expropriação é respeitante ao exercício em que ocorreu a transferência da propriedade, ou seja, à data em que a Universidade ... tomou a posse efetiva do terreno expropriado. Isto é, deve ser contabilizada em 2001 e não em
2008.”
Ora, quanto à classificação dos bens a sua pretensão improcedeu como se depreende da decisão recorrida.
Quanto aos custos suportados pela Impugnante com financiamentos, a Recorrente obteve procedência.
Isto porque, apesar do Tribunal a quo ter concordado com a posição sustentada pela AT “segundo a qual, sendo os terrenos qualificados como existências, a capitalização de custos com financiamentos operada pela Impugnante é uma operação contabilística errada, na medida em que, nos termos da regra n.º 5.3.3 do POC “Os custos de distribuição, de administração geral e os financeiros não são incorporáveis no custo de produção”, considerou também que “Todavia, à luz da qualificação dada aos apontados terrenos pela Impugnante – imobilizações – seria possível imputar os juros suportados à compra e produção, durante o período em que as imobilizações estivessem em curso. Isto é, a Impugnante optou por capitalizar os juros dos financiamentos obtidos, pensando que os poderia deduzir posteriormente, o que é consistente com a forma como, erradamente, qualificou os bens imóveis que detinha. Ora, a seguir o entendimento da Fazenda Pública, a Impugnante fica totalmente impossibilitada de efetuar a dedução dos custos com financiamentos em que assumida e comprovadamente incorreu, já que não poderá proceder à revisão das autoliquidações dos anos de 2001 em diante – anos a que se reportam os custos. Afirma o STA que “numa situação destas, em que não seja possível a “correção simétrica”, por razões de tempestividade, a doutrina (Neste sentido Lei Geral Tributária Anotada, Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, 4ª edição, Encontro da Escrita, pag. 454 e Rui Duarte Morais, ob. citada, pag. 70.) e a jurisprudência supracitadas veem afirmando que o custo, ainda que indevidamente contabilizado, deve ser aceite, nomeadamente quando a respetiva imputação não tenha resultado de omissões voluntárias e intencionais, com vista a operar transferência de resultados entre exercícios” (cfr. Acórdão de 14-032018 proferido no Proc. n.º 0716/13). Ora, compulsado o RI verifica-se que inexistem quaisquer elementos que apontem para a existência de omissões voluntárias e intencionais por parte do sujeito passivo, sendo que a AT sustenta a posição adotada apenas na impossibilidade de derrogação do princípio da especialização dos exercícios. De facto, como ficou sublinhado no referido Acórdão proferido no Proc. n.º 0716/13, “no caso do referido art. 18, n.º 1, do CIRC resulta uma vinculação para a Administração, que, em regra, deve aplicar o princípio da especialização dos exercícios na sua atividade de controle das declarações apresentadas pelos contribuintes. Mas, o exercício deste poder de controle, predominantemente vinculado, pode conduzir a uma situação flagrantemente injusta e, nessas situações, é de fazer operar o princípio da justiça, consagrado nos arts. 266, n.º 2, da CRP e 55 da LGT, para obstar a que se concretize essa situação de injustiça repudiada pela Constituição. Na ponderação dos valores em causa (por um lado o princípio da especialização dos exercícios que é uma regra legislativamente arbitrária de separação temporal, para efeitos fiscais, de um facto tributário de duração prolongada e, por outro lado, o princípio da justiça, que reflete uma das preocupações nucleares de um Estado de Direito), é manifesto que, numa situação de incompatibilidade se deve dar prevalência a este último princípio.” Assim é de aceitar, para efeitos fiscais, a contabilização efetuada pela Impugnante já que não estão alegados ou provados factos através dos quais se demonstre que houve a intenção deliberada de proceder à transferência de resultados de exercício ou de fuga à tributação. Neste contexto haveremos de concluir que é de considerar anulável, por vício de violação de lei, o ato de liquidação de IRC impugnado, por ter na sua base uma correção da matéria tributável que, no caso sub judice, conduz a situações injustas. Face ao exposto, será forçoso concluir pela procedência da impugnação, sem necessidade de apreciar os demais fundamentos invocados.”
Nesta senda, o Tribunal a quo, apesar de ter concordado com a fundamentação e consequentes correcções prosseguidas pelos Serviços de Inspecção Tributária, ora impugnadas, à luz do o princípio da justiça, logrou dar procedência ao invocado.
No entanto, a violação do princípio da justiça não veio alegado pela Recorrente em sede da petição inicial, não podendo o Tribunal a quo, sob pena de incorrer em excesso de pronúncia, ter decidido pela procedência da pretensão apresentada com base em tal princípio.
Acresce que tal questão também não é de conhecimento oficioso.
Isto porque como refere Freitas do Amaral (in Curso de Direito Administrativo, Volume II, Almedina, 10ª reimpressão da edição de 2001, 2018, páginas 390/391 - com a colaboração de Lino Torgal), o vício de violação de lei é o “vício que consiste na discrepância entre o conteúdo ou o objeto do acto e as normas jurídicas que lhe são aplicáveis. O vício de violação de lei, assim definido, configura uma ilegalidade de natureza material: neste caso, é a própria substância do ato administrativo, é a decisão em que o ato consiste, que contraria a lei. (…). Não há, pois, correspondência entre a situação abstratamente delineada na norma e os pressupostos de facto e de direito que integram a situação concreta sobre a qual a Administração age, ou coincidência entre os efeitos de direito determinados pela Administração e os efeitos que a norma ordena. O vício de violação de lei produz-se normalmente quando, no exercício de poderes vinculados, a Administração decida coisa diversa do que a lei estabelece ou nada decida quando a lei mande decidir algo.”
Nesta medida, quando seja infringido princípio geral que limita ou condiciona, de forma genérica, a discricionariedade administrativa, como seja a violação do princípio da justiça, estamos perante vicio de violação de lei – cfr. Freitas do Amaral, obra supra citada, pag. 392.
Assim, estando-se perante um vício de violação de Lei, tal questão não é de conhecimento oficioso, por não se enquadrar em nenhuma das situações elencadas no artigo 578.º e artigo 579.º, ambos do CPC, ou consubstanciar questão que deva ser conhecida ao abrigo do disposto no artigo 204.º da
Constituição da República Portuguesa. Neste sentido vide Helena Cabrita (in “A sentença cível”, 2ª Edição revista e actualizada, Almedina, pag. 51 a 53).
Nesta senda, tendo o Tribunal a quo decidido pela procedência da pretensão formulada pela Recorrente com base na violação do princípio da justiça, e, não tendo a mesma sido invocada pela Recorrente no seu articulado inicial, excedeu a pronúncia, verificando-se in casu, a mencionada nulidade, nulidade que se mostra parcial.
Isto porque, não tendo sido interposto recurso da decisão, na parte que julgou improcedente o invocado pela Impugnante quanto à classificação dos bens e aos custos deduzidos, esta transitou em julgado, solidificando-se na ordem jurídica.
Assim e face ao supra decidido, ficam prejudicadas as questões invocadas pela Recorrente, relacionadas com o erro da matéria de facto, assim como o erro de julgamento.
2.2.2 – Do conhecimento em substituição
O Tribunal a quo ao ter decidido pela procedência da impugnação, com base no princípio da justiça, julgou prejudicada a alegada preterição de formalidades legais.
Ora, como decorre do disposto no n.º 2 do artigo 665.º do CPC, ex vi artigo 281º do CPPT ”Se o tribunal recorrido tiver deixado de conhecer certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, a Relação, se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhece no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários” Nesta medida, considerando que das questões colocadas no articulado inicial pela Impugnante, aqui Recorrida, o Tribunal a quo não apreciou e decidiu da questão relativa à “violação do direito de audiência prévia”, e, uma vez que as partes já tiveram oportunidade de sobre as mesmas se pronunciarem ao longo dos autos, em cumprimento do normativo citado, constando dos autos todos os elementos necessários ao conhecimento de tal questão por este Tribunal, passamos a decidir em substituição.
2.2.3 – A preterição de formalidades legais
Invoca a Impugnante, aqui Recorrida, que os serviços da Direcção de Finanças ... não o notificaram validamente do projecto de conclusões do relatório de inspecção, para efeitos de audição prévia e nessa medida violou o disposto no artigo 39.º nº 5 do CPPT, e, consequentemente, impediu o exercício do direito de audição prévia previsto no artigo 60.º da LGT, o que constitui preterição de uma formalidade essencial no procedimento de liquidação.
Vejamos.
O dever de audiência prévia decorre de imperativo constitucional, ínsito no artigo 267.º n.º 5 da Constituição da República Portuguesa, que consagra o princípio da participação dos cidadãos nas decisões que lhes digam respeito, tendo sido vertido, com carácter geral no artigo 100.º do Código do Procedimento Administrativo.
Em Direito Fiscal o exercício do direito de audição encontra-se especialmente conformado no artigo 60.º da LGT, sob a epígrafe “Principio da participação” estabelecendo o direito dos contribuintes a participarem na formação das decisões que lhes digam respeito.
Dispõe a LGT no seu artigo 60.º n.º 1 que “A participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efectuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, por qualquer das seguintes formas: (…) e) Direito de audição antes da conclusão do relatório da inspecção tributária.”
Ademais, o n.º 2 do preceito legal estabelece que “É dispensada a audição:
a) No caso de a liquidação se efectuar com base na declaração do contribuinte ou a decisão do pedido, reclamação, recurso ou petição lhe seja favorável; b) No caso de a liquidação se efectuar oficiosamente, com base em valores objectivos previstos na lei, desde que o contribuinte tenha sido notificado para apresentação da declaração em falta, sem que o tenha feito.”
A falta de audição prévia do contribuinte, nos casos em que é obrigatória, constitui assim um vício de forma do procedimento tributário susceptível de conduzir à anulação da decisão que vier a ser tomada (cfr.artº.135, do C.P. Administrativo, então em vigor; Diogo Leite de Campos e Outros, ob. cit., pág.515; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.437). – cfr. Acórdão do TCA Sul de 27.10.2016, processo n.º 09810/16.
No entanto, e como decidiu o STA em Acórdão do Pleno do CT de 26.09.2018, processo n.º 01506/17.8BALSB “«Com efeito, a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo tem formado uma sólida orientação no sentido de que os vícios de forma não impõem, necessariamente, a anulação do acto a que respeitam, e que as formalidades procedimentais essenciais se podem degradar em não essenciais se, apesar delas, foi dada satisfação aos interesses que a lei tinha em vista ao prevê-las. Consequentemente, e tendo em conta que a audiência prévia dos interessados não é um mero rito procedimental, a formalidade em causa (essencial) só se podia degradar em não essencial (não invalidante da decisão) se essa audiência não tivesse a mínima probabilidade de influenciar a decisão tomada, e se se impusesse, por isso, o aproveitamento do acto – utile per inutile non viciatur. O que exige um exame casuístico, de análise das circunstâncias particulares e concretas de cada caso» (Cfr. o acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 22 de Janeiro de 2014, proferido no processo n.º 441/13, disponível em (...). Ou seja, entre as situações em que se admite que não se produza o efeito anulatório da preterição do direito de audiência prévia, a par daquelas em que se demonstre que o exercício desse direito não poderia influenciar de modo algum a decisão, contam-se também aquelas em que, tendo sido omitida a audiência no procedimento de primeiro grau, o interessado teve a oportunidade de se pronunciar em procedimento de segundo grau. O n.º 5 do art. 163.º do novo CPA veio mesmo consagrar expressamente esse entendimento, pois na sua alínea b) consagra como situações em que não se produz o efeito anulatório aquelas em que «[o] fim visado pela exigência procedimental ou formal preterida tenha sido alcançado por outra via».
Como judiciosamente observam DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA (Ob. e loc. cit.), «Poderá também considerar-se convalidado o acto primário que enferme de vício de violação do direito de audição se o interessado veio a utilizar meios de impugnação administrativa (reclamação graciosa ou recurso hierárquico) e neles acabou por ter oportunidade de se pronunciar sobre questões sobre as quais foi indevidamente omitida a audiência no procedimento de primeiro grau. Em situações deste tipo, quer o acto primário tenha sido mantido quer tenha sido revogado e substituído pelo acto de segundo grau, a decisão administrativa final acaba por ser o acto de segundo grau, pelo que deverá ser em relação a este acto que deverá aferir-se se o contribuinte teve ou não oportunidade de participar na sua formação. Porém, se a reclamação graciosa e o recurso hierárquico são facultativos e o interessado impugna contenciosamente o acto primário, não ocorrerá qualquer convalidação, subsistindo o vício de preterição do direito de audição, se o acto primário enfermava dele. Isto é, não é apenas por o interessado ter a possibilidade de impugnar administrativamente o acto primário, mas apenas quando tenha deduzido efectivamente uma impugnação e nela se tenha pronunciado sobre as questões sobre as quais era necessário dar-lhe oportunidade de se pronunciar, que se pode considerar convalidado o acto, por ter sido atingida, antes de ser concluída a actividade administrativa, a finalidade visada por lei com a concessão daquele direito» (sublinhado nosso).”
Tendo aquele Tribunal decidido que “I - A falta de audiência prévia à liquidação, quando não seja legalmente dispensada, constitui preterição de formalidade essencial, conducente, em regra, à anulabilidade do acto (cfr. art. 135.º do CPA antigo, a que corresponde o n.º 1 do art. 163.º do actual CPA). II - No entanto, há situações em que a preterição da formalidade pode não ter efeitos invalidantes (cfr. o n.º 5 do art. 163.º do actual CPA), designadamente quando, em procedimento de segundo grau, o interessado pôde pronunciar-se sobre as questões relativamente às quais foi omitida a audiência no procedimento de primeiro grau.”
No caso sob apreciação e independentemente da Impugnante, ora
Recorrida, ter ou não ter sido notificada para exercer o direito de audição relativamente ao projecto de relatório do procedimento inspectivo, como decorre da factualidade assente, fixada pelo Tribunal a quo, ponto 25), a Recorrida apresentou em 07 de Maio de 2013 reclamação dirigida ao Diretor de Finanças ..., peticionando a anulação da liquidação adicional de IRC.
Nesse seguimento, foi notificada do projeto de decisão da reclamação graciosa, tendo sido proferido despacho de indeferimento dos fundamentos aí alegados pela Impugnante, ora Recorrida - cfr. pontos 28) e 29) da matéria de faco assente pelo Tribunal a quo.
Nesta senda, a Impugnante, ora Recorrida, deduziu reclamação graciosa da liquidação impugnada, tendo aí a possibilidade de apresentar os fundamentos contrariadores aos termos da sobredita liquidação, relativamente à qual lhe deveria ter sido previamente concedida a faculdade de se pronunciar.
Assim e na senda do que decidiu o STA, impera “considerar que ficou sanado o vício de preterição de formalidade legal por omissão de notificação para exercício do direito de audiência prévia”, razão pela qual também este fundamento da impugnação improcede.
Nos termos do disposto no artigo 663.º nº 7 do Código de Processo Civil, elabora-se o seguinte SUMÀRIO:
I. Ocorre excesso de pronúncia, à luz do estatuído pelo artigo 125.º do CPPT, artigo 608 n.º 2, artigo 609.º n.º 1 e artigo 615.º n.º 1 alínea d), todos do CPC, quando o Tribunal aprecia e decide uma questão que não foi chamado a resolver, isto é, quando decide fundamentando com uma causa ou facto jurídico essencialmente diverso da causa de pedir e o seu conhecimento não é oficioso.
II. O vício de violação de lei é o “vício que consiste na discrepância entre o conteúdo ou o objeto do ato e as normas jurídicas que lhe são aplicáveis”.
III. A violação do princípio da justiça consubstancia vício de violação de lei. Nessa medida, não é questão de conhecimento oficioso, não devendo ser apreciado e decidido pelo Tribunal a quo quando não suscitado.
IV. A falta de audiência prévia do projecto do relatório do procedimento inspectivo, quando não seja legalmente dispensada, constitui preterição de formalidade essencial, conducente, em regra, à anulabilidade do acto.
V. No entanto, há situações em que a preterição da formalidade pode não ter efeitos invalidante, nomeadamente quando, em procedimento de segundo grau, o interessado pôde pronunciar-se sobre as questões relativamente às quais foi omitida a audiência no procedimento de primeiro grau.
***
3 – Decisão
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal em:
a) Conceder provimento ao recurso, declarando-se parcialmente nula a sentença recorrida, por excesso de pronúncia;
b) Em substituição, julgar improcedente a impugnação judicial, mantendo-se na ordem jurídica a liquidação impugnada relativa ao IRC do exercício de 2008.
Custas pela Recorrida em ambas as instâncias, sem prejuízo de não haver lugar ao pagamento de taxa de justiça na presente instância, por não ter contra-alegado, nos termos do disposto no artigo 7.º n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais.
Porto, 9 de Maio de 2024
Virgínia Andrade
Paula Maria Dias de Moura Teixeira
Graça Valga Martins |